Discurso no Senado Federal

ANALISE HISTORICA DA PRODUÇÃO DA INDUSTRIA AUTOMOBILISTICA.

Autor
Lauro Campos (PT - Partido dos Trabalhadores/DF)
Nome completo: Lauro Álvares da Silva Campos
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA.:
  • ANALISE HISTORICA DA PRODUÇÃO DA INDUSTRIA AUTOMOBILISTICA.
Publicação
Publicação no DSF de 07/08/1999 - Página 19525
Assunto
Outros > POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA.
Indexação
  • APOIO, DISCURSO, JEFFERSON PERES, SENADOR, ANALISE, HISTORIA, INCENTIVO FISCAL, INDUSTRIALIZAÇÃO, ESTADO DE SÃO PAULO (SP).
  • ANALISE, HISTORIA, INDUSTRIA AUTOMOBILISTICA, BRASIL, MUNDO, DESCONCENTRAÇÃO INDUSTRIAL, PRIMEIRO MUNDO, DIREÇÃO, TERCEIRO MUNDO, PROVOCAÇÃO, CONCENTRAÇÃO DE RENDA, OBJETIVO, CRIAÇÃO, CONSUMIDOR, PRODUTO, RIQUEZAS.
  • DENUNCIA, LIMITAÇÃO, MERCADO INTERNO, CONSUMO, OPOSIÇÃO, INCENTIVO, INDUSTRIA AUTOMOBILISTICA, RISCOS, CRISE, EXCESSO, PRODUÇÃO.
  • ANALISE, CRISE, ECONOMIA, BRASIL, INEFICACIA, POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA, GOVERNO.

O SR. LAURO CAMPOS (Bloco/PT-DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, hoje estamos preocupados essencialmente com os dois Brasis e com a indústria automobilística. Jacques Lambert, há muito tempo, escreveu um livro que foi amplamente divulgado: Os Dois Brasis . Hoje, a crise da sociedade brasileira, do Estado brasileiro, do mercado nacional e das indústrias nacionais traz outras determinações para os dois Brasis. Um dia, quando eu tiver mais tempo, pretendo recolocar o problema dos dois Brasis nos termos desta nossa triste modernidade.  

Realmente, parece-me que o nosso pensamento, a nossa visão do mundo, a nossa Weltanschauung, a maneira pela qual entendemos, analisamos e interpretamos os fenômenos não resulta de uma iluminação divina, é o produto das nossas condições. O pensamento humano é situacional e são as nossas situações que influem na determinação do nosso pensamento, da nossa visão do mundo. Talvez o primeiro a ter percebido isso tenha sido Francis Bacon no seu Novum Organum , livro em que mostra como essas influências da religião, do passado, das crenças, como as condições locais vão criando uma lente pela qual enxergamos o mundo. E a lente de São Paulo, a lente do desenvolvimentismo, com seus problemas totalmente diferentes dos problemas do Norte e do Nordeste do Brasil, fazem com que inclusive os nossos discursos neste plenário tenham esses dois vieses, a visão do Brasil industrializado, com seu problema de sobreacumulação de capital, de excesso de produção - excesso de produção que devemos colocar sempre no quadro mundial a que pertencemos, onde estamos inseridos.  

Estou de pleno acordo com o brilhante pronunciamento do Senador Jefferson Péres. Tenho 300 páginas escritas sobre esse momento, dos anos 50 em diante, da economia brasileira, em que o pensamento, a ideologia desenvolvimentista se apoderou de nós. Naquele tempo, havia essas doações, esses incentivos, esses estímulos - a doação de terreno, os favores cambiais -, como lembrou o Senador Jefferson Péres, havia cinco categorias de dólar, sendo que o dólar mais barato era aquele para que o capital estrangeiro pudesse importar, transplantar as montadoras, os núcleos das empresas - e a de carro, a de automóvel é, sem dúvida alguma, a mais representativa desse processo.  

O pensamento desenvolvimentista de Celso Furtado e de Raúl Prebisch ajudou a obscurecer a ideologia do desenvolvimento justamente porque, tal como agora, naquele momento havia no mundo o perigo de retornar o excesso de produção, uma sobreacumulação, tal como aconteceu em 1929. Os Estados Unidos, que, em 1944, produziam 700 mil carros, em 1957 passaram a produzir mais de 7 milhões de automóveis - de 700 mil para 7 milhões de automóveis, entre 1944 e 1957. Naquele momento, ficou claro que os Estados Unidos só poderiam se livrar de uma segunda crise de 1929, de um retorno daquela crise, se limitassem a produção, segurassem a produção, pusessem freio e cobro àquela dinâmica fantástica que atingia as indústrias de luxo, as indústrias de duráveis, a de linha branca, e, principalmente, o carro.  

