Discurso no Senado Federal

TRANSCURSO, HOJE, DO DIA NACIONAL DA SAUDE.

Autor
Lúcio Alcântara (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/CE)
Nome completo: Lúcio Gonçalo de Alcântara
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM. SAUDE.:
  • TRANSCURSO, HOJE, DO DIA NACIONAL DA SAUDE.
Publicação
Publicação no DSF de 06/08/1999 - Página 19485
Assunto
Outros > HOMENAGEM. SAUDE.
Indexação
  • HOMENAGEM, DIA NACIONAL, SAUDE.
  • ANALISE, SAUDE PUBLICA, BRASIL, MELHORIA, ATENDIMENTO, GOVERNO, FERNANDO HENRIQUE CARDOSO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, COMBATE, FRAUDE, AUMENTO, FISCALIZAÇÃO, ELOGIO, GESTÃO, MINISTERIO DA SAUDE (MS).

O SR. LÚCIO ALCÂNTARA (PSDB-CE) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, quero, hoje, desta tribuna, juntar-me às homenagens ao Dia Nacional da Saúde, comemorado em 5 de agosto, fazendo algumas reflexões sobre o tema. Como vai a saúde no Brasil? Como vem se saindo o Governo Federal nessa área de atuação? Qual a dimensão dos desafios que essa questão ainda representa para a sociedade brasileira?  

Sr. Presidente, desde já adianto minhas conclusões: os problemas da saúde, em nosso País, são imensos, como qualquer observador a olho nu pode constatar. No entanto, nos últimos 4 ou 5 anos, fizemos progressos notáveis no tocante às políticas e ações de saúde. Basta lembrar como era desesperador, até mesmo catastrófico, o panorama da saúde no Brasil, no início do Governo Fernando Henrique.  

As verbas federais haviam caído, nos primeiros anos da década de 90, para níveis insuportavelmente baixos. Estados, Municípios e União estavam desarticulados em suas ações e as instituições pertinentes eram, patentemente, inadequadas. O Sistema Único de Saúde, SUS, proposto pela constituição de 88, e regulamentado em 1990, não saíra do papel, ou fora implantado caoticamente. Seu conceito de serviços de saúde universais, igualitários, gratuitos, prestados na base da sociedade, parecia fadado a eternizar-se como sonho inviável. A população pobre vivia um desastre agudo de mau atendimento. As ações preventivas não conseguiam impor-se com a importância que lhes cabia. A fraude e a má gestão grassavam no sistema público. O controle da sociedade sobre os serviços de saúde pagos era frágil e sem perspectiva de melhora.  

Sr. Presidente, passados alguns anos, nenhum desses problemas está plena e satisfatoriamente resolvido, é verdade. Mas devemos reconhecer os bons avanços que obtivemos nas múltiplas e variadas frentes de luta englobadas nessa verdadeira guerra que trava a sociedade brasileira para chegar a ter serviços de saúde de padrão aceitável para todo o conjunto e para os diversos segmentos de nossa população.  

Essas batalhas, de parte do Governo Fernando Henrique Cardoso, foram lideradas pelo Ministério da Saúde. Três foram os ministros que se revezaram na condução dessa luta: Adib Jatene, Carlos César de Albuquerque e, ainda no cargo, José Serra. É justo que se reconheça os méritos desses líderes, quando consideramos os progressos conseguidos. Mas cabe também reconhecer e elogiar o trabalho e o esforço de milhares de formuladores, planejadores, gestores e profissionais de saúde que, em todos os cantos do País, muitas vezes remando contra a maré das dificuldades, vêm gradualmente modificando o péssimo quadro que vivíamos há poucos anos.  

É palpável e facilmente perceptível que estamos enfrentando positivamente os vícios da omissão, da indiferença e da ineficácia ante os problemas da saúde. São vícios, decerto, ainda presentes na sociedade, nos governos, no sistema de saúde; mas sua força vem se reduzindo. O Governo Federal, seguramente, não tem sido omisso, nem indiferente, nem ineficaz em suas ações e políticas de saúde. Algumas poucas estatísticas, a título de ilustração, podem mostrar-nos essa nova realidade.  

