Discurso no Senado Federal

CRISE DO SETOR AGRICOLA NACIONAL. (COMO LIDER)

Autor
Marina Silva (PT - Partido dos Trabalhadores/AC)
Nome completo: Maria Osmarina Marina Silva Vaz de Lima
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA AGRICOLA.:
  • CRISE DO SETOR AGRICOLA NACIONAL. (COMO LIDER)
Aparteantes
Antonio Carlos Valadares.
Publicação
Publicação no DSF de 18/08/1999 - Página 20496
Assunto
Outros > POLITICA AGRICOLA.
Indexação
  • CRITICA, POLITICA AGRICOLA, GOVERNO, INEFICACIA, CREDITO AGRICOLA, INCENTIVO, PRODUÇÃO, COMPARAÇÃO, SUBSIDIOS, AGRICULTURA, UNIÃO EUROPEIA, PROTEÇÃO, PRODUTOR, PREVENÇÃO, EXODO RURAL.
  • COMENTARIO, LEVANTAMENTO DE DADOS, AUTORIA, LIDERANÇA, PARTIDO POLITICO, PARTIDO DOS TRABALHADORES (PT), EXTINÇÃO, ESTABELECIMENTO, ATIVIDADE AGRICOLA, PEQUENO PRODUTOR RURAL, CRISE, PREJUIZO, PLANO, GOVERNO.
  • CRITICA, GOVERNO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, EXPECTATIVA, RESULTADO, MANIFESTAÇÃO COLETIVA, PRODUTOR RURAL, SOCIEDADE CIVIL.
  • APOIO, REIVINDICAÇÃO, AGRICULTOR, NECESSIDADE, ATENÇÃO, MA-FE, INADIMPLENCIA, DEFESA, POLITICA AGRICOLA, PARCERIA, REFORMA AGRARIA.

A SRª MARINA SILVA (Bloco/PT-AC. Como Líder. Sem revisão da oradora.) - Sr. Presidente, inclusive iria apartear o Senador Maldaner, mas não posso me furtar à responsabilidade de também falar sobre o tema da agricultura brasileira. Até porque faz parte das preocupações do Bloco da Oposição e de todos aqueles Srs. Senadores que têm observado o quanto esse setor tem sido sacrificado, apesar das respostas que têm dado do ponto de vista da incorporação de mão-de-obra e da possibilidade que oferece de inclusão social, principalmente se pensarmos na agricultura associada a um projeto de reforma agrária.  

No entanto, como pensarmos na continuidade desse processo se hoje esse setor está completamente marginalizado, se não existe uma política agrícola, se não existe uma preocupação creditícia que dê respostas aos anseios do setor produtivo, da área agrícola? Então, estamos diante de um quadro preocupante.  

Em alguns momentos, tenho dito que o Brasil e os governantes, com base talvez em uma pseudomodernidade, têm a mania de querer copiar tudo aquilo que vem do mundo desenvolvido. Entretanto, há algumas práticas que, infelizmente, não são copiadas. Na Europa, por exemplo, boa parte dos recursos orçamentários dos países que compõem a Comunidade Européia são destinados ao investimento no setor agrícola. Quando estive, no ano passado, junto à Comunidade Européia, levantando as possibilidades de parcerias que poderiam ser realizadas com os Estados da Amazônia, verifiquei 50% do orçamento da Comunidade Européia são destinados ao setor agrícola. Porque, para aqueles países desenvolvidos, a agricultura é um setor estratégico, tem dupla função. As pessoas que trabalham na agricultura não suportam a possibilidade de ficar sem essa ocupação. Então, o Governo é obrigado a dar subsídios para apoiar o setor. Verifiquei que as pessoas produzem mesmo que não tenham para quem vender. E o Governo está ali, ajudando e subsidiando, porque, tendo em vista o lado econômico e social, é melhor fazer isso do que ver as pessoas abandonarem sua atividade produtiva e irem para as cidades.  

Abro apenas um parêntese, porque, às vezes, em nome de copiarmos aquilo que é moderno, ficamos abrindo os mercados, seguindo a lógica do mercado. E transferir essa lógica de mercado não ocorre nem nos países desenvolvidos, quanto mais em países como os da América Latina e, particularmente, o nosso, que tem dificuldades enormes em todos os setores da área produtiva.  

Sr. Presidente, a política que hoje está sendo questionada, não apenas pelos que têm terra, mas também pelos que não a têm, pelos que têm emprego e pelos que não o têm, é exatamente uma política que, no setor agrícola, tem levado a um fenômeno interessante.  

