Discurso no Senado Federal

IMPORTANCIA DO DEBATE, NA COMISSÃO MISTA DESTINADA A ESTUDAR AS CAUSAS ESTRUTURAIS E CONJUNTURAIS DAS DESIGUALDADES SOCIAIS E ERRADICAR A POBREZA, DAS EXPERIENCIAS POSITIVAS QUE VEM SENDO REALIZADAS NO PAIS.

Autor
Marina Silva (PT - Partido dos Trabalhadores/AC)
Nome completo: Maria Osmarina Marina Silva Vaz de Lima
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA SOCIAL.:
  • IMPORTANCIA DO DEBATE, NA COMISSÃO MISTA DESTINADA A ESTUDAR AS CAUSAS ESTRUTURAIS E CONJUNTURAIS DAS DESIGUALDADES SOCIAIS E ERRADICAR A POBREZA, DAS EXPERIENCIAS POSITIVAS QUE VEM SENDO REALIZADAS NO PAIS.
Aparteantes
Pedro Simon.
Publicação
Publicação no DSF de 13/08/1999 - Página 20140
Assunto
Outros > POLITICA SOCIAL.
Indexação
  • IMPORTANCIA, INSTALAÇÃO, COMISSÃO MISTA, COMBATE, POBREZA, DEFESA, AMPLIAÇÃO, DEBATE, SOCIEDADE CIVIL, LEVANTAMENTO, MATERIA, TRAMITAÇÃO, CONGRESSO NACIONAL, CONCLUSÃO, RECOMENDAÇÃO, POLITICA, SETOR PUBLICO.
  • IMPORTANCIA, DEBATE, COMISSÃO MISTA, EXPERIENCIA, RESULTADO, COMBATE, POBREZA, REGISTRO, EFICACIA, PROJETO, ASSENTAMENTO RURAL, VILA, EXTREMA (MG), CALIFORNIA (PR), ESTADO DO ACRE (AC), DESENVOLVIMENTO SUSTENTAVEL, COORDENAÇÃO, MOACIR GRECCHI, SACERDOTE.
  • DEBATE, IMPORTANCIA, PARCERIA, COMBATE, POBREZA.
  • NECESSIDADE, PROJETO, ESTRUTURAÇÃO, DESENVOLVIMENTO ECONOMICO, VINCULAÇÃO, DESENVOLVIMENTO SOCIAL.

A SRª MARINA SILVA (Bloco/PT-AC. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, considero altamente relevante o passo que o Congresso Nacional está dando e que deu quando da aprovação do requerimento de minha autoria criando a comissão mista que irá debater as ações de combate à pobreza e à exclusão social durante o prazo de 90 dias no Congresso Nacional.  

Estou aqui de posse das indicações feitas pelos partidos e tenho absoluta certeza de que os Parlamentares que estão inscritos por suas lideranças entraram nessa Comissão com o único propósito de trabalhar com afinco para que possamos ter um relatório, no prazo de noventa dias, em que, segundo o meu ponto de vista, três aspectos devem estar contemplados. O primeiro diz respeito ao método de ação dessa Comissão, ou seja, a instituição de um espaço para um grande debate nacional sobre as causas da exclusão social, da pobreza e da miséria em nosso País. Esse debate deverá contar com a participação de pessoas de renome nacional que tratam do tema, não apenas as ligadas à Academia, às instituições de pesquisa, mas também às organizações da sociedade e a instituições, como a CNBB.  

Acredito que durante esse processo de discussão, o Congresso Nacional estará buscando parceria para realizar um grande mutirão, em que as questões da exclusão social e da pobreza serão debatidas. E, ao final de toda essa discussão, possamos caminhar no sentido dos dois segundos pontos que passarei a expor. Um deles refere-se às iniciativas que já estão em tramitação no Congresso Nacional. E tanto de parte da Oposição quanto de parte da base de sustentação do Governo são várias as iniciativas. É preciso fazer um levantamento dessas iniciativas, algumas delas tramitando há mais de oito anos, como é o caso do Programa de Renda Mínima de autoria do Senador Eduardo Suplicy. E, a partir daí, verificar se porventura ainda existem proposições que poderiam ser apresentadas para que o Congresso Nacional as aprecie prioritariamente, visando a sua implementação a partir do ano 2000.  

