Discurso no Senado Federal

DEFESA DA INVESTIGAÇÃO DO PROCESSO DE PRIVATIZAÇÃO.

Autor
Amir Lando (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/RO)
Nome completo: Amir Francisco Lando
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
PRIVATIZAÇÃO.:
  • DEFESA DA INVESTIGAÇÃO DO PROCESSO DE PRIVATIZAÇÃO.
Publicação
Publicação no DSF de 06/08/1999 - Página 19488
Assunto
Outros > PRIVATIZAÇÃO.
Indexação
  • COMENTARIO, ANTERIORIDADE, OCORRENCIA, COMISSÃO PARLAMENTAR MISTA DE INQUERITO, INVESTIGAÇÃO, PROCESSO, PRIVATIZAÇÃO, INSUCESSO, CONCLUSÃO, REGISTRO, RELATORIO, ORADOR, DENUNCIA, IRREGULARIDADE, CONTINUAÇÃO, ATUALIDADE.
  • CRITICA, PROGRAMA NACIONAL DE DESESTATIZAÇÃO, AUSENCIA, VINCULAÇÃO, POLITICA INDUSTRIAL.
  • CRITICA, CONCESSÃO, FAVORECIMENTO, PROMITENTE COMPRADOR, EMPRESA ESTATAL, FALTA, PREVENÇÃO, OLIGOPOLIO, INICIATIVA PRIVADA, DESVALORIZAÇÃO, PATRIMONIO, QUESTIONAMENTO, METODOLOGIA, AVALIAÇÃO.
  • QUESTIONAMENTO, RELACIONAMENTO, AUTORIDADE, BANCO OFICIAL, EMPRESA, INTERESSE, PRIVATIZAÇÃO, CRITICA, GOVERNO, DESTINAÇÃO, RECURSOS, VENDA, EMPRESA ESTATAL, EXCESSO, OBEDIENCIA, EXIGENCIA, FUNDO MONETARIO INTERNACIONAL (FMI).
  • APREENSÃO, PRIVATIZAÇÃO, BANCO DO BRASIL, CAIXA ECONOMICA FEDERAL (CEF), PETROLEO BRASILEIRO S/A (PETROBRAS), COMPANHIA HIDROELETRICA DO SÃO FRANCISCO (CHESF), FURNAS CENTRAIS ELETRICAS S/A (FURNAS), CENTRAIS ELETRICAS BRASILEIRAS S/A (ELETROBRAS).

O SR. AMIR LANDO (PMDB-RO) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, a recente divulgação das gravações, nas quais parecem claras manipulações da direção do BNDES, órgão gestor do Programa de Desestatização, nos leilões do sistema de telecomunicações, suscitou, na imprensa e no próprio Congresso, a idéia da instalação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito para investigar o processo de venda das estatais brasileiras.  

Pois bem, essa CPI, aliás, CPMI, porque mista, já ocorreu, no Congresso Nacional, nos idos de 1993. É que, dela, pouco se teve notícia, exatamente porque a imprensa cuidou de impôs uma cortina de silêncio sobre as investigações que Senadores e Deputados Federais procuravam desenvolver, naquela época.  

Mas, reconheço, mesmo que a imprensa dispensasse a devida e merecida transparência ao assunto, não teria repercutido a totalidade dos fatos que se esperava investigados pela CPMI. É que o Congresso também cuidou de restringir as investigações, através de mecanismos de pressão mais contundentes até mesmo que aqueles utilizados na Comissão que culminou na cassação de um Presidente da República.  

Muito pouco foi possível investigar, apesar de todas as evidências de desvios de rumos do Programa que resultou na venda de um patrimônio público consolidado durante décadas. Nada se quis apurar, e as intervenções, quando houveram, lançaram-se no sentido de bloquear os trabalhos, até que se culminasse no encerramento prematuro da CPMI, em episódio nada honroso para a história do Congresso brasileiro.  