A Argentina, o Brasil, o México, a Coréia do Sul, todos esses países, além do Canadá, que se antecipou no processo, foram hospedeiros - receberam e estenderam o tapete vermelho para as indústrias que vieram lá de fora. Não porque nós, aqui, tivéssemos acionado algum vodu ou feito alguma mágica para atrair essas indústrias. Não. Elas estavam com a passagem no bolso. Com ou sem Juscelino elas viriam para cá. Na Argentina não havia Juscelino. No México não havia Juscelino. Na Coréia do Sul não havia Juscelino. Nem tampouco os espertos da Cepal, os desenvolvimentistas, que criaram essa falsa imagem, essa desculpa esfarrapada de que deveríamos dar tudo para atrair o capital estrangeiro, que estava com a passagem no bolso, que precisava sair de lá, desconcentrar-se em escala mundial.  

Ao se desconcentrar, esse capital, situado nos setores de artigos de luxo, veio e estuprou a sociedade brasileira. Não havia mercado para carros no Brasil que suportasse a montagem, aqui, o transplante para cá das inúmeras montadoras que vieram. Três delas perceberam o engano em que haviam incorrido. A Hillman e a DKW saíram do Brasil logo no início dos anos 60. Portanto, se tivéssemos tido uma visão global do fenômeno, teríamos visto que naquela ocasião, tal como se repete agora, o problema era de excesso de produção, e eles vieram para cá atrás de nosso mercado.  

O Sr. Sérgio Motta disse que o Brasil estava vendendo pó, quando estava criando a privatização da Anatel e de outras empresas. Não. O Brasil está de novo dando algo que é muito precioso. Consumo é produção. Produção é consumo, dizia Marx. O consumo, dizia Malthus, é talvez a principal força auxiliar da produção. Sem consumo não havia produção. Hoje há, porque quando os consumidores capitalistas foram empobrecidos, o Governo passou a consumir, a comprar e a fornecer a possibilidade de lucro aos setores que se tornaram dinâmicos no mundo: os setores bélicos, espaciais e destrutivos. Mas naquele momento o consumidor ainda era importante e esses setores vieram para cá. Penetraram nas nossas economias periféricas e subdesenvolvidas, onde a pobreza da massa impedia, obviamente, que os carros fossem produzidos, as geladeiras, os televisores, e agora os computadores e tudo o mais, numa escala significativa, numa escala que justificasse a montagem dessas indústrias. Portanto, o que me parece é que acabou-se o populismo naquele momento, porque a indústria que veio era para uma elite mundial, para pessoas de alta renda. Deixaram de produzir, como até ao tempo de Getúlio era predominante, os meios de consumo, os alimentos, os sapatos, as roupas, que eram artigos populares, e passou-se a produzir, a dinâmica voltou-se para os artigos de luxo. Feita essa opção, era preciso concentrar renda para que se criasse um mercado de luxo, um mercado de alta renda, da elite - 64 traz a UDN elitista e são os militares, com sua força, que fazem essa transformação, essa transformação perversa, para criar, através da pobreza e do empobrecimento das bases, um mercado para os produtos transplantados para cá.  

De novo, agora, o que acontece? Sessenta e nove milhões de carros poderiam ser produzidos no mundo, no entanto, só são produzidos cinqüenta milhões. Por que dezenove milhões deixam de ser produzidos? Porque não há mercado para eles. É evidente que nem a Ford, nem a General Motors, nem a Kia, nenhuma empresa iria investir capital, comprar máquinas e equipamentos, estabelecer suas montadoras para deixá-las paradas, ao lado de outras que já não conseguem vender a totalidade de sua produção, mantendo uma ociosidade enorme nesses setores. De modo que estamos, de novo, incorrendo no erro dos anos 50; estamos repetindo esse erro ao fornecer incentivos e doações para que essas indústrias, cujos produtos estão diante de um mercado saturado em escala mundial, pudessem penetrar no Brasil.  