Outro aspecto importante é que essa Comissão deverá ter como produto das suas ações, durante esses 90 dias, uma série de recomendações de políticas públicas que indiquem medidas estruturais de combate à pobreza, associadas à idéia do crescimento econômico. Essa é a forma mais eficaz de obtermos respostas, a médio e longo prazos, para os problemas que hoje o Congresso Nacional está debatendo.  

Creio, inclusive, que, a partir dessa iniciativa do Congresso Nacional, a sociedade brasileira sentirá o nosso interesse em relação ao debate de um assunto de tal relevância.  

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, haverá aqui em Brasília, a partir do dia 26 de agosto, uma marcha pela cidadania, em que trabalhadores, agricultores e a sociedade de um modo geral mostrarão ao Brasil a sua insatisfação com o desemprego e com a falta de assistência nas áreas sociais de nosso País. Com certeza, o Congresso Nacional estará registrando toda essa insatisfação e transformando-a em ações concretas.  

Um outro aspecto que considero fundamental ser debatido pela Comissão são as experiências positivas que já vêm sendo realizadas em todo o País. É importante darmos o exemplo de que, mesmo com poucos recursos, com uma iniciativa de uma ONG, de uma organização da sociedade, de um sindicato, de uma prefeitura ou até mesmo ação de governo, seja federal ou estadual, com esforço, competência, compromisso e honestidade, é possível darmos respostas concretas.  

Na Amazônia, conheço centenas e centenas de experiências em que, com poucos recursos, a sociedade, a comunidade foi capaz de dar respostas eficazes para a questão do combate à pobreza, do desemprego, da falta de saúde, de educação, de saneamento básico e assim por diante.  

É com esse espírito que, hoje à tarde, às 15 horas, estaremos nos reunindo, para que, nesse grande mutirão do Congresso Nacional, em parceria com a sociedade, a partir dos seus mais diferentes segmentos, possamos instituir esse debate. Considero de alta relevância a participação de pessoas de renome, de organizações da sociedade e daqueles que são vetores de experiências exitosas nesse campo e, assim, tanto os membros da Comissão, quanto as organizações da sociedade, principalmente aquelas que já vêm produzindo informações nesse sentido, possam ter um produto final que sirva ao Congresso Nacional e, principalmente, aos governos, sejam estaduais, Federal ou prefeituras. Porque, se fizermos um levantamento, hoje, verificaremos que existem milhares e milhares de experiências exitosas.  

Posso citar aquelas que conheço no âmbito das prefeituras do Partido dos Trabalhadores, como a experiência do Governo de Brasília, na gestão do Governador Cristovam Buarque, que demonstra ser possível levarmos uma luz ao fundo do túnel quando há compromisso social, quando há respeito pela dor e pelo sofrimento daqueles que esperam das instituições e das autoridades competentes respostas para os seus problemas.  

Ao pensar dessa forma, não coloco a sociedade dentro de uma visão passiva, onde o poder público é o provedor de todas as necessidades da sociedade. É fundamental criarmos também um espaço de discussão para uma ação pró-ativa, onde possa haver uma sinergia entre o poder público, a sociedade, os homens e as mulheres de bem, que podem contribuir para melhorar a situação da população.  

Assim, acredito que a discussão sobre a erradicação da pobreza e o combate à exclusão social não será apenas uma bandeira política, sobre a qual cada um de nós poderá se pronunciar. Será, principalmente, um conjunto de ações práticas, concretas, que serão encaminhadas conforme o setor de sua competência. O Congresso Nacional, aprovando e desengavetando todas as iniciativas que se encontram na Casa daria uma grande resposta para a questão da pobreza, do desemprego, da exclusão social no nosso País. O Governo Federal, priorizando a alocação de recursos quando da feitura do seu orçamento, que em muitos momentos se preocupa mais em cortar os minguados recursos da área social do que em ampliar esses benefícios. A sociedade, acompanhando por meio da participação viva, oferecendo sugestões e exemplos concretos em três dimensões.  

