Discurso no Senado Federal

INTENÇÃO DE ENCAMINHAR A MESA REQUERIMENTO PARA CRIAÇÃO DE UMA COMISSÃO MISTA DO CONGRESSO NACIONAL PARA EXAMINAR AS PROPOSTAS DE COMBATE A POBREZA EM TRAMITAÇÃO.

Autor
Marina Silva (PT - Partido dos Trabalhadores/AC)
Nome completo: Maria Osmarina Marina Silva Vaz de Lima
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA SOCIAL.:
  • INTENÇÃO DE ENCAMINHAR A MESA REQUERIMENTO PARA CRIAÇÃO DE UMA COMISSÃO MISTA DO CONGRESSO NACIONAL PARA EXAMINAR AS PROPOSTAS DE COMBATE A POBREZA EM TRAMITAÇÃO.
Aparteantes
Eduardo Suplicy.
Publicação
Publicação no DSF de 04/08/1999 - Página 19313
Assunto
Outros > POLITICA SOCIAL.
Indexação
  • APRESENTAÇÃO, REQUERIMENTO, CRIAÇÃO, COMISSÃO MISTA ESPECIAL, CONGRESSO NACIONAL, ESTUDO, SOLUÇÃO, ERRADICAÇÃO, POBREZA, PAIS, LEVANTAMENTO, MATERIA, TRAMITAÇÃO, DEFINIÇÃO, PRIORIDADE, PROJETO DE LEI, APRECIAÇÃO, URGENCIA.
  • DEFESA, ABERTURA, DEBATE, COMISSÃO MISTA, SOCIEDADE CIVIL, DISCUSSÃO, COMBATE, MISERIA, REESTRUTURAÇÃO, POLITICA SOCIO ECONOMICA, OBJETIVO, CRESCIMENTO ECONOMICO, REFORMA AGRARIA, AMPLIAÇÃO, ACESSO, EDUCAÇÃO.
  • DEBATE, ETICA, AMBITO, POLITICA DE EMPREGO, AUMENTO, RESPONSABILIDADE, NATUREZA SOCIAL, INICIATIVA PRIVADA.
  • IMPORTANCIA, APOIO, PARTIDO POLITICO, TRABALHO, COMISSÃO MISTA, ERRADICAÇÃO, POBREZA.

A SRª MARINA SILVA (Bloco/PT-AC. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, no aparte que fiz ao Senador Eduardo Suplicy, dei conhecimento à Casa de que apresentaria um requerimento para criação de uma comissão mista do Congresso Nacional com vistas a discutir as mais diversas propostas de combate à pobreza que aqui tramitam. O requerimento está vazado nos seguintes termos:  

"Requeremos, nos termos regimentais e em conformidade com as normas estabelecidas pela Presidência na sessão conjunta de 11-11-91, publicadas no DCN de 12-11-91, pág. 4505, a criação de uma Comissão Mista Especial, composta de 11 Senadores e 11 Deputados como titulares e igual número de suplentes para, no prazo de 90 dias, estudar as causas estruturais e conjunturais da pobreza no País e apresentar soluções legislativas para sua erradicação."  

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, temos várias propostas nesse sentido tramitando no Congresso Nacional, muitas delas de iniciativa da Oposição, e várias de outros partidos. Temos, por exemplo, as propostas do ex-Senador Fernando Henrique Cardoso de proteção ao emprego em função da automação e também de taxação sobre as grandes fortunas. Temos a proposta do então Deputado Nelson Jobim de proteção ao trabalho, criando impedimentos para as demissões sem justa causa. Há iniciativas altamente significativas, como é o caso do projeto do Deputado Nilmário Miranda de criação de recursos para instituição de casas populares, e das que já foram por mim mencionadas de autoria do meu querido companheiro Senador Eduardo Suplicy. Iremos fazer um levantamento das várias propostas existentes e, ao final dos trabalhos dessa comissão, apresentaremos uma lista de projetos prioritários à apreciação do Congresso Nacional, para dar continuidade a esta discussão tão profícua que se iniciará neste segundo semestre.  

É altamente relevante que essa comissão discuta os problemas estruturais e conjunturais de combate à pobreza e à miséria com a sociedade civil, com a CNBB, com as diversas ONGs que lidam com a questão do combate à pobreza, pois têm uma série de contribuições a esse respeito. E, acima de tudo, que, além das medidas consideradas paliativas, haja discussões para a instituição de um processo de efetivação de propostas estruturais de combate à miséria - e propostas estruturais necessariamente passam por ações que levem este País ao crescimento econômico, com a diminuição da taxa de juros, fundamental ao reaquecimento do setor produtivo -, e ações concretas, como já falei anteriormente, no sentido de realizarmos a reforma agrária e de proporcionarmos acesso à educação aos milhões de jovens excluídos socialmente por esse processo perverso que ocorre em todo o mundo; e isso só pode ser feito se passarem por um processo de apropriação de conhecimento.  

