Discurso no Senado Federal

LEITURA DA CARTA DE LONDRINA, EXARADA NO CONGRESSO DO PMDB DO ESTADO DO PARANA.

Autor
Roberto Requião (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/PR)
Nome completo: Roberto Requião de Mello e Silva
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA PARTIDARIA.:
  • LEITURA DA CARTA DE LONDRINA, EXARADA NO CONGRESSO DO PMDB DO ESTADO DO PARANA.
Aparteantes
José Alencar.
Publicação
Publicação no DSF de 05/08/1999 - Página 19392
Assunto
Outros > POLITICA PARTIDARIA.
Indexação
  • LEITURA, DOCUMENTO, CONCLUSÃO, CONGRESSO, PARTIDO POLITICO, PARTIDO DO MOVIMENTO DEMOCRATICO BRASILEIRO (PMDB), REALIZAÇÃO, MUNICIPIO, LONDRINA (PR), ESTADO DO PARANA (PR), PARTICIPAÇÃO, REPRESENTAÇÃO, AMBITO, AMBITO ESTADUAL, ANALISE, CONJUNTURA ECONOMICA, CRISE, DESEMPREGO, VIOLENCIA, POBREZA, BRASIL, CRITICA, POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA, GOVERNO, DECISÃO, OPOSIÇÃO, FERNANDO HENRIQUE CARDOSO, PRESIDENTE DA REPUBLICA.

O SR. ROBERTO REQUIÃO (PMDB-PR. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, ocupo esta tribuna para dar conta ao Senado da República e ao País do teor da Carta de Londrina, aprovada por um congresso do PMDB do Paraná, com a participação de praticamente todas as representações municipais e a representação de dez Estados brasileiros.  

A carta é a seguinte:  

"Reunido em congresso estadual no dia 31 de julho, na cidade de Londrina, o PMDB do Paraná, com o apoio de companheiros de outros estados que esta subscrevem, divulga para conhecimento de todo o Partido e da Nação a seguinte carta:  

O Brasil vive hoje nos limites da crise. O desemprego, a inadimplência, a quebradeira, o empobrecimento e a violência galopam com sofreguidão e ultrapassam todos os recordes negativos. Não há freios para a destruição neoliberal.  

A abertura do mercado brasileiro, uma abertura sem restrições, em um curto espaço de tempo, produziu efeitos devastadores. A par disso, as privatizações apressadas, suspeitas e irresponsáveis e a submissão absoluta do País aos interesses econômicos multinacionais e ao capital especulativo levaram-nos a um quadro gravíssimo de desindustrialização, desnacionalização e uma eliminação sem precedentes de postos de trabalho.  

É provável que nunca, ao longo da história econômica do País, tivéssemos modificações tão rápidas e radicais na nossa base produtiva.  

Todos os indicadores econômicos comprovam um considerável retrocesso. O produto industrial representa hoje menos da metade do PIB que representava em meados da década passada. Segundo o IBGE, no final do segundo ano do Governo Fernando Henrique Cardoso, o número de trabalhadores industriais já era quase 40% menor do que em 1989. Dados da FIESP, por sua vez, revelam que, de 1995 aos primeiros meses de 1998, mais de 400 mil trabalhadores industriais perderam seus empregos, um recuo próximo de 20% no número de vagas no setor.  

Ao mesmo tempo, perto de 80% dos capitais envolvidos em fusões e aquisições no Brasil, nos primeiros anos do Governo Fernando Henrique, têm origem estrangeira. Eles representavam anteriormente apenas 14%.  

Talvez o exemplo mais significativo disso tudo seja o que aconteceu com a indústria de autopeças. Um dos setores mais avançados da indústria nacional e já em franco processo de internacionalização, dele não restou pedra sobre pedra.  

A abertura, realizada sob o argumento de que o excesso de proteção levava à ineficiência e que era preciso modernizar nosso parque industrial, tornando-o mais competitivo, provocou e continua provocando uma quebradeira generalizada.  

As atividades agropecuárias também não escaparam dessa política destrutiva. Foram-se os subsídios aos créditos agrícolas. Congelou-se o preço mínimo. Cortaram-se os créditos e os programas de assistência técnica. Escancararam-se as portas para as importações que, entre outros produtos, liquidaram o trigo e o algodão. No afã de manter o real sobrevalorizado sacrificaram a agricultura no patíbulo da estabilização, queimando milhões de dólares na importação de arroz, feijão, leite, milho, trigo, algodão e até mesmo água de coco.  

