Discurso no Senado Federal

REFLEXÕES SOBRE A QUESTÃO DOS RECURSOS HIDRICOS.

Autor
Carlos Patrocínio (PFL - Partido da Frente Liberal/TO)
Nome completo: Carlos do Patrocinio Silveira
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA DO MEIO AMBIENTE.:
  • REFLEXÕES SOBRE A QUESTÃO DOS RECURSOS HIDRICOS.
Aparteantes
Eduardo Siqueira Campos, Gilberto Mestrinho.
Publicação
Publicação no DSF de 17/08/1999 - Página 20301
Assunto
Outros > POLITICA DO MEIO AMBIENTE.
Indexação
  • COMENTARIO, ARTIGO DE IMPRENSA, JORNAL, JORNAL DO BRASIL, ESTADO DO RIO DE JANEIRO (RJ), APREENSÃO, POSSIBILIDADE, REDUÇÃO, QUANTIDADE, RECURSOS HIDRICOS.
  • COMENTARIO, AUMENTO, CRESCIMENTO DEMOGRAFICO, AMBITO INTERNACIONAL, EFEITO, INSUFICIENCIA, RECURSOS HIDRICOS.
  • APRESENTAÇÃO, SUGESTÃO, GOVERNO FEDERAL, ELABORAÇÃO, POLITICA, CRIAÇÃO, NORMAS, REGULAMENTAÇÃO, OBJETIVO, PREVENÇÃO, INSUFICIENCIA, AGUA POTAVEL.

O SR. CARLOS PATROCÍNIO (PFL-TO. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, hoje, li um artigo muito importante no Jornal do Brasil sobre um assunto que alguns Senadores têm abordado nesta Casa. Gostaria, mais uma vez, de deixar registrada a minha preocupação.  

Trata-se do limite das águas, Sr. Presidente. Um dos maiores desafios da humanidade será, sem sombra de dúvida, no próximo milênio, a questão dos recursos hídricos. Sabemos que nos últimos 20, 30 anos, cada ser vivente na Terra deixou de contar com cerca de um terço da água que dispunha.  

O Brasil, felizmente, é privilegiado em relação a esse recurso. Estima-se que 20% das águas de todos os rios do planeta despejadas no oceano provém do rio Amazonas. Algumas estimativas dão conta de que só a Região Amazônica concentra 30% da água de todo o planeta. O Senador Gilberto Mestrinho, um dos maiores conhecedores do assunto e daquela região, fala em 32%, mas creio que esta estimativa seja um pouco otimista. Oxalá tenhamos esses 32%.  

Há algum tempo, vários países já se preocupam com seu potencial hídrico. Temos informações de que a Austrália estaria comprando do Canadá alguns bilhões de metros cúbicos de água doce. Cerca de 23 países, dentre eles Bélgica e Holanda e países do Oriente Médio, enfrentam o problema da falta de água.  

Para exemplificar, a China tem cerca de 22% da população mundial e dispõe somente de 8% da água do planeta. A Índia tem o mesmo problema: pouquíssima água para a sua população. Notem que falo dos dois países mais populosos do mundo. Os Estados Unidos também enfrentam problemas com a água, sobretudo os Estados do Texas e da Califórnia.  

O problema do petróleo preocupa-nos muito, mas, neste momento, Sr. Presidente, queremos falar da pouca importância que se dá a esse recurso vital. Talvez por ser insípida, inodora, incolor e acreditamos que a água existe em abundância e sua fonte é inesgotável.  

O artigo a que me referi informa que, para se lavar um carro, uma mania do brasileiro, jogamos fora cerca de 150 litros de água; uma torneira pingando ininterruptamente à noite desperdiça cerca de 46 litros de água; com um chuveiro funcionando durante três minutos, 50 litros de água são jogados fora. E até a CEDAE - Companhia de Águas e Esgoto do Rio de Janeiro, segundo o artigo, desperdiça cerca de 50% da água que ela trata e beneficia.  

Não temos o costume de controlar o consumo de água. Sr. Presidente, em meu Estado não há falta de água, pelo menos na grande maioria de seu território, mas o sudeste do Tocantins, que coincide com o nordeste de Goiás e com o oeste da Bahia, é uma região árida e com poucos recursos hídricos e sempre nos preocupou. Além disso, a cada ano que passa a água está diminuindo.  

