Discurso no Senado Federal

EXPECTATIVA ANTE AS RESPOSTAS DO GOVERNO FEDERAL PARA O COMBATE A MISERIA E AS DESIGUALDADES REGIONAIS.

Autor
Lúcio Alcântara (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/CE)
Nome completo: Lúcio Gonçalo de Alcântara
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
DESENVOLVIMENTO REGIONAL.:
  • EXPECTATIVA ANTE AS RESPOSTAS DO GOVERNO FEDERAL PARA O COMBATE A MISERIA E AS DESIGUALDADES REGIONAIS.
Publicação
Publicação no DSF de 04/08/1999 - Página 19281
Assunto
Outros > DESENVOLVIMENTO REGIONAL.
Indexação
  • COMENTARIO, DIFICULDADE, DESENVOLVIMENTO, REGIÃO NORDESTE.
  • RESISTENCIA, INTEGRAÇÃO, ESTADOS.
  • DEFESA, TRANSPOSIÇÃO, AGUA, RIO SÃO FRANCISCO, COMBATE, POBREZA, DESENVOLVIMENTO, REGIÃO NORDESTE.

O SR. LÚCIO ALCÂNTARA (PSDB-CE. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, durante o mês de julho, mês do recesso parlamentar, houve várias discussões públicas entre ilustres políticos brasileiros que certamente devem merecer uma reflexão de nossa parte. No meu modo de ver, essas discussões, muitas vezes, foram travadas num plano emocional, não trouxeram a necessária luz ao debate e até, de alguma maneira, confundiram a opinião pública.  

Em primeiro lugar, devo dizer que, ao reorganizar o seu Ministério, o Presidente Fernando Henrique Cardoso o fez com absoluta liberdade. Fui um dos primeiros a ocupar a tribuna desta Casa para pregar que liberássemos o nosso Partido, o PSDB, que, inclusive, é o de Sua Excelência, de qualquer obrigação, de qualquer injunção partidária e que, dadas as circunstâncias em que estamos vivendo no Brasil, Sua Excelência escolhesse pessoas que pudessem ajudá-lo na tarefa mais ingente no momento, que é a retomada do processo de desenvolvimento.  

No bojo desse desenvolvimento, certamente serão satisfeitas as necessidades do nosso povo, criando-se novos postos de trabalho, retomando-se o processo dinâmico da economia, sem descuidar da estabilidade da moeda e, portanto, do equilíbrio financeiro do País, que, como todos nós pensamos, é um valor a ser conservado.  

Portanto, quem procedeu como eu procedi deve dar crédito ao Presidente, para que Sua Excelência faça suas escolhas de acordo com esses critérios de que se terá valido para selecionar esses nomes. Aguardarmos que essa nova equipe esteja realmente disposta a funcionar harmonicamente, sob a liderança do Presidente da República, e a atender aos grandes anseios do País.  

Há uma aspiração popular no sentido de que se retome o processo de desenvolvimento. Essa pendenga que existe entre os chamados financistas, se quiséssemos dizer assim, ortodoxos da economia e os desenvolvimentistas pode ser útil para esclarecer os problemas e a situação do País e servir de insumo para que o Presidente lidere esse processo de desenvolvimento. Acho que essa é uma aspiração geral, do empresariado, dos políticos, dos profissionais liberais, dos trabalhadores, enfim, de todos os que estão, de uma forma ou de outra, envolvidos no processo produtivo.  

Nessa discussão de recomposição do Ministério, tivemos um grande debate sobre uma decisão que o Congresso Nacional tomou, creio que no penúltimo dia do seu funcionamento, de aprovar uma medida provisória que permitia ou permite a instalação de montadoras no Nordeste, recebendo incentivos e subsídios da União e evidentemente do Estado onde ela vier a se implantar. Foi a chamada Emenda Ford. Devo dizer que desde o primeiro momento achei que essa era uma medida acertada.  

E aqui aproveito a presença do nosso sempre Senador Beni Veras, que se dedicou a essa questão regional no Senado, para dizer que qualquer coisa para o Nordeste só sai a tapa. É muito difícil. Há sempre uma série de argumentos que são utilizados para evitar ou dificultar que o processo de descentralização da economia, de correção das desigualdades seja realmente colocado em funcionamento, que chegue ao fim esse processo de desigualdade regional.  

