Discurso durante a 100ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

REFLEXÕES SOBRE AS DIFICULDADES ENFRENTADAS PELOS PRODUTORES RURAIS BRASILEIROS, QUE ESTÃO REUNIDOS EM BRASILIA PARA PLEITEAR A RENEGOCIAÇÃO DE SUAS DIVIDAS.

Autor
Blairo Maggi (S/PARTIDO - Sem Partido/MT)
Nome completo: Blairo Borges Maggi
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA AGRICOLA.:
  • REFLEXÕES SOBRE AS DIFICULDADES ENFRENTADAS PELOS PRODUTORES RURAIS BRASILEIROS, QUE ESTÃO REUNIDOS EM BRASILIA PARA PLEITEAR A RENEGOCIAÇÃO DE SUAS DIVIDAS.
Aparteantes
Antonio Carlos Valadares, Heloísa Helena.
Publicação
Publicação no DSF de 18/08/1999 - Página 20499
Assunto
Outros > POLITICA AGRICOLA.
Indexação
  • DEFESA, PRODUTOR RURAL, SUPERIORIDADE, AUMENTO, JUROS, DIVIDA, MERCADO FINANCEIRO, COMPARAÇÃO, PREÇO, PRODUTO AGRICOLA, IMPOSSIBILIDADE, PAGAMENTO, INEFICACIA, PROPOSTA, RENEGOCIAÇÃO, GOVERNO.
  • ANALISE, PROBLEMA, AGRICULTURA, DESVALORIZAÇÃO, DOLAR, AUMENTO, INSUMO, REDUÇÃO, PREÇO, PRODUTO AGRICOLA, CONCORRENCIA DESLEAL, SUBSIDIOS, PRODUTO IMPORTADO, EXCESSO, TRIBUTOS, BRASIL, INEFICACIA, SISTEMA, TRANSPORTE.
  • DEFESA, MANIFESTAÇÃO COLETIVA, PRODUTOR RURAL, CRITICA, GOVERNO, IMPRENSA, ACUSAÇÃO, FALTA, RESPONSABILIDADE, INADIMPLENCIA.
  • DEBATE, REFORMA TRIBUTARIA, NECESSIDADE, EXTINÇÃO, TRIBUTAÇÃO, ALIMENTOS.
  • COMPARAÇÃO, PROTEÇÃO, GOVERNO, BANCOS, SUPERIORIDADE, LUCRO, FALTA, AUXILIO, AGRICULTURA.

O SR. BLAIRO MAGGI (Sem Partido - MT. Pronuncia o seguinte discurso.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, tenho a honra de abordar o assunto que trata dos agricultores que se encontram em Brasília hoje, estando na Presidência da sessão no momento um Senador ligado ao setor primário, ligado à terra, e que representa o Estado de Tocantins.  

Venho acompanhando as reportagens que mostram as regiões de produção agrícola no interior do País como o novo eldorado brasileiro, pois que vivem um período de euforia jamais visto. Essas reportagens, nos diversos meios de comunicação, passam à população a imagem de que os produtores rurais nadam de braçada e que nunca ganharam tanto dinheiro como agora. Entretanto, Sr. Presidente, não é essa a real situação por que passam os produtores rurais deste País. Basta uma simples análise na contabilidade da maioria desses produtores para concluir que a realidade é bem diferente daquela propalada pela mídia nacional.  

A maior parte dos produtores rurais, tanto grandes quanto pequenos, encontra-se comprometida com dívidas contraídas no mercado financeiro, as quais, por terem sido corrigidas por indexadores criados pelo Governo e com juros elevados, foram muito aumentadas, ao contrário dos preços dos produtos agrícolas que, no mesmo período, decresceram em relação valor real da produção. Assim, essas dívidas comprometeram boa parte da atual receita dos produtores rurais, chegando a inviabilizar a manutenção deles na atividade agrícola.  

Sr. Presidente, muitos produtores não têm conseguido renegociar suas dívidas nas condições propostas pelo Governo Federal. Mesmo os que as renegociaram formalmente pela "securitização" ou pelo "Pesa" e que não são enquadrados como inadimplentes, sabem que não poderão pagá-las, a menos que se alterem as condições.  

