Discurso no Senado Federal

REFLEXÕES SOBRE O NEOLIBERALISMO NO BRASIL E NA AMERICA DO SUL E SUA RELAÇÃO COM OS DIREITOS HUMANOS.

Autor
Roberto Saturnino (PSB - Partido Socialista Brasileiro/RJ)
Nome completo: Roberto Saturnino Braga
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
EDUCAÇÃO. POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA.:
  • REFLEXÕES SOBRE O NEOLIBERALISMO NO BRASIL E NA AMERICA DO SUL E SUA RELAÇÃO COM OS DIREITOS HUMANOS.
Aparteantes
Eduardo Suplicy.
Publicação
Publicação no DSF de 05/08/1999 - Página 19388
Assunto
Outros > EDUCAÇÃO. POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA.
Indexação
  • COMENTARIO, APROVAÇÃO, PROJETO DE LEI, OBRIGATORIEDADE, INCLUSÃO, ENSINO, DIREITOS HUMANOS, CURRICULO, ESTABELECIMENTO DE ENSINO.
  • CRITICA, POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA, AMBITO INTERNACIONAL, FUNDAMENTAÇÃO, LIBERALISMO, EFEITO, DESEMPREGO, DESTRUIÇÃO, ECONOMIA, PRORROGAÇÃO, DESIGUALDADE SOCIAL, PAIS ESTRANGEIRO, AMERICA DO SUL.
  • COMENTARIO, AUMENTO, MANIFESTAÇÃO, VIOLENCIA, CRIME, MOTIVO, CRESCIMENTO, DESIGUALDADE SOCIAL, INJUSTIÇA, SOLICITAÇÃO, GOVERNO FEDERAL, ALTERAÇÃO, POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA, BUSCA, DESENVOLVIMENTO SUSTENTAVEL.

O SR. ROBERTO SATURNINO (Bloco/PSB-RJ. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, não vou mais uma vez tecer críticas ao Plano Real, como tem feito com insistência a Esquerda política de nosso País. Até vou reconhecer seus aspectos positivos, especialmente o da estabilização da moeda, fator essencial à vida digna dos cidadãos de nosso País. Hoje à tarde aprovamos um projeto que inclui nos currículos escolares o ensino dos Direitos Humanos, mas ainda inserido naquela relação tradicional de direitos decorrentes da Declaração Universal dos Direitos Humanos. Esse conceito deve ser ampliado, abrangendo todas as condições essenciais à vida digna do ser humano, entre os quais o direito à moeda com um mínimo de estabilidade, a fim de que as pessoas possam programar suas vidas; assim como o direito ao emprego com um limite mínimo de remuneração, o direito à chamada renda mínima, sem a qual não é possível atingir o ideal de vida digna, não é possível preencher plenamente todas as condições estipuladas na Declaração Universal dos Direitos do Homem.  

Se reconheço esse aspecto positivo da estabilização monetária do País, é precisamente para afirmar que não é condição necessária à manutenção dessa estabilidade essa política cruel, neoliberal, essa política de mergulho de corpo inteiro na globalização, que está arruinando a economia do País. Essa política produz o desemprego, erige o mercado em Deus absoluto de todas as decisões econômicas do País, não aceita mais a idéia de planejamento, deprecia as políticas públicas de sustentação das atividades de determinados setores. Enfim, por essa visão, o desenvolvimentismo é algo superado e o desenvolvimento é visto como movimento espontâneo, resultante das forças de mercado, sem qualquer intervenção da sociedade por meio do Governo. Daí esses juros elevados, essa política de desprezo - essa que é a verdade - pelos aspectos sociais, pelo quadro de injustiça social que o País vive e no qual se aprofunda de forma preocupante, sob todos os pontos de vista, seja no aspecto moral seja quanto à possibilidade de manutenção de estabilidade política no País.  

Ontem o Senado, em seus diferentes pronunciamentos, revelou essa preocupação com muita nitidez, uma vez que quase a unanimidade manifestou-se a favor da iniciativa do nosso Presidente, Senador Antonio Carlos Magalhães, de criação de um imposto para eliminar a pobreza, de um programa destinado a eliminar a miséria e a pobreza do País.  