Ora, ouvi argumentos, inclusive de pessoas pelas quais tenho grande admiração, pessoas que constituem até de certa maneira referenciais para mim na vida pública, os mais absurdos. Uns diziam que a montadora é hoje uma indústria que não vale mais nada no mundo pós-moderno. Se não vale nada, por que tanta briga pelo fato de a indústria ir para o Nordeste? Outros diziam que é porque estavam sendo concedidos incentivos. Foram concedidos incentivos como os foram para as indústrias do Paraná, para as montadoras do Paraná, para as montadoras do Rio de Janeiro, para as montadoras do Rio Grande do Sul! Quando é para o Nordeste, não pode. No entanto, a própria Organização Mundial do Comércio admite o incentivo, o subsídio regional.  

E no caso é justamente a Região Nordeste, embora ela vá se localizar na Bahia. E a Bahia já é um Nordeste querendo virar Sudeste. Mas, mesmo assim, houve ainda todo esse alarido contra a transferência da Ford para a Bahia, e chegou-se ao cúmulo de se querer colocar numa medida provisória que os empregos da Ford em São Paulo ficariam garantidos. Isso é realmente um absurdo! Se nem a estabilidade do servidor público existe mais, como uma medida provisória baixada pelo Presidente da República pode assegurar lugar numa empresa, numa fábrica? Evidentemente que isso era um exagero!  

Agora, sim, os jornais noticiam que houve uma negociação da Ford com os sindicatos e a estabilidade no emprego foi mantida por um ano. Mas isso é decorrente de negociações - como me socorre o Senador Bello Parga - entre a empresa e os seus empregados. Uma medida provisória garantir os empregos numa indústria contraria tudo o que estamos procurando fazer, que é diminuir o tamanho do Estado, diminuir a interferência do Estado na economia, e assim por diante. E há um recrudescimento dessas discussões regionais no País. Eu sempre disse aqui, em mais de uma oportunidade, que para o Brasil ir bem é preciso que São Paulo vá bem, mas sem perder essa visão global do País. Temos necessidade de colocar a Região Nordeste, embora tenhamos o Norte e o Centro Oeste, porque é aquela que tem uma densidade populacional maior, tendo inclusive problemas de recursos naturais. Se raciocinarmos assim, verificaremos que essas reações contra a implantação de uma montadora na Bahia não tem maior importância, não tem maior significado, não tem sustentação.  

Inclusive, quero saudar aqui o Ministro Fernando Bezerra, cuja posse assistimos hoje. Acho que uma das boas coisas que o Presidente Fernando Henrique Cardoso fez neste segundo mandato foi criar o Ministério da Integração Nacional. Muitas vezes conversei com Sua Excelência, com o Ministro Clóvis Carvalho, que as ações regionais estavam entregues a vários órgãos, de maneira fragmentada, sem nenhuma coordenação. Não se trata de voltar ao antigo Ministério do Interior, onde estavam os índios, estava a Defesa Civil, estavam os fundos de desenvolvimento regional, mas sim de um modelo novo, que, aliás, o Ministro, no seu pronunciamento, fez questão de frisar, que são desigualdades que estão um pouco por toda parte. Estão no Vale do Ribeira, em São Paulo, estão no Jequitinhonha, em Minas, estão em grande parte na metade sul do Rio Grande do Sul, embora o peso realmente dessas desigualdades esteja no Norte e no Nordeste, o que é inquestionável. Esse Ministério pode ser um sinal de que o Governo vai realmente ter uma política de desenvolvimento regional. Como não existe essa política de desenvolvimento regional, temos a guerra fiscal e temos ações como essa que resultou na instalação da montadora Ford na Bahia.  

Dou inteira razão ao Senador Antonio Carlos Magalhães. Se eu estivesse no lugar de S. Exª teria feito do mesmo jeito, porque, volto a dizer, como não há uma política geral, o que acontece é que cada um tem que fazer o que pode. O que os Estados podem fazer? Partir para a guerra fiscal, porque é muito difícil atrair empreendimentos novos, indústrias novas para se sediar no Nordeste, às vezes no interior do Nordeste, no semi-árido, se não houver algum atrativo que torne competitiva aquela empresa que vai se implantar lá. Condenar a guerra fiscal é muito fácil. O que é que vem em seu lugar? Qual é a proposta da União para isso? O que o Governo Federal pode fazer para ensejar o desenvolvimento desses Estados mais pobres dentro de uma política geral que ele traça para ser conduzida por muito anos? Como ela não existe, como não veio, automaticamente cada Estado vai procurar se defender como pode. Então, é muito fácil, quem está num outro patamar de desenvolvimento, ou um outro Estado que já tenha uma condição melhor, simplesmente se insurgir contra a guerra fiscal.  

