Discurso no Senado Federal

COMENTARIOS A MATERIA DA REVISTA VEJA DESTA SEMANA, INTITULADA 'XENOFOBIA DA SELVA,' ACERCA DAS DIFICULDADES DE PESQUISA CIENTIFICA NO BRASIL. (COMO LIDER)

Autor
Marina Silva (PT - Partido dos Trabalhadores/AC)
Nome completo: Maria Osmarina Marina Silva Vaz de Lima
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA DO MEIO AMBIENTE.:
  • COMENTARIOS A MATERIA DA REVISTA VEJA DESTA SEMANA, INTITULADA 'XENOFOBIA DA SELVA,' ACERCA DAS DIFICULDADES DE PESQUISA CIENTIFICA NO BRASIL. (COMO LIDER)
Publicação
Publicação no DSF de 17/08/1999 - Página 20308
Assunto
Outros > POLITICA DO MEIO AMBIENTE.
Indexação
  • COMENTARIO, ARTIGO DE IMPRENSA, PERIODICO, VEJA, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), DEPOIMENTO, CIENTISTA, DIFICULDADE, PESQUISA CIENTIFICA, MOTIVO, ACUSAÇÃO, CONTRABANDO, BIODIVERSIDADE.
  • DEFESA, AUMENTO, TRANSPARENCIA ADMINISTRATIVA, CONTRATO, LICENÇA, PESQUISA CIENTIFICA, PREVENÇÃO, PROBLEMA, FISCALIZAÇÃO.
  • CRITICA, FALTA, APOIO, INSTITUIÇÃO DE PESQUISA, BRASIL, DEFESA, LEGISLAÇÃO, REGULAMENTAÇÃO, PARCERIA, ORGANISMO INTERNACIONAL, PESQUISA, GARANTIA, BENEFICIO, PAIS, PREVENÇÃO, CONTRABANDO, BIODIVERSIDADE.
  • DEFESA, APROVAÇÃO, CAMARA DOS DEPUTADOS, PROJETO DE LEI, CUMPRIMENTO, CONVENÇÃO, CONFERENCIA DAS NAÇÕES UNIDAS SOBRE MEIO AMBIENTE E DESENVOLVIMENTO (ECO-92), ESPECIFICAÇÃO, APERFEIÇOAMENTO, FISCALIZAÇÃO, MEIO AMBIENTE.

A SRª MARINA SILVA (Bloco/PT-AC. Como Líder. Sem revisão da oradora.) - Muito obrigada, Sr. Presidente.  

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, gostaria apenas de fazer um registro sobre a matéria da revista Veja deste final de semana, que traz uma série de depoimentos de cientistas brasileiros e estrangeiros sobre dificuldades de pesquisa científica no Brasil, com o título "Xenofobia na Selva". O texto chama a atenção para o surgimento da "bioparanóia", um novo fenômeno nacional que estaria tomando conta do País, responsável pela fiscalização e o controle sobre as atividades de pesquisa da fauna e da flora.  

Antes de mais nada, sou inteiramente solidária com os cientistas e instituições de pesquisas de boa-fé que têm sido prejudicados em seus estudos sobre a nossa biodiversidade. Citando um dito popular, a matéria que a Veja traz esta semana acaba atirando num alvo e acertando num outro, ou, como diz aquela frase sábia, tudo colabora para a afirmação das causas que são justas.  

O que a matéria levanta tem um grande mérito. Primeiro, ela faz um registro de pessoas e de instituições de pesquisa de boa-fé que têm tido seus interesses de pesquisa e de promoção do avanço da ciência prejudicados em função da fiscalização intitulada de "bioparanóia".  

Eu teria alguma observação a fazer no que se refere a esse aspecto. Do meu ponto de vista, o que tem prejudicado a ação dos pesquisadores e das instituições de pesquisa de boa-fé não é o zelo em relação aos nossos recursos genéticos e biológicos, no sentido de que eles possam ser pesquisados e, de forma correta, serem instrumentos de avanço para o nosso conhecimento ou até mesmo para a melhoria das condições sociais, ambientais e culturais da nossa população. O que prejudica tudo isso é a ausência de um instrumento legal que faça com que os pesquisadores e as instituições de pesquisa, a partir de regras claras e transparentes, possam ter os seus contratos de pesquisa e suas licenças sem que, com isso, venham a correr o risco de serem acusados injustamente de "biopirataria".  

A ausência de um instrumento legal tem trazido, sem dúvida, prejuízos a nossa pesquisa, prejuízos esse que não podemos atribuir ao cuidado, à fiscalização, ao controle, que ainda é insuficiente, uma vez que não temos um texto legal, uma lei que regulamente as penalidades, os processos e trâmites a serem seguidos. O que temos são portarias, que não têm o mesmo alcance da lei. Isso tem prejudicado, com certeza, os pesquisadores, que, de boa-fé, não terão nenhum problema em se dirigir à autoridade competente para, a partir de uma licença, a partir de uma autorização, observando as regras instituídas, realizarem as suas pesquisas, porque isso é muito bom para o nosso País, para o avanço da ciência. Não podemos admitir que, sem critério algum, a "biopirataria" possa ocorrer e que nos rendamos a ela pelo simples fato de que a fiscalização e o controle estão sendo o bode expiatório da ausência de apoio à pesquisa em nosso País.  