O Senador Gilberto Mestrinho, há pouco, apresentou dados mostrando que, com todo o avanço técnico, é possível que a produção do planeta seja realizada por apenas 20% da população, enquanto que 80% seria descartável como força de trabalho. Tais fatos levam-nos a um questionamento que não pode ser apenas técnico, mas, necessariamente, ético.  

Faço questão de aqui repetir as palavras do ex-Governador Cristovam Buarque, que dizia que o nosso avanço técnico não foi acompanhado do devido avanço ético, pois, com toda a nossa técnica, poderíamos matar a fome de bilhões de pessoas famintas. Poderíamos construir abrigos, casas, para todos aqueles que estão desabrigados, graças ao crescimento técnico da construção civil. Poderíamos tratar adequadamente todas as pessoas que sofrem de doenças tratáveis, e mesmo as portadoras de doenças incuráveis receberiam um tratamento adequado se a nossa técnica fosse acompanhada da devida ética. E qual seria essa ética? A de que o homem, para continuar seu crescimento dentro do processo civilizatório, tem que necessariamente estar voltado para um política de valorização dos seus semelhantes, em que o lucro imediato não pode comprometer os recursos que poderiam ser usados milernarmente, secularmente, pelo humanidade. A forma como tratamos os problemas sociais muitas vezes é ineficaz porque não há pessoas que elaborem estratégias para resolução desses problemas.  

Em relação à questão do combate à miséria, não tenho o conhecimento técnico do Senador Eduardo Suplicy, um economista competente e um professor responsável, preocupado com os problemas deste País, além de um grande político, lutador por melhores de vida para nossa população. A minha experiência é a de uma pessoas que era, até os dezesseis anos, analfabeta, de uma criança cuja única atividade pedagógica, juntamente com seus irmãos e irmãs, era a de ajudar os pais na roça. E agradeço ao meu pai pela formação do meu caráter. Mas, atualmente, é impossível a vida digna quando os pais não conseguem oferecer aos seus filhos o mínimo, que é a educação, a participação no processo de conhecimento tão exigido para se entrar no mercado de trabalho.  

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, todos os Líderes desta Casa estão de acordo com a criação dessa comissão. Conversei com os Senadores José Roberto Arruda e Jader Barbalho, com as Lideranças do PFL, e todos mostraram-se favoráveis a essa idéia. O próprio Presidente do Congresso Nacional, Senador Antonio Carlos Magalhães, disse que a comissão é um instrumento eficaz, porque nada grandioso é feito por uma ou duas pessoas. Tudo que é grandioso pode até se iniciar com uma ou duas pessoas, mas, ao fim e ao cabo, com certeza, será obra de muitas pessoas, de milhares e milhares de pessoas. Aquilo que não é capaz de se fazer plasmar na tessitura social não é tão grandioso assim. Tenho absoluta certeza de que, com todo o empenho de abnegados, como é o caso do Senador Eduardo Suplicy, com o empenho que certamente terá o Presidente do Congresso, já que pautou essa discussão para este segundo semestre - embora, do ponto de vista da Oposição, ela faça parte da pauta e da agenda nacional de todos esses anos em que tivemos presença no Congresso Nacional -, essa discussão vai adquirir uma dimensão muito importante, que é a de darmos resposta.  

Sr. Presidente, o que estou dizendo aqui não pode ser apenas um discurso político. A iniciativa dessa Comissão, a proposta de renda mínima do Senador Eduardo Suplicy, o fundo de combate à pobreza, do Senador Antonio Carlos, o projeto de criação de casas populares, do Deputado Nilmário Miranda, não podem ser uma iniciativa apenas política, tem que ser pelo menos uma iniciativa política que terá conseqüências práticas que passem pelos três níveis de que falei anteriormente. Um deles é o do socorro imediato. Não dá para dizer ao faminto que ele espere o País voltar a crescer; que se trata de um problema de desemprego estrutural; que precisamos ter uma proposta sistêmica de crescimento econômico para que se volte a gerar emprego. Enfim, não é possível dizer isso a alguém que precisa alimentar-se agora, ter uma casa agora, ter uma vestimenta agora. Mas não podemos nos conformar em simplesmente oferecermos o peixe - e, em muitos casos, nem sequer se consegue um grande peixe; talvez, na linguagem do meu Estado, apenas uma pequena piaba para que a pessoa continue viva. Não dá para nos conformarmos com esse tipo de paliativo.  