No final melancólico dos trabalhos, foram apresentados dois relatórios. Enquanto relator, procurei traçar o que chamei na apresentação do documento, "um disforme debuxo, que apenas externa indícios e sulcos do obscuro processo de privatização implementado pelo Governo Federal, que se vislumbra como precário roteiro pára uma oportuna investigação mais exaustiva". Não deixei, entretanto, de alinhavar os principais vícios do programa de privatizações, na esperança de que o documento se constituísse, ao menos, um alerta para as alienações de maior vulto que se anunciava. O outro relatório, elaborado sob encomenda a empresa de consultoria com livre trânsito nos corredores promíscuos onde se articulava a dilapidação do patrimônio público é, nada mais, que uma versão oficial camuflada dos documentos propagandísticos do Programa, aos moldes do elefante da propaganda do "Estado no lugar certo", mesmo que isso significasse a doação desse mesmo patrimônio.  

A Comissão, afinal, aprovou o segundo relatório, na mesma sessão em que se votou, e aprovou, o final dos trabalhos, com o voto majoritário de Senadores e Deputados Federais arregimentados de última hora e, que, até então, não haviam participado de qualquer atividade de investigação. Aliás, a ausência ou a participação fria e ritualística desses parlamentares, sempre contrastou com a fleuma deles próprios quando se tratava de barrar qualquer iniciativa considerada mais contundente, especialmente nas oportunidades em que se discutiu quebra de sigilos bancários.  

A propósito, a CPMI "quebrou" os sigilos bancário e fiscal de 14 pessoas físicas e 4 jurídicas, procedimento abortado pelo então Presidente da Comissão, sem qualquer amparo regimental, cujo processo se decompôs, pelo tempo, nas prateleiras da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania do Senado Federal.  

Mas, a história cuidou de resgatar a razão. O relatório afinal aprovado pela Comissão inacabada parece continuar a inspirar a propaganda oficial, enquanto o meu relatório continua atual, porque persistem, com maior intensidade, os vícios detectados nos primeiros leilões.  

Em primeiro lugar, o Programa Nacional de Desestatização - PND não se contextualizou em um plano de desenvolvimento econômico e industrial. Indústrias do porte das empresas estatais foram incluídas, isoladamente, no programa, sem uma discussão ampla sobre a política industrial que o País iria perseguir, a partir daquele instante.  

É sempre bom lembrar que o PND, consubstanciado na Lei 8.03l, foi o primeiro programa do Governo Collor, após o seqüestro dos ativos (cadernetas de poupança e depósitos a vista). Portanto, o mercado nacional não recomendava a venda de ativos, naquele momento. Também o mercado internacional não favorecia negócios de mais longa maturação. Mais do que isso, foi um momento de crise, em particular, para o mercado mundial de insumos, como o aço, os petroquímicos básicos e os fertilizantes. O México, inclusive, paralisou o processo de privatização de sua indústria petroquímica, tamanhos os prejuízos. Como se sabe, são, exatamente, esses mesmos setores que foram priorizados para dar início ao PND. O Programa, portanto, padece de vícios de origem, ainda não completamente dissecados nos dias atuais.  

Uma outra questão analisada no relatório e, ainda, presente, são as concessões benevolentes aos compradores: facilidades para a aquisição das estatais, utilização com critérios discutíveis das chamadas moedas podres, juros subsidiados que, na época não ultrapassavam os 6% ao ano (quando o Banco Central, para captação, praticava 42%), carências e prazos a perder de vista, etc.  

O ataque ao monopólio estatal, peça chave na propaganda oficial, não foi acompanhado pela discussão sobre mecanismos que inibissem o oligopólio privado. Hoje, o que se observa é que os setores privatizados se oligopolizaram: estão aí os produtos petroquímicos nas mãos da Odebrecht e da Down Química, a siderurgia com a Usiminas, a CSN e a Gerdau, os fertilizantes nas mãos de poucas multinacionais e a "arrumação" dos grupos para a aquisição das "teles".  

Os cenários adotados para os fluxos de caixa sempre foram os mais conservadores. As receitas são minimizadas e os custos maximizados. No caso da Ultrafértil, por exemplo, utilizou-se o preço da uréia entre US$ 105 e 125, quando o próprio Banco Mundial já utilizava US$ 130. Um ano após o leilão os preços já haviam subido para US$ 156. Hoje, o mercado interno acena com US$ 400. É que os avaliadores se valeram dos menores preços internacionais, naquele momento, os dos países da Europa Ocidental. Ao contrário, buscou-se, no lado dos custos, regiões com preços (de transportes, por exemplo), mais elevados. Lembre-se, ainda, que ativos não diretamente produtivos, e que faziam parte do patrimônio das empresas, foram, praticamente, doados para compradores. Por exemplo, os terrenos valiosos da Açominas, em Ouro Branco (MG), foram, na época, avaliados na casa dos centavos de dólar. Pior, como pagavam imposto territorial, entraram nos custos e podem ter contribuído para diminuir o valor do preço mínimo da empresa.  