E quero registrar uma ação muito positiva da organização da sociedade. Em muitos casos - tenho acompanhado - em que se apresenta alguma sugestão ao Governo, prefeito ou Presidente, a primeira resposta que se dá é que não há recursos, não tem condições, é muito difícil. E a minha experiência me mostra que a sociedade tem muita competência em apresentar soluções em áreas em que o Governo falha, mesmo sem os recursos e a estrutura necessários. Posso citar um dos exemplos mais emblemáticos da Amazônia: quando da ida de pessoas do Paraná, de Santa Catarina, do Rio Grande do Sul para Estrema e Califórnia, duas pequenas vilas que ficam na fronteira do Acre com Rondônia, aquelas pessoas foram despejadas naquela região como em um campo de concentração, sem assistência técnica, sem crédito, sem assistência de saúde, sem escola, sem luz, sem água, jogadas como se aquilo fosse um assentamento para fazer a reforma agrária. Dom Moacyr Grechi, por meio das parcerias que a Igreja tem com os mais diferentes planos, conseguiu recursos para viabilizar um projeto chamado Reca. Com apenas dois ou três hectares, ele conseguiu, no prazo desses quase 20 anos, fazer com que cada uma dessas famílias pudesse ter uma renda mensal de mais de 5 salários mínimos, sem falar na agricultura de subsistência, sem falar na produção de frutas e verduras que eles produzem, ajudando a sua alimentação e a sua renda básica.  

Na época em que o Ministro Cabrera foi ao Estado do Acre para verificar a situação dos assentados, não teve a coragem de observar os projetos de assentamento do Governo Federal. Foi exatamente lá, com a experiência de Dom Moacyr Grechi, juntamente com a comunidade, que à época não tinha recebido o apoio do Governo Federal, que ele desceu com o seu helicóptero para verificar um modelo que estava dando certo em termos de agricultura na Amazônia. Estava dando certo em três aspectos: primeiro, era uma experiência coletiva com poucos recursos; segundo, era uma experiência sustentável do ponto de vista ecológico, pois não produzia uma pressão muito grande sobre os recursos naturais. Ao contrário, recuperava a área degradada com o plantio de pupunha, com o plantio de cacau e com a agricultura de subsistência, visando a um processo de comércio por meio da agroindústria.  

Essa experiência exitosa é apenas uma que posso citar em que o Governo fracassou, para a qual o Governo não dava apoio - depois teve que reconhecer e, graças a Deus, hoje reconhece. Como essa, existem milhares na Amazônia, que conheço; e, em todo o Brasil, deve haver centenas de milhares.  

A Comissão tem que abrir um espaço para que essas experiências exitosas possam ser mostradas ao Congresso. Assim, estaremos nos vacinando contra a síndrome da impotência do Poder Público de acreditar que nada é possível, que nada dá certo porque muitas vezes não temos a coragem de tentar.  

Uma grande contribuição que poderemos absorver da sociedade é a prática da parceria; parceria essa que muitas vezes cobramos da sociedade, mas somos incapazes de praticá-la quando fazemos parte do Governo.  

É muito difícil pensar em ação de parceria quando se pensa em ações isoladas da saúde, ações isoladas da educação, ações isoladas da ciência e da tecnologia, que não se encontram num programa de desenvolvimento para o nosso país. Aí se cobra mutirão e parceria da sociedade.  

O programa encaminhado pela Drª Ruth Cardoso, que tinha o objetivo de fazer uma grande articulação dentro do Governo, como concepção, considero positivo. No entanto, o fracasso ocorreu exatamente porque não temos uma visão sistêmica de desenvolvimento; não compreendemos o processo de que as relações têm que se somar às ações de Governo. Infelizmente, isso não ocorre, e é exatamente o resultado de uma ação parceira, verdadeiramente integrada que poderá potencializar as ações que queremos no que se refere ao combate à pobreza.

 

Com esse espírito é que quero discutir a questão. Primeiro, entendendo que as ações emergenciais não podem ser vistas como um fim em si mesmas. Segundo, temos que pensar projetos estruturais que coloquem este País no caminho do desenvolvimento econômico; que possamos mostrar que essa visão de gerar dinheiro por dinheiro não nos levará a nada; e orientar um novo sentimento do que significa um país desenvolvido. Ser desenvolvido significa haver mais pessoas nas escolas; um país desenvolvido significa haver democratização da terra, democratizaçao do capital, a possibilidade de que as pessoas tenham acesso à saúde de boa qualidade, à educação de boa qualidade, à moradia de boa qualidade, ao transporte para chegar ao trabalho com decência.  