Pela imprensa, evidentemente, lê-se toda uma série de argumentos de natureza conservadora, daquele tipo que considera a pobreza uma coisa inevitável, que não se resolve de maneira nenhuma, pois o mundo sempre foi assim, a Humanidade sempre teve ricos e pobres, e que isso é questão de realidade, que não se resolve com um programa, um imposto, um decreto ou uma vontade política. Essa é a tradicional posição dos conservadores, da elite endinheirada deste País, que usufruiu de todas as formas do modelo concentrador e submisso ao mercado financeiro internacional e ao FMI e que agora, ao observar esse movimento da sociedade para beneficiar os brasileiros excluídos e cada vez mais maltratados pela política econômica, quer evitar que isso aconteça e deseja que as coisas continuem do jeito que estão.  

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, estamos vivendo um momento histórico de extrema gravidade e, se não atentarmos para o quadro de desarticulação da nossa sociedade e da nossa economia, vamos aprofundar uma crise que já está instalada no Brasil, mas que ainda não chegou, por exemplo, a pontos atingidos por outros países do nosso continente sul-americano. Basta olhar para a América do Sul para compreender a gravidade da situação e o potencial de gravidade em que o Brasil se encontra em relação a sua situação econômica e social.  

Na Colômbia, país do norte do continente sul-americano, vizinho nosso, está instalado um processo de guerrilha, e o governo mostra-se incapaz de dominá-lo, de contê-lo sequer. Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, estou seguro de que esse país será objeto de intervenção armada dos Estados Unidos da América do Norte, que se erigiram polícia do mundo e que não vão tolerar nem admitir que o processo de guerrilha na Colômbia, dirigido por colombianos que almejam a instauração de um regime de justiça social e de cunho socialista, possa vingar e obter o comando político daquele país. Isso acontecerá; é de uma probabilidade tão grande que é lícito afirmar que seremos testemunhas de uma intervenção armada em nosso continente por parte da policia do mundo, os Estados Unidos da América.  

O que vamos fazer? O que vai fazer o Brasil? É óbvio que nossas autoridades de políticas externas de Governo, o nosso competente Itamaraty há de estar cogitando o que fazer. Mas é tradicional que o Brasil se oponha – e vai se opor. A intervenção dar-se-á, e o Brasil assistirá e protestará, sem nenhuma outra iniciativa, além da tradicional reação de protesto. Assim vai ocorrer com toda a América Latina, ao assistir a intervenção que se processará, como já houve em Granada e no Panamá. Agora, é a vez da Colômbia.  

E, da Colômbia, para onde irá? O Equador é um país mergulhado numa crise sem solução. No Peru, o Presidente Alberto Fujimori, que saiu com uma solução atípica, esgotou todo seu estoque de credibilidade e não foi capaz de produzir nenhum resultado satisfatório. A Venezuela produziu, sim, um movimento revolucionário.  

O que há de mais interessante e promissor no quadro latino-americano é a vitória constitucional do Presidente Hugo Chavez, que conseguiu 95% dos votos para a Assembléia Constituinte. Ele será capaz de liderar a elaboração de uma constituição à feição de suas propostas populares e nacionalistas. Veremos que resultados produzirá esse governante que tem um apoio popular jamais alcançado. Houve um massacre político dos partidos tradicionais. Todos eles entraram num processo de derrocada e naufragaram literalmente. O ex-Presidente Carlos Andrés Pérez perdeu a eleição. Era o representante da Venezuela e líder sul-americano na internacional socialista. Houve uma derrocada dos partidos tradicionais, tanto da Ação Democrática quanto do Copei, e surgiu novamente uma força, uma erupção vulcânica que tomou conta do país, uma revolução pelo voto. O governo inicia-se neste momento, e reações, evidentemente, ocorrerão. A sabotagem do capital financeiro internacional pesará duramente sobre as propostas e as iniciativas do Presidente Hugo Chavez. Veremos o que acontecerá. De qualquer maneira, trata-se de um ponto de iluminação que surgiu na América Latina, em particular na América do Sul, e devemos sobre ele colocar todas as nossas atenções, porque o resto do quadro é extremamente grave em termos de crise.  

A Argentina entrou num processo de dependência do Brasil do qual não tem condição de sair. Passará por um processo eleitoral no ano próximo, e veremos que tipo de reação a opinião pública do país buscará. O Chile, tido como exemplo de êxito de uma política neoliberal durante quase duas décadas, está hoje mergulhado também numa crise social gravíssima. O último relatório da Cepal aponta o Chile, que era quase um modelo de distribuição de renda na América do Sul, empatado com o Brasil em termos de desigualdade social. Isto é, o neoliberalismo do Chile produziu um tremendo afastamento entre elites endinheiradas e povo sofrido, a ponto de aproximá-lo do Brasil - país verdadeiramente campeão, e parece-me que o Governo tem um certo orgulho disso - em termos de desigualdade na distribuição de renda.  