Ao contrário do que parece à primeira vista, o governo capitalista não é apenas um estimulador da acumulação de capital. No Japão, por exemplo, o governo, a partir de 1863, numa economia completamente feudal, teve que produzir a própria burguesia - a revolução lá não foi burguesa, como a de 1688, na Inglaterra, e a de 1789, na França. No Japão, não havia burguesia e não houve revolução burguesa. Foram os próprios dáimios, os senhores feudais - três dáimios -, proprietários de grandes extensões de terras, os maiores senhores de terra do Japão, que fizeram a revolução e criaram a burguesia. Mitsui, Mitsubishi, todas essas indústrias eram de pessoas próximas ao imperador.  

De modo que, então, o que vemos é esse tipo de ação governamental. Num determinado momento do século XVI, por exemplo, observou-se a existência de empresas estatais: havia empresas régias - estatais -, empresas privilegiadas, estimuladas pelo governo no século XVI. Essas empresas estatais importantíssimas produziam o quê? Tapetes finos, perfumes, vidros, artigos de luxo, vinhos finos, bebidas finas, tecidos, gobelins etc. De modo que não há nada de novo sob o sol e agora estamos vendo a repetição daquilo que aconteceu nos anos 50.  

Não sou nem economista nem fazedor de contas, não acredito nos números, a não ser em alguns que realmente revelam certos momentos. Os números só são importantes quando as mudanças quantitativas se transformam em qualitativas, quando a quantidade se transforma em qualidade dialeticamente. Não obstante isso, vou citar em seguida alguns números. Se o governo não tivesse brecado, nos Estados Unidos e nos países avançados, a produção de artigos de luxo, inclusive de carros, o capitalismo já teria desaparecido há muito tempo, já teria sido devorado pela sua própria energia, pela sua própria eficiência. Em 1972, ao analisar alguns dados, vi que no princípio dos anos 20, os Estados Unidos produziam dois milhões de carros por ano. O Brasil chegou, há três anos, a produzir um pouco mais de dois milhões, mas neste ano volta para um milhão - este é o prognóstico: após ter atingido um milhão e duzentos, agora, neste ano, chegará a um milhão de carros apenas - quarenta anos depois de instalada a indústria automobilística no Brasil, não conseguimos ultrapassar a produção de dois milhões de unidades.  

Voltando aos números americanos: nos Estados Unidos, em 1920, foram produzidos dois milhões de carros e, em 1929, cinco milhões e trezentos mil. Digamos que essa produção tivesse apenas dobrado, na década. Se o processo continuasse naquele ritmo, os Estados Unidos hoje estariam produzindo mais de duzentos milhões de carros. Em 1972 não era preciso bola de cristal nenhuma: eu tinha certeza absoluta de que uma crise dessa teria que acontecer. Duzentos milhões só nos Estados Unidos, se eles tivessem continuado naquele ritmo!  

A guerra e as medidas do governo, que desviaram as forças produtivas para a improdução e para a destruição, conseguiram que os Estados Unidos crescessem apenas a 2% ao ano - o capitalismo não pode crescer muito, tem de crescer pouco para não implodir. O que acontece, portanto, hoje, é que o mundo tem uma capacidade instalada para apenas sessenta e nove milhões de carros.

 

Desconfio demais da minha clareza, da minha inteligência. Tenho, então, que estudar, estudar de novo, ler, reler, ver os diversos pontos de vista para decifrar um pouquinho do mundo, porque instrumento para isso sei que não tenho. Eu nunca acreditei na redistribuição de renda do capitalismo - podem alguns refutar: "Ah, mas não acredita como? No Japão, por exemplo, os 20% mais pobres ganham apenas quatro vezes menos do que os 20% mais ricos! Houve uma distribuição lá". Sim, houve uma distribuição lá, mas se distribuiu a terra. Lá o módulo fundiário, a propriedade média de terra no Japão é de oito mil metros quadrados. Oito mil metros quadrados! Se a terra é distribuída, a renda gerada fica distribuída. O mesmo se dá com relação ao saber: é evidente que uma pessoa analfabeta tem que ter uma renda muito menor do que aquela que tem aquilo que eles chamam, infelizmente, capital humano acumulado - ainda que os PhDs possam fazer muito mal à sociedade, eles ganham muito bem, têm um capital acumulado. Se a educação fosse democratizada, obviamente, a distribuição da renda gerada seria muito mais igual do que é hoje.  

