Discurso no Senado Federal

TRANSCRIÇÃO DE BIOGRAFIA DO FREI TITO, FALECIDO HA 25 ANOS, TORTURADO DURANTE O REGIME MILITAR NOS ANOS 60.

Autor
Tião Viana (PT - Partido dos Trabalhadores/AC)
Nome completo: Sebastião Afonso Viana Macedo Neves
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • TRANSCRIÇÃO DE BIOGRAFIA DO FREI TITO, FALECIDO HA 25 ANOS, TORTURADO DURANTE O REGIME MILITAR NOS ANOS 60.
Publicação
Publicação no DSF de 12/08/1999 - Página 20054
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • HOMENAGEM, ANIVERSARIO DE MORTE, TITO DE ALENCAR LIMA, ECLESIASTICO, ESTADO DO CEARA (CE), VITIMA, TORTURA, DITADURA, REGIME MILITAR.
  • SOLICITAÇÃO, TRANSCRIÇÃO, ANAIS DO SENADO, ARTIGO DE IMPRENSA, AUTORIA, CARLOS ALBERTO LIBANIO CHRISTO, ECLESIASTICO, PUBLICAÇÃO, JORNAL, FOLHA DE S.PAULO, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), HOMENAGEM, ANIVERSARIO DE MORTE.

O SR. TIÃO VIANA (Bloco/PT-AC. Pronuncia o seguinte recurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, ontem foram comemorados 25 anos da perda de Frei Tito, um dominicano que passou pela aflição de ter de optar entre defender a honra ou a vida num momento difícil da história do Brasil. Frei Tito lutou e sonhou pela liberdade, pela justiça nos anos recentes de exceção.  

A comunidade cristã fez uma homenagem a Frei Tito e aqui lerei uma mensagem feita por uma companheira religiosa, Sueli Belatto. Peço a incorporação nos Anais do Senado Federal do artigo de Frei Betto, publicado no jornal Folha de S.Paulo , do dia 9 de agosto, que também é uma homenagem ao Frei Tito.  

"Dez de agosto de 1974. Nesta data, há 25 anos, um jovem frade dominicano chamado Tito de Alencar Lima consumaria a verdade gravada por ele no Livro Sagrado: "É melhor morrer do que perder a vida."  

A dor das torturas, das sevícias, das terríveis ameaças a seus parentes e irmãos dominicanos não o induziram a afirmar ter sido ele que conseguiria um local para a realização do Congresso de estudantes da UNE de 1968, na cidade de Ibiúna, São Paulo, ou então, assinar papel atribuindo práticas de crimes a outros companheiros.  

Tito, 28 anos, compreendeu e defendeu o sonho de jovens homens e mulheres que, reunidos nos jardins de Ibiúna ou no Araguaia, pagaram com sua liberdade, pagaram com a própria vida, o sonho de ter um país democrático, onde o valor das idéias libertárias fosse equivalente à importância de uma riqueza eqüitativamente distribuída.  

Não eram e eram cristãos os que se animaram nos porões da ditadura: "Não desanime, companheiro". "Força, companheira", socorriam os que assistiam aos algozes arrastar suas vítimas para as sessões de tortura, de preferência na calada da noite.  

Fomos traídos todos: nós, que estávamos externos aos muros dos calabouços da repressão, e vocês, de quem lhes era retirada a verdade pretendida a custo de tortura.  

Frei Tito Alencar, religioso dominicano, submetido várias vezes à tirania, ao sadismo de delegados de plantão, que lhes afirmavam que em casa deixavam o coração, padeceu, como outros, as altas descargas de choques elétricos, as intermináveis sessões de pau-de-arara e a chacota da crença no Deus vivo e dos símbolos litúrgicos, como os da dor da "eucaristia", ironicamente substituída por choques elétricos que lhes deixavam a boca deformada e sangrando como sangrou Jesus na cruz.  

Cabeças de cristãos e não-cristãos conheceram a dor do esfacelamento do crânio pelas "coroas de Cristo" - capacete que chegou a tirar a vida de presos políticos.  

Onde puderam chegar as barbáries, Exmºs Srªs. e Srs. Senadores! Onde foram buscar seus métodos contemporâneos e tão neo-romanos?!  

Não obstante toda a dor presente, sabiam aqueles algozes ser verdadeira a afirmação de que conheciam o método de quebrar por dentro, sabiam matar lentamente, e que dali Frei Tito não sairia vivo. Como não saiu, apesar de sua luta pela vida.  

