Discurso no Senado Federal

IMPORTANCIA DE UM CODIGO DE ETICA, A SER ELABORADO PELA EMISSORA DE TELEVISÃO PARA NORTEAR AS PROGRAMAÇÕES.

Autor
João Alberto Souza (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/MA)
Nome completo: João Alberto de Souza
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
TELECOMUNICAÇÃO.:
  • IMPORTANCIA DE UM CODIGO DE ETICA, A SER ELABORADO PELA EMISSORA DE TELEVISÃO PARA NORTEAR AS PROGRAMAÇÕES.
Publicação
Publicação no DSF de 11/08/1999 - Página 19998
Assunto
Outros > TELECOMUNICAÇÃO.
Indexação
  • APOIO, DECISÃO, JOSE GREGORI, SECRETARIO NACIONAL, DIREITOS HUMANOS, SOLICITAÇÃO, URGENCIA, EMISSORA, TELEVISÃO, APRESENTAÇÃO, PROPOSTA, CODIGO DE ETICA, DEFINIÇÃO, MELHORIA, QUALIDADE, PROGRAMAÇÃO.
  • COMENTARIO, EDITORIAL, JORNAL, JORNAL DO BRASIL, ESTADO DO RIO DE JANEIRO (RJ), DENUNCIA, ETICA, FATURAMENTO, EMISSORA, TELEVISÃO, AQUISIÇÃO, PROGRAMA, PAIS ESTRANGEIRO, ESTADOS UNIDOS DA AMERICA (EUA), AUMENTO, VIOLENCIA, PROGRAMAÇÃO.

O SR. JOÃO ALBERTO SOUZA (PMDB-MA) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o Secretário Nacional de Direitos Humanos, José Gregori, conforme informações divulgadas pela imprensa, lançou ultimato às emissoras de televisão para que, até 30 de setembro próximo, apresentem uma proposta de código de ética, "contra - de acordo com os registros da mesma imprensa - o baixo nível de boa parte da programação diária".  

Trinta de setembro seria, então, o prazo oficial para a conclusão dos trabalhos de concepção e elaboração do código de ética. Se nessa data, um consenso não tiver sido atingido entre as emissoras e, consequentemente, um resultado não tiver sido materializado, o Governo encaminhará um conjunto de restrições à violência e à pornografia a ser introduzido no projeto de Lei de Comunicação de Massa.  

De acordo com o Secretário Nacional de Direitos Humanos, em não havendo entendimento "... teremos que abrir um capítulo na Lei da Comunicação de Massa para mostrar como a televisão tem que tratar destes problemas".  

De longa data, Sr. Presidente, o problema do baixo nível dos programas televisivos que entram nos lares brasileiros e lá permanecem durante a maior parte do dia e da noite, capturando a atenção especialmente das crianças e dos adolescentes, vem sendo uma preocupação da sociedade brasileira. De longa data, ouvem-se os reclamos, as queixas, as reivindicações no sentido de melhorar a qualidade do que a televisão projeta.  

A opinião pública continua no dilema, porque até ao presente nada foi feito de concreto. Na verdade, não apenas nada foi feito. As coisas até pioraram, pois a qualidade dos programas no denominado horário nobre, período de tempo no qual se concentra a luta pela audiência, se tem degradado cada vez mais, alcançando patamares de apelação, com domínio do entretenimento com futilidades e excentricidades em detrimento da cultura, da informação e do lazer de bom gosto.  

Hoje, as telas televisivas encontram-se à mercê de uma espécie de vale-tudo, onde se engalfinham apresentadores de todas as espécies, sem considerar que o País, na televisão, praticamente se transformou num cassino. Nunca como nos tempos presentes loterias e concursos venderam tantas ilusões, prometeram tantas facilidades, sepultando a noção ética de que o enriquecimento verdadeiro e sólido somente se consegue com persistência, criatividade e trabalho. Aliás, no que diz respeito ao trabalho, nos programas mais longos e projetados nos melhores horários, nas novelas, por exemplo, dificilmente o trabalho é apanágio dos personagens. Predominam enredos fáceis, estereotipados, intrigas de romantismo verdolengo, numa pauperizante repetição de argumentos, tramas, expedientes e descompromissada modalidade de existência.  

Longe de mim a adesão à censura. A história recente do País nos ensina sobre seus efeitos perversos. No entanto, a impressão que se tem é de que a televisão, uma vez na liberdade, não soube e ainda não aprendeu a construir na liberdade. Citando editorial do Jornal do Brasil, de 25 de maio último, "É possível, no entanto, fazer televisão melhor, menos violenta, menos mundo-cão, mais inteligente, educativa no bom sentido, e com igual interesse do público, fugindo da atual pasteurização estética".  

Muitos dirão: "Se o programa não lhe agrada, ou se seu conteúdo é censurável, mude de canal". Na verdade, tal afirmativa é uma falácia, quando se trata das milhares de famílias brasileiras pobres, que não têm condições de sustentar alternativas, seja porque a programação da televisão aberta se assemelha, seja porque os pobres não possuem meios para pagar a assinatura de nada, muito freqüentemente nem sabe ler e, também freqüentemente, quando sabe ler, não tem condições de compreender a complexidade e a variedade que caracterizam o mundo moderno.  

A meu ver, as televisões navegam sobre um enorme equívoco: optam pela cultura de massa, no entanto, trabalham tudo menos cultura de massa, que jamais pode ser confundida com programas de baixo nível.  

