Discurso no Senado Federal

COMEMORAÇÃO DO VIGESIMO ANIVERSARIO DA ANISTIA NO BRASIL.

Autor
Eduardo Suplicy (PT - Partido dos Trabalhadores/SP)
Nome completo: Eduardo Matarazzo Suplicy
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • COMEMORAÇÃO DO VIGESIMO ANIVERSARIO DA ANISTIA NO BRASIL.
Publicação
Publicação no DSF de 19/08/1999 - Página 20631
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • COMEMORAÇÃO, ANIVERSARIO, ANISTIA, BRASIL, LUTA, LIBERDADE, DEMOCRACIA.
  • REPUDIO, CONTINUAÇÃO, DESIGUALDADE SOCIAL, BRASIL, AUMENTO, CONCENTRAÇÃO DE RENDA.
  • SOLIDARIEDADE, ENTIDADE, SOLICITAÇÃO, GOVERNO, EXAME, REQUERIMENTO, APOSENTADORIA ESPECIAL, POSTERIORIDADE, ANISTIA, CRITICA, OMISSÃO, GOVERNO FEDERAL.

O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT-SP. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Senador Geraldo Melo, Srs. Senadores, Srªs Senadoras e tantas pessoas que participaram da extraordinária luta pela anistia e que ainda continuam lutando, em vista do elaborado pronunciamento dos Senadores Roberto Freire, Álvaro Dias e Teotônio Vilela Filho, que recordaram os fatos históricos mais importantes das últimas décadas referentes à extraordinária batalha da anistia, e em função de que, às 16 horas e 30 minutos, portanto, daqui a pouco, o Presidente Fernando Henrique Cardoso terá uma audiência com alguns dos senhores, e como há assuntos pendentes da maior seriedade para serem tratados, quero ser breve. Até porque acredito que o Líder do Governo, Senador José Roberto Arruda, deve expressar, antes da audiência, seu sentimento relativamente a esse assunto.  

No próximo dia 28 de agosto, comemoram-se os 20 anos da promulgação da lei que concedeu anistia aos punidos pelo regime militar ditatorial que se instalou no País em 1964.  

Como aqui foi assinalado, a anistia representou uma conquista, muito mais do que uma concessão: representou o coroamento de uma longa luta, que precisa ser entendida no contexto mais amplo da reconquista das liberdades democráticas, violentamente subtraídas do povo brasileiro pelo golpe militar de 1964. Essa luta decorreu, sobretudo, da percepção das extraordinárias injustiças que se acumulavam ao longo das décadas e séculos de nossa história e que estavam agravando-se nos anos 60 e 70.  

E o pior é que esse processo, sobretudo das desigualdades crescentes, continua até hoje. Não é à toa que até mesmo o Presidente do Congresso Nacional resolveu que se faz necessário erradicar a pobreza do País e fez desse objetivo um alvo maior e primeira prioridade na pauta de assuntos do Congresso. Neste instante, na Ala Nilo Coelho, está reunida a Comissão Mista que examina medidas para, em noventa dias, iniciar um processo de erradicação da pobreza e de diminuição das desigualdades sociais no Brasil.  

No seminário do Ipea, na semana passada, sobre "Desigualdade e Pobreza", um dos maiores econometristas do País, o professor Rodolfo Hofmann, da Universidade de Campinas e da Escola Superior de Agricultura Luís de Queiroz, analisou os últimos dados relativos à distribuição da renda familiar no País, que indicavam um coeficiente de Gini da ordem de 0,607, praticamente 0,61, que só nos deixa atrás de Serra Leoa. E isso em 1997. Dada a recessão, a diminuição do crescimento e o desemprego que se elevou em 1969, podemos prever, portanto, que a situação em 1999 está pior. Em termos de desigualdade, talvez estejamos emparelhados com Serra Leoa, numa disputa inglória que não nos honra.  

É importante dizer que as pessoas que tanto se indignaram com o estado de coisas daquela época estariam hoje ainda indignadas, lutando por justiça. Precisamos lembrar de figuras como Teotônio Vilela, o grande líder pela campanha da anistia, que visitou os presídios; das pessoas que faleceram nessa batalha, como Cláudio Abramo; Maria Cristina Sodré; Aluízio Palhares, líder dos bancários de todo País; Vladimir Herzog, jornalista morto nas cadeias do DOI-COD; Santos Dias da Silva, metalúrgico da zona sul da cidade de São Paulo e um dos mais distinguidos líderes, que estava por assumir postos de maior responsabilidade; Manoel Fiel Filho, morto também no DOI-COD, cuja viúva vem lutando por reparação, conforme tantas vezes registrou o jornalista Elio Gaspari, Virgílio Gomes da Silva, operário químico, Olavo Iansen, professor que foi tão bem defendido pelo saudoso ex-Deputado, ex-Senador e ex-Governador Franco Montoro, em 1975; o Padre Henrique de Recife, assessor de Dom Helder, na Pastoral de Direitos Humanos; o Coronel Jefferson Cardim, companheiro de Leonel Brizola; o Pastor James Wright, considerado por Dom Paulo Evaristo Arns outra figura notável nessa batalha, que o considerava seu grande e melhor amigo e se aproximaram um do outro por causa de seu trabalho: a luta pela anistia e pela descoberta de tudo o que aconteceu com os que foram torturados, mortos, perseguidos pelo Regime Militar.  