Na prática, os novos financiamentos agrícolas que vêm sendo liberados não representam dinheiro novo para os produtores, já que boa parte fica retida nos bancos para quitar as prestações das dívidas anteriores, numa operação que, apesar de ilegal, é usualmente adotada e conhecida por "mata-mata".  

O produtor rural recebe oficialmente o financiamento para custeio e comercialização de sua safra, mas não vê sequer a cor do dinheiro, já que os bancos se apropriam do empréstimo para quitar os financiamentos anteriores que não foram solvidos. Entretanto, como esses produtores precisam plantar (até para pagar os novos financiamentos, para não perderem seus bens em leilão), eles financiam sua lavoura no mercado, em que as taxas de juros são muito mais elevadas que as oficiais, num procedimento que contribui, cada vez mais, para inviabilizá-los economicamente.  

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, outro entrave para o produtor rural foi a recente valorização do dólar, que elevou o preço dos insumos agrícolas, porque esses são balizados por aquela moeda. Por outro lado, os preços obtidos nas exportações de nossos produtos agrícolas ficaram aquém das expectativas, pois as cotações internacionais das commodities estão no fundo do poço, nos mais baixos níveis dos últimos 25, 30 anos.  

Em decorrência disso, os custos de produção aumentaram e o preço dos produtos agrícolas foram reduzidos. Então, muitos produtores, com elevadas dívidas nos bancos e com fornecedores de insumos, devem pagar taxas elevadíssimas de juros, as quais são incompatíveis com a lucratividades das explorações rurais. Não bastasse isso, os produtores do meio rural brasileiro devem competir com produtos importados, muitos dos quais recebem elevados subsídios em seus países de origem, e ainda enfrentar um sistema tributário voraz e irracional, pagar taxas absolutamente dispensáveis, como, por exemplo, a taxa de classificação de produtos agrícolas, e arcarem com os custos decorrentes de um sistema viário obsoleto e deteriorado.  

O protesto dos produtores rurais em Brasília nesta semana é reflexo das dificuldades por eles encontradas e que são agravadas pelo elevado peso das dívidas, que começam a inviabilizar suas atividades econômicas. Por isso, esse protesto não pode ser visto como mais uma manifestação de alguns poucos produtores rurais que pleiteiam benesses do Tesouro Nacional. Essa seria uma visão míope e, no mínimo, tendenciosa e injusta, até porque, Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, os segmentos que estão na outra ponta desse enredo e que se têm locupletado com a atual política econômica adotada no País não estão de jeito nenhum fazendo protestos ou apresentando reivindicações ao Governo Federal, como é o caso dos bancos e de outras instituições participantes dessa ciranda financeira.  

O Sr. Antonio Carlos Valadares (Bloco/PSB-SE) - V. Exª me concede um aparte?  

O SR. BLAIRO MAGGI (Sem Partido -MT) - Pois não, Senador.  

O Sr. Antonio Carlos Valadares (Bloco/PSB-SE) - Nobre Senador, V. Exª está enfocando um assunto da maior atualidade, haja vista o movimento que está se desenvolvendo em Brasília e em todo o País em favor da agricultura. Logicamente, os meios de comunicação estão apresentando uma imagem que não condiz com a realidade. A mídia, principalmente aquela ligada ao Governo, passa-nos a imagem de que só os grandes produtores serão beneficiados com a nova política econômica decorrente de uma ação do Governo Federal, e, conseqüentemente, do Senado Federal. Ilustre Senador Blairo Maggi, se não fosse a nossa agricultura, o Governo Federal não estaria, a meu ver, em algumas ocasiões, exaltando as benemerências do Plano Real, cujo sucesso se deve ao sacrifício, à força de trabalho e ao esforço desenvolvido no campo pelo agricultores, sejam os pequenos, os médios ou até os grandes agricultores. Não posso entender o que pode ser considerado grande neste País. Grandes neste País são os bancos, os nacionais e os internacionais; as empresas internacionais, que vieram para o Brasil e se locupletaram com o nosso patrimônio - aí estão as empresas de comunicação, que são as que mais lucros têm em nosso País. Os bancos, neste ano, com a desvalorização da nossa moeda, obtiveram o maior lucro no mês de janeiro que não obtiveram em um ano de sua atividade.  

