Discurso durante a 101ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

COMEMORAÇÃO DO VIGESIMO ANIVERSARIO DA ANISTIA NO BRASIL.

Autor
Teotonio Vilela Filho (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/AL)
Nome completo: Teotonio Brandão Vilela Filho
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • COMEMORAÇÃO DO VIGESIMO ANIVERSARIO DA ANISTIA NO BRASIL.
Publicação
Publicação no DSF de 19/08/1999 - Página 20629
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • COMEMORAÇÃO, ANIVERSARIO, ANISTIA, BRASIL, REGISTRO, SOCIEDADE CIVIL, LIBERDADE, DEMOCRACIA, HOMENAGEM POSTUMA, LIDERANÇA, TEOTONIO VILELA (AL), SENADOR.

O SR. TEOTÔNIO VILELA FILHO (PSDB-AL. Pronuncia o seguinte discurso.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, Srªs e Srs. Visitantes, faz 20 anos que o Congresso Nacional aprovou a Lei da Anistia. O texto foi recebido como limitado, mas resgatando centenas de brasileiros do exílio, da prisão ou da clandestinidade, acabou deflagrando as conquistas que viriam pacificar a Nação, até nos devolver totalmente a democracia. Por isso, festejamos 20 anos do marco de uma conquista, mas recordamos mais de 30 anos da história de uma luta e da consolidação de um sentimento.

A Lei nº 6.683, aprovada pelo Congresso Nacional em 22 de agosto de 1979 e sancionada pelo Presidente João Figueiredo seis dias depois, apesar das restrições impostas pelo momento, foi fato que permitiu reunir personagens de um Brasil que a intolerância pretendeu dividir, mas que um sonho quase visionário de esperança integrou e uniu.

Celebramos uma lei conquistada com brava luta, permitindo desdobramentos tão profundos e tão importantes, que avançariam até a completa redemocratização do País.

Nem se precisam, ao certo, as datas difusas que a cronologia da história não consegue resgatar, pois quem pode ao certo precisar o nascimento dos sonhos de uma nação? Mas ainda em 1968, o menestrel Teotônio, meu querido e saudoso pai, levantava em discursos, aqui nesta tribuna do Senado, a necessidade da anistia. Já em 1972, o velho MDB extrapolava seu papel institucional de oposição consentida, incluindo a anistia em seu programa de lutas.

E quando a sociedade, anestesiada pela censura, parecia absolutamente distante da realidade dos presos políticos, as mulheres, mães e companheiras fizeram despertar a alma nacional, tocando-a com a chama de sua cidadania. Era 1974 e surgia o Movimento Feminino pela Anistia, liderado pela Drª Terezinha Zerbini.

E Brasil afora começou a ecoar o grito dos perseguidos, e começou a se ouvir a resposta desta Nação. A consciência nacional despertava para o chamado de alguns guerreiros da paz, para transformar o sofrimento das perseguições na saga de nossa liberdade.

Com o Movimento Feminino pela Anistia logo vieram os Comitês Brasileiros pela Anistia, em todos os Estados. Vieram entidades como a OAB e a ABI, e chegou a Igreja pregando contra o ódio. E o canto, a princípio solitário, se fez hino e senha de um futuro de uma nação que sonhava “com a volta do irmão do Henfil”.

Tendo sido Teotônio o primeiro solista de uma partitura ainda inaudível, seus companheiros o tomaram como maestro do coro que formava-se alentadoramente uníssono, unissonamente crescente.

Na luta pela anistia, o velho Teotônio entrou de corpo e sentimentos, de alma e coração. Acreditava que quando se oprime um homem, qualquer homem, não se violenta apenas um cidadão, se esmaga a cidadania e se compromete o futuro. E sabia, como Dom Hélder Câmara, que “quanto mais escura a noite, mais carrega em si a madrugada”.

A princípio, ele era apenas o presidente anunciado da Comissão Mista da Anistia, hoje lembrada como Comissão Teotônio Vilela. Ela se reuniria depois do recesso de meio de ano para analisar o projeto do Executivo, que a maioria governista aprovaria nos termos ditados pelo governo. O projeto chegara ao Congresso em fins de junho, às vésperas de um recesso que deveria esmorecer o debate, àquela altura já instalado, mas incipiente.

Mas, Sr. Presidente, quem contava em limitar a anistia, não contava com a teimosia do velho Teotônio. Sem qualquer ordem judicial ou salvo conduto, ele bateu às portas das prisões de todo o País, descobrindo e revelando a intolerância contra os presos políticos e os abusos praticados nas masmorras do regime.

Houve tentativas de lhe interromper a caminhada, inclusive de tribunais militares ainda impregnados pela exceção. Mas a força moral do Menestrel foi maior e ele seguiu visitando os presídios. A golpes de persistência e de esperança, Teotônio conseguiu sensibilizar a sociedade e reverter a opinião pública, que fora induzida pela tese oficial de que no Brasil não havia presos políticos, mas terroristas, assaltantes e criminosos comuns.

Sua pregação era lógica: não se podia falar de terror, nem de crime contra a humanidade, nem mesmo de subversão, quando o próprio governo declarava-se revolucionário, autor de uma revolução, portanto, no comando de um Estado subvertido. Assim, os que a ele se opuseram resistiram a uma subversão, sendo defensores de uma legalidade remota, anulada pela Revolução.

Incansável e obstinado, trazia, cada dia mais numerosos e mais pungentes, os dramas humanos, as tragédias pessoais dos presos políticos que visitou e ouviu, um por um, de São Paulo ao Ceará. Diante de muitos, sequer conseguiu conter a emoção. Ouvindo o relato de torturas sofridas por ex-prisioneiros paulistas, Teotônio chorou e pediu perdão por não ter sabido antes de todo aquele horror.