No ano passado, a precipitação, na maioria dos Estados brasileiros, inclusive no Estado de Tocantins, foi muito pequena devido ao fenômeno El Niño . No decorrer deste ano, tivemos chuva em abundância. Senão em excesso, pelo menos na quantidade que esperávamos, o necessário para se tocar as lavouras, as pastagens. Choveu bem em nosso Estado. Choveu até o mês de maio, junho. A chuva começa no meses de outubro, novembro e dezembro, intensificando-se em fevereiro e março. Mas nós observamos que os mananciais, em julho, já estavam secos. Neste ano, haveria muita chuva por causa do La Niña , fenômeno inverso ao do El Niño

Sr. Presidente, a população mundial está aumentando muito: são 6 bilhões de habitantes. Estima-se que, daqui a 30 ou 40 anos, haverá 8 bilhões de habitantes. Cada um terá seu quinhão de água. Desperdiça-se muita água com a contaminação; não só das grandes cidades que são poluídas pelos esgotos, mas também a contaminação dos grandes mananciais por meio do mercúrio e outras substâncias químicas utilizadas nos garimpos.  

É chegada a hora de se fazer uma legislação muito rigorosa no que concerne ao desperdício de água em nosso País. O Brasil é privilegiado, mas aqui a água é mal distribuída. Segundo reportagem que li, também Recife necessitou de água potável por aumento da população com o turismo. Essa água chegou de navio.  

Um outro aspecto importante é que a água está diminuindo em virtude da contaminação. E essa reportagem assegura que ligar uma casa à rede de água custa US$ 450 e conectá-la à rede de esgoto, US$ 780.  

São vários os fatores que contaminam e provocam desperdício de nossa água, provocando sua diminuição gradativa. Vivíamos num Estado de abundante em água, e temos observado que a cada ano os mananciais estão secando cada vez mais cedo, talvez pela devastação das matas.  

Lembro isso para enaltecer o trabalho do eminente Senador Eduardo Siqueira Campos, Sr. Presidente, Srs. Senadores. Mês passado tive a oportunidade de participar de um programa da construção de cacimbas. Com ele, o Governo pretende construir, em um mês, quatro mil cacimbas para socorrer a população do sudeste do nosso Estado.  

Gostaria, portanto, de cumprimentar o Governador Siqueira Campos, que comprou as máquinas específicas para o desenvolvimento desse trabalho. S. Exª está iniciando uma campanha muito intensa com a colaboração dos proprietários rurais, que sempre pagam pelo menos o combustível das máquinas. Então, há essa parceria do Governo do Estado com os proprietários rurais do meu Estado. Já observamos os resultados positivos dessa construção maciça de cacimbas. Posteriormente, construiremos milhares e milhares de cisternas na região sudeste do nosso Estado, a região mais árida, mais seca. Também é desejo do Governador Siqueira Campos fazer barramento nos rios menores com o intuito, principalmente, de perenizar esses mananciais.  

Sr. Presidente, sobre esse grande problema sobre o qual haveremos de nos debruçar no decorrer do século que se avizinha, sugiro ao Governo e ao Congresso Nacional que formulem políticas, que façam uma legislação compatível com essa previsão de insuficiência de água potável num futuro próximo.  

A pretexto dos 32%, dos 20% de água doce que o rio Amazonas deságua no oceano, gostaria de dizer que também me preocupo com essa situação da Colômbia. Os Estados Unidos dizem que o narcotráfico está se tornando intolerável, já mandou algumas missões para dialogar com a Colômbia, mas tenho informações fidedignas, de uma delegação que esteve recentemente nos Estados Unidos, de que é intenção daquele país montar um aparato bélico, uma base, quem sabe, na divisa do Brasil com a Colômbia, para pôr fim a essa questão do narcotráfico. Temo que, por trás disso, existam outras intenções, talvez relacionadas com essa questão da água e da cobiça pela Amazônia, que sabemos existir em todo o mundo.  

O Sr. Gilberto Mestrinho (PMDB-AM) - V. Exª me permite um aparte?  

O SR. CARLOS PATROCÍNIO (PFL-TO) - Pois não.  