Para concluir, devo dizer que algumas das formulações feitas pelo ex-Governador Cristovam Buarque, para as quais sou muito simpática, no sentido de que precisamos ter algumas ações básicas que nos possibilitem dar às pessoas condições para que possam se desenvolver. A desigualdade social poderá continuar, porque é impossível imaginarmos que todas as pessoas terão o mesmo padrão de vida. As diferenças culturais - é por isso que defendemos a diversidade cultural - continuarão a existir. O que não pode existir é a falta de condições mínimas para que as pessoas se desenvolvam; e as condições mínimas se situam no campo da saúde, da educação, do trabalho, do lazer, do acesso à cultura, do transporte decente. Essa plataforma básica é essencial na vida de cada pessoa e de cada cidadão que tem uma responsabilidade pública.  

O Sr. Pedro Simon (PMDB-RS) V. Exª me permite um aparte?  

A SRA MARINA SILVA (Bloco/PT-AC) - Concedo um aparte ao Senador Pedro Simon.  

O Sr. Pedro Simon (PMDB-RS) - Eu me emociono quando ouço um pronunciamento de V. Exª, porque percebo nele um profundo conteúdo social e uma profunda sinceridade, voltada para aquilo que me parece realmente o básico na condução da sociedade. V. Exª menciona com uma naturalidade aquilo que deveria ser o óbvio. Quando ouço V. Exª falar e quando expõe os equívocos da nossa sociedade, parece-me que era copiar e realizar! No entanto, é tão difícil fazer aquilo que é tão singelo e tão verdadeiro. Não vamos discutir se queremos uma sociedade socialista, comunista, capitalista, liberalista, seja lá o que for. Em qualquer sociedade que imaginamos, o cidadão deve ter o mínimo de condição de ter um lar, de ter trabalho, de ter salário, de ter rendimento. Os sistemas capitalista, liberal e comunista não prevêem gente morrendo de fome. No entanto, temos um sistema típico do Brasil, porque essas coisas acontecem e nada se faz em serviço contrário. Creio que V. Exª tem absoluta certeza e está correta quando se refere, por exemplo, ao serviço presidido pela Primeira-Dama. Isso foi iniciado para ser um programa de urgência urgentíssima, como dizia o Betinho. Sou contra os programas assistenciais, mas há gente que está morrendo de fome. Vamos dar comida a esses enquanto preparamos uma outra coisa. Em que pese ser presidido por uma mulher extraordinária, competente, séria, bem-intencionada, que é a Primeira-Dama, . lamentavelmente ficou aquém do Betinho. O Betinho e o Bispo de Duque de Caxias, uma pessoa fantástica como Secretário Executivo, fizeram o que fizeram com a sociedade, com a participação da sociedade. A sociedade estava presente, e o Governo estava auxiliando. De repente, afastou-se, em vez de se aproximar cada vez mais; em vez de fazer aquilo que o Governado do Distrito Federal fez, uma espécie de banco do povo, de iniciativas com a sociedade. Isso não acontece. Imaginem um banco, como o de Bangladesh, onde há um milhão de mulheres que já ganharam um rendimento do banco popular e estão saindo da miséria. Hoje, elas têm o seu larzinho, têm alguma coisa para fazer. Então, acredito que V. Exª tem razão. Tenho certeza de que essa é a orientação do Presidente Antonio Carlos, pois S. Exª lançou isso. Creio que o grande mérito de S. Exª for ter trazido a questão ao debate. Agora, vamos nos sentar à mesa e debater. Aí V. Exª tem razão: vamos apresentar as propostas que já existem, as coisas que já aconteceram e vamos ver o que podemos trazer do Acre, do Rio Grande do Sul ou de qualquer lugar. V. Exª tem razão: essa questão tem que ser resolvida com a participação da comunidade. Não pode ser imposta de cima para baixo, em que somente o Estado vai falar. Temos que convidar a comunidade para que participe, para que arregace as mangas. Apresentei um projeto, e o Presidente do Senado também, para criar o serviço voluntário, para o qual as pessoas teriam um ano para se dedicar ao serviço social, para comparecer às vilas, para os bairros para trabalhar para a sociedade. Acredito que é por aí que vamos chegar a uma sociedade que não haja fome e miséria. Eu me emociono com o pronunciamento de V. Exª - peço-lhe desculpas porque sei que estou errando; V. Exª estava indo tão bem e eu a interrompi. Mas creio que é por aí. V. Exª está expondo as usas idéias com grande profundidade, no sentido de que devemos aproveitar este momento em que todas as rádios, todos os jornais e a televisão tratam da matéria. De certa forma, falam esperando um fracasso - cá entre nós. Vai ser mais um projeto, é mais uma vez, é mais uma discussão, é mais uma proposta, é mais um projeto social, que, como todos os projetos sociais no Brasil, fracassam. Está todo mundo pensando isso. Quem sabe a partir do espírito com que V. Exª está apresentando a proposta, seja a primeira vez que um projeto social, não sendo do Governo, nem da Oposição, nem do João, nem do Manoel, nem do Antônio, possamos iniciar um movimento que realmente seja sério, para se saber a prioridade do Brasil. Tem gente morrendo de fome? Não pode morrer de fome. Qual é a prioridade do Brasil? Tem gente morrendo por falta de saúde? Não pode deixar de ter saúde. Qual é a prioridade do Brasil? Tem gente que está dormindo embaixo da ponte? Não pode dormir embaixo da ponte. É tão evidente por onde devemos começar! No entanto, lamentavelmente, a maior parte da verba gasta pelo Governo com o social é destinada à classe média, à classe alta, a nós. Quem mais precisa são aqueles com quem ele menos gasta. Meus cumprimentos, com as desculpas por ter interrompido o seu brilhante pronunciamento.  

