Discurso no Senado Federal

CONGRATULANDO-SE COM A SENADORA MARINA SILVA PELA INICIATIVA DA CRIAÇÃO DA COMISSÃO MISTA DE COMBATE A POBREZA. NECESSIDADE DE ESTABELECER UM EQUACIONAMENTO PARA RENEGOCIAÇÃO DAS DIVIDAS DOS PRODUTORES RURAIS COM O FUNDO CONSTITUCIONAL DO NORDESTE - FNE.

Autor
Ney Suassuna (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/PB)
Nome completo: Ney Robinson Suassuna
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA SOCIAL. DESENVOLVIMENTO REGIONAL.:
  • CONGRATULANDO-SE COM A SENADORA MARINA SILVA PELA INICIATIVA DA CRIAÇÃO DA COMISSÃO MISTA DE COMBATE A POBREZA. NECESSIDADE DE ESTABELECER UM EQUACIONAMENTO PARA RENEGOCIAÇÃO DAS DIVIDAS DOS PRODUTORES RURAIS COM O FUNDO CONSTITUCIONAL DO NORDESTE - FNE.
Aparteantes
Eduardo Suplicy.
Publicação
Publicação no DSF de 04/08/1999 - Página 19317
Assunto
Outros > POLITICA SOCIAL. DESENVOLVIMENTO REGIONAL.
Indexação
  • APOIO, MARINA SILVA, SENADOR, INICIATIVA, CRIAÇÃO, COMISSÃO MISTA, CONGRESSO NACIONAL, COMBATE, POBREZA.
  • CRITICA, GESTÃO, FUNDO DE DESENVOLVIMENTO REGIONAL, ESPECIFICAÇÃO, FUNDO CONSTITUCIONAL DE FINANCIAMENTO DO NORDESTE (FNE), FALTA, TRATAMENTO ESPECIAL, CREDITOS, PROJETO, PEQUENA EMPRESA, MEDIA EMPRESA, ZONA RURAL, CRIAÇÃO, EMPREGO.
  • ANALISE, DADOS, EXCESSO, AUMENTO, ENCARGOS FINANCEIROS, FALTA, VALORIZAÇÃO, PRODUTO AGRICOLA, EFEITO, DIVIDA, AGRICULTOR, INADIMPLENCIA, NECESSIDADE, RENEGOCIAÇÃO, DEBITOS, FUNDO CONSTITUCIONAL DE FINANCIAMENTO DO NORDESTE (FNE).
  • IMPORTANCIA, APROVAÇÃO, EMENDA, MEDIDA PROVISORIA (MPV), NEGOCIAÇÃO, DIVIDA, FINANCIAMENTO, REGIÃO SEMI ARIDA.

O SR. NEY SUASSUNA (PMDB-PB. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, não quis interromper a Senadora Marina, mas penso que essa comissão será muito importante. Concordo inteiramente que devemos fazer um esforço. Assim que o Senador Suplicy fez o seu projeto de renda mínima, apresentei um projeto de renda mínima escolar, complementar, que em outros termos é a bolsa-escola. Penso que temos essa obrigação para com a sociedade. Faz mais de quatro anos que apresentamos tais projetos e até hoje não vimos a finalização deles. Fui relator de um projeto, já modificado, do Senador Eduardo Suplicy, mas até agora não vislumbramos a vontade política de implementá-lo.  

O Sr. Eduardo Suplicy (Bloco/PT-SP) - V. Exª concede-me um aparte, nobre Senador Ney Suassuna?  

O SR. NEY SUASSUNA (PMDB-PB) - Com todo o prazer, nobre Senador Eduardo Suplicy.  