Entre os resultados dessa política de terra e agricultura arrasadas, temos números como estes: nos últimos anos, mais de 500 mil unidades produtivas rurais encerraram suas atividades, jogando nos centros urbanos, e mesmo nos acampamentos dos sem-terra, mais de 5 milhões de pessoas. Agricultores com terra foram obrigados a abandonar a terra por absoluta falta de condições para continuar sua atividade.  

E continua a Carta de Londrina do PMDB do Paraná e do PMDB de 10 Estados brasileiros:  

A abertura, como instrumento de modernização que nos tornaria, em breve tempo, uma potência econômica exportadora e geradora de balanços comerciais superavitários, revelou-se uma trapaça. Estão aí as estatísticas mostrando que a maior parte dos investimentos estrangeiros dirigiram-se ao setor de serviços ou a setores voltados para o mercado interno.  

Vítima dessa abertura criminosa e da falta de uma política conseqüente para o setor, mais de um quarto do parque industrial brasileiro resta ocioso. Uma ociosidade que significa US$250 bilhões parados, em máquinas, tecnologias e instalações. Um investimento já feito, apenas à espera de uma política industrial séria, nacional, para que possa entrar em movimento, criando de imediato milhões de empregos, gerando renda, impostos e consumo.  

Mas não. Os nossos "modernizantes" preferem subsidiar as empresas mais ricas do mundo, as montadoras de automóveis. Estão aí os R$700 milhões com que o BNDES presenteia a Ford, mais os R$180 milhões anuais de isenção de impostos, para testemunhar a que ponto chegamos.  

O retrocesso pode ainda ser traduzido por cálculos como estes: caso nas próximas décadas a economia brasileira cresça 5% ao ano, e a dos Estados Unidos mantenha as suas taxas de crescimento, vamos precisar de 70 anos para chegar onde estão hoje os americanos. Crescendo esses mesmos 5%, vamos precisar de mais 15 anos para atingir o nível de desenvolvimento que tínhamos na década de 80.  

Enquanto o Governo faz o discurso da "modernização" a fim de que nos ajustemos aos avanços globais, enfrentamos a terrível realidade do sucateamento e destruição das universidades, a par de um absoluto desprezo pelos destinos de nossa ciência e tecnologia. Até parece que vivemos uma conspiração contra a produção, aqui, de ciência e tecnologia, para que restemos, todo e sempre, dependentes da produção estrangeira.  

Ao mesmo tempo, avançam as medidas contra a escola pública e a gratuidade do ensino. Como se vê, uma perversa combinação de "reformas", estabilização a todo preço e abertura a toda prova levam à destruição do Estado e da Nação.  

Os indicadores sociais acompanham os indicadores econômicos. Fome, destruição, desnutrição, doenças, violência, desemprego, condições infra-humanas de habitação, analfabetismo, qualidade de vida abaixo do minimamente desejável fazem parte da paisagem nacional. A exclusão leva a um desespero tal que não se vê no horizonte qualquer réstia de luz e de esperança.  

A decisão do Governo de se submeter às políticas ditadas pelo FMI faz com que não devamos esperar um crescimento superior a 1% ao ano. Logo, uma infinita distância dos índices que, a médio prazo, minorariam os efeitos nefastos do subdesenvolvimento. Temos aqui um novo recorde produzido por este Governo tão pródigo em bater recordes negativos: a concentração de rendas em nosso País, já anteriormente tão cruel, tornou-se sobre o Governo tucano-peefelista ainda mais criminosa. O que julgávamos impossível, Fernando Henrique fez realidade.  

Diante dessa realidade, o que nos resta a fazer como cidadão brasileiros e como militantes do PMDB? O nosso Partido, desde os tempos do MDB, sempre se definiu pelos interesses populares nacionais. Desde o nosso primeiro programa manifestamos com firmeza e coragem de que lado estávamos. Logo, não podemos entender e concordar com as posições do partido hoje nacionalmente. Não temos nenhum ponto de contato, nenhuma concordância com este Governo e seu programa. Nada nos aproxima ou identifica; pelo contrário, as políticas neoliberais em execução se opõem radicalmente ao programa e à índole peemedebistas. Caso fôssemos omissos com o que acontece com o País isso seria de extrema gravidade. Mas, se além da omissão somarmos a conivência então chegamos de fato a um ponto extremo.  