A SRª MARINA SILVA (Bloco/PT-AC) - Agradeço o aparte de V. Exª que, com certeza, veio em meu socorro. V. Exª, por ter sido Governador e ter sentido a necessidade de realizar ações que correspondessem aos anseios da população, principalmente da população pobre, e por ser Parlamentar no Congresso Nacional, conhece a experiência de transformar em leis as ações que, infelizmente, os governos, muitas vezes, não podem fazer por não estar isso ao seu alcance, em função das limitações legislativas e dos instrumentos legais.  

V. Exª é um profundo conhecedor do assunto, e fiquei muito feliz ao ver seu nome indicado nesta lista, entre os nomes do PMDB, bem como os de vários outros colegas Senadores, porque tenho certeza de que serão parceiros no mutirão que iremos começar a partir desta primeira reunião. Este será o início dos trabalhos que já vêm ocorrendo na dinâmica da sociedade, e o Congresso Nacional, a partir de agora, de forma organizada e sistematizada, passará a interferir no processo. Não tenha dúvida, Senador Pedro Simon, de que eu e a Bancada do Bloco da Oposição iremos trabalhar nessa Comissão com o afinco de quem quer respostas concretas e efetivas.  

O Congresso Nacional poderá marcar, historicamente, a sua participação nesse debate, num processo que tenha resultados concretos. Quando falo de resultados concretos, não me refiro a leis aprovadas, porque essas temos muitas, e boas, mas à compatibilização entre as leis e a ação, que, neste momento, deve ser, prioritariamente, do Poder Público, do Governo Federal, que deve possibilitar meios para que os Governos dos Estados também possam ter essas iniciativas.  

Da minha parte, o interesse, o compromisso é total, porque com esse tema não é possível fazermos apenas discursos políticos. Não podemos conseguir apenas mais uma aparição nos meios de comunicação. Devemos iniciar esse debate com a determinação de quem quer ajudar a resolver o problema. Não compreendo que discutir um tema dessa relevância seja estar vinculando apenas a medidas compensatórias, muito embora eu compreenda que, para quem está passando fome, elas sejam fundamentais. A diferença é que não vamos parar por aí. Afinal de contas, não podemos dizer para quem está com fome: "Olha, a sua fome, o seu problema de saúde, de moradia será resolvido no dia em que não houver mais desemprego, em que o País voltar a crescer, em que mudar a política de juros do Governo Federal." Isso não é possível para quem tem um compromisso humanista com as respostas dos problemas daqueles que estão sofrendo.  

Conformarmo-nos apenas com essas ações compensatórias é entrarmos num círculo vicioso de retroalimentação da pobreza e da miséria, usufruindo, inclusive, de benefícios políticos, de uma visão patriarcal da pobreza que alimenta, ad infinitum , essa relação de dependência. Por isso, defendo que a nossa Comissão deva apontar ações estruturais, a fim de que o País volte a crescer e volte a gerar e democratizar renda. Não é possível que os 20% mais ricos sejam trinta e duas vezes mais ricos do que os mais pobre. Isso é um absurdo!  