Ora, grandes, pequenos e médios são brasileiros, são irmãos nossos que, de mãos calosas, com grande esforço, conseguem produzir soja, feijão, arroz, milho, o frango que o Governo tanto se gaba de que seria o mais barato do Plano Real. Os produtos alimentícios que chegaram à mesa do trabalhador foram produzidos pelos americanos, pelo FMI, pelos bancos? Não! Foram produzidos pelos brasileiros - grandes, pequenos e médios. E eles não tiveram a solidariedade, o apoio necessário do Governo para a continuidade da sua atividade econômica, que está salvando o Brasil. Se o pobre tem alguma comida, no Brasil, isso se deve ao produtor rural, ao industrial brasileiro. O industrial estrangeiro instala-se aqui, mas exige dispensa de ICMS, de IPI, exige 15 anos de isenção de impostos. Eu não estou falando em nome dos agricultores porque não sou agricultor - não tenho um pedaço de terra, uma rês, um boi, uma cabra, um bode -, mas entendo que o povo brasileiro merece respeito. V. Exª. está proferindo um discurso que - tenho certeza - atinge a sensibilidade não só do grande produtor, mas também do médio e do pequeno agricultor brasileiro, que está sofrendo na pele as conseqüências da política nefasta empreendida pelo Governo Federal.  

O SR. BLAIRO MAGGI (Sem Partido - MT) - Agradeço-lhe o aparte, Senador Antonio Carlos Valadares. É importante o seu posicionamento, pois, como disse V. Exª, V. Exª não dispõe de 1m 2 de terra, nem é produtor; exerce outra atividade. Ao contrário de V. Exª., sempre pratiquei a agricultura. Nasci na roça e acabei por me transformar num grande produtor agrícola.  

Convém lembrar que, quando alguém vai ao supermercado comprar uma caixa de ovos, um quilo de arroz, de feijão, ninguém pergunta se aquele artigo foi produzido por um grande, médio ou pequeno agricultor. O importante é ter o produto na prateleira, e que seja de boa qualidade e de preço acessível à população. Portanto, V. Exª. tem toda a razão. Estou manifestando-me sobre a agricultura, e não sobre o grande ou pequeno produtor. Eu e os produtores que estão lá fora lamentamos que o Executivo queira, por intermédio da mídia, colocar a população das grandes cidades contra os agricultores, dizendo que se trata de um movimento dos grandes produtores. Ora, há poucos deles lá fora. A grande maioria dos produtores que estão aí são pequenos e médios agricultores que vieram do Rio Grande do Sul, de Santa Catarina, de Mato Grosso e de todas as regiões de Tocantins e de Goiás.  

Lamento que o Governo tente usar, por meio da mídia, alguma coisa para atingir o movimento, que é absolutamente justo. As reivindicações que estão sendo feitas aqui hoje não foram feitas nem provocadas pelo produtor rural.  

O Sr. Antonio Carlos Valadares (Bloco/PSB-SE) - Senador Blairo Maggi, é que hoje, lamentavelmente, assisti pela Rede Globo , que é o maior conglomerado de comunicação no Brasil, que esse era um movimento dominado pelos grandes empresários da agricultura no Brasil. Eu disse a V. Exª. que não sou agricultor, e realmente não o sou, mas minha mãe é agricultora e não deve, meu irmão é um agricultor e não deve. Se alguma pessoa da minha família estiver devendo, naturalmente tomou emprestado para pagar. Esse protesto é em decorrência da política de juros que está sendo implementada pelo Governo Federal. Uma política injusta, cruel e desumana, que penaliza a todos. Na medida em que se aumentam os juros, não se aumenta apenas o preço do produto, também se penaliza o produtor e o próprio País, porque a União aumenta seu endividamento, os Estados estão quebrando e os Municípios nem se fala. Acredito que esse movimento tem a maior consistência e deve merecer o apoio de todos nós - grandes, médios e pequenos -, porque, nesta hora, não há que se falar em tamanho: o grande produtor do Brasil neste momento é o brasileiro. E o brasileiro está sendo abandonado pelo Governo Federal, enquanto que o capital externo está sendo beneficiado com as altas taxas de juros que são impostas aos nossos patrícios, e grandes lucros são obtidos pelas empresas internacionais com a política monetária do Governo. Desse modo, V. Exª. tem toda a razão. V. Exª. não está defendendo apenas a classe a que pertence, a classe dos agricultores; está defendendo o povo brasileiro, o pão por que todos lutamos para esse povo sofredor e humilde, que está sofrendo com a alta da gasolina, dos impostos, das tarifas de energia elétrica, enfim, com toda essa parafernália que o Governo Federal trouxe ao nosso País, trazendo infelicidade para todos os nossos conterrâneos.