O Sr. Eduardo Suplicy (Bloco/PT-SP) - Senador Ney Suassuna, vamos recordar. V. Exª acompanhou o assunto desde 1991, quando foi votado o Projeto de Renda Mínima, o qual hoje se encontra na Câmara do Deputados com parecer favorável do Deputado Germano Rigotto e está pronto para ser votado. Surgiu a idéia de relacionar o projeto de renda mínima com as famílias que não possuíam o suficiente para sobreviver, complementando-lhes a renda para que suas crianças freqüentassem a escola. Isso foi instituído pelo Governador do Distrito Federal, Cristovam Buarque, em 1995, e também pelo Prefeito José Roberto Magalhães Teixeira, em 1996. Depois foram apresentadas inúmeras proposições no Senado e na Câmara dos Deputados. Assim como V. Exª, apresentaram proposições nesse sentido os Senadores José Roberto Arruda e Renan Calheiros e os Deputados Pedro Wilson, Nelson Marchezan e Chico Vigilante. A partir disso surgiu no Palácio do Planalto a vontade de votar o projeto de renda mínima que era um tanto restrito. Foi aprovada e sancionada, em 10 de dezembro de 1997, a Lei nº 9.533, que autoriza o Governo Federal a financiar os Municípios que adotarem projetos de renda mínima associados à educação. Esse projeto está em andamento. Em abril passado, o Governo assinou pouco mais de 130 convênios com Municípios para que eles iniciem esses projetos ainda neste semestre. Na semana passada, visitei alguns desses Municípios, como Leme, Álvares Machado e outros no interior de São Paulo, e verifiquei que o Governo começa a liberar os recursos, mas em pequenos montantes. Esse projeto inicia-se apenas pelos Municípios de menor renda per capita e arrecadação per capita e tem a fórmula de um benefício restrito: R$15,00 vezes o número de crianças menos a metade da renda familiar per capita, o que ainda não seria suficiente para atingir o objetivo de erradicar a pobreza. Todavia, trata-se de um passo nessa direção. V. Exª deu parecer favorável a um projeto de lei que continua a tramitar no sentido de modificar a fórmula desse benefício. É importante que a Comissão de Assuntos Econômicos o aprecie. Também tramita na Comissão de Assuntos Econômicos o projeto que institui o Fundo Brasil de Cidadania, apresentado por mim em abril do ano passado, e já reapresentado, tendo em vista o início de nova Legislatura - aliás, reapresentei os dois. Esse projeto também está em curso na Comissão de Assuntos Econômicos - inclusive, como não sei quem é o Relator, posteriormente, indagarei de V. Exª sobre a relatoria. Todavia, o Fundo Brasil de Cidadania pode perfeitamente ser examinado à luz dessa energia que agora tem o Congresso Nacional, como se vê hoje, já que Senadores de todos os Partidos estão dispostos a seguir a sugestão do Senador Antonio Carlos Magalhães de darmos total prioridade ao combate à pobreza - e estamos tomando como séria essa sua palavra. Vamos, portanto, dedicar-nos a isso, e, claro, a Comissão que a Senadora Marina Silva acaba de propor será um dos foros onde este assunto estará sendo tratado. Contudo, a Comissão de Assuntos Econômicos, obviamente, tem a responsabilidade de colocar em debate e votar os projetos de maior relevância que o Congresso Nacional estiver apreciando.  

O SR. NEY SUASSSUNA (PMDB-PB) - Senador Eduardo Suplicy, tenha a certeza de que a minha palavra será sempre séria, principalmente quando tratar de assuntos como este, não só porque na Legislatura passada apresentei um projeto, já referido, sobre a complementação da renda escolar, como também porque tive a honra de relatar projeto de autoria de V. Exª.  

Estaremos, em outras ocasiões, juntos no combate a uma vulnerabilidade nacional enorme, a carência absoluta. E é sobre este assunto, hoje, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, que venho falar.  

Volto a esta tribuna para tecer considerações sobre questão das mais graves que ora ocorre nas Regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste do País, justamente em função da política inadequada que vem sendo exercitada no gerenciamento dos fundos constitucionais para aquelas Regiões, estabelecidos quando da repartição das receitas do Imposto de Renda e do IPI.  

Permito-me, inicialmente, efetuar uma avaliação histórica da política dos fundos do desenvolvimento regional, detendo-me essencialmente no Fundo Constitucional do Nordeste, o FNE, sobre o qual possuo maiores conhecimento e informação, com a convicção de que situações similares ocorrem nos fundos do Norte e do Centro-Oeste.  

O FNE, cuja utilidade e relevâncias são inegáveis, por representar uma alavanca ao desenvolvimento regional, foi prioritariamente destinado ao financiamento de projetos de grande porte, cuja garantia era mais efetiva para os administradores do fundo, esquecendo-se eles de que tais projetos não são os mais importantes para a real melhoria das condições de vida dos nordestinos, em termos de geração de emprego e renda.  

