Discurso no Senado Federal

COMEMORAÇÃO DO VIGESIMO ANIVERSARIO DA ANISTIA NO BRASIL.

Autor
Geraldo Cândido (PT - Partido dos Trabalhadores/RJ)
Nome completo: Geraldo Cândido da Silva
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • COMEMORAÇÃO DO VIGESIMO ANIVERSARIO DA ANISTIA NO BRASIL.
Aparteantes
Ney Suassuna.
Publicação
Publicação no DSF de 20/08/1999 - Página 21641
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • COMEMORAÇÃO, ANIVERSARIO, ANISTIA, BRASIL, REGISTRO, COMBATE, AUTORITARISMO, DITADURA, REGIME MILITAR, DESRESPEITO, DIREITOS HUMANOS, TORTURA, DOUTRINA, SEGURANÇA NACIONAL.
  • REGISTRO, HISTORIA, LUTA, ANISTIA, DEFESA, VALORIZAÇÃO, DEMOCRACIA, ATUALIDADE.
  • REGISTRO, DEMOCRACIA, RECONHECIMENTO, MORTE, PRESO POLITICO, INDENIZAÇÃO, FAMILIA, GOVERNO, FERNANDO HENRIQUE CARDOSO, PRESIDENTE DA REPUBLICA.
  • HOMENAGEM POSTUMA, VITIMA, REGIME MILITAR, BRASIL.

O SR. GERALDO CÂNDIDO (Bloco/PT-RJ. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, hoje daremos prosseguimento às comemorações pelos 20 anos da Anistia no Brasil, data comemorada ontem neste plenário. Em função do tempo, tivemos que dar início à Ordem do Dia, e a homenagem foi suspensa, mas hoje continuaremos o preito à Anistia no País, grande conquista do povo brasileiro.  

Participei desse processo como militante de esquerda, como combatente. Durante vinte anos, lutamos contra o regime de opressão, contra o autoritarismo. Mesmo com o advento da anistia, a ditadura no Brasil prosseguiu até 1984, quando terminou o Governo Figueiredo. Na época, também fomos à rua lutando pelas eleições diretas, no movimento Diretas Já, mas não conseguimos nosso objetivo, haja vista que a Emenda Dante de Oliveira foi derrotada neste Congresso. Só em 1989 conseguimos finalmente eleger um Presidente da República com o voto direto da população.  

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, voltando ao caso da anistia, eu diria o seguinte: aquele Brasil, nunca mais! Quando falamos em anistia, a primeira coisa que nos vem a cabeça são os belos versos de uma obra-prima da música popular brasileira, a canção O Bêbado e o Equilibrista, de João Bosco e Aldir Blanc, imortalizada pela voz inigualável da saudosa Elis Regina. Mas nem tudo é lirismo e poesia neste dia em que lembramos vinte anos de vigência da Lei da Anistia.  

O debate sobre a anistia não pode ser feito sob a pretensa ótica de supostos "vencedores" ou "vencidos". No período em que o País foi submetido à perversa doutrina de segurança nacional, houve somente um grande derrotado: o povo brasileiro.  

A ditadura militar, implantada pelo golpe de 1º de abril de 1964, desde o início perpetrou atrocidades contra o povo e a Nação brasileira. Foi deposto um Governo legitimamente eleito pelo voto popular e revogados seus atos em prol da reforma agrária e contra a remessa de lucros das empresas estrangeiras.  

Cerca de dez mil brasileiros foram forçados ao exílio. Milhares de pessoas foram presas, torturadas e tiveram seus direitos políticos cassados. Nas Forças Armadas, foram catalogados 1.261 militares punidos pelos atos institucionais. Além disso, 1.776 personalidades tiveram seus direitos políticos suspensos ou os mandatos cassados, entre elas o sociólogo Fernando Henrique Cardoso, hoje Presidente da República, e os ex-Governadores Leonel Brizola e Miguel Arraes.  

Com relação às vítimas da repressão, incluindo as pessoas que acabaram morrendo no exílio ou se suicidando, são listados 424 casos. Essa relação se encontra no livro Dos Filhos deste Solo , de autoria de um bravo lutador pelos direitos humanos, o Deputado Federal Nilmário Miranda, do PT de Minas Gerais, e do jornalista Carlos Tibúrcio, obra que será lançada no próximo dia 24, com um ato público na Associação Brasileira de Imprensa, na cidade do Rio de Janeiro.  

Os fundamentos da Doutrina de Segurança Nacional aniquilaram direitos e garantias individuais. Segundo a doutrina, o principal inimigo estava dentro do próprio País e deveria ser procurado entre o povo. Para defender o Estado de Segurança, justifica-se um Estado de Exceção?  