 

O SR. BLAIRO MAGGI (Sem Partido - MT) - Muito obrigado, Senador.  

Ouço a Senadora Heloisa Helena.  

A Srª Heloisa Helena (Bloco/PT-AL) - Senador Maggi, eu já havia participado desse debate logo no início da manhã, junto com o Senador Lúcio Alcântara, mas me sinto estimulada pelo pronunciamento de V. Exª., que, nesta Casa, tem, ao longo da sua participação política, lutado pelo setor agrícola, não apenas em relação aos grandes produtores, categoria a que V. Exª. pertence, mas em relação à agricultura de uma forma geral. Eu dizia, no início da manhã, que é lógico que qualquer pessoa de bom-senso aplaude qualquer manifestação popular. É evidente que qualquer manifestação, diante dessa crise gigantesca, diante dessa constatação de que infelizmente o comando político do País fracassou, de que está demonstrando incompetência e insensibilidade em conduzir este País e transformá-lo em uma Nação brasileira, é bem-vinda - seja a manifestação do setor agrícola, seja a manifestação do pequeno e médio empresários, seja da indústria, seja a do dia 26, em que, sem dúvida, vai haver uma grande manifestação em Brasília. A única coisa que me preocupa, no debate específico, embora o debate específico seja importante, porque por intermédio dele podemos debater o global, é que percamos a oportunidade, diante dessa manifestação extremamente importante, diante dessa discussão extremamente importante que fazemos, e discutamos o penduricalho. Sei que talvez possa até parecer agressivo essa expressão discutir o penduricalho, mas quero dizer discutir o pequeno, o específico e perdermos a oportunidade de fazer até um debate, várias vezes promovido por V. Exª. nesta Casa, sobre a questão da agricultura. Esse projeto, que, com certeza, tem o apoio da Oposição - porque o PT participou do acordo que foi feito na Comissão de Agricultura -, vai ser aprovado, porque não acredito que o Governo Federal, apesar da sua insensibilidade e da sua incompetência, seja tão truculento e intolerante a ponto de enfrentar o Congresso nesse sentido. O problema é que estamos perdendo a oportunidade de discutir o modelo econômico, porque só se discute o específico. Como o Senador Antonio Carlos Valadares disse, a mídia fica dizendo que é só o grande, mas temos de reconhecer que 80% do saldo devedor é realmente do grande proprietário, de apenas 1.320 produtores. Penso que a proposta aprovada, inclusive com o aval do meu Partido, deveria ser aprimorada para o mini e o pequeno proprietário. Estes terão um desconto de 30% nos juros e no montante da dívida. É muito pouco. Pelo Pronaf - Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar, não saiu até agora um único centavo do Governo Federal para o pequeno agricultor familiar, para a pecuária. Então, à luz dessa crise, precisamos discutir o modelo econômico, a opção que vamos fazer, a inserção que queremos na globalização. Por que não podemos proteger nosso setor agrícola, subsidiando-o e escolhendo nossos parceiros comerciais? Por que somos vítimas diretamente de medidas protecionistas das grandes potências, que impõem nossa política agrícola e destroem parques produtivos inteiros? Tudo isso leva ao agigantamento do desemprego e da pobreza, já que está tudo ligado. Perdemos a oportunidade de debater tudo isso e estabelecer o que queremos. Não tenho dúvida de que a grande vocação do Brasil é agrícola. É um país de dimensões continentais; com potencial de áreas agricultáveis e de recursos hídricos, e o único, Sr. Presidente, que pode mudar a discussão do neoliberalismo internacional. Outros países não podem fazer isso, porque nenhum outro tem nosso potencial, nossas dimensões continentais, nosso mercado interno, nosso mercado consumidor, o que possibilita oxigenar o debate sobre o neoliberalismo na América Latina. Então, o grave é que perdemos essa ocasião extremamente importante de discutir os juros, o subsídio, o setor agrícola, a soja, a laranja, o açúcar, as medidas protecionistas impostas pelos outros países. Talvez por isso não consigamos, em geral, convencer a população de que o que está sendo discutido não é meramente o calote, ou o não-pagamento de dívida, mas o fato de que só essa rolagem não resolve. Se não for mudada a política de juros, no próximo ano haverá outro "caminhonaço", outro "patrolaço" ou qualquer nome que se dê, porque não terá sido resolvido o problema. Então, a contribuição que trago ao brilhante pronunciamento de V. Exª é o chamado para que realizemos esse debate extremamente importante nesta Casa. O Senado, que representa a Federação, que representa a pluralidade das forças políticas e a complexidade de um país de dimensões continentais é quem pode optar pela grande vocação agrícola brasileira. Entendo que, em meio à crise, é necessário analisarmos a potencialidade do setor agrícola, a geração de emprego. Não é simplesmente pensar como o Ministro da Agricultura, que só se incomodará com a agricultura de exportação, segundo suas declarações, já que S. Exª só quer saber da balança comercial. Temos de pensar na balança comercial, mas também na produção de alimentos para esta Nação que convive, às vésperas do ano 2000, com a vergonha da fome. Não será com nenhum fundo de pobreza, que dará R$16,00 por mês a uma família, que conseguiremos combater a pobreza e a fome. Precisamos investir no setor produtivo, especialmente na agricultura, a grande alternativa para a geração de emprego, a dinamização da economia local, a geração de renda e, acima de tudo, para a produção de alimentos. Só assim poderemos combater o maior sinal da pobreza, da primitividade e da falta de civilidade - a fome. Portanto, parabenizo V. Exª pelo pronunciamento e faço um apelo para que, diante dessa crise, ampliemos o debate sobre o modelo de desenvolvimento econômico e sobre as opções que o Brasil pode fazer. É evidente que todos nós fazemos esse protesto. E sei que o Governo Federal não tem autoridade moral para dizer quem pagará os 14 bilhões, porque quem dá 30 bilhões aos bancos devido ao tráfico de influência, das relações de peculato e da prevaricação e também dá, de repente, 10 bilhões a alguns bancos não pode falar. À luz dessa crise, à luz dessa mobilização importantíssima, temos de escolher nossa opção de desenvolvimento econômico. Faço esse desabafo, pois um país que se ajoelha covardemente diante das grandes potências e que não opta pelo capital produtivo, mas, sim, pela agiotagem internacional, pelo capital especulativo, sinceramente não pode ser motivo de orgulho. Então, como gosto muito do meu País e quero transformá-lo numa grande Nação, espero que tratemos não apenas do específico, não do penduricalho, mas que por meio do específico realizemos o debate global sobre o nosso Brasil.  