Um outro vício que permanece desde a origem do PND é a manipulação de indicadores de avaliação, no modelo de fluxo de caixa descontado. As taxas de desconto, por exemplo. Como se sabe, quanto maior ela for, menor o valor presente do bem e menor o número de anos necessários para amortizar o investimento. Segundo avaliação de especialistas, em todos os casos, superestimou-se as tais taxas. Voltando à Ultrafértil, por exemplo, a avaliadora utilizou 15,5% (5 anos para amortizar) e o preço mínimo (no tal cenário pessimista) atingiu US$ 200 milhões. Se ela mesma tivesse utilizado 10% (recomendado, na época pelos especialistas), o preço seria de US$ 320 milhões, com 7 anos para o retorno da aplicação. Entretanto, se fossem, ainda, utilizados os cenários mais realistas e os melhores indicadores, o preço mínimo da empresa poderia chegar a US$ 600 milhões (3 vezes). Nenhum ágio atingiu tamanha diferença.  

Hoje, a história se repete. A Coppe, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, elaborou uma (re)avaliação das empresas do Sistema Telebrás. Como se sabe, no modelo de privatização adotado, tal sistema foi dividido em três holdings regionais (Tele Norte/Nordeste/Leste, Tele Centro/Sul e Telesp, mais a Embratel e oito operadoras regionais de telefonia celular, totalizando, no leilão, 12 empresas).  

A avaliação foi feita por consultorias contratadas. O modelo utilizado foi o mesmo do Fluxo de Caixa Descontado, calculado para um horizonte de projeção de 10 (dez) anos, mais um valor residual para os 17 (dezessete) anos subsequentes.  

Trata-se de um modelo de avaliação muito sensível, porque envolve cenários que comportam projeções moldadas pelo subjetivismo e que, por sua vez, resultam em indicadores muitas vezes discutíveis.  

Qualquer modificação, por mínima que seja, em tais cenários e indicadores, pode resultar em alterações significativas nos preços mínimos das empresas, principalmente no caso das "teles", por envolverem somas consideráveis de recursos. Como a taxa de desconto envolve variáveis que podem ser alteradas de acordo com a compreensão e, até, o desejo do avaliador, não é difícil concluir que uma avaliação pode ser manipulada. A título de comparação, um segundo pode ser um tempo considerado diminuto para se explicar um teorema, mas é uma eternidade na tomada de tempo do corredor de fórmula 1, e pode levá-lo da "pole" à ultima fila. O mesmo acontece com uma pequena alteração, por exemplo, na taxa de risco do país ou nas projeções de mercado do produto ou serviço da empresa avaliada.  

A Coppe avaliou três indicadores básicos que compõem a taxa de desconto: a volatilidade da empresa em relação ao mercado (índice Beta), que mede a sensibilidade da variação das ações da empresa, em função da variação geral do mercado acionário), o Risco Brasil e o Prêmio de Risco de Mercado, que é o risco da aplicação propriamente dito.  

Sobre o Índice Beta, quanto maior ele for, menor o preço. As avaliadoras utilizaram 1,4, quando para a avaliação de empresas de energia elétrica e de gás, esse valor cai para 0,73. Para se ter uma idéia, 1,4 é o valor de Beta utilizado, internacionalmente, para restaurantes e maior do que para a hotelaria. Comparar a Telebrás com hotéis e restaurantes, em termos de sensibilidade é, no mínimo, discutível.  

Sobre o Risco Brasil, a Consultora utilizou 4,4%. A Coppe alega que esse índice é utilizado em momentos de crise financeira internacional (como agora e ao tempo do trabalho de avaliação). Utilizá-lo significa desconsiderar o potencial de desenvolvimento do País, na contramão do discurso do próprio Governo Federal.

 

Quanto ao Prêmio de Risco de Mercado utilizado pela consultora contratada, 5,5%, a Coppe também contesta, dadas as garantias de mercado próprias da atividade, de demanda sabidamente estável. Também a título de comparação, na recente privatização das distribuidoras estaduais de energia elétrica do Rio Grande do Sul, o prêmio de risco utilizado situou-se entre 2,0 e 3,0%.  