Frei Tito, ao ser banido do Brasil por ocasião da troca feita pela liberdade do Embaixador da Suíça, seria recebido no Chile por amigos que lhe cumprimentaram, dizendo: "Frei Tito, eis finalmente a liberdade". E, Frei Tito respondeu: "Não, não é esta a liberdade".  

Aquela miséria humana exercida pelo Delegado Fleury e seus comparsas cometeu o maior dos crimes quando invadiu a alma de Frei Tito e o fez refém da agonia pelo resto da vida. Depois do Brasil, Frei Tito viveu em Santiago do Chile, Roma, Paris e Lyon. Rezando, escrevendo, trabalhando na colheita de cerejas, Frei Tito buscou com afinco reconstituir a alma pisada e a liberdade perdida. Porém, onde estivesse lá estava Fleury e os demais algozes ameaçando a serenidade, a paz de Frei Tito.  

Assim, mais uma vez e para sempre, o mesmo Deus que o amparou nas horas de desespero com o amor de Pai foi fiel e recebeu nos braços o querido jovem dominicano cearense, que preferiu morrer do que perder a vida, preferiu entregar-se aos braços do único Senhor da Vida a viver submisso aos gritos, espancamentos e ameaças intermitentes dos senhores dos órgãos de repressão.  

A morte para Frei Tito, afirma o também dominicano Frei Betto – igualmente perseguido e vítima do regime militar –, no seu livro Batismo de Sangue , foi seu último ato de protesto. No seu desespero já tão prolongado, sua chance de liberdade encontraria fim na oportunidade de ressuscitar na plenitude da semelhança divina que originariamente lhe fora conferida pelo Pai. Ao morrer, Tito matou algozes e recuperou a paz duradoura que lhe haviam seqüestrado. Libertou-se em definitivo da onipresença que o dividia e o atormentava, reencontrando a unidade e encontrando o Amor a quem oferecera a sua Vida.  

Frei Tito de Alencar Lima deixou-nos entre outros o poema "Quando secar o rio da minha infância":  

"Quando secar o rio da minha infância  

Secará toda dor.  

Quando os regatos límpidos do meu ser secarem  

Minh’alma perderá sua força.  

Buscarei, então, pastagens distantes  

Lá onde o ódio não tem teto para repousar.  

Ali erguerei uma tenda junto aos bosques.  

Todas as tardes me deitarei na relva.  

E nos dias silenciosos farei minha oração.  

Meu eterno canto de amor:  

Expressão pura de minha mais profunda angústia.  

 

Nos dias primaveris, colherei flores  

Para meu jardim da saudade.  

Assim, externarei a lembrança de um passado sombrio."  

 

Paris, 12 de outubro de 1972.  

Frei Tito, que a lembrança da tua morte anunciada previna as autoridades de plantão do dever de garantir a integridade física daqueles que estão à disposição da Justiça; que o odor do sangue arrancado sirva de advertência aos que ainda hoje ousam fazê-lo à revelia de tratados, convenções internacionais e do projeto de felicidade que Deus reservou para todas as suas criaturas.  

Frei Tito, que a tua preocupação com os outros jovens e com os que se comprometem com a causa da Justiça inspire os legisladores e executores na observância intransigente dos princípios e fundamentos expressos na Carta Maior brasileira, forjada nos sonhos e ideais do povo brasileiro.  

Que a tua gente, Frei Tito de Alencar Lima, reverencie a tua memória, consagrando cada ser vivente como tabernáculo em que vive Deus.  

Que nós, herdeiros dos teus sonhos e ideais, sejamos construtores de uma sociedade de paz e justiça, sem lugar para a hipocrisia, a mentira, a morte e toda e qualquer forma de tortura física, psicológica e moral.  

À família dominicana que sofreu no interior da sua casa a violação, a dor dos seus irmãos perseguidos, presos e torturados, o nosso respeito e a crença de que são felizes os que, por causa do Reino, sofrem perseguições e mortes. Afinal, foi o próprio Jesus advertiu que não devemos temer os que matam o corpo, mas tão-somente os que matam a alma e depois têm poder de jogá-la no inferno. Frei Tito vive para sempre.  

Muito obrigado, Sr. Presidente.  

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DOCUMENTO A QUE SE REFERE O SR. SENADOR TIÃO VIANA EM SEU PRONUNCIAMENTO:  

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Este texto não substitui o publicado no DSF de 12/08/1999 - Página 20054