O SR. BLAIRO MAGGI (Sem Partido-MT) - Agradeço a V. Exª pelo brilhante aparte ao meu discurso. Realmente cabe a nós, políticos, discutir o que queremos daqui para a frente.  

O Brasil realmente tem uma potencialidade agrícola fantástica. Somente o Mato Grosso - Estado que represento e conheço bem -, aproveitando apenas 30% de sua área pode colher outra safra brasileira. Outros 85 milhões de toneladas podem ser colhidos lá no Mato Grosso, fora todo o Tocantins, que está começando agora. Podemos pensar numa produção brasileira de 200 ou até 300 milhões de toneladas de grãos. Podemos ser, efetivamente, o grande fornecedor de alimentos para o mundo. Contudo, não se tem uma política para isso, não se direciona nada para isso. Como V. Exª disse, mexe-se nos penduricalhos. Ajeita-se aqui, ajeita-se ali, dizem que colocam 13 bilhões, 15 bilhões na agricultura, quando na verdade digo que tudo isso é para fazer um "mata-mata", é um faz-de-conta. O produtor faz de conta que recebe dinheiro novo, o banco faz de conta que recebe a conta velha, e assim vamos tocando a vida.  

Eu gostaria de dizer a V. Exª que o miniprodutor, o pequeno produtor, até por sugestão do PT na Comissão de Agricultura, terá um rebate de 60% nas suas contas, desde que efetivamente as pague no final. Considero que o grande mérito desse projeto está nessa comprovação que o produtor faz de que usou o recurso na agricultura, além de provar que vai pagar esse recurso. Só assim ele estará autorizado a receber uma bonificação por estar produzindo.  