A cruzada de Teotônio mudou a opinião pública. Com ela mudou também o Governo, admitindo a tese da anistia, estabelecendo interlocutores como o Senador Petrônio Portella e o Deputado Nelson Marchezan, e começando a negociá-la com a oposição, que não aceitava a simples revisão de punições impostas sem a garantia de defesa e até sem acusações formais, antes proposta.

A anistia veio restrita, como impusera o Governo, mas o MDB decidiu votar o projeto por entender absurdo impedir a anistia de um só preso que fosse, mesmo ao custo de recomeçar, já no dia seguinte, a luta para ampliá-la. Teotônio questionou, alertando que bastaria uma só exclusão para manchar de ilegitimidade o gesto da anistia, que, por definição, deve abranger, no esquecimento e no perdão, a totalidade dos envolvidos no processo.

Naquele 22 de agosto que hoje rememoramos, quando o Governo celebrava seu projeto e o MDB comemorava a vitória parcial, não faltou quem anunciasse a derrota pessoal do primeiro solista da anistia. Ele defendera até o último instante a anistia ampla e irrestrita. Mas a quem lhe questionava por não regozijar-se com o avanço político inegável, Teotônio ensinava que o líder deve exigir tudo e lutar por tudo até o fim. Mas ele próprio confessaria que, na verdade, a votação da anistia fora um dos dias mais felizes de sua vida.

Na verdade, Sr. Presidente, naquele instante, Teotônio sabia que a luta estava só se descortinando, pois a líderes ali presentes, como Ulysses Guimarães, Tancredo Neves, Franco Montoro e Pedro Simon, cabia a missão de redemocratizar o Brasil. Aparentemente derrotado pelas restrições da lei, Teotônio, no íntimo, comemorava o fato de que, após a anistia, o regime e o governo jamais seriam os mesmos.

De fato, a anistia, que nasceu restrita, apressou a revisão dos processos com tal rapidez, que em poucos meses as prisões estavam vazias. E voltaram os exilados, criando o que o então Deputado Roberto Freire anunciou como uma nova correlação de forças políticas no Brasil.

Esta sessão especial no Senado, Sr. Presidente, requerida pelo Senador Roberto Freire, assim como os esforços do Instituto Teotônio Vilela, particularmente do Senador Lúcio Alcântara, em promover o debate sobre a anistia e seus 20 anos, é mais que uma homenagem. É o gesto patriótico que lembra aos brasileiros um passado próximo, ainda recorrente em nossas vidas e que deixou marcas profundas na alma nacional. O trabalho do Instituto Teotônio Vilela lembra à exaustão que a anistia não foi meta de chegada, mas ponto de partida.

Plantou-se a anistia e se colheu, depois, democracia. Tantas outras lutas que se sucederam, como o “Movimento pela Diretas Já!” e a convocação da Assembléia Nacional Constituinte, têm um tanto de origem na conquista da anistia e guardam, até hoje, a mesma perspectiva de Teotônio: se a missão de ontem era redemocratizar o Brasil, o desafio de hoje é torná-lo mais justo. Com a anistia, lutamos por direitos e liberdades individuais, o desafio agora são conquistas sociais.

Teotônio se foi, foi ser eterno, mas como se orgulharia se pudesse testemunhar o Brasil liderado por um ex-exilado, um anistiado, o Presidente Fernando Henrique Cardoso. Um Brasil que se dá as mãos para enfrentar desafios e não pessoas, para perseguir objetivos e não opositores. Como se orgulharia o Menestrel vendo, integrados ao debate e à direção do Brasil, os presos políticos e os líderes sindicais que visitava na prisão.

São contínuos os esforços do Presidente Fernando Henrique pelo prosseguimento do processo de anistia. O atual Governo contribui decisivamente para completar essa conquista, para fazê-la tão ampla e irrestrita quanto sonhou Teotônio. Nada é tão simbólico nesse sentido quanto o reconhecimento da responsabilidade do Estado pelo desaparecimento de cerca de três centenas de patriotas, indenizando como possível seus familiares.

A importância dessa continuidade da anistia ganhou uma dimensão maior ao alcançar figuras polêmicas como Carlos Marighela e Carlos Lamarca. Isso demonstrou a maturidade do País para continuar discutindo esse processo, até que todos, até o mais humilde brasileiro de alguma forma injustiçado naquele passado, seja também beneficiado e formalmente reconciliado.

Ainda hoje, o Presidente Fernando Henrique Cardoso recebe uma comissão representativa de anistiados, conduzida prelo Deputado Arthur Virgílio, Líder do Governo no Congresso. É mais um gesto que engrandece o País e honra a memória de Teotônio, de todos os guerreiros da anistia que já se foram e de todos os desaparecidos e mártires daqueles tempos.

A celebração dessa festa da anistia, com a lembrança inevitável de seu maior apóstolo e pregador, aproxima-nos no desafio que remete a um futuro de mais igualdade. Temos liberdade e estamos usando-a para lutar por justiça, porque conquistamos a democracia para trabalhar pela cidadania.

Ao pregar a unidade de todas as forças políticas e sociais para a conquista dos grandes sonhos de seu tempo, o velho Teotônio dizia com a sabedoria de homem do povo, com a vivência telúrica de suas raízes: “Uma cana só não é nada, absolutamente nada. Mas, juntando é um canavial”.

Acredito, e acredito com a esperança de Teotônio, que não sonhamos sozinhos esse sonho do Brasil. Como ontem juntos sonhamos o sonho da anistia, hoje construímos juntos o sonho do desenvolvimento e da justiça social, que será penhor de futuro e nova conquista do nosso povo.

Muito obrigado. (Palmas)


Este texto não substitui o publicado no DSF de 19/08/1999 - Página 20629