O Sr. Gilberto Mestrinho (PMDB-AM) - Senador Carlos Patrocínio, V. Exª aborda o problema da água no mundo, que, efetivamente, é preocupante. Como V. Exª disse, no Nordeste, existem Estados que estão abaixo do mínimo necessário, em termos de disponibilidade de água para suas populações. São eles: Rio Grande do Norte, Alagoas, Paraíba e até Pernambuco. Também referiu-se à falta de controle de perdas do sistema de água nas cidades, o que é um fator importantíssimo. As cidades brasileiras, em média - e isso não acontece só no Brasil, mas no mundo inteiro -, perdem de metade a 2/3 da água tratada, quando há água tratada, nas tubulações a caminho das residências. É um desperdício muito grande. Mas o importante é que a água vai ser a grande commodity do futuro. Se levarmos em conta que o rio Amazonas joga no oceano seis milhões de metros cúbicos de água potável por segundo e que temos uma reserva muito grande, formada pelo degelo anual nos Andes, algo entre 80% a 90% - as chuvas são de pouca importância na formação do regime de rios da Amazônia -, veremos a quantidade de riqueza que é salinizada a cada segundo. Então, imaginem: se foi possível construir a Transiberiana para transportar o petróleo, se é possível trazer o petróleo do Alasca para ser consumido, será muito fácil canalizar essa água para o centro desenvolvido e utilizar a água da região Amazônica como suprimento para as deficiências universais. Além disso, há uma quantidade muito grande - e isso é comprovado - de água subterrânea no Brasil. A Região Nordeste, que padece com secas freqüentes, situa-se sobre imensos lençóis freáticos. O que faltou até hoje foi coragem de enfrentar esse problema. Acidentalmente, a Petrobrás, ao fazer um furo em Mossoró, encontrou um grande lençol de água a 700, 800 metros de profundidade e que, até hoje, abastece a cidade com água potável. Então, concluo que racionalmente seria muito mais importante para o Nordeste, por meio da Petrobrás, procurar água que petróleo, que é difícil de se encontrar naquela terra árida; água, com certeza, encontra-se. Muito obrigado.  

O SR. CARLOS PATROCÍNIO (PFL-TO) - Senador Gilberto Mestrinho, sou eu quem agradece a participação brilhante de V. Exª no meu pronunciamento, apresentando sugestões para solução do problema, sobretudo, em função do conhecimento vasto que tem V. Exª sobre esta matéria. Concordo com V. Exª - até assisti, outro dia, ao programa do Ratinho, que está patrocinando a abertura de poços no Nordeste por preços irrisórios.  

Ficamos preocupados quando ouvimos dizer que está faltando água, que essa questão nunca foi resolvida no Nordeste. Por que até hoje não se desenvolveu uma política que minimizasse o problema daquele povo, já que, conforme V. Exª assegura, o lençol freático do Nordeste é muito amplo, tendo água em abundância?  

Nobre Senador Gilberto Mestrinho, estamos trazendo esse problema à baila, porque, hoje, a grande riqueza do mundo é o petróleo, são os combustíveis fósseis. Estamos vendo, no Brasil, a diminuição da popularidade do Presidente Fernando Henrique Cardoso, com o povo insatisfeito. Tudo se deve, sobretudo, ao petróleo - quando sobe o preço da gasolina, sobe o preço de quase tudo. Num futuro não muito distante, haveremos de dizer que o Brasil talvez seja o País mais rico do mundo, porque temos água em abundância e bastante acessível. Precisamos sim desenvolver políticas no sentido de bem aproveitá-la e, sobretudo, de bem conservá-la.

 

O Sr. Eduardo Siqueira Campos (PFL-TO) - V. Exª me permite um aparte?  

O SR. CARLOS PATROCÍNIO (PFL-TO) - Pois não, Excelência.  

O Sr. Eduardo Siqueira Campos (PFL-TO) - Senador Carlos Patrocínio, é um privilégio ouvir, nesta tarde, o pronunciamento importante que V. Exª faz a respeito da problemática das águas e do que ela representará para a humanidade no próximo século. É também um privilégio ouvir o experiente Professor Gilberto Mestrinho, permita-me chamá-lo assim, nosso ilustre colega e Governador já por tantas vezes do Estado do Amazonas, que é um profundo conhecedor também dessa questão. Já fiz, Senador Carlos Patrocínio, igualmente o que faz V. Exª nesta tarde, um alerta, um pronunciamento falando especificamente da questão do uso múltiplo das águas, que é o grande desafio do homem para esse próximo século. A ONU recentemente divulgou uma pesquisa, na qual considera a possibilidade de guerra em meados do próximo século em função da água. E disse ainda, em pronunciamento recente, que o Brasil está entrando nesta grande disputa do mercado globalizado com suas armas mais fracas. Se formos lutar com a moeda brasileira, seja qual for a sua denominação, estaremos sempre perdendo nessa grande ciranda financeira internacional. E qual é a nossa grande arma? Esse potencial, a biodiversidade. Como V. Exª disse tão bem, detemos 20% das águas doces de todo o Planeta.  