Senadora Heloisa Helena, afirmo que não concordo de forma alguma com a taxação sobre alimentos. Acredito que o imposto mais injusto existente na face da terra é a cobrança, como faz o Brasil, de impostos sobre feijão, arroz e carne. Trata-se de um imposto extremamente injusto, porque quem ganha dez mil reais por mês come a mesma coisa que alguém que ganha um salário mínimo, mas para este os 12% ou 13% sobre alimentação pesa muito mais em sua renda.  

Diante disso, temos que acabar com esse imposto. Talvez agora, na reforma tributária, consigamos eliminar isso de fato, para que as pessoas com menos condições possam efetivamente usar seus recursos para comprar alimentos, e não para pagar ao Governo 30% de impostos sobre o custo da alimentação. Essa atitude totalmente incorreta deverá ser combatida na reforma tributária.  

Afinal, o lucro líquido dos bancos brasileiros neste primeiro semestre atingiu patamares sem precedentes. Somente o Banco do Brasil, o Bradesco e o Itaú obtiveram, nos primeiros seis meses deste ano, após descontar os impostos, um lucro declarado de cerca de 2,1 bilhões de reais, numa demonstração de que o setor não precisa fazer protestos, já que a política econômica adotada os favorece, em detrimento dos setores produtivos, inclusive o agrícola.  

Sr. Presidente, somente o lucro declarado pelo Banco Itaú, nos seis meses deste ano, é equivalente ao lucro obtido por todos os produtores de soja do Brasil, na safra 1998/99. O lucro obtido em meio ano, pelos três bancos citados, é equivalente ao lucro de todos os produtores brasileiros de algodão, arroz, feijão, mandioca, milho e trigo, na última safra.  

A recente ajuda que o Banco Central concedeu aos Bancos Marka e FonteCindam corresponde a 1,3 vez o valor do lucro obtido com uma safra de soja por todos os produtores brasileiros desse grão.

 

Para fazermos uma comparação mais precisa, destacamos que a soja, um dos carros chefes da nossa agricultura, ocupa uma área de cerca de quase 13 milhões de hectares de cultura, nos quatro cantos do Brasil. Para plantar e colher os 32 milhões de toneladas de soja da última safra, foram despendidas pelos produtores mais de 21 milhões de horas de trator e 3 milhões de horas de colheitadeiras, além do envolvimento de milhares de trabalhadores nessas operações; para transportar essa safra, foram usadas 1,2 milhão cargas de caminhão de 27 toneladas cada uma. Isso demonstra o que a agricultura gera de serviço e de trabalho.  

Sr. Presidente, esses resultados nos parecem extremamente comprometedores e demonstram o grande equívoco da política econômica brasileira, enquanto nos ajudam a entender melhor os protestos dos produtores rurais brasileiros e até a lhes dar razão.  

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, os produtores rurais brasileiros protestam sobretudo contra as dívidas agrícolas oriundas de financiamentos que eles obtiveram nos bancos e que, nos últimos anos, geraram lucros elevadíssimos para essas instituições. Vale lembrar que a Comissão Parlamentar Mista de Inquérito que investigou o endividamento do setor agrícola apurou que, só no período de 1988 a 1993, a agricultura brasileira transferiu para o sistema financeiro – o mesmo que atualmente apresenta lucros bilionários – cerca de US$22 bilhões.  

Dessa forma, Sr. Presidente, esta tribuna é o palanque ideal para comentar sobre os motivos dos agricultores. Sugerimos que se abra um diálogo inteligente entre produtor e Governo, para que o primeiro tenha condições de pagar suas contas e de continuar seu empreendimento e para que o segundo, com o equilíbrio do técnico e a ponderação do político, consiga engendrar um plano que favoreça os dois lados, sem se prejudicar, pois suas contas, afinal, são pagas por todos nós contribuintes, e sem apertar mais ainda o agricultor, mas conceder-lhe condições de pagar seus empréstimos criteriosamente.  

Vamos, então, acompanhar o desenrolar das negociações, ao final da qual nos manifestaremos novamente nesta tribuna.  

Muito obrigado, Sr. Presidente.  

 

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Este texto não substitui o publicado no DSF de 18/08/1999 - Página 20499