Discurso no Senado Federal

CONSIDERAÇÕES SOBRE O LIVRO ESTAÇÃO CARANDIRU, DE AUTORIA DO DR. DRAUZIO VARELLA, QUE PRESTARA DEPOIMENTO NA COMISSÃO DE ASSUNTOS SOCIAIS NA PROXIMA SEGUNDA-FEIRA, SOBRE SUA EXPERIENCIA COMO MEDICO DA CASA DE DETENÇÃO DE SÃO PAULO.

Autor
Eduardo Suplicy (PT - Partido dos Trabalhadores/SP)
Nome completo: Eduardo Matarazzo Suplicy
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
DIREITOS HUMANOS.:
  • CONSIDERAÇÕES SOBRE O LIVRO ESTAÇÃO CARANDIRU, DE AUTORIA DO DR. DRAUZIO VARELLA, QUE PRESTARA DEPOIMENTO NA COMISSÃO DE ASSUNTOS SOCIAIS NA PROXIMA SEGUNDA-FEIRA, SOBRE SUA EXPERIENCIA COMO MEDICO DA CASA DE DETENÇÃO DE SÃO PAULO.
Publicação
Publicação no DSF de 14/08/1999 - Página 20209
Assunto
Outros > DIREITOS HUMANOS.
Indexação
  • COMENTARIO, PUBLICAÇÃO, LIVRO, AUTORIA, DRAUZIO VARELLA, MEDICO, DESCRIÇÃO, HISTORIA, VIDA, PRISIONEIRO, PRESIDIO, MUNICIPIO, SÃO PAULO (SP), ESTADO DE SÃO PAULO (SP), REGISTRO, HOMICIDIO, PRESO.
  • ELOGIO, ATUAÇÃO, DRAUZIO VARELLA, MEDICO, MOTIVO, PUBLICAÇÃO, LIVRO, ANUNCIO, DEPOIMENTO, AUTORIA, COMISSÃO DE ASSUNTOS SOCIAIS (CAS).

O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT-SP. Para uma breve comunicação. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Nabor Júnior, Srs. Senadores, hoje eu gostaria de falar sobre uma impressionante e corajosa jornada realizada pelo Dr. Dráuzio Varella.  

Um dia de chuva, entrou um ladrão do pavilhão sete enrolado num cobertor, feito um beduíno do deserto, apenas os olhos de fora. Tinha os lábios rachados de febre, a conjuntiva amarelo-avermelhada e uma dor tão forte nos músculos que ele gritou quando lhe apertei a panturilha.  

Era leptospirose, doença transmitida pela urina do rato, doença comum naquela época do ano em que chovia toda tarde... Aquela manhã, entretanto, era atípica: em duas horas de atendimento, era o quarto doente com os mesmos sintomas...  

Quando ele terminou de relatar os seus sintomas, perguntei-lhe em tom de brincadeira:  

- Você também trabalha no túnel?  

Brincadeira infeliz! O rapaz ficou mais pálido ainda, os olhos amarelos arregalaram para dentro dos meus.  

- (...) Doutor, agora o senhor me complicou.  

(...) Olha, não sou polícia, venho aqui para atender quem está doente. Pode confiar.  

E aí se desenvolveu o dramático diálogo entre o Dr. Dráuzio e aquele prisioneiro do Carandiru. Dr. Dráuzio disse que ele poderia tomar os remédios na sua própria cela.  

(...) Duas ou três semanas depois, em casa, abro o jornal: "Detentos fogem através de túnel, no Carandiru.  

No livro, Dr. Dráuzio Varella procura mostrara que os homens, em cativeiro, criam regras de comportamento com o objetivo de preservar a integridade do grupo. Trata-se de um processo adaptativo, regido por um código penal não escrito: "pagar a dívida assumida, nuca delatar o companheiro, respeitar a visita alheia, não cobiçar a mulher do próximo, exercer a solidariedade e o altruísmo recíproco conferem dignidade ao homem preso. O desrespeito é punido com desprezo social, castigo físico ou pena de morte (...)  

Dr. Dráuzio Varella relata as incríveis histórias de pessoas que, embora tendo cometido roubos, estelionatos, tráfico de drogas, estupros ou assassinatos, tiveram extraordinários casos de amor - bem como de falta de amor - e viveram batalhas por sua sobrevivência. Conta também muitas das histórias daqueles que trabalham na difícil missão de tomar conta do presídio.  

Nos dois últimos capítulos, Dr. Dráuzio descreve, pelas palavras daqueles que testemunharam os fatos, o massacre do Carandiru, ocorrido em 2 de outubro de 1992, quando cento e onze homens no pavilhão Nove morreram, segundo a versão oficial, mais de duzentos e cinqüenta, segundo os presos, contados os que saíram feridos e nunca retornaram, não tendo havido mortes entre os policiais militares.  

Todos os relatos são de pessoas que acabaram se desviando para a senda do crime, provenientes de origem humilde. Ainda que dentre as pessoas de classe média e os ricos possa haver criminosos, dificilmente se tornam prisioneiros em nosso País. Sem dúvida, entretanto, as tremendas desigualdades persistentes no Brasil, o desemprego e o agravamento da pobreza constituem razões principais do extraordinário aumento de criminalidade que se tem observado em quase todas as regiões, inclusive na região metropolitana de São Paulo.  

Quero cumprimentar o Dr. Dráuzio Varella por seu formidável livro e recomendá-lo fortemente a todos os Senadores, bem como a todos os brasileiros. Será uma excelente oportunidade ouvirmos o seu depoimento pessoal na próxima segunda-feira, na Comissão de Assuntos Sociais do Senado, a convite do Presidente daquela Comissão, Senador Osmar Dias. Certamente, a leitura de Estação Carandiru , que merecidamente está em primeiro lugar dentre os livros mais vendidos no País, contribuirá para que tenhamos maior consciência e senso de urgência para transformarmos a dura realidade do Brasil dos anos 90.  

O Dr. Dráuzio Varella estará segunda-feira, às 15h30, na Comissão de Assuntos Sociais. Será uma oportunidade para conhecermos mais de perto a extraordinária experiência vivida por ele. Certamente, ouviremos do Dr. Dráuzio um testemunho notável. Poderemos perguntar-lhe a razão dessa verdadeira tragédia nos presídios brasileiros, em que medida as desigualdades que caracterizam o nosso sistema socioeconômico têm contribuído para a tragédia de tantas pessoas que estão vivendo um verdadeiro inferno na Terra, em distritos policiais, quase todos superlotados, nas principais cidades brasileiras e em muitos presídios como a Casa de Detenção do Carandiru.  

Ainda ontem, mais um estudo foi divulgado pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais, autarquia vinculada ao MEC, sobre as desigualdades regionais no sistema educacional brasileiro, informando o aumento dessas desigualdades em nosso País.  

Assim, Sr. Presidente, convido a todos para assistirmos ao Dr. Dráuzio Varella nessa importante iniciativa da Comissão de Assuntos Sociais.  

Muito obrigado.  

 

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Este texto não substitui o publicado no DSF de 14/08/1999 - Página 20209