Esse quadro preocupa-nos bastante. O que fará o Brasil? O Brasil reelegeu um Presidente da República que, nos primeiros momentos do seu novo mandato, enfrentou uma crise econômica da maior gravidade, cujas verdades – disse o próprio Presidente em entrevista recente – um dia contará à Nação. O povo, então, não conhece a verdadeira gravidade da crise por que passou o Brasil nos meses de janeiro, fevereiro e março. Se o Presidente disse que um dia contará a verdade, realmente há ainda fatos dos quais a Nação brasileira não tem conhecimento.  

Sabemos perfeitamente avaliar a gravidade dessa crise, cujo momento mais agudo foi superado com a já esperada desvalorização do real. Os economistas governamentais diziam que não poderia haver a desvalorização, porque isso afetaria a estabilidade da moeda e causaria um recrudescimento da inflação. O real foi desvalorizado e encontrou o seu patamar mais ou menos verdadeiro, e a inflação não disparou como previam aqueles economistas que comandaram o processo de implantação do real até aquele momento.  

O Brasil passou por essa crise, aparentemente superada no seu processo mais agudo, porém de forma alguma debelada. O Presidente Fernando Henrique declara à Nação que absolutamente não passará seus quatro anos administrando a crise. Sabemos perfeitamente que, a menos que Sua Excelência mude em 180 graus a diretriz da sua política econômica ou renuncie antes do fim do mandato – como pretende o ex-Governador Leonel Brizola e o nosso nobre colega Senador Roberto Requião –, administrará uma crise cuja gravidade só vai aprofundar-se. Mas, tendo em vista as exigências do FMI e a dependência crescente em relação aos capitais especulativos internacionais, não há a menor condição de uma retomada do desenvolvimento brasileiro. E não havendo condição de crescimento, vamos estagnar e patinar nesse lodaçal, nele nos aprofundando cada vez mais, até que o processo democrático indique uma outra solução nas próximas eleições.  

O Sr. Eduardo Suplicy (Bloco/PT-SP) - Permite-me V. Exª um aparte?  

O SR. ROBERTO SATURNINO (Bloco/PSB-RJ) - Ouço V. Exª, com atenção, nobre Senador Eduardo Suplicy.  