Após anos de luta junto ao Governo Federal, por parte dos Governadores e Parlamentares da Região Nordeste, observou-se, nos últimos cinco anos, uma crescente participação de projetos de pequeno e médio portes, na destinação dos recursos do FNE.  

Tal cenário, entretanto, representou, mais do que um benefício, um pesadelo para os tomadores, já que os financiamentos tiveram mantidas as condições gerais estabelecidas para o Fundo, sem contemplar a especifidade de sua destinação, principalmente no tocante à área rural, em que haveria a necessidade de se praticar uma remuneração diferenciada, adequada à baixa rentabilidade de projetos dessa natureza, que, apesar disso, geram grande número de empregos e fixam o homem à terra. Ao contrário do que ocorre em todos os países, aqui essas especificidades não foram levadas em conta.  

Sr. Presidente, é do conhecimento de todos os brasileiros que o Semi-árido nordestino está incluído entre as regiões mais pobres do Brasil e que os projetos na região deveriam ser pautados na máxima de que, mais do que ao lucro, destinam-se à sobrevivência dos habitantes do meio rural.  

No entanto, tal não foi a prática dos administradores do FNE, que mantiveram encargos de financiamento em patamares elevados, incompatíveis com a realidade regional.  

Para se ter uma idéia da magnitude das distorções, recente estudo elaborado na Assembléia Legislativa do Estado da Paraíba compara a variação de encargos e preços relevantes para o cenário em questão entre 1994 e 1997.  

Nesse período, enquanto o dólar norte-americano variou 11,6%; o Índice de Preços por Atacado, 42,7%; e os encargos do Finame, 92,3% - o que já é um absurdo -, os encargos do FNE-Rural foram superiores a 125%. Repetindo: o dólar valorizou 11,6%; o FNE- Rural atingiu 125,6%. Isso é um absurdo. O mais pobre tem uma taxa mais de 10 vezes maior que a valorização do dólar.  

Tal taxa se torna ainda mais perversa e mesmo absurda quando comparada às variações de preços de produtos cujas culturas foram tipicamente financiadas, como o coco, cujo preço decresceu 12%; o frango, que teve um decréscimo de 4%; o leite, o algodão e o milho, cujos preços variaram positivamente em níveis abaixo dos 30%.  

Assim, Srªs e Srs. Senadores, tornou-se absolutamente impossível o cumprimento dos pagamentos, o que ocasionou uma significativa incidência de inadimplências no pagamento dos compromissos pelos tomadores, a ponto de se tornar imprescindível uma posição de renegociação dos débitos com o Fundo.  

Em novembro de 1998, o Senhor Presidente da República editou a primeira versão da Medida Provisória nº 1.806, que vem sendo sucessivamente reeditada por não ter ainda sido objeto de apreciação pelo Congresso Nacional. Destinou-se tal diploma ao estabelecimento das condições de negociação e renegociação das dívidas com o FNE.  

De princípio, tal iniciativa destinava-se a corrigir uma injustiça anterior praticada pelo Governo Federal, que não contemplara os produtores rurais das regiões mais carentes do País ao estabelecer, em 1995, condições para renegociação das dívidas de crédito rural.  

Além disso, a referida medida provisória abrigava preceitos economicamente corretos ao possibilitar a extensão de prazos e melhoria das condições de renegociação.  

Esqueceram, no entanto, os seus formuladores que o problema não residia somente na questão dos pagamentos, mas principalmente na incompatibilidade entre as taxas, quaisquer que fossem, e a rentabilidade real observada nos projetos financiados.  

E aí, Sr. Presidente, veja a incoerência: o cidadão tinha um pedaço de terra, precisava de um dinheiro para implementar, produzir, tomou esse dinheiro; perdeu a terra e ainda ficou com o nome sujo na praça, o que o impossibilita de entrar agora em qualquer negócio.  

Então, o que fizemos, ao não observar a compatibilização dessas taxas, foi prejudicar os mais pobres, os elos mais fracos da corrente social, o tecido mais vulnerável da nossa sociedade.  

Não se pode exigir, Sr. Presidente, de um produtor rural nordestino, como, de resto, de qualquer pessoa, que pague o que deve quando o recurso a ele emprestado não rende de forma compatível com suas despesas. Os nordestinos não pagaram porque não conseguiram o mínimo com o que pagar; perderam tudo: gado, terra, todos os seus bens.