Eu diria que a ausência de apoio ocorre porque as nossas instituições de pesquisa hoje não têm a mesma atenção que deveriam ter e que já tiveram há algum tempo - hoje estão completamente sucateadas -, mas, a partir do momento em que tivermos uma lei que possa fazer com que tenhamos parcerias com instituições de pesquisa estrangeiras, poderão, sim, partilhar com o Brasil o seu conhecimento. O que não pode ocorrer é uma relação unilateral, na qual os pesquisadores, pura e simplesmente, em função da nossa impotência, realizem as pesquisas sem que seja dado ao Brasil nenhum tipo de retorno, nenhum tipo de benefício, nem mesmo às suas populações.  

Sr. Presidente, o registro que faço nesta tarde é no sentido de dizer que o Congresso Nacional já deveria ter aprovado lei sobre essa matéria e que já foi, inclusive, aprovada no Senado e que hoje está tramitando na Câmara dos Deputados. Essa legislação instituiu o que foi acordado na ECO 92, o Brasil não está inventando absolutamente nada. Cento e quarenta países são signatários dessa Convenção que instituiu que cada país é autônomo em relação aos seus recursos genéticos e biológicos, devendo buscar a forma de regulamentar o acesso a esses recursos.  

Se fosse verdade que há falta de fiscalização, há falta de controle ou qualquer instrumento legal nessa relação "pesquisa e crescimento da ciência brasileira", durante todos os anos em que não tivemos nenhum tipo de empecilho, nenhum tipo de fiscalização, e que éramos vistos apenas como um espaço de matéria-prima a ser pesquisado, a nossa pesquisa teria tido um salto inimaginável, porque não havia fiscalização, não havia controle. Se esse raciocínio é verdadeiro, já deveríamos estar muito avançados, porque, durante muito tempo, não tivemos instrumentos - sequer portaria, decreto ou o que fosse - nenhum tipo de cuidado, com um pouco mais de rigor com relação à pesquisa do nosso material genético, dos nossos extratos de plantas, animais, insetos, e assim por diante.  

Devo dizer também que o Brasil está sendo prejudicado. A revista faz aqui o registro de várias pessoas que fizeram descobertas ou de outras que tinham projetos importantes - e já falei que sou solidária a eles. Tenho certeza de que nem os pesquisadores nem a revista estão propondo que não tenhamos nenhuma legislação em relação à questão dos recursos da nossa biodiversidade, até porque, historicamente, fomos prejudicados em função da biopirataria. Eu, pessoalmente, tenho uma experiência traumática em relação a ela, quando as sementes das nossas seringueiras foram levadas para a Malásia sem nenhum critério, fazendo com que deixássemos de ser os maiores produtores de borracha e nos tornássemos uma insignificante economia extrativista que não tem a menor capacidade de competir com a borracha que hoje é produzida na Ásia. Então, meu trauma com relação aos prejuízos que sofremos em função da biopirataria é muito grande, porque isso levou a uma decadência completa de toda a empresa extrativista da Amazônia e trouxe-nos prejuízos ambientais, culturais e sociais muito grandes.  

Se há um prejuízo que hoje precisa ser reparado, do ponto de vista do avanço da ciência, da justiça social, do respeito às populações tradicionais, para que elas possam, inclusive, usufruir dos benefícios, dos conhecimentos que têm associados aos recursos que manejam, é fundamental que esse prejuízo seja reparado a partir da imediata aprovação da lei que, no Congresso Nacional, está tramitando, que já foi aprovada no Senado. Foi criada uma comissão especial para dar parecer às três iniciativas que temos: a do Governo, a que foi apresentada pelo Senado e a do Deputado Jaques Wagner. Se há diferenças entre o texto do Governo e o texto do Senado, pois que passemos ao debate na Comissão, que a base do Governo indique os Parlamentares que irão fazer parte dessa comissão, porque a Oposição já indicou os seus, para que cheguemos a um consenso, ou vamos para o voto. Mas é fundamental que tenhamos um instrumento legal para evitar que pessoas de boa-fé, como muito bem registra a matéria da Veja, não sejam prejudicadas, para que instituições de pesquisa brasileiras possam ter parceria com as instituições de pesquisa estrangeiras, para que possamos crescer e avançar, a fim de que as empresas de boa-fé que queiram fazer bioprospecção em nosso País, o façam em bases legais.  

O que não podemos admitir é o caminho - e acredito que a Veja não está propondo isso - de não termos nenhum tipo de regulamentação, como forma de a ciência avançar. Isso não é verdade, até porque, durante todo o período em que éramos apenas um celeiro de matéria-prima, esse avanço científico não ocorreu. E a lei diz que "toda e qualquer pesquisa deve ser feita com a parceria de pesquisadores nacionais." Qual é o problema em termos essa parceria? Não há problemas, há vantagens, porque os países ricos têm tecnologia, enquanto temos matéria-prima. Sendo assim, é justo que incorporemos ao nosso conhecimento o avanço técnico e científico decorrente dessa parceria.  

Concluindo, Sr. Presidente, a Convenção institui que os países sejam remunerados por seus recursos genéticos e biológicos. Ora, nós temos uma megadiversidade que nos pode servir como meio de desenvolvimento econômico, social e cultural, principalmente da Região Amazônica. Será que continuaremos assistindo pessoas de má-fé levarem nossas espécies para pesquisa, patenteando essas descobertas, ganhando milhões de dólares, enquanto apenas fornecemos matéria-prima, aviltando nossa dignidade de cientistas? Um país com uma megadiversidade dessas deve usufrui-la. Deus nos deu a benesse de uma diversidade cultural e de recursos naturais, que devem ser úteis para o crescimento econômico socialmente justo e ambientalmente sustentável.  

 


Este texto não substitui o publicado no DSF de 17/08/1999 - Página 20308