Diante desses números e situações, a COPPE, consultando os maiores especialistas no assunto, propôs as seguintes alterações:  

para o índice Beta (sensibilidade da empresa): 0,85, no lugar do 1,4;

para o risco Brasil: 3%, no lugar dos 4,4%;

Para o risco de mercado: 2,35%, no lugar dos 5,5%.

Com esses novos índices, completamente defensáveis tecnicamente, os valores dos preços mínimos das 12 participações do Estado nas "teles", elevar-se-iam em 49% para a telefonia fixa, 49,2% para os celulares e 60,6% para a Embratel. Assim, nos cálculos da avaliação total das 12 empresas, a COPPE chegou a US$ 113,2 bilhões, enquanto a empresa consultora encarregada da avaliação oficial ficou nos US$ 75,4 bilhões.  

Para efeito de cálculo, a Coppe utilizou a mesma metodologia das empresas contratadas pelo Programa de Desestatização e os mesmos cenários, substituindo, apenas, os indicadores que julgou inapropriados.  

A diferença entre o valor total da avaliação das empresas contratadas e o da Coppe é de US$ 37,8 bilhões. E, apenas na telefonia fixa, US$ 25,0 bilhões. Na Embratel, US$ 4,5 bilhões. Isso demonstra a sensibilidade dos indicadores utilizados no método de Fluxo de Caixa Descontado, no resultado final das avaliações.  

A participação do Estado nos US$ 75,4 bilhões das empresas de avaliação seria de US$ 11,2 bilhões. O Governo estipulou, finalmente, um valor total para leilão de US$ 13,4 bilhões. A diferença entre esse valor e os US$ 22 bilhões conseguidos nos leilões é o tão propalado ágio. Como se vê, não foi bem assim. Mantidas as mesmas proporções, o valor inicial para as vendas, deveria ser de US$ 20,2 bilhões. Então, ou tal ágio seria muito menor, ou o Governo teria conseguido um valor muito maior na venda das "teles". Mantido algum ágio, em leilões sem manipulações, quem sabe poderíamos ter chegado aos US$ 30 bilhões, valor, de início, cantado em prosa e versos pelo então Ministro Sérgio Mota.  

É possível, ainda, à luz do meu relatório, e dos acontecimentos que se sucederam, concluir que se estabeleceu uma forte correlação entre dirigentes de bancos oficiais e de instituições financeiras privadas, muitas delas montadas exatamente para participar das privatizações. Além disso, o número é significativo de ex-gestores do PND, que se transferiram para agentes financeiros privados, exatamente para a área de investimentos. E são essas instituições, exatamente, que adquirem as melhores estatais. Não são, como se poderia esperar, os representantes do capital produtivo.  

Os fundos de pensão merecem, também, uma atenção especial. É bom observar que eles, na verdade, viabilizaram os leilões, até aqui. Sem eles, não haveria programa de privatizações. Como eles são manipulados pelo próprio governo, que indica, na prática, os seus dirigentes maiores, é fácil perceber que os rumos dos leilões ficam, objetivamente, nas mãos do governo. Os resultados se encaminham para onde os fundos (e o governo) desejam.  

O caso das gravações para se articular os leilões das "teles", ainda vivas na memória, é ilustrativo. Mas, há precedentes que guardam mais que coincidências. É o caso da venda das ações da Vale do Rio Doce. Até o último momento, os sinais de mercado davam conta de que o Consórcio liderado pela Votorantim, do Sr. Antonio Ermírio de Moraes, seria o vencedor. Tudo estava com ele, inclusive os fundos de pensão. Pois bem, na hora derradeira, os fundos mudaram de lado, inviabilizando o Consórcio da Votorantim e fortalecendo o Grupo liderado pelo Sr. Benjamim Steinbruk, afinal o ganhador.  

Teria havido manobra, "para valorizar a empresa", já no caso da Vale? Quem garante que não teriam havido fluxos de telefonemas, com "bombas atômicas" acionadas pelo BNDES? Tudo indica, hoje, que sim, só que nada foi gravado, mesmo que clandestinamente.  

Portanto, cada vez mais, reforça a minha afirmativa, no Relatório, de que não encerrava, ali, os trabalhos, apenas o interrompia, até que a história demonstrasse a necessidade de sua retomada. Além de se manterem os vícios de origem, novas questões se agregam, à espera das devidas elucidações.  