 

Não se pode exigir também que eles sejam apenados pelos riscos climáticos normalmente ocorrentes na região, cuja consideração deveria ter sido ponderada pelos administradores do FNE, mais competentes e com as ferramentas e informações suficientes para garantir a adequação a esse cenário.  

Apesar de todo o conhecimento desses técnicos, não foi levado em consideração que se estava perdendo 12% na produção daqueles para os quem o Fundo emprestava dinheiro a taxas de 125,6%.  

A síntese do que pretendo transmitir a todos os senhores é que o relacionamento entre o FNE e os pequenos produtores rurais nordestinos ainda está longe de permitir o equacionamento correto da questão e sua adequação às peculiaridades da região.  

Temos de estabelecer condições que permitam solucionar os problemas do passado, ainda presentes na região, bem como aquelas que permitam encarar o futuro de forma eficiente, garantindo ao meio rural nordestino condições mínimas de sobrevivência digna.  

Isso, Srªs e Srs. Senadores, não se fará somente com as minhas palavras no Senado Federal. Atitudes práticas são necessárias e legitimamente praticáveis pelo Parlamento, se avaliarmos com olhos da justiça social e da perspectiva de diminuição das desigualdades regionais a Medida Provisória nº 1.806, ora em discussão no Congresso.  

Tornam-se fundamentais a formulação e a aprovação de emendas ao texto encaminhado que permitam o abrandamento dos encargos financeiros incidentes sobre os saldos devedores dos financiamentos já concedidos, bem como dos novos financiamentos, de forma a torná-los compatíveis com a rentabilidade de projetos na região, notadamente no semi-árido, para o qual são destinados 50% dos recursos do FNE.  

No semi-árido o risco agrícola é maior, em função das agruras climáticas sobejamente conhecidas. E a pobreza existente demanda também uma especial atenção quanto às garantias ora exigidas pelos administradores do fundo.  

No meu Estado, a Paraíba, há três anos sofremos a seca, e, segundo especialistas no assunto, teremos mais um longo período de estiagem. Perdemos mais de 70% do rebanho e as nossas atividades agrícolas caíram mais de 70%. O homem do campo não tem nenhuma renda. A única renda, que vinha das frentes de trabalho, passou de R$80/mês para R$60/mês. As pessoas podem imaginar que estou aqui falando para poucos, mas, por intermédio da TV Senado , estamos falando para o Brasil todo, principalmente para membros da elite, que tem a assinatura deste canal.  

Imaginem, pois, aqueles que estiverem me ouvindo: sustentar uma família com R$60 por mês! E essas pessoas têm de pagar caro cada lata de água, além de ter de comprar alimentos. É realmente uma humilhação! É um sacrifício!  

Atenção, entretanto, para as distorções. O homem que sai de lá para procurar emprego em São Paulo, Rio de Janeiro, Brasília ou Belo Horizonte vai freqüentar o cinturão de miséria dessas cidades e, provavelmente, por necessidade, via rumar a senda do crime, para poder alimentar-se e sobreviver. Uma vez praticado o crime, dificilmente esse homem consegue retomar a trilha do bem.  

Esse é um problema social gigantesco para nós do Nordeste e do Brasil como um todo. Quer-se consertar o problema em São Paulo, no Rio de Janeiro, nas grandes cidades, quando dever-se-ia consertá-lo na origem, evitando-se a criação de mecanismos que gerem distorções como as que fizeram com que os que tinham pouco agora não tenham nada, nem mesmo a possibilidade de manter um negócio, pois seu nome está riscado e a ele não é concedida a possibilidade de comprar a prazo.  

Temos de depositar a confiança que os nossos irmãos merecem, à qual, tenho a mais absoluta certeza, corresponderão com trabalho e empenho renovados para o desenvolvimento econômico e social do Nordeste.  

De minha parte, estarei apresentando emendas à citada medida provisória. E para elas, tenho certeza, vou contar com o apoio de todos os meus Pares, preocupados que estamos todos com o desenvolvimento do País.  

Era isso, Sr. Presidente, que eu queria trazer a este plenário. Ou pensamos na adequação real desse Fundo, que tem o propósito de beneficiar, ou estaremos apenas quebrando aqueles que tinham esperança e hoje só têm desilusão.  

Muito obrigado.  

 

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Este texto não substitui o publicado no DSF de 04/08/1999 - Página 19317