O Sr. Eduardo Suplicy (Bloco/PT-SP) - Senador Roberto Saturnino, as ponderações de V. Exª são da maior relevância, primeiro, porque apontam para o aprofundamento da crise que não é apenas brasileira. Em toda a América Latina, as economias e as sociedades estão com dificuldades extraordinárias. A Colômbia se encontra sob um processo de luta, de guerra civil; a guerrilha já toma conta de parte significativa do território. A Venezuela está vivendo um processo de transformação: o Presidente Hugo Chavez conseguiu, por meio de eleições democráticas, primeiro, eleger-se Presidente, e, agora, estabelecer uma Constituinte com extraordinário apoio. E nós, que temos um Presidente com uma trajetória de vida do lado progressista, que prometia ações, visando à criação de uma nação justa, vemos, entretanto, a situação deteriorar-se nos mais diversos aspectos. Ainda não há guerrilhas no País, mas estamos vivendo um aumento extraordinário da violência, da criminalidade, o que corresponde, de certa forma, a uma guerra. O aumento da criminalidade, o fato de as pessoas de maior poder aquisitivo terem, agora, receio de sair — os empresários estão se protegendo com muros, seguranças; os carros blindados estão aumentando extraordinariamente no mercado — é algo que deveria estar preocupando. Ainda ontem, o Senador José Alencar falou sobre algo que o impressionara: na Federação das Indústrias de Minas Gerais, tem-se comemorado o fato de não estar havendo greve de trabalhadores, como havia antigamente. O Professor Márcio Pochmann, que tem analisado estes assuntos na Unicamp, observou que, há alguns anos, o número de greves era da ordem de 1.300 por ano e, recentemente, no último período analisado, foi de 300; poucas foram as greves no último ano. Houve uma diminuição colossal ao longo do Governo Fernando Henrique Cardoso. Isso deve ser comemorado, ou é o indicador do outro lado da medalha de uma economia em crise, com taxas de desemprego recordes? Obviamente, na medida em que há uma recessão que leva a diminuir e dobrar a espinha dorsal do movimento sindical, é claro que os trabalhadores estarão mais e mais preocupados até com a preservação de seus empregos. Nestes dias, vimos fenômenos sociais de grande relevância, para os quais precisamos estar atentos. De um lado, houve a paralisação dos caminhoneiros, que interromperam o tráfego em praticamente todas as estradas brasileiras, por três dias, e o problema ainda não está inteiramente solucionado. Agora, ocorre outro paradoxo: onde está havendo a paralisação de trabalhadores? No centro nervoso do sistema capitalista: na Bovespa, onde os corretores pararam por 30 minutos. E por que razão? Porque houve a diminuição significativa das transações diárias no valor dos títulos comercializados na Bolsa. Há alguns anos, a Bovespa chegou a ter um movimento de R$1,2 bilhão diários; atualmente, ele está em R$350 milhões. No ano passado, o volume médio era da ordem de R$560 milhões; agora, está na faixa de R$360 milhões ou algo assim. Assinalam alguns corretores que, se isso continuar, muitas corretoras fecharão; colocam como reivindicação a diminuição da CPMF. Aliás, conforme conversávamos hoje, Senador Roberto Saturnino, é interessante como o Governo, percebendo que precisava, de alguma maneira, de arrecadação adicional, resolveu aumentar a CPMF, sem levar em consideração a recomendação de economistas que haviam dito que o Imposto sobre Movimentação Financeira poderia autodestruir-se, se não se tomasse cuidado. O próprio Mário Henrique Simonsen, certa vez, quando se discutia o IPMF — na ocasião, assim chamado —, fez uma palestra, lembro-me bem, em que disse: "Quanto a esse tipo de imposto, quando se tem como meta a arrecadação de certo volume de recursos, pode-se começar com 0,1% e depois passar a 0,2% para atingi-la, mas, quando se aumenta gradualmente a alíquota, corre-se o risco de fazer com que o sistema econômico venha a fugir das operações em cheque; o objetivo do imposto acaba sendo destruído. É possível que o Governo brasileiro tenha chegado a isso. Aliás, o próprio economista James Tobin recomenda que o Imposto de Transações Financeiras Internacionais seja, de fato, pequeno e permaneça em torno de 0,1%. É possível que o Governo, não medindo suficientemente as conseqüências, ao elevar a alíquota para 0,38%, tenha propiciado esta nova crise que ocorre no mercado de capitais. Cumprimento V. Exª pelas reflexões que está trazendo à Casa.

 

O SR. ROBERTO SATURNINO (Bloco/PSB-RJ) - Agradeço a V. Exª o aparte, esclarecedor e inteligente em todos os seus aspectos. V. Exª antecipou algo que eu ia dizer ao fim do meu pronunciamento, que era exatamente a preocupação com o crescimento das manifestações de violência e de criminalidade no País, especialmente nas grandes cidades. Hoje, já não se pode nem pensar apenas nas grandes cidades, porque essas manifestações começam a ocorrer de forma generalizada.  

Não sou daqueles, absolutamente, que associam a criminalidade à pobreza. Essa associação, às vezes, é feita de maneira superficial e não traduz uma verdade. Não é necessariamente a situação de pobreza de uma pessoa ou de um grupo que os induzem à criminalidade, mas o sentimento de injustiça, de perda, de quebra de valores tradicionais da justiça. Quer dizer, os jovens das famílias ou grupos excluídos, aqueles que têm alguma capacidade de iniciativa, alguma força de personalidade mais presente, percebem, com nitidez, que essa sociedade não lhes oferece nem mesmo a possibilidade de viver dignamente. Olham para seus pais, seus parentes, seus amigos mais velhos e vêem que todos os caminhos estão fechados. Por outro lado, observam que há injustiça, que uma minoria cada vez mais se locupleta dentro de um processo de concentração de renda e de riqueza, muito marcado pela corrupção e pelo cinismo. Evidentemente, esses jovens fazem a opção pela criminalidade. Entre viver uma vida indigna por muitos anos e ter um momento de riqueza — que corresponde a uma ascensão em termos de dignidade — pelo prazo de alguns anos, até que sejam liquidados nesse processo, eles põem a arma no bolso e vão buscar sua fatia de renda por meio da criminalidade.  