Então temos que distribuir. Primeiro as pessoas se distribuem e depois, então, vemos que existem fontes de renda que, se não forem distribuídas, o fluxo de renda não poderá se alterar por muito tempo. A renda é o fluxo que sai de estoques acumulados. Assim, se não distribuirmos também, mesmo geograficamente, essas indústrias que estão concentradas em São Paulo, obviamente nós poderemos chegar àquilo que Keynes chamou de mito de Sísifo. De acordo com Lorde Keynes, o capitalismo tem que ser refreado. O Governo, a partir de certo nível de acumulação de capital, tem que refreá-lo. Mas é impossível as pessoas perceberem isso no norte e nordeste do Brasil, lá falta capital. Assim, falar em sobreacumulação para aqueles que sabem que lá há muito pouco capital, que o problema é falta de capital é muito difícil. Isso porque são as condições reais que produzem o nosso pensamento e as nossas ilusões.  

Assim, é natural que o Nordeste lute para atrair capital, pois lá o capital ainda é escasso. Esse é um Brasil, são dois Brasis, não aqueles dois Brasis do Jacques Lambert. São dois Brasis diferentes, são dois estágios diferentes do desenvolvimento capitalista, da acumulação capitalista que produz uma visão paulista do mundo e da economia e uma visão que Minas Gerais tinha quando comecei a estudar economia, nos anos 40, 50, em que quase não havia indústrias.  

Então, como uma pessoa poderia imaginar que a indústria, o capital acumulado, viria a ser o grande problema de uma sociedade capitalista? Impossível. Somente com uma grande capacidade de abstração alguém poderia chegar a uma conclusão dessas. Se as coisas fossem racionais, e se fosse possível começar, existe ainda um espaço enorme para se desenvolver, para se acumular capital no Nordeste. É lógico que existe. Então, os investimentos deveriam ir para lá, e não para onde o capital já está sobreacumulado, onde ele é problema.  

Entretanto, existe uma interdependência: São Paulo só ficou rico porque o Nordeste não ficou. Há uma mútua dependência entre a riqueza de São Paulo e a pobreza de grande parte do Brasil. Neste caso, temos que ser um mercado que luta, que tenta chegar ao primeiro automóvel da família, enquanto em São Paulo muitos já estão no oitavo ou décimo carro. No Japão, onde a renda per capita é de US$37 mil, qualquer cidadão pode comprar um carro. Mas lá é proibido comprar carro, a não ser que se demonstre haver um espaço para guardá-lo. Dessa forma, também no Japão, obviamente, a produção acrescida é um problema, inclusive físico, geográfico.  

O que me parece, portanto, é que é muito natural essa disputa, essa luta, essa guerra fiscal, que só beneficie o capital estrangeiro, que não beneficie nem São Paulo, nem Minas Gerais, nem o Rio de Janeiro, nem a Bahia com esses estímulos, incentivos e doações que se repetem.  

Agora houve esse excesso de capital no mundo, girando inclusive na Bolsa trilhões e trilhões que não podem mais ser investidos na produção, que estão na especulação, viraram capital volátil, porque não puderam se concretizar, objetivar-se, amarrar-se na produção e nas condições objetivas da produção.  

O SR. PRESIDENTE (Jefferson Péres. Faz soar a campainha)  

O SR. LAURO CAMPOS (Bloco/PT-DF) - Estou terminando, Sr. Presidente. Qualquer momento é bom para terminar, porque realmente nunca cheguei ao fim.  

Hoje, ao contrário do que acontecia nos Estados Unidos nos anos 30, quando o Estado absorvia mão-de-obra - 25% de desemprego nos Estados Unidos em 1933, e o Governo Roosevelt começou a absorver mão-de-obra -, mas absorvia mão-de-obra em quê? Produzindo mais carros? Era impossível, a produção tinha caído de 5.300 milhões para 900 mil em dois anos. Então produzir, investir onde? Em qual indústria? Vinte e cinco por cento de desempregados! Não havia demanda! Também a renda dos Estados Unidos caiu e caíram os preços. Aqueles que estão batendo palmas para a queda de preços devem se lembrar que em todas as crises isso aconteceu. Em 1930, nos Estados Unidos, se igualarmos os preços médios a 100, em 1938 esses preços tinham caído para 70, agravando a crise, fazendo cinco mil bancos falirem entre 1930 e 1935.  

Então, o que faz o neoliberalismo desesperado? Fala, deixa transparecer que o aumento da taxa de juro ocorreu porque ele assim o quis, decidiu passar a taxa de juro a 45% ao ano. Isso é o elogio da loucura! Nunca houve isso no mundo nem haverá.  