Os agentes comunitários de saúde, que eram cerca de 35.000, em 1995, hoje são mais de 80.000. Muitos milhões de brasileiros são alcançados por esse serviço. As áreas cobertas por esse programa correspondiam, em 1995, a cerca de 1100 Municípios. Esse número, agora, triplicou, contribuindo, entre outros efeitos, para uma substancial queda da mortalidade infantil no Brasil. Para as 26.456 comunidades carentes, situadas em 1.892 Municípios, com acompanhamento pela Pastoral da Criança, estão disponíveis os seguintes números referentes à mortalidade de crianças menores de 1 ano: em 1994, 27,7 por mil nascidos vivos; em 1997, 15,6 por mil. Uma redução dramática, nesse caso. Outro avanço foi o crescimento do Programa de Saúde da Família; suas equipes agora operam em cerca de 1000 Municípios.  

Estou seguro de que o tempo mostrará, por números como esses, que o atual governo, nos diferentes aspectos que formam o arco das questões da saúde, está avançando na direção certa. Mas, antes mesmo que decorram os anos necessários para que se possam aferir certos efeitos, é possível detectar a melhora qualitativa nesses avanços.  

Uma das áreas em que se vem desenvolvendo a ação do Governo Federal é a da reorganização institucional, principalmente com a implantação gradual do SUS. A filosofia básica que rege a reforma é a da descentralização. O Fundo Nacional de Saúde, hoje, transfere fundos diretamente para um grande número de Municípios. Esse número, em outubro de 1988, era de 449; ainda pequeno frente ao universo total dos Municípios, mas abrangendo cidades médias e grandes, que concentram grande parte da população.  

Desde dezembro de 1997, está vigente o Piso de Atenção Básica, PAB, uma nova forma de remuneração para procedimentos ambulatoriais, como consultas odontológicas, pré-natal e serviços de vacinação. Repasse feito com base no número de habitantes do Municípios. Esse critério é melhor que o anterior, que reembolsava os serviços prestados, pois contém um forte efeito de distribuição de renda, além de assegurar, nos Municípios, um gasto mínimo em atendimento básico e em programas de prevenção. Em 1998, cerca de 90% dos Municípios do País receberam o PAB.  

Um passo que está sendo dado este ano é a implantação da reforma no setor de serviços de saúde pagos, com base na Lei dos Planos e Seguros de Saúde aprovada pelo Congresso Nacional. Dependem desse setor privado-associativo 25% da população, 40 milhões de brasileiros, que agora passarão a contar com regras mais eqüitativas no recebimento desses serviços. Ficarão melhor equilibrados os interesses dos usuários do sistema com os das empresas prestadoras.  

Entre as muitas ações realizadas ou orientadas pelo Governo Federal nos campos da imunização, da atenção à mulher, da atenção ao idoso, do combate às endemias, da prevenção em geral, destaca-se a campanha levada a efeito para prevenção do câncer do colo uterino, conduzida na forma de projetos-piloto. Também merece destaque a atenção dada pelo Ministério da Saúde à fiscalização sobre a qualidade e o preço dos medicamentos, bem como aos planos de reestruturação institucional de toda a área de vigilância sanitária.  

A essência positiva da ação do Governo Federal no âmbito da saúde é, a meu ver, ter-nos dado a certeza de que é possível enfrentar os problemas e de que eles, imensos como são, são, no entanto, superáveis. Por outro lado, o que resta a fazer no Brasil, em matéria de saúde, constitui tarefa pesadíssima. Tarefa não só dos governos, nem só do setor de saúde: trata-se de encargo de toda a sociedade.  