É bom não esquecer que o determinante para o surgimento da ação armada, como forma de oposição ao regime, foi exatamente o fechamento dos canais legais de participação política, o arbítrio generalizado. A violência praticada por certos setores da oposição foi uma mera resposta à violência institucionalizada que se estabeleceu no País desde 1964, em especial após a decretação do AI-5. A legitimidade da violência, ou melhor dizendo, das revoluções, é reconhecida por todas as doutrinas mais humanistas. O direito de rebelar-se em defesa dos direitos feridos é reconhecido a todos os povos, o que implica a eliminação das causas para que se restabeleça a liberdade democrática. A Constituição do México nos dá um claro exemplo, quando um de seus artigos diz que "o provo oprimido tem todo o direito de se levantar com armas contra o governo opressor".  

Embora possa parecer contraditório, a tortura sempre foi o ponto fraco do regime militar. Apesar do caráter bárbaro do tratamento dispensado as presos políticos, especialmente após o AI-5, o regime militar nunca reconheceu oficialmente o uso da tortura, pois isso teria significado o seu fim. Condenada no mundo inteiro como um crime contra a humanidade, a tortura no Brasil sempre foi denunciada, mesmo nos tempos mais duros, entre os anos de 1969 e 1973.  

As mudanças da situação política e o crescimento do número de denúncias tornaram cada vez mais difícil a aplicação da tortura. Nesse sentido, cabe recordar alguns episódios marcantes. Em 1975, a morte do jornalista Wladimir Herzog, no DOI-CODI do II Exército, em São Paulo, desencadeou grande onda de protestos, forçando inclusive a abertura de um inquérito, que nada apurou; apenas confirmou a versão oficial de "suicídio". Meses depois, a morte, em condições idênticas, do operário Manoel Fiel Filho, gerou uma crise mais aguda, que culminou com a demissão do General Comandante do II Exército, Ednardo D’Ávila Melo.  

Para não ser tachado de "revanchista" — aliás, expressão que, ao criar um rótulo, tenta varrer para debaixo do tapete da história todo terror daqueles tempos —, vamos lembrar um pouco da luta pela anistia.  

As primeiras manifestações pró-anistia, já em 1964, partiam de setores liberais, que levavam em conta o temor do aprofundamento da divisão nacional, com o aguçamento da luta de classes.  

Já em 1967 e 1968, surgem divergências entre os apoiadores do golpe militar, a anistia ganha algum destaque, e o MDB faz votar um projeto de anistia no Congresso Nacional, que, embora derrotado, obteve o apoio de muitos arenistas.  

Em 1975, surge o Movimento Feminino pela Anistia, presidido pela advogada Terezinha Zerbini. Dois anos depois, dá-se a primeira tentativa de formação de organizações mais amplas pela anistia. Com as prisões de 1º de maio, em São Paulo, generalizam-se as manifestações de rua por todo o País. Essas manifestações resultam nos "Dias Nacionais de Protesto e Luta pela Anistia" e formam-se os "Comitês Primeiro de Maio pela Anistia", agrupando vários setores populares. No início de 1978, é criado o Comitê Brasileiro pela Anistia. Era o estopim que faltava para a generalização, em âmbito nacional, das organizações da anistia. Formam-se comitês nos Estados da Bahia, de Goiás, de São Paulo, do Rio Grande do Sul, de Minas Gerais, do Rio Grande do Norte e no Distrito Federal.  

O Sr. Ney Suassuna (PMDB-PB) - V. Exª me permite um aparte?  

O SR. GERALDO CÂNDIDO (Bloco/PT-RJ) - Pois não. Concedo o aparte a V. Exª.  

O Sr. Ney Suassuna ((PMDB-PB) - O tema que V. Exª está abordando é de muita importância para a nossa sociedade. O ser humano tem grandes virtudes, dentre as quais a maior é o perdão. E a anistia é um perdão. Fui um dos que lutou pela anistia, e continuo lutando. Porém, às vezes, preocupo-me quando vejo que certos grupos, mesmo minorias, não perdoam ou não perdoaram até hoje. A anistia, como bem pregávamos, tem que ser geral, ampla e irrestrita. Na minha opinião, quando vemos perseguição a um indivíduo, qualquer que seja sua facção, estamos prejudicando essa anistia que, de acordo com a lei, foi ampla, geral e irrestrita. Parabenizo V. Exª por abordar um tema tão marcante para a História do Brasil. Creio que todos devemos praticar, sim, essa anistia - é uma lei, deve ser cumprida - da forma mais ampla e irrestrita possível. Muito obrigado.  

O SR. GERALDO CÂNDIDO (Bloco/PT-RJ) - Agradeço a V. Exª pelo aparte, Senador Ney Suassuna, que muito contribui para o meu pronunciamento. Trata-se do reconhecimento da importância da anistia para o Brasil, que foi instituída de forma ampla, geral e irrestrita.  