Em seguida, veio a questão da pobreza. Foi um outro tema levantado - aqui homenageando o nosso querido colega Eduardo Suplicy - pelo Presidente do Senado, quando anunciou proposta de apresentar projeto sobre o assunto. E ainda voltando um pouco ao tema que tratava antes, do desenvolvimento regional, queria até fazer uma espécie de alerta aos brasileiros, de modo especial aos paulistas, por quem tenho um grande apreço pela sua capacidade empreendedora, pelo seu dinamismo. Um dia desses estava fazendo um paralelo com 30, e estava cunhando um slogan: Lembrai-vos de 30.  

O que deu origem a 30? São Paulo, já não aceitando nem o café com leite de Minas com São Paulo, que se alternavam na Presidência da República, resolveu ficar bebendo só café, fazer um novo paulista para suceder Washington Luís. Com isso aconteceu a união de Minas, do Rio Grande do Sul e da Paraíba, e tivemos a Revolução de 30.  

É evidente que não estou pregando isso. Estou apenas chamando à realidade e ao bom senso os paulistas, principalmente suas lideranças. Eles precisam ter bem clara essa visão de nação, de país - com as suas desigualdades, com seus problemas, com as suas dificuldades. Daí por que acho oportuno, no momento em que temos tantos paulistas eminentes ocupando cargos de grande responsabilidade no Governo - a começar pelo Presidente Fernando Henrique e alguns ministros -, que eles se dêem conta dessa realidade e procurem ampliar seus horizontes. Essa é uma responsabilidade nossa, é uma responsabilidade nossa como brasileiros: não podemos ignorar as questões regionais.  

Mas, como dizia, surgiu o debate sobre a pobreza. Acho que esse projeto anunciado pelo Senador Antonio Carlos Magalhães - ainda não o conhecemos, salvo em seus aspectos gerais, pois ele ainda não foi formalizado - tem pelo menos um mérito, que é o de provocar, mais uma vez, um debate, uma discussão sobre essa questão. Esse é um problema grave que não podemos ignorar e que requer uma atenção especial do Governo.  

Eu seria injusto se negasse que o Governo do Presidente Fernando Henrique tem várias iniciativas orientadas no sentido de combater a pobreza e que tem encargos pesados para cumprir obrigações de transferência de renda que se dão no âmbito da Previdência, programas de bolsa-escola e programas de microcrédito. Enfim, é de justiça reconhecer o esforço do Governo Fernando Henrique nessa área. Mas nós precisamos de mais algum instrumento que nos permita agredir, atacar de maneira mais objetiva, com maior intensidade e com mais contundência o problema da pobreza. Há inclusive organismos internacionais - não me lembro agora se o Banco Mundial ou o BID - que preconizam propostas compensatórias para serem aplicadas concomitantemente com o programa de ajuste fiscal, um reconhecimento de que o ajuste fiscal, embora necessário, tem uma repercussão grave sobre a população mais pobre, a população desvalida.

 

Vamos ter oportunidade de discutir essas questões e encontrar as melhores soluções ou as soluções possíveis para enfrentar essa grave questão da pobreza. No entanto, quando pensamos em instituir tributos ou aproveitar tributos que já existem para vinculá-los diretamente ao combate à pobreza, fico naquela situação do provérbio popular: "gato escaldado da água fria tem medo". Por quê? Nós aprovamos aqui a CPMF, que é um tributo cuja arrecadação estaria ligada diretamente à aplicação na Saúde. Na cabeça de cada um de nós - eu, inclusive, fui relator desse projeto - estava que, além do que o Governo já gastava com Saúde, iria gastar mais aquele dinheiro decorrente da arrecadação da CPMF. Não houve nada disso: tirou do bolso direito e botou no bolso esquerdo, o gasto não aumentou. O Governo era obrigado constitucionalmente a aplicar em Saúde, mas para tanto utilizou recursos de outras fontes. Se formos adotar um imposto especificamente destinado a combater a pobreza, ainda vamos ter esse risco de o gasto, em vez de aumentar, manter-se o mesmo.  

De forma que a questão não é fácil, não é simples e não se resolverá com voluntarismo, mas mediante um debate, uma discussão na qual as pessoas estejam realmente imbuídas do propósito de criar mecanismos institucionais e fiscais que permitam uma maior intensidade na política de combate à pobreza. De qualquer maneira, o debate que se anuncia pode ser rico e certamente muitas sugestões vão surgir.  