Outro problema grave é representado pelos pacotes adquiridos dos Estados Unidos: segundo dados conhecidos, de cada cinco pacotes, quatro são da mais pura violência. Como diz ainda o citado editorial do Jornal do Brasil: ..."a violência chega ao Brasil no escuro e é depois repassada às claras, juntamente com a parte nacional, que nada fica a dever à estrangeira". "Não se espera outra coisa - continua o jornal - quando a ética é o faturamento. Antigamente, os vícios eram privados e as virtudes públicas. Hoje, nem mais isso se espera de uma classe empresarial comprometida até o pescoço com a fórmula (mágica) de lucro a qualquer preço".  

Em 1998, a Organização das Nações Unidas - ONU, analisou o conteúdo da programação de desenhos animados levados ao ar diariamente por seis canais da televisão brasileira. Registrou 1.432 crimes exibidos durante o espaço de tempo de apenas uma semana. No contexto, isso significa a média de vinte crimes por hora de desenho animado.  

A lesão corporal é o crime mais comum, perfazendo aproximadamente 57 por cento. Vem em seguida o homicídio, com 30 por cento. Em terceiro lugar, o furto, representando 6 por cento. E o roubo, 4 por cento. Detalhe importante: a maioria dos crimes foi cometida intencionalmente pelas personagens. Outro detalhe: os desenhos são na maioria enlatados provenientes dos Estados Unidos.  

Uma diversão desse gênero, que ocupa horas do tempo infantil ou da meninice, segundo pedagogos, psicólogos e especialistas em educação, apresenta aspectos graves, que podem influir na formação das crianças. É o que indicam também os estudos acadêmicos, especialmente nos Estados Unidos, que vêem relação entre programas de violência e comportamentos anti-sociais.  

É claro, seria ingênuo afirmar que a violência na televisão é por si mesma responsável por comportamentos e atos anti-sociais. Na verdade, é o contexto de vida de cada criança o determinante nessa questão. Então, cada criança é influenciada de maneira diferente. É fora de dúvida, no entanto, que a mensagem da criminalidade pode estabelecer uma cultura de marginalidade, uma cultura de insensibilidade ou até de elogio à brutalidade.  

Os crimes, nos desenhos animados, por exemplo, aparecem fora de um contexto e sem conseqüências punitivas. "É preocupante - afirma Cristina Barbosa, pesquisadora do Instituto Latino-Americano das Nações Unidas para Prevenção do Delito e Tratamento do Delinqüente - porque a criança fica sem a noção de que existe a punição". Tal fato cria nela um desequilíbrio entre o positivo e o negativo.  

Para que a influência da televisão sobre as crianças não seja prejudicial, é essencial que ela receba no lar uma educação sólida o suficiente a fim de que adquira condições de equilibrar as informações negativas que recebe. "A TV - afirma a psicanalista Ana Olmos - não provoca a doença, mas penetra em brechas de fragilidade".  

Infelizmente, na realidade do Brasil, quantos lares têm condições de proporcionar uma educação sólida? Quantos lares existem com modelos capazes de contrabalançar as informações negativas jogadas pela televisão? Quantos têm condições de dizer: "deixo minha filha ou meu filho assistir o que quiser, porque confio na educação que dou a ela ou a ele?". Quantos podem afirmar: "Respeito o gosto de meus filhos, mas eles devem saber que existem coisas que não são boas e que, portanto, deve haver limites?".  

Tenho a convicção, Sr. Presidente, de que nosso País, diante da realidade de analfabetismo e subdesenvolvimento de milhões de seus cidadãos, está desperdiçando um poderoso instrumento de formação e capacitação de seus habitantes, com todas as conseqüências decorrentes em termos de retardamento do ingresso da Nação na modernidade, hoje o novo nome do desenvolvimento.  

Não podemos contentar-nos com a tibieza que caracteriza a ação dos que deveriam zelar pela qualidade ética da programação televisiva, tibieza que - segundo Carlos Alberto Di Franco, Professor do Master em jornalismo para editores e professor de Ética Jornalística - se manifesta em declarações e propósitos insossos e recorrentes ( Estado de S. Paulo , 19 de julho de 1999).  

Razão tem, Sr. Presidente, o Secretário Nacional de Recursos Humanos ao manifestar-se preocupado e com pressa quanto à necessidade de um código de ética para os programas televisivos. Dura é essa tarefa, mas merecedora do apoio de todos os que, de uma forma ou de outra, têm responsabilidade e competência para dar finalização à pressão da coletividade. Mais dura ainda quando se considera a realidade atualmente vivida em que, conforme feliz expressão do jornalista Arnaldo Jabor, "há uma liberdade de mercado que produz um "mercado de liberdade" e, nesse mercado, a moral não se aplica mais.  

É urgente uma revisão profunda das linhas que norteiam a televisão brasileira. A sociedade o exige e o País não pode prescindir de uma televisão eticamente de qualidade. Um dado é fundamental: "uma rede de TV, concessão de um serviço público, especialmente num país com as carências educacionais e culturais do nosso, não pode fazer o que bem entender com a sua programação" (Carlos Alberto Di Franco).  

Era o que eu tinha a dizer.  

Muito obrigado.  

 

 


Este texto não substitui o publicado no DSF de 11/08/1999 - Página 19998