A existência de um grande número de entidades com objetivo comum traduz a necessidade de unificação do entendimento político na luta pela anistia. Realizado entre os dias 2 e 5 de novembro daquele ano, o I Congresso Nacional pela Anistia foi um marco fundamental dessa luta. Do evento, participaram delegações de países como a França, a Itália e a Suíça; entidades como a OAB, a ABI, a CNBB, a SBPC, a Comissão de Justiça e Paz, IAB e a Comissão Pró-UNE. Ao todo, mais de mil delegados participaram ativamente. O manifesto do Congresso apontava um programa mínimo de reivindicações: fim da legislação repressiva, com a revogação da Lei de Segurança Nacional e da insegurança dos brasileiros; desmantelamento do aparelho de repressão política e fim da tortura; liberdade de organização e manifestação; anistia ampla, geral e irrestrita.  

A principal tarefa determinada pelo I Congresso Nacional pela Anistia foi a de transformar a luta pela anistia numa luta popular, por meio da criação de núcleos e comitês em todas as cidades, bairros e categorias profissionais, ligando, assim, o tema anistia aos problemas mais sentidos do cidadão comum.  

Há exatamente vinte anos, o Congresso Nacional aprovava a Lei nº 6.683, de 1979, sancionada dez dias depois pelo então Presidente da República, o General João Baptista Figueiredo. Na opinião do Grupo Tortura Nunca Mais, do Rio de Janeiro, houve "uma anistia pela metade, que alcançou os militantes políticos que lutarem pela restauração da democracia e seus algozes. Porém, os mortos e desaparecidos — cujos corpos, em sua maioria, não foram encontrados — não tiveram sua memória anistiada".  

No sentido de resgatar a memória deste mártires e a dívida do Estado para com eles, em 1995, o Presidente Fernando Henrique sancionou a Lei nº 9.140, de 1995, que reconheceu 144 desaparecidos como mortos e concedeu indenizações, que variam de R$100 a R$150 mil às famílias da vítimas. Reconhecer os assassinatos de Lamarca e Marighela talvez tenha sido o momento de maior democracia deste Governo.  

Mas os debates sobre a anistia nos trazem também as vozes de um passado que devemos lembrar às novas gerações, para que os nossos jovens saibam defender a democracia. Na terça-feira da semana passada, dia 10, uma reportagem do jornal

O Dia denunciava que membros do Grupo Tortura Nunca Mais, do Rio de Janeiro, estavam recebendo ameaças de uma organização paramilitar, de triste memória: o Comando de Caça aos Comunistas - CCC. Em bilhetes ameaçadores, enviados principalmente à Presidente do Grupo, Cecília Coimbra, qualificada pelos anônimos fascistas como prostituta, diziam que o Grupo estava sob vigília e que "o CCC não hesitaria em abortar ações que viessem a atingir companheiros e a ordem constituída". Talvez o motivo da irritação desses segmentos repudiados pelo conjunto da sociedade brasileira sejam os protestos do Tortura Nunca contra a nomeação do Coronel da reserva do Corpo de Bombeiros, José Halfeld Filho, indicado para o cargo de Agente de Desenvolvimento da Região Centro-Norte, pois o mesmo havia participado dos órgãos de repressão durante o regime militar.  

Outro exemplo de intolerância nos deu o coronel da reserva, ex-Ministro, Governador e Senador Jarbas Passarinho. Em artigo publicado na edição de 11 de maio deste ano, no jornal Correio Braziliense , intitulado "Comemorando a Anistia", o ex-Ministro da ditadura assim expõe os seus rancores: "Pensamos na anistia não como um perdão, que pressupõe arrependimento, o que não pedíamos, mas esquecimento recíproco, essencial para a reconciliação nacional. Assim não foi entendido pelos vencidos, cujos ódios mantiveram-se vivos até hoje, nada obstante as sucessivas ampliações da anistia votada em 79, culminando com as polêmicas indenizações recentes".  

Sair em busca da apuração de fatos abomináveis de um dos períodos mais cruéis da nossa história mantém acesa a esperança por justiça. Almejar justiça não é sinônimo de revanchismo. Os revanchistas apenas reformam erros, enquanto os que lutam por justiça fazem avançar o processo de redemocratização, que, no Brasil, é essencialmente formal, ao sustentar um modelo econômico que gera milhões de miseráveis.  

Sr. Presidente, para concluir, como militante da esquerda que lutou 20 anos contra a ditadura militar, gostaria de dedicar minhas palavras àqueles 424 patriotas que tombaram contra a opressão, contra o regime militar, que, por terem sido mortos, sequer conseguiram a anistia. Em homenagem a esses patriotas que tombaram em defesa da liberdade e da democracia, dedico-lhes minhas palavras.  

 

 


Este texto não substitui o publicado no DSF de 20/08/1999 - Página 21641