Tenho aqui um levantamento feito pela Liderança do Partido dos Trabalhadores, segundo o qual, nos últimos anos, um fenômeno interessante vem ocorrendo no setor agrícola brasileiro: a extinção de estabelecimentos agrícolas. O Censo Agropecuário de 1996 registra o desaparecimento de cerca de 942 mil estabelecimentos entre 1985 e 1996, 96% dos quais com áreas inferiores a 100 hectares, ou seja, propriedades de pequenos agricultores. Cerca de 400 mil dos 906 mil pequenos estabelecimentos sumiram nos dois primeiros anos do Governo do Presidente Fernando Henrique Cardoso, o que indica a intensificação da crise no setor agrícola durante esse período recente, que é exatamente aquele ao qual se referiu o Senador Casildo Maldaner. Com certeza, esse deve ser um dos setores responsáveis pela baixa popularidade do Presidente Fernando Henrique Cardoso.  

O fato de pensarmos em uma saída para o endividamento, para a crise que está vivendo o setor, não significa que estamos fazendo coro com aqueles que querem dar o calote, com aqueles que fizeram empréstimos e não aplicaram os recursos na atividade a que eles se destinavam. Não devemos ter nenhum tipo de complacência com essas pessoas. Devemos, sim, apoiar o produtor, principalmente o pequeno e o médio, que hoje está em dificuldade e que se não receber nenhum tipo de atenção, nenhum tipo de socorro, poderá ver sua situação agravada sobremaneira. A situação desses produtores com terra, bem-intencionados, que participam desse movimento para obter apoio é bem diferente da situação de alguns que estão pegando carona para fazer passar despercebidas as suas inadimplências, bem como o uso de má-fé na aplicação dos empréstimos que contraíram. Com esses, não podemos ter nenhum tipo de complacência.  

Sr. Presidente, agosto está sendo um mês bastante interessante, tendo em vista o questionamento que a sociedade está fazendo do modelo econômico em vigor. Alguns meses atrás - eu digo alguns meses atrás porque faz apenas seis meses que iniciou o Governo daquele que tenta suceder a si mesmo -, diziam que estava tudo às mil maravilhas. Aliás, se nós fôssemos observar o programa daquele que ganhou a eleição para suceder a si mesmo, veríamos que no setor agrícola haveria mais investimento e que toda a luta para a estabilização econômica agora significaria investimento na área social e no setor produtivo. Enfim, o Brasil viveria às mil maravilhas se aqueles que estavam operando o "timão" lá continuassem. O que observamos? A crise cambial, a crise econômica e, por conseqüência, a crise em todos os demais setores - na área social, na agricultura, na geração de empregos, na indústria. A crise é geral.  

Não digo isso porque gosto de falar em crise. Aliás, eu gostaria de estar falando de bonança, pois prefiro cantar as coisas positivas a ficar fazendo a ladainha das negativas, mas, infelizmente, não temos nada positivo para registrar. Tanto não temos que a sociedade está se manifestando por meio dos baixos índices de popularidade do Presidente Fernando Henrique Cardoso. Se esses índices, bem como o "camionaço", o "caçambaço", o "tratoraço" na frente do Planalto e mais as manifestações que ocorrerão a partir do dia 28 não forem um alerta suficiente, não sei o que será suficiente para que se pense que a economia deste País tem de voltar a crescer, que é preciso priorizar o setor agrícola, que necessita de algum tipo de socorro. Isso só pode ocorrer se tivermos uma política agrícola que atenda às reivindicações desse setor, que é estrategicamente importante e que, com certeza, não tem contado - dizemos isso em virtude da proporção e do alcance que ele tem em relação aos amplos contingentes da população - com a mesma complacência que os governantes têm para com o setor financeiro. Não vou repetir os exemplos, mas gostaria de lembrar principalmente o episódio recente, ocorrido na Bahia, da empresa automobilística transnacional situada no Brasil, que é a Ford.  

O Sr. Antonio Carlos Valadares (Bloco/PSB-SE) - V. Exª me permite um aparte?  

A SRª MARINA SILVA (Bloco/PT-AC) - Concedo o aparte a V. Exª.  