Há que se falar de todos aqueles que há tanto tempo vêm lutando pelo seu direito à anistia e não conseguem. Aqui estão alguns presentes, como Paulo de Tarso Wenceslau; Olício Moreira de Castro, já referido pelo Senador Roberto Freire, que representa os que serviram às Forças Armadas e ainda não conseguiram seu direito à anistia.  

Tantas pessoas vêm a Brasília hoje porque, nesses últimos cinco anos, observaram que, de alguma forma, o Governo Fernando Henrique vem suprimindo, restringindo alguns legítimos direitos dos anistiados, direitos esses conquistados desde a aprovação da anistia, com a Lei nº 6.683, de 1979. Surgiram decretos, portarias, ordens de serviço inconstitucionais que violam o art. 8º e seus parágrafos do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias da Constituição de 1988. Mas, também, houve objeções às restrições colocadas pelo art. 3º, Emenda Senador Josaphat Marinho, em seu § 3º, que V. Exªs podem até consultar - está aqui presente o Senador Jader Barbalho - na Reforma da Previdência, a E.C. nº 20, recentemente promulgada, e o acordo com os anistiados, que acabou sendo promovido pelo então saudoso Deputado Luís Eduardo Magalhães. Quero assinalar que essas são preocupações colocadas pelas diversas entidades, como a Associação Brasileira de Anistiados Políticos do Rio, Associação de Anistiados da Petrobrás, da Conape do Amazonas, do Rio Grande do Sul, de São Paulo; tantas são as entidades aqui listadas que elas sintetizaram em um documento que o Governo, nesses últimos anos, tem deixado sem exame no Ministério do Trabalho e em outros Ministérios milhares de requerimentos de anistiados visando obter o benefício da aposentadoria excepcional. Somente despacham os processos "a pedido do Palácio" . Enquanto isso, anistiados que foram presos, torturados estão em sua idade avançada, por vezes até doentes, sem ter os seus direitos respeitados. (Palmas!)  

O Governo tem desativado as comissões de anistia, que não têm mais admitido na sua composição representação dos anistiados, e há 1.815 pessoas que estão aguardando o resultado do exame dessas comissões.  

O Governo tem reduzido drasticamente, através das comissões de revisão, as aposentadorias excepcionais percebidas pelos anistiados no setor privado em até 50%, numa clara afronta à Constituição e ao Supremo Tribunal Federal, que já decidiu que a redução nominal de salários e proventos é inconstitucional.  

O Governo, com essa redução, tem feito uma economia que, na visão desses anistiados, é muito pequena. Eles chamam de "economia de palitos", pois 3.136 aposentadorias e pensões pagas à conta do Tesouro Nacional para os anistiados do setor privado e viúvas corresponderiam, em dezembro de 1998, algo em torno de R$ 5,9 milhões, 0,13% do total do valor das despesas da Previdência naquele mês.  

O Governo extinguiu as aposentadorias excepcionais de caráter indenizatório devido aos anistiados, de tal forma que, ao invés de receber, conforme a Constituição, como se em atividades estivessem, terão, agora, as suas aposentadorias limitadas pelo teto do Regime Geral da Previdência.  

O Governo decidiu, doravante, fazer uma revisão permanente das aposentadorias dos anistiados, gerando uma instabilidade permanente em pessoas de idade avançada, o que para muitos dos senhores aqui presentes constitui até uma nova modalidade de tortura.  

Então, essas entidades e representantes que aqui se encontram objetivam a suspensão do Decreto nº 3.048, de 6 de maio de 1999, e da Portaria nº 4.883, de 16 de dezembro de 1988, e na Ordem de Serviços nº 623, de 19 de maio de 1999, de todos os artigos, parágrafos e incisos que fazem referência à aposentadoria excepcional do anistiado. Assim, por um princípio de justiça e respeito à cidadania é que aguardam o Congresso Nacional para que possam integrar uma luta cívica na perseguição de um Decreto Presidencial e uma lei que restabeleça os direitos contidos no art. 150, da Lei nº 8.213,. de 24 de junho de 1991, da aposentadoria excepcional do anistiado. Gostariam, inclusive, de ter o apoio dos Srs. Senadores, até porque irão dialogar com o Presidente da República.  

Portanto, é preciso recordar esses fatos e levar em consideração como que a campanha da Anistia, em que pese a sua vitória parcial, foi uma importante contribuição para a ampliação das conquistas democráticas do povo brasileiro, eternizou os direitos humanos como dimensão essencial das ações políticas, legou à sociedade brasileira mecanismos de solidariedade ativa na defesa de todos os que lutam pela liberdade, pela democracia e pela dignidade política.  

Sr. Presidente, quero, inclusive, solicitar que seja publicado na íntegra o documento "A verdade sobre a situação dos anistiados", que, assinalo, é o documento maior dessas entidades que agora irão se encontrar com o Presidente Fernando Henrique Cardoso.  

Muito obrigado.  

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DOCUMENTO A QUE SE REFERE O SR. SENADOR EDUARDO SUPLICY EM SEU PRONUNCIAMENTO:  

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Este texto não substitui o publicado no DSF de 19/08/1999 - Página 20631