Tenho absoluta certeza de que os Parlamentares que iniciam esse debate, fazem-no com toda a dignidade da alma de quem quer dar resposta efetiva para o problema. Não concordo com a tese de que fazermos essa discussão é estarmos caindo no jogo, puro e simples, das políticas compensatórias, até porque existe espaço para as duas formas de interação na questão da pobreza e da exclusão social.  

A ação da bolsa-escola, implantada pelo ex-Governador Cristóvam Buarque, aqui no Distrito Federal, não foi apenas medida compensatória. Foi uma ação efetiva, estrutural. Quem conhece o Programa de Renda Mínima, da forma como está sendo aplicado na Prefeitura de Belém, como o foi aqui, pelo Governador Cristóvam Buarque, e outras experiências, sabe que não é apenas um paliativo. Colocar uma criança na escola significa fazer com que ela tenha o instrumento mais eficiente de combate à exclusão social.

 

Falo com a experiência da vida. Fui analfabeta até os quase dezesseis anos e tive a oportunidade de ser alfabetizada pelo antigo Mobral, da época da ditadura, um programa que se constituiu num dos maiores fracassos deste País, em termos de educação. Lembro-me que a turma da qual participei era formada por 46 estudantes. Ao final do curso, somente três foram aprovados. Fui aprovada com a média de 5,5. Agradeço estar aqui para contar a história, mas considero que uma das melhores contribuições que recebi de Deus e daqueles que me ajudaram na minha vida foi ter tido acesso à escola, ainda que tardiamente. Por isso digo que existe espaço para as ações de combate à pobreza, desde que encadeadas num processo de visão estrutural, sistêmica, onde se possa pensar no crescimento econômico associado a ações imediatas e emergenciais.  

Cito aqui o que ocorreu com o então presidente do Ibama, Raul Jungmann, quando eu o acompanhei a uma reunião em Assis Brasil, município do Estado do Acre, à qual compareceram poucos seringueiros. Indagou-me ele por que havia poucas pessoas, e tivemos que lhe mostrar a difícil realidade: a maioria das pessoas não estava na reunião porque não tinha roupas. As meninas, que a partir dos doze ou treze anos já estão se tornando mocinhas, têm dificuldade em aparecer quando chegamos nas casas porque não têm roupas. Elas ficam esperando que haja uma campanha política em que os candidatos distribuam camisetas com as suas carrancas e propagandas para poderem usá-las como roupa.  

Não posso me conformar que o subsídio que aprovamos no Congresso Nacional, infelizmente, não esteja sendo usado adequadamente pelos seringueiros, porque houve uma série de desvios no seu processo de distribuição, o que está sendo investigado atualmente. Não posso me conformar que isso seja apenas uma ação compensatória, paliativa, sem nenhum significado.  

O seu significado é muito importante, porque, primeiramente, está dando, graças à ação do Governo do Estado, pelo menos lá no Acre, respostas emergenciais para aquelas famílias, mas também se constituirá num grande programa de modernização e diversificação da economia extrativista, para que possamos sair da dependência do subsídio do Governo e entrar num processo de crescimento econômico que vise à modernização da nossa economia.  

Então, as duas ações são conjuntas. Se deixarmos aquela comunidade se desagregar completamente, sem nenhum apoio, ocorrerá a exploração irregular de madeira, a saída em massa das pessoas para a periferia e a entrada inescrupulosa daqueles que estão de olho nas reservas de mogno, para destruir a Amazônia. No entanto, a partir de um gesto singelo - apenas R$0,90 por quilo de borracha -, estamos dando uma contribuição. E demos a contribuição que o Senado poderia dar evitando que houvesse um massacre em massa, social, ambiental e culturalmente, porque aquelas populações têm importância cultural, principalmente as comunidades indígenas.  

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, advogo que as ações paliativas sejam encampadas junto às ações estruturais de crescimento econômico, de desenvolvimento social, mas não podemos prescindir delas, sob pena de estarmos fazendo uma grande injustiça com aqueles que, historicamente, foram massacrados e que não têm mais como esperar que o País venha a crescer para que nele possam ser incluídos. Aliás, nem o serão se não tivermos o empenho de induzir essa inclusão pelas ações do Poder Público.  

 

1 P


Este texto não substitui o publicado no DSF de 13/08/1999 - Página 20140