Somos a favor da desindustrialização e desnacioinalização que arrasam o sistema produtivo brasileiro? Não. Logo, nada temos a fazer neste Governo. Somos a favor do desemprego em massa, que empobrece, avilta e humilha milhões de trabalhadores brasileiros? Não. Logo, nada temos a fazer neste Governo. Somos a favor da submissão irrestrita, radical do País aos interesses do capital multinacional? Não. Logo, nada temos a fazer neste Governo. Somos a favor da destruição da agricultura e do êxodo de milhões de agricultores rumo às cidades por falta de financiamento e apoio técnico? Não. Logo, nada temos a fazer neste Governo. Somos a favor da política de socorro aos bancos que, até o momento, já queimou mais de R$50 bilhões? Não. Logo, nada temos a fazer neste Governo. Seríamos, então, a favor da queima de R$5 bilhões para salvar especuladores na última crise do real? Não. Logo, nada temos a fazer neste Governo.  

Portanto, o PMDB deve ocupar o único lugar possível a um partido que não traiu os seus compromissos com o povo brasileiro e a Nação brasileira: a Oposição. Esse é o único lado possível para homens e mulheres dignos, que não se compram e não se vendem.  

Nós, do PMDB do Paraná e das seções regionais do Partido, que subscrevemos esta carta, dirigimo-nos à Direção Nacional do PMDB e aos demais diretórios estaduais para que rompam todo e qualquer laço que mantenha o Partido vinculado às políticas neoliberais do governo comandado por Fernando Henrique Cardoso.  

Esta carta de Londrina foi aprovada à unanimidade no Congresso do PMDB do Paraná e conta com a minha assinatura, como Presidente da seção regional do PMDB do Paraná, com a assinatura de Jayme Gimenez, Presidente do PMDB de São Paulo, com a assinatura do Governador Itamar Franco, com a assinatura do ex-Governador Orestes Quércia, com a assinatura do ex-Deputado Iranildo Pereira, com a assinatura do ex-Prefeito de Aracaju Jackson Barreto, com a assinatura do nosso eterno Presidente Paes de Andrade e com a assinatura do Presidente do PMDB do Espírito Santo, Marcelino Fraga.  

É uma Carta séria, que deve servir de advertência aos peemedebistas de todo o Brasil, e dá a largada a um movimento pela base, para que o Diretório Nacional do PMDB mude a sua posição, que até agora tem sido omissa e complacente em relação aos desmandos do Governo Federal. Nós discutimos o projeto do Senador Antonio Carlos, do imposto para acabar com a pobreza, mas calamos quando R$50 bilhões foram dados de presente a banqueiros para resolver os problemas causados pela sua incompetência e pela corrupção.

 

Está na hora de colocarmos o velho MDB de guerra na linha, ao lado do povo, de onde nunca deveria ter saído em troca de cargos, de favores, de liberação de emendas, apoiando um governo que está destruindo um projeto nacional de desenvolvimento.  

O Sr. José Alencar (PMDB-MG) - Permite-me V. Exª um aparte?  

O SR. ROBERTO REQUIÃO (PMDB-PR) - Concedo o aparte ao nobre Senador José Alencar.  

O Sr. José Alencar (PMDB-MG) - Sr. Senador Roberto Requião, solicitei este aparte para congratular-me com V. Exª e com todos aqueles que se reuniram em Londrina e que produziram essa Carta. Em primeiro lugar, gostaria de dizer que concordo com os termos dela. E digo mais, nunca houve na história republicana, e provavelmente na História do Brasil, incluindo o período colonial em que houve a derrama, maior transferência de renda do setor produtivo nacional em benefício do sistema financeiro internacional, como está ocorrendo agora. O Governo tem sido incoerente quando se trata de adoção de política de importação, porque houve um momento em que foram oferecidos e foram dados à indústria automobilística, às montadoras, 70% de proteção aduaneira, reconhecendo que as montadoras precisavam de uma proteção de imposto aduaneiro igual a 70%. Ao mesmo tempo, ofereceu-se à indústria de autopeças 2%.  

O SR. ROBERTO REQUIÃO (PMDB-PR) - Indústria verdadeiramente nacional.  