Por exemplo, qual a destinação dos recursos da privatização, até aqui? O Governo FHC editou um documento com o título " O Estado no lugar certo", onde defende a tese de que ao Estado não cabe ações diretamente produtivas, em nome do social (saúde, educação, saneamento básico, etc). Pois bem, lá se foram as estatais, a dívida pública interna passou, em 4 anos, de R$ 68 bilhões para R$ 501 bilhões e o "social" está cada vez pior.  

Talvez não tenhamos as respostas que julgamos as mais convincentes. É que a questão da privatização, no contexto da globalização, vai além da discussão sobre preços, modelos, promiscuidade. Privatizar significa dizer "sim" às imposições dos organismos financeiros internacionais (FMI, Banco Mundial, BID) e do próprio Governo dos Estados Unidos. É um passaporte para a globalização, em moldes ditados exogenamente. É o que estipula o Consenso de Washington, as sucessivas cartas de intenções, etc. Não ter privatizado nenhuma das nossas maiores estatais, como a Vale, a CSN ou a Telebrás, significaria um rompimento com o modelo chamado neoliberal, o que nenhum Governo, pelo menos até aqui, assumiu.  

Seguindo essa lógica (perversa), não tardarão a entrar, oficialmente, em pauta, as privatizações do Banco do Brasil, da Caixa Econômica Federal, da Petrobrás, e de todo o sistema elétrico.  

E o que restará, depois que o tal "passaporte" estiver completo, ou, pior, perder a validade? Estaremos devendo em escala exponencial, a mesma dos problemas sociais, e não teremos mais "carimbos". Restará, quem sabe, o território.  

Dois movimentos poderão ganhar força: um, externo, pela entrega de território e o que restar de nossos recursos naturais. Outro, interno, pelo separatismo. Esses movimentos (interno e externo) já não são novidade.  

Na crise do México, o empréstimo do FMI e do Governo americano (US$ 50 bilhões) teve como garantia o petróleo mexicano. Aquele país, mantido o consumo interno atual, tem petróleo para quase um século. O Brasil, algo como 20 anos. Os Estados Unidos, menos que cinco. Os principais países desenvolvidos, zero. O petróleo do Golfo tornou-se inviável para os americanos, dados os custos de manutenção da "armada". Somados os custos de manutenção de tropas, o petróleo do Golfo custa, para o contribuinte americano, perto de US$ 100 o barril. Se há petróleo barato "no quintal", por que pagar tanto?  

Vale, também, o exemplo do sistema elétrico. Na base do "faça o que eu digo e não o que eu faço", o acordo com o FMI estipula a privatização do sistema de geração e transmissão de energia do Brasil. Pois bem, nos Estados Unidos, no Canadá, na Suécia, na Noruega e em outros países ocidentais, o sistema elétrico permanece sob controle estatal. Nos Estados, inclusive, a maior parte do sistema hidroelétrico pertence ao exército americano ( US Army Corps or Engineering ) e ao Ministério do Interior ( US Bureau of Reclamation ). 

Não podendo contar com fatias maiores do mercado local, o setor privado destes países pressionam para que organismos internacionais de financiamento incluam, em seus contratos e cartas de intenção com "países em desenvolvimento", cláusulas de privatização. Não é à toa a manchete da Gazeta Mercantil de 05 de janeiro último: "A ofensiva dos estrangeiros na geração de energia". O sistema elétrico demonstra que a privatização não é, necessariamente, um passaporte para o primeiro mundo.  

Mas, aqui, o discurso é o contrário. Estão aí as privatizações da Chesf, de Furnas e da própria Eletrobrás. Todas elas anunciadas como um grande negócio.  

Elementos não faltam, portanto, para que se aprofunde o debate e se retome a Comissão abortada em 1993. É bem verdade que outros elementos, os que deram suporte, durante aqueles trabalhos, à censura econômica, talvez mais cruel e nociva que a censura política, também mantêm-se vivos e, certamente, fortalecidos. Mas, como disse lá: "é preciso intuir alguma utopia, por mais singela que seja".  

Era o que eu tinha a dizer, Sr. Presidente.  

 

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Este texto não substitui o publicado no DSF de 06/08/1999 - Página 19488