Basta ver como a saúde é afetada, no entorno do que lhe é específico, por uma vasta gama de problemas do País. A começar pela nossa estrutura social que, por herança e circunstâncias históricas, apresenta profundas desigualdades sociais e regionais. Enquanto um segmento da sociedade, minoritário, é razoavelmente bem atendido, a maioria, grande parte dos 75% da população que dependem do serviço público de saúde, enfrenta a freqüente precariedade desses serviços, ou a total ausência deles. Os pobres, para resumir, têm pouca capacidade de pressão, e só muito lentamente vão incorporando os direitos enunciados pela Constituição.  

Outro fator a pesar contra a saúde são os insatisfatórios índices de saneamento, com grandes variações entre regiões, entre cidade e campo, e entre zonas da mesma cidade. Também pressionam o sistema de saúde os altos índices de violência ligada à criminalidade e ao trânsito. Além do sofrimento causado às pessoas, a violência impõe forte demanda de recursos materiais e de pessoal profissional. Igualmente deve ser mencionado, como fator que mantém atrasada a saúde no Brasil, a alta taxa de sonegação de tributos que impera entre nós. Cada real sonegado é um real que faz falta nos orçamentos sociais, e parte do problema é que a sociedade ainda não está plenamente consciente dessa conexão.  

Todos esses fatores "externos", por assim dizer, constituem dificuldades e percalços. Mas a saúde tem numerosos impasses "internos", seus próprios, formando longa lista de deficiências a superar. Lista que envolve questões de qualidade de gestão, de controle de fraudes, de avaliação técnico-financeira dos serviços, de melhor balanceamento entre ações curativas e preventivas, essas últimas de melhor relação custo/benefício. Outras deficiências dizem respeito a um melhor desenho das instituições, em todos os níveis de governo. Uma deficiência, porém, destaca-se das outras, por emoldurá-las todas: é a questão do financiamento do setor público de saúde, para o qual ainda não se encontrou solução satisfatória e definitiva.  

Não apenas o Brasil aplica pouco em seu sistema público de saúde, em comparação com outros países de nível semelhante de desenvolvimento, mas mesmo o que aplica não oferece a segurança desejável para o sistema. A fatia maior de recursos vem do Orçamento da Seguridade Social, OSS. Ora, no OSS, a porção devida à previdência é incompressível, porque os direitos previdenciários são precisamente definidos em lei e negá-los acarreta imediata ação judicial contra o Poder Público.  

Assim, a fatia que resta para a saúde é incerta, pois o OSS oscila com os azares dos ciclos econômicos. Além de incerta, ela é compressível. Pode-se facilmente, e lamentavelmente, "comprimir" a qualidade de atendimento, fazendo o cidadão esperar 10 horas na fila, ao invés de 1 hora; esperar 10 meses por um procedimento, ao invés de 1 mês.  

Teremos que encontrar uma solução para o financiamento do sistema público de saúde que corrija suas atuais características de irregularidade e incerteza. Que estabeleça rateio justo entre as responsabilidades dos orçamentos da União, dos Estados e dos Municípios.  

Sr. Presidente, mencionei, antes, como pesam sobre a saúde no Brasil as deficiências mais gerais de nossa sociedade. Mas há o outro lado da moeda, esperançoso: se conseguirmos conduzir com sucesso essa nossa "guerra" a favor de um sistema de saúde mais satisfatório, estaremos, com isso, causando um grande impacto sobre a sociedade, melhorando sua auto-imagem e sua qualidade, e despertando ressonâncias positivas, que irão afetá-la como um todo, para melhor, muito melhor.

 

Nossa meta deve ser um processo de mudança cultural e de afirmação da cidadania, em que a saúde seja um fator permanente, imprimindo melhor qualidade à vida de todos. Isso deve incluir a articulação harmônica entre as três esferas do governo, em prol da saúde do cidadão.  

Acredito que o Governo Federal vem agindo dentro desse espírito e que toda a sociedade deve receber de nós, políticos, Legislativo e militantes da saúde, um sinal claro de que esse é o caminho a seguir.  

Muito obrigado.  

 


Este texto não substitui o publicado no DSF de 06/08/1999 - Página 19485