É fundamental que haja outras ações, e há algumas ações semi-estruturais, como por exemplo a idéia de uma bolsa-escola. Ela faz com que as famílias, ao receberem aquela ajuda financeira, coloquem seus filhos na escola. Entretanto, a proposta de bolsa-escola não tem apenas esse objetivo: ela também agrega as famílias desempregadas em torno de associações e de cooperativas para que possam ser autônomas, dentro de um processo de geração de emprego e renda de acordo com a realidade econômica e social, às vezes até mesmo na informalidade. Esse é outro nível de saída para o problema da miséria.  

O terceiro nível passa por uma democratização do capital. Não é possível continuarmos com essa visão insana de que quanto mais centralizados os recursos, os meios de sobrevivência, mais estaremos acumulando riqueza. Não há condições de se continuar pensando dessa maneira. É fundamental termos outra visão.  

Certa vez, li um artigo - creio que na revista Veja - em que o articulista dizia que o problema do Brasil não era a elite; ao contrário, o problema do Brasil e da América Latina era a falta de uma elite, porque a elite pensa estrategicamente. Ela é capaz de diminuir a sua margem de lucro para possibilitar que a força de trabalho se reproduza em melhores condições, para que o mercado consumidor tenha melhores possibilidades de consumo, para que as pessoas possam ter saúde, educação, porque não é conveniente, não é correto a um cidadão de bem - mesmo que seja rico, porque não é o fato de ser rico que o faz deixar de ser um cidadão de bem, um homem de caráter - deixar que as coisas aconteçam assim. A elite é capaz de conceder. E se formos para países desenvolvidos como os da Europa, os Estados Unidos, nós vamos encontrar famílias que tiraram parte dos recursos de suas fortunas para investimento em ações de caráter social de alta relevância na área de educação, do apoio à pesquisa, da proteção ao meio ambiente, e posso citar o exemplo dos Rockfeller, que têm uma base de atuação ligada à questão da proteção do meio ambiente.  

Devo dizer, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, que a ausência no nosso País dessa elite que pensa estrategicamente faz com que vivamos em um país em que existe uma oligarquia "sanguessuga" e que são poucos aqueles que estão dispostos, pelo menos até agora, a conceder pelo menos uma parte do seu lucro insano para que o País possa ser beneficiado como deve ser. Eu acho que no momento em que, de coração aberto, estamos todos aqui querendo tomar iniciativa no sentido de combater a pobreza, devemos lutar para que também os demais segmentos da sociedade possam ser incorporados. E aí, sem preconceito, acho que temos que abrir essa discussão para que aqueles que embora estejam operando numa atividade privada não se distanciem da responsabilidade social e pública que têm perante este País. Devemos acabar com essa visão oligárquica do lucro fácil, imediato, da concentração de poder e de recursos em detrimento dos interesses sociais.

 

Sempre fico pensando quão bom seria se, por exemplo, dentro da margem de lucro que têm, as escolas privadas abrissem um programa de aceitação de crianças da rede pública de acordo com o desempenho dessas crianças, por exemplo. Suponhamos que eu fosse dona de uma escola privada e, dentro da minha margem de lucro, eu pudesse abrir, todos os anos, 20 vagas para os melhores alunos que conseguissem realizar até o quarto ano primário. Eu estaria dando uma contribuição de acordo com a minha margem de lucro.  

Certo dia, eu conversava com uma pessoa dono de uma empresa de consultoria de treinamento de recursos humanos. Essa pessoa me dizia que sua empresa dedica mais ou menos 10% da capacidade operativa da sua empresa para fazer treinamentos, de forma gratuita, para determinados segmentos da sociedade que não teriam como pagar pelos seus cursos. Achei maravilhosa a idéia e o procedimento. Acho que isso poderia fazer parte de uma grande discussão dentro dessas iniciativas de combate à pobreza em que o Governo tem maiores responsabilidades, seja em nível federal, estadual e municipal. Mas a sociedade também o tem. Todavia, cobrar abstratamente da sociedade que faça aquilo que ela não tem meios nem condições de fazer pode parecer que se está sofismando a realidade. Deve-se cobrar de quem pode ajudar. Não num apelo piegas, dramático, de que as pessoas devam amolecer seu coração; não é isso. Até seria bom que fosse assim, mas dentro de uma visão de que, para este País voltar a crescer, é fundamental que haja o esforço de muitos, e esse esforço passa necessariamente pela revisão dos nossos valores em relação à responsabilidade pública no que diz respeito ao analfabetismo, à pobreza, à democratização do capital, cuja discussão precisa ser feita.  