Quer dizer, não há ligação entre pobreza e criminalidade, mas entre injustiça social e perda dos valores da justiça e da fraternidade entre os seres humanos e o crescimento da criminalidade. E isso não tem retorno, a menos que se recupere um vetor ético da nossa sociedade que está perdido, por esse modelo econômico que não leva em conta valores humanísticos, que se afirma de uma maneira cínica – o neoliberalismo é cínico – e não possui a ética dos valores tradicionais. A ética do neoliberalismo é a da eficácia, dos resultados imediatos. Na filosofia do neoliberalismo o que importa é o crescimento da produção material, sem qualquer consideração para com a distribuição dos frutos do progresso, a maneira como a sociedade vai-se arrumar para oferecer oportunidades de vida digna a todos os cidadãos.  

Sr. Presidente, isso muito me preocupa. Todos os brasileiros estão extremamente sensíveis a tal processo. E não vejo possibilidade de alteração desse quadro a menos que a política econômica governamental mude profundamente e retomemos um processo de crescimento voltado aos interesses dos brasileiros. É preciso atentar para o fato de que o processo de atendimento às demandas legítimas do povo brasileiro implica a ampliação de nosso mercado interno.  

Creio que a iniciativa do Senador Antonio Carlos Magalhães tem mérito não apenas, sob um ponto de vista moral, por olhar a questão social, a questão da justiça social, mas também possui o mérito de produzir uma ampliação do mercado interno que está inteiramente estagnado uma vez que a renda se concentra numa demanda sofisticada das elites dominantes que querem cada vez mais produtos importados, enquanto a produção para o atendimento das necessidades fundamentais do povo vai ficando relegada a um plano secundário, terciário, quaternário...  

Um processo de redistribuição deve elevar, também, o nível da demanda interna de coisas simples como tecidos, calçados, mobiliários, material para construção civil, moradia, alimentos, coisas que precisam ser produzidas para o brasileiro e não apenas para a exportação.  

Concordo que a exportação seja importante. O Ministro da Agricultura assumiu ditando prioridade para a exportação. Ela é importante, porque estamos sufocados por uma crise cambial, por uma dependência de capitais externos brutal, na qual o próprio Governo afundou o País. Então, há um esforço de exportação para construir um saldo cambial, mas isso nunca vai ser conseguido.  

O mercado exportador é muito mais difícil, porque as correntes de comércio internacional são dominadas por empresas, por grupos internacionais que, em geral, fecham as portas para países que não têm participação nessas linhas de comércio como o Brasil. Ademais, o protecionismo existe também, os países se protegem, e o Brasil, a não ser nesse suspiro de soberania que teve em relação à reação dos argentinos, se rendeu às imposições do Fundo Monetário no processo de abertura indiscriminada que levou a nossa indústria a uma derrocada.  

Pensar que vamos resolver nossos problemas pela via das exportações é um sonho inatingível. Ademais, o que é importante para se construir uma sociedade solidamente estruturada - e estruturada em termos de justiça - é uma visão de prioridade para o mercado interno, que este propósito redistributivista tem como efeito produzir.  

De qualquer modo, Sr. Presidente, Srs. Senadores, faço esse pronunciamento, neste fim de tarde, marcado por esta preocupação, acreditando que, daqui do Senado, com a proposta do Senador Antonio Carlos Magalhães, possa surgir um movimento de rebeldia em relação à política oficial - evidentemente, o Governo Fernando Henrique não gostou nada dessa proposição. Mas o que a proposta encontrou de reação positiva por parte dos Senadores foi animador, e estou um pouco esperançoso de que algo de bom venha a ocorrer; do contrário, será a expectativa de agravamento da crise, agravamento sobre agravamento.  

E olhando para os nossos países vizinhos da América do Sul, a nossa mente fica carregada de maus presságios. Mas vamos cultivar o lado positivo, vamos acreditar que o Senado, que esta Casa, possa induzir uma reação que venha a quebrar a espinha dorsal dessa condução neoliberal e que o Brasil possa reverter a sua política econômica em favor dos brasileiros, em favor da justiça social e do progresso, da produção - da produção para os brasileiros -, que é, em última análise, o que deve sustentar qualquer economia.  

Muitos obrigado, Excelência.  

 


Este texto não substitui o publicado no DSF de 05/08/1999 - Página 19388