O SR. PRESIDENTE (Blairo Maggi) - Senador José Alencar, a Presidência vai interrompê-lo para prorrogar a sessão por dez minutos, a fim de que V. Exª conclua o seu pensamento. Ainda falará o Senador Luiz Pontes.  

O Sr. José Alencar (PMDB-MG) - Pois não, Sr. Presidente, agradeço a V. Exª. Já vou concluir. À indústria de autopeças, que é a verdadeira indústria nacional, ou melhor, era, foram dados 2% de proteção aduaneira, ou seja, ficou desprotegida. E grandes indústrias, como a Metal Leve, a Freios Varga e a Cofap foram desnacionalizadas, e as pequenas foram dizimadas. Pois bem, não podemos concordar que isso continue no Brasil. Então, paralelamente a essa palavra de aplauso e de congratulação, peço permissão a V. Exª, um dos organizadores dessa reunião em Londrina, e aos representantes dos dez Estados que lá estiveram com o PMDB do Paraná, para que na condição de Presidente do PMDB do meu Estado, que é Minas Gerais, eu também firmasse essa Carta. Penso que ela pode oferecer à Nação brasileira um alerta para que tomemos novos rumos. Meu objetivo não é derrubar governos; meu objetivo é mudar comportamentos. Meu objetivo é tentar mudar o rumo da economia brasileira, porque se nos mantivermos nessa economia que paga essas taxas de juros, não teremos condições de resolver o problema que hoje afeta toda a Nação brasileira. Esta Casa está preocupada em encontrar um meio de amenizar o problema da pobreza nacional. Pois bem, Sr. Presidente, V. Exª me permita, é apenas uma palavra para concluir. Se não mudarmos o rumo da economia e retomarmos o desenvolvimento em todas as latitudes e longitudes do Brasil, em todos os seus segmentos, não teremos condições de atender ao que é uma preocupação de todo brasileiro: o agravamento da pobreza. Termino agradecendo o aparte que me foi concedido e solicitando o direito de também firmar esta Carta.  

O SR. ROBERTO REQUIÃO (PMDB-PR) - Com o máximo prazer, Senador José Alencar, recebemos a assinatura de V. Exª no texto. Eu pessoalmente gostaria de ver a renúncia do Presidente Fernando Henrique Cardoso, que se me afigura como o piloto de um avião que tivesse brevê para voar com instrumentos e que, de repente, se flagrasse, se percebesse sem visibilidade alguma diante de uma neblina profunda. Fernando Henrique imaginou ter sempre o céu no horizonte: a proteção do Fundo Internacional e do Presidente dos Estados Unidos. Mas hoje, na primeira dificuldade, perdeu as condições de pilotar o avião da soberania nacional e dos objetivos nacionais permanentes. No entanto, meu desejo de que renunciasse, uma vez que já não governa, para que governo houvesse, não será realizado com facilidade. Além das atitudes extremamente impatrióticas e ligeiras, é extremamente teimoso e se convenceu de que está governando o País no destino certo, com todas as barbaridades e sacrifícios de populações cada vez maiores. Então, temos que transformar o nosso Partido num partido de verdade, porque senão seremos substituídos por caminhoneiros em movimentos populares. Os caminhoneiros deram o exemplo, mas o exemplo dos caminhoneiros só foi possível e a grande paralisação só ocorreu em virtude da ausência absoluta da estrutura institucional dos partidos políticos brasileiros, que se perde na discussão das emendas, dos favores, das nomeações de Ministérios, cujos Ministros não têm poder que dobre uma esquina. E o Congresso Nacional, as estruturas partidárias, perdidas nesse jogo parlamentar, nessa relação incestuosa do Parlamento com o Governo, deixa que as coisas aconteçam e que os movimentos sociais, às vezes com violência, ocupem esse espaço que institucionalmente nos caberia, o espaço e a tarefa de estar ao lado da população.  

É preciso que se pare o Fernando Henrique Cardoso. É preciso que se ponha um limite nesse avanço neoliberal que destrói o projeto nacional, e o instrumento para isso, Senador José Alencar, o instrumento mais próprio, o instrumento disponível, o instrumento mais forte, organizado no País inteiro, embora semipassivo até agora, é o nosso velho MDB de guerra.  

Obrigado, Sr. Presidente.  

 

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Este texto não substitui o publicado no DSF de 05/08/1999 - Página 19392