Um grupo do IPEA, por exemplo, escreveu um documento - pretendo comentá-lo aqui em outra oportunidade - sobre como seria uma proposta para combater a pobreza no Brasil, levando-se em conta, de um lado, o próprio crescimento da economia. Se a economia voltar a crescer, vamos ter a geração de novos postos de trabalho, vamos ter oportunidade para que as pessoas possam viver decentemente. Casando isso com políticas para combater a desigualdade - a desigualdade regional ou a desigualdade entre as pessoas -, vamos ter uma estrutura muito mais sólida para desenvolver essa política de combate à pobreza.  

Sr. Presidente, gostaria de deixar bem clara a importância da questão regional. Acho que o caso da Ford foi emblemático, foi muito ilustrativo. Há também o exemplo da redução da incidência do imposto para facilitar a venda de carros e evitar o desemprego dos metalúrgicos de São Paulo. Quem pagou essa conta foi o Brasil todo, porque todo mundo sabe que o IPI entra no cálculo do Fundo de Participação dos Estados e dos Municípios - ao se reduzir o IPI, automaticamente foi afetado o Fundo de Participação dos Estados e dos Municípios. Nós, como bons brasileiros, compreendíamos que aquilo era uma política nacional de defesa do emprego e, portanto, precisava ser de fato adotada pelo Presidente. Essa mesma compreensão queremos para com os nossos problemas regionais. Não queremos nada que não seja de direito, nada que não se possa explicar e, sobretudo, nada que possa atentar contra a lei ou contra as instituições, contra a soberania do País ou contra a integridade nacional.  

Quando se fala em federação, subentende-se a harmonia dos estados. Se não for assim, vamos ter uma desagregação que ninguém quer, que ninguém deseja. Mas seguramente está na hora de o Nordeste ser olhado com mais atenção, com mais carinho pelo Governo. Inclusive, até homenageando o Senador Agnelo Alves, que vai logo mais tomar posse no Senado, esses fatos que ocorreram no mês de junho e julho fizeram com que se retomasse uma prática que estava abolida, que é a da reunião sistemática dos governadores do Nordeste. Os governadores voltaram a se encontrar, sentiram agora a necessidade de agir em bloco, em conjunto. Independentemente do partido político a que pertençam, independentemente das relações políticas que tenham com o Presidente da República, pautam-se pela defesa dos interesses da região, estudando pontos específicos, como é o caso, por exemplo, do Programa de Eixos de Desenvolvimento, que está sendo proposto pelo Governo. Vamos saber até que ponto esses Eixos de Desenvolvimento vão contribuir para a redução, para a diminuição dos desequilíbrios regionais, até que ponto o Nordeste e outras regiões - o Norte e o Centro-Oeste - poderão se beneficiar disso para crescerem mais, para reduzir essa distância entre o Sul e o Sudeste que nos coloca numa posição difícil no contexto da Federação.  

Creio que a solidariedade que o Senador Antonio Carlos Magalhães e o Governador da Bahia receberam dos demais governadores do Nordeste para a implantação da Ford lá na Bahia vai fazer com que o coração generoso do Presidente Antonio Carlos Magalhães seja agora um grande defensor da transposição do São Francisco. Sempre ouvimos dizer aqui e ali que há restrições dos baianos, há restrições na Bahia que não têm, aparentemente, nenhuma sustentação de ordem técnica - geológica ou hidrogeológica. De forma que nós esperamos que essa união dos governadores, defendendo a medida provisória que permite a instalação da Ford na Bahia num momento em que havia muita dúvida sobre a decisão do Presidente da República - ele só anunciou o seu "de acordo" no último prazo constitucional -, gere agora essa mesma solidariedade, que não exclua ninguém, nenhum estado, nenhum governador da idéia de transportar as águas do rio São Francisco.  

Faço este registro e espero solidariedade entre os Estados para que essa grande obra se torne realidade - os projetos executivos estão na fase final, estão sendo concluídos -, para que possamos, por uma questão de respeito aos nordestinos, empreender esse grande feito de natureza humana, porque dará água para beber a quem vive na caatinga e luta com grande dificuldade pela sua sobrevivência.  

Muito obrigado, Sr. Presidente.  

 


Este texto não substitui o publicado no DSF de 04/08/1999 - Página 19281