Mas é a crise que faz elevar a taxa de juro. As operações diminuem, os créditos são concedidos em menor escala, o risco aumenta. Então, o juro tem que aumentar, por conseqüência da crise. E o Governo, que não quer reconhecer a crise, diz que ele está aumentando porque é muito inteligente e tem uma política fantástica, que indica essa loucura como caminho, esse remédio destruidor como o caminho da salvação. A demanda na crise cai, e eles falam que estão enxugando para combater a inflação. Enxugando, demitindo funcionários, quando é a crise que demite também. Aumenta o volume de desemprego, 44% de desemprego na Alemanha na crise em 1934, mas naquela ocasião o Governo vinha e reempregava os desempregados. Por isso, nos Estado Unidos hoje ainda há mais de 15% da PEA, da População Economicamente Ativa americana, formada por funcionários públicos. Em alguns países, como os nórdicos, mais de 60% da população são funcionários públicos. E, no Brasil, onde temos 4% apenas, temos que demitir mais e ir até o fim do poço demitindo, demitindo e demitindo, reduzindo a demanda e, obviamente, aumentando o número de falências e concordatas.  

Para terminar, quero dizer apenas o seguinte: se, naquele momento, nos anos 50, vieram para cá as empresas nucleares montadoras e se articularam com os brasileiros nas autopeças, fornecedores de partes, peças e equipamentos, agora, esse capital desocupado, potencial, idle money e volátil, sobrante, vem para comprar as nossas autopeças, nossos fornecedores nacionais, que se articularam dessa maneira nos anos 50 e que agora estão sendo devorados pela voracidade do capital faminto, louco para investir, para ampliar e acumular numa fase de sobreacumulação.  

De modo que então os mindlins e os grandes empresários nacionais desses setores foram desalojados agora nesta segunda onda de transplante de capital. O que conduziu a primeira foi o excesso de capital acumulado no centro do capitalismo mundial,. sobreacumulação do capitalismo mundial, que tinha que desarticular, desconcentrar o capital, agora se repete.  

Infelizmente, não posso falar algo relacionado a isso. Adiantarei, apenas, que a distribuição de renda do capitalismo não se faz da cúpula para a base da pirâmide. Queríamos que isso fosse feito. Todas as cabeças de boa vontade, inclusive a do nosso Presidente Antonio Carlos Magalhães, pensam que tirando dos ricos pode-se transferir para os mais pobres. Mas essa não é a cabeça do capitalismo. Herbert Marcuse afirma que o capital, a sociedade tem uma inteligência própria. Não devemos pensar que nossa cabeça individual, cheia de boa vontade e de amor ao próximo, transformará nossas idéias em uma prática coerente, com as necessidade reais da reprodução do capital.  

O SR. PRESIDENTE (Nabor Júnior. Fazendo soar a campainha.) - Ilustre Senador Lauro Campos, a Mesa faz um apelo a V. Exª para concluir seu pronunciamento, pois o seu tempo já se esgotou em 11 minutos e 54 segundos.  

O SR. LAURO CAMPOS (Bloco/PT-DF) - Peço desculpas, Sr. Presidente, pois tenho o péssimo hábito de falar muito. Eu falava por três horas e meia, seguidas, na Universidade de Brasília. Um dia, no Pimes em Recife, dei vinte e uma aulas para professores e pós-graduandos, inclusive aos sábados, durante quatro horas por manhã, todos os dias. De modo que "o vício do cachimbo põe a boca torta". V. Exª me desculpe a boca torta com que me apresento hoje.  

Mas quero dizer que não conseguiremos distribuir de lá de cima para cá para baixo, porque, para o capitalismo, isso é desperdiçar dinheiro, é não trazer ninguém para sua dinâmica. Se nossos 40 milhões de miseráveis ganhassem R$ 6 bilhões a mais, cada um poderia comprar um alfinete. O capitalismo distribui da cúpula para os imediatamente abaixo, para engrossar o mercado e o poder de compra para esse mercado capitalista voltado para a elite.  

Essa é a lógica e a racionalidade do capital e de sua reprodução. Descobri isso há apenas dois anos. Também fui vítima da ilusão que todos temos durante muitas décadas. Mas, como acredito na minha burrice e tenho uma vontade muito grande de superá-la e de tirar as cortinas e enxergar melhor o mundo, recentemente percebi que essa é a ilusão da boa vontade humana, mas não é a imposição da realidade capitalista e de suas necessidades efetivas de reprodução.  

Infelizmente, não vai colar.  

 


Este texto não substitui o publicado no DSF de 07/08/1999 - Página 19525