O Sr. Antonio Carlos Valadares (Bloco/PSB-SE) - Senadora Marina Silva, V. Exª está, de forma muito afirmativa, aprovando o movimento em favor da agricultura, a qual não envolve apenas o crédito, não envolve apenas o investimento mediante a aplicação de recursos do Banco do Brasil e do Banco Nordeste e de todas as instituições que apóiam direta ou indiretamente a atividade produtiva; também envolve certa política do Governo no sentido de imprimir um ritmo mais acelerado ao processo de desenvolvimento em nosso País. Esse desenvolvimento, a meu ver, está acoplado a uma reforma agrária, mas não a uma reforma agrária que se apresenta perante a sociedade brasileira como uma alternativa de esquerda ou de direita. Queremos uma reforma agrária que venha gerar produção, renda e emprego. Lamentavelmente, essa reforma agrária ainda não surgiu no Brasil. Há muitos anos, na década de 50, surgiu na Itália um plano parecido com o da Sudene, que apresentava duas alternativas: a industrialização ou a reforma agrária. A Itália, país democrático, que nada tinha a ver com o comunismo, finalmente optou pela reforma agrária. Hoje a Itália é considerada um dos grandes países da Europa e um dos mais desenvolvidos de toda a civilização ocidental. O Brasil também teve a oportunidade de optar pela industrialização ou pela agricultura. Predominou, principalmente no que tange ao Nordeste, a industrialização. Houve aproveitamento dos recursos do Finor, mas ocorreu a exploração e o uso indevido desses recursos. E, afinal, a industrialização não resolveu o nosso problema, principalmente o da Região Nordeste. V. Exª tem razão quando apóia a agricultura, porque ela produz os gêneros, que atenderão às necessidades das nossas famílias. Ao longo de todos esses anos, apesar dos percalços do aumento do preço dos combustíveis, das tarifas e de todos os gêneros, a nossa agricultura tem sustentado o pobre. Quando o Governo diz que o frango custava um real – e, hoje, logicamente, custa mais –; quando as verduras e os gêneros alimentícios de primeira necessidade baixaram substancialmente de preço, temos de lembrar que quem contribuiu para isso, para o não-recrudescimento da inflação foi o agricultor. É por isso que, a nosso juízo, o agricultor, de um modo geral – não aqueles que se aproveitam dos créditos do Banco do Brasil, que são a grande maioria, já que, como V. Exª sabe, os pequenos não têm acesso –, os médios, os pequenos, os microagricultores, estes sim, merecem nosso apoio, merecem nossa solidariedade. Esse movimento, portanto, tem consistência e merece o apoio de todos aqueles que desejam o crescimento e o desenvolvimento do Brasil. V. Exª está fazendo um pronunciamento que, a nosso ver, reflete não apenas o pensamento da sua Bancada, mas o pensamento do povo brasileiro, que pensa em emprego, renda e, acima de tudo, em bem-estar social para todos nós.  

A SRª MARINA SILVA (Bloco/PT-AC) - Agradeço o aparte de V. Exª, que incorporo ao meu pronunciamento.  

Concluo, Sr. Presidente, dizendo que a observação do Senador Antonio Carlos Valadares é altamente pertinente. Aliás, a reforma agrária foi ideologizada exatamente nos países subdesenvolvidos ou em desenvolvimento, como fica mais chique dizer. Porém, na verdade, a democratização da terra, o acesso à terra sempre foi visto pelos teóricos do capitalismo como algo funcional ao próprio capitalismo e ao processo de industrialização. No Brasil, por outro lado, passou-se a identificar reforma agrária como uma proposta socialista, ou seja, algo bem contraditório, difícil de explicar, porque, segundo essa visão, dar propriedade às pessoas significava a prática do socialismo ou do comunismo. É contraditório, mas foi essa a interpretação dada no Brasil.

 

E, aqui no Brasil, dentro dessa lógica de, às vezes, colocar a carroça adiante dos mulos, fez-se a industrialização, e não se faz a reforma agrária, criando-se um atraso de décadas em relação ao processo produtivo brasileiro, já que não se tinha exatamente as bases para esse desenvolvimento econômico feito de forma induzida e artificial, sem dar a devida atenção ao setor agrícola e, principalmente, para a questão da reforma agrária.  

Devo dizer que a nossa posição não é, em absoluto, de conivência com a tentativa do calote, do desvio dos créditos, muitos dos quais foram tomados para investimentos em construção de hotéis ou seja lá o que for. Com esse tipo de investimento, pelos quais, segundo as denúncias apontam, os recursos foram tomados para serem empregados de forma diversa daquela do comprometimento feito com a instituição financeira, não temos tipo algum de complacência. Todavia, com os agricultores, com aqueles que estão buscando continuar sobrevivendo em meio a essa árida política econômico-social do Governo, temos que dar o nosso apoio. E acredito seja essa a posição da sociedade brasileira, por entender o quão estratégica é a agricultura para o nosso desenvolvimento social e para combater uma chaga que, hoje, vem assolando 20% da população economicamente ativa no Estado de São Paulo, que é o desemprego.  

 

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Este texto não substitui o publicado no DSF de 18/08/1999 - Página 20496