O SR. CARLOS PATROCÍNIO (PFL-TO) - Trinta e dois por cento, segundo o nosso professor.  

O Sr. Eduardo Siqueira Campos (PFL-TO) - É estratégica a condição do nosso País, mas é preciso que isso seja colocado na mesa. Temos de entrar com essa riqueza, com esse potencial, no debate internacional, e não com a nossa moeda, porque perderemos, como perdemos sete bilhões e meio com apenas uma canetada do terceiro escalão do Banco Central, e não conseguimos sequer uma medida que viesse a coibir isso. Senador Carlos Patrocínio, lá no Tocantins, assistiremos à construção de seis grandes novas hidrelétricas, depois das de Tucuruí, Serra da Mesa, Luis Eduardo Magalhães. Isso fará do nosso Estado um dos maiores reservatórios de água do mundo. Portanto, já que há no Tocantins todas essas questões ambientais que impedem até os estudos de um financiamento e de melhor utilização do rio - como salientou aqui o Senador Gilberto Mestrinho -, temos realmente de estar atentos, vigilantes, com relação a essa questão. Parabenizo V. Exª por trazer esse assunto ao Senado. Só agora o Governo Federal criou a agência nacional que tratará dos recursos hídricos. Quem cuidava do galinheiro era a raposa. Afinal de contas, deixar a água entregue a quem quer usá-la apenas na irrigação ou na geração de energia elétrica significa diminuir o debate sobre a água. Que não venhamos a discutir aqui, um dia, a privatização da nossa água. Seria realmente abandonar de vez a perspectiva de um futuro que temos em relação a isso. Portanto, congratulo-me com V. Exª pela importância do seu pronunciamento. Espero que esta Casa esteja sempre atenta e discuta essa questão.  

O SR. CARLOS PATROCÍNIO (PFL-TO) -.Agradeço-lhe, eminente Senador Eduardo Siqueira Campos, a contribuição que V. Exª confere ao nosso despretensioso pronunciamento.  

Tive oportunidade de homenagear nosso grande Governador Siqueira Campos, que executou o projeto das cacimbas, das cisternas, bem como o da perenização dos mananciais da região sudeste do nosso Estado. A cada ano que passa, diminui o volume das águas. Sobrevoamos toda essa região e tivemos oportunidade de ver apenas dois mananciais: o rio Peixe e o rio Manoel Alves. Todos os outros mananciais secaram. O Governador Siqueira Campos está se antecipando à problemática da água. E o que é importante, e V. Exª ressaltou com muita propriedade, é que nós ainda vivemos num Estado privilegiado. As duas grandes artérias: o rio Tocantins e o rio Araguaia, que se encontram lá no Bico do Papagaio, estão propiciando a construção de inúmeras hidroelétricas. Seis ou sete serão construídas nos próximos vinte anos. Há algumas semanas, solicitei ao eminente Deputado Aroldo Cedraz, que desse andamento ao projeto de lei de nossa autoria que estabelece a obrigatoriedade de construção de eclusas nos rios comprovadamente navegáveis e estabelece a obrigatoriedade de fazer escada para peixe, para reprodução, e também a obrigatoriedade de manter os lagos de reprodução.  

Creio que, assim procedendo, daremos grande contribuição ao nosso País. Mas, infelizmente, a tramitação dos projetos é muito demorada.  

Haveremos de fazer, conforme preconiza o Governador Siqueira Campos, uso múltiplo das águas.  

Sr. Presidente, era esse assunto que gostaria de trazer para a reflexão dos nobres Pares nesta tarde. Esse problema já existe e tende a se agravar. Por isso entendo que deve constituir preocupação para todos os membros desta Casa e do Congresso Nacional.  

Muito obrigado.  

 

o B


Este texto não substitui o publicado no DSF de 17/08/1999 - Página 20301