Parabenizo aqueles que estão dispostos a levar esse debate e as suas conseqüências necessárias; cumprimento todos os Colegas que concordam com a criação dessa Comissão. Tenho certeza de que, da parte do Bloco da Oposição, com relação aos dois indicados a que temos direito, serão verdadeiros baluartes dessa causa. Do meu ponto de vista, sem preterir nenhum dos Colegas da minha Bancada, dos sete Senadores que somos, sei que um necessariamente - até porque o Senado precisa da presença dessa pessoa - dará uma grande contribuição: o Senador Eduardo Suplicy, que tem a capacidade de pensar o problema e, ao mesmo tempo, tratá-lo como deve ser, de forma suprapartidária.  

O Sr. Eduardo Suplicy (Bloco/PT-SP) - Senadora Marina Silva, V. Exª me permite um aparte?  

A SRª MARINA SILVA (Bloco/PT-AC) - Concedo o aparte a V. Exª.  

O Sr. Eduardo Suplicy (Bloco/PT-SP) - Senadora Marina Silva, quero cumprimentá-la pela iniciativa de propor que venhamos a ter uma Comissão no Congresso Nacional que, por 90 dias, vá se dedicar inteiramente à questão da erradicação da pobreza, examinando sem qualquer tipo de reserva ou preconceito todo e qualquer projeto, procurando verificar, das inúmeras iniciativas apresentadas aqui no Congresso Nacional com vistas a esta finalidade, qual a que melhor poderá contribuir para esse objetivo tão significativo. Com a formação de uma comissão que venha a dedicar-se inteiramente ao assunto durante noventa dias, será possível examinar as proposições existentes, bem como ouvir especialistas que se dedicaram ao tema, não apenas no Brasil mas também em outros países. Também poderemos ouvir grandes economistas que têm acumulado uma reflexão extraordinária sobre o assunto. Poderíamos citar, entre outros, o próprio Amartya Sen, laureado com o Prêmio Nobel no ano passado e que dedicou sua vida ao exame das causas das desigualdades e da maneira de diminuí-las. Foi ele o responsável pela reclassificação da metodologia do índice de desenvolvimento humano que colocou o Brasil em septuagésimo nono lugar, tendo em vista sobretudo os indicadores de pobreza e de desigualdade existentes no País. Poderá também a comissão deslocar-se do Distrito Federal para algumas áreas onde o problema da pobreza seja mais agudo e, além disso, examiná-los, no Acre, em Alagoas e também, por exemplo, na Baixada Fluminense, na Baixada Santista, na grande São Paulo, nas grandes favelas dessas regiões metropolitanas, enfim, em todo o Brasil. Deverá a comissão dialogar com as centrais sindicais, como o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, e examinar as proposições que visem assegurar melhor rendimento e também maior equidade na distribuição do patrimônio acumulado por todos os segmentos da sociedade. Então, disponho-me, desde logo, a participar. É claro que muitos outros aqui terão vontade de participar. O importante é o que V. Exª está registrando, isto é, que haja disposição efetiva de trabalhar com esse propósito. Felizmente, pude verificar que, em virtude do empenho de V. Exª em dialogar com diversos Senadores, o apoio a sua proposição está vindo de todos os partidos, e isso é muito positivo. Meus cumprimentos.  

A SRª MARINA SILVA (Bloco/PT-AC) - Incorporo o aparte de V. Exª ao meu pronunciamento.  

Iniciamos esse segundo semestre trazendo um assunto de tão alta relevância para o debate e tenho absoluta certeza de que a sociedade brasileira acompanhará os resultados do esforço que o Congresso Nacional irá fazer a partir da constituição dessa comissão.  

Em se tratando da pobreza, não cabe, em absoluto, fazermos qualquer coisa que possa ser apenas uma iniciativa de retórica. Tenho absoluta certeza de que as pessoas que irão compor essa comissão irão trabalhar no sentido de que ela tenha começo, meio e fim. O prazo de 90 dias é essencial para que, a partir da conclusão dos trabalhos, possamos orientar nossas ações de aprovação de projetos que estão tramitando e de projetos que poderão surgir. Durante a votação do Orçamento da União para exercícios futuros, saberemos quais recursos serão alocados para que as ações aqui apresentadas e aprovadas possam ser viabilizadas.  

Era o que eu tinha a dizer, Sr. Presidente.  

Muito obrigada.  

 

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Este texto não substitui o publicado no DSF de 04/08/1999 - Página 19313