Pronunciamento de Pedro Simon em 18/08/1999
Discurso no Senado Federal
COMEMORAÇÃO DO VIGESIMO ANIVERSARIO DA ANISTIA NO BRASIL.
- Autor
- Pedro Simon (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/RS)
- Nome completo: Pedro Jorge Simon
- Casa
- Senado Federal
- Tipo
- Discurso
- Resumo por assunto
-
HOMENAGEM.:
- COMEMORAÇÃO DO VIGESIMO ANIVERSARIO DA ANISTIA NO BRASIL.
- Publicação
- Publicação no DSF de 19/08/1999 - Página 20637
- Assunto
- Outros > HOMENAGEM.
- Indexação
-
- COMENTARIO, LUTA, BRASILEIROS, OPOSIÇÃO, AUTORITARISMO, REGIME MILITAR, COMEMORAÇÃO, ANIVERSARIO, ANISTIA, BRASIL.
- NECESSIDADE, CONTINUAÇÃO, LUTA, JUSTIÇA SOCIAL, BRASIL.
O SR. PEDRO SIMON
(PMDB-RS. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, eu pretendia, nesta sessão, fazer uma homenagem a um homem que se chama Teotônio. Alguém com mais autoridade do que eu já a fez, seu filho, o Senador Teotônio.
Entregaram-me um requerimento solicitando que lesse da tribuna reivindicações ao Dr. Fernando Henrique. O nosso amigo Senador Eduardo Suplicy já o fez.
Falo, então, com um sentimento muito grande. Falo para demonstrar aquilo que, de certa forma, nós estamos vivendo aqui. Vinte anos se passaram. Eu me lembro - e tem gente falando em organizar a política para ficar não sei quanto tempo no poder - que os generais imaginavam ficar o tempo todo no poder. Criaram uma fórmula tal que a oposição era praticamente impossível. Foi diabólica a fórmula organizada. Do lado de cá formaram o MDB, o partido do "sim"; do lado de lá, a Arena, o partido do "sim senhor".
Quando a Arena começou a criar problemas e dificuldades, instituíram a sublegenda, fórmula altamente competente para que as divergências somassem em vez de diminuir. Foi um processo inédito na política no mundo inteiro, em que as pessoas brigavam, lutavam, mas, ao final, somavam para derrotar o outro lado.
Mas as coisas foram mudando. A imprensa, pobre imprensa da época, vivia sob censura total. São históricas as páginas do jornal O Estado de S. Paulo que serviram para melhorar a cultura de nossa gente. Quantos jovens leram então, talvez pela primeira e única vez, Os Lusíadas , que substituíam os artigos políticos que eram censurados no jornal O Estado de S. Paulo! Quantas mulheres, gente simples, quantas operárias aprenderam a cozinhar com as Receitas de D. Benta, publicadas nas páginas de O Estado de S. Paulo , em substituição aos artigos políticos censurados!
Tantas lideranças cassadas, primeira, segunda e terceira gerações. A sociedade estava sob controle. Creio que este foi o único País do mundo em que a pena para um estudante era a proibição de estudar. O estudante atingido pelo Decreto-Lei nº 477 era proibido de estudar. Ele saía da escola e, durante cinco anos, não podia fazer nada. Havia tortura, violência e arbítrio.
Quando se falava, no MDB, em extinção de partido e voto em branco, quando parecia não haver esperança, a esperança veio, e veio do povo. A esperança brotou e brotou da alma do povo brasileiro. Foram os líderes operários, foi gente como Chico Buarque de Holanda, fantástico, com dois terços das suas músicas proibidos - e as outras não foram censuradas porque os homens da censura não entendiam o que havia nas entrelinhas das letras. (Palmas)
Essa gente teve fé. Centenas de filmes proibidos.
Eu assisti quando levaram a biblioteca de um grande Líder, Percy Abreu Lima, lá do Rio Grande do Sul. Levaram todos os livros, que eram vermelhos, porque eram comunistas. Até a Bíblia se foi, porque não podia estar ali.
Nessa hora, brotou a sociedade; nessa hora, veio a sociedade, veio a gente do nosso povo. O operário, o agricultor, o estudante, o líder sindical, a Igreja, as forças sociais se organizaram. E vamos nós, líderes políticos, dizer com humildade: "Nós caminhamos junto; não caminhamos na frente".
É verdade que Teotônio foi um mártir; é verdade que Teotônio foi um herói. (Palmas.)
Eu me lembro que Roberto Freire, Teotônio e eu fomos juntos a Fortaleza, no Ceará, soltar o último preso político que havia no Brasil. Ele foi solto. Teotônio o abraçava e ambos choravam longamente, porque parecia que o momento estava terminado.
Justiça seja feita, no Brasil, as coisas avançaram; justiça seja feita ao instinto brasileiro, ao nosso povo, à nossa gente, à alma do povo brasileiro, para quem a violência do arbítrio não constitui o sentimento, porque isso não faz parte da nossa formação. Em países da América, em países da Europa, em países por aí afora, de certa forma, existem momentos de radicalismo, de ódio, de raiva, de violência. Isso não faz parte do povo brasileiro. O povo brasileiro é amante da paz, da ordem e do respeito. Talvez amante demais e, por isso, estejam aí a injustiça, a miséria, as incompreensões, que nós, elite, ainda não podemos compreender e respeitar. (Palmas)
Mas esse movimento aconteceu. Ele foi crescendo, avançando, e a própria imprensa começou a vencer o arbítrio da censura. Os próprios homens de Governo se sentiram na obrigação de abrir as portas. Iniciaram cedendo ao debate da censura para evitar o povo nas ruas; tentaram debater a lei para evitar que a sociedade se levantasse; votaram um projeto que não era o ideal, pensando que aquilo resolveria. Mas o avanço foi permanente. De 1979 em diante, até as eleições diretas para o Governo, até a vitória de Tancredo no Colégio, até as eleições diretas, até a convocação da Constituinte, até a democracia, houve uma vitória total.
Hoje poderíamos dizer: estamos vivendo o momento máximo; estamos vivendo o momento máximo, porque, em termos de democracia, a situação está completa; em termos de liberdade de imprensa, está completa; em termos de ir e de vir, está completa; em termos de ter na Presidência da República alguém eleito pelo povo, um ex-anistiado, está completa; mas, em termos de realidade do dia-a-dia, talvez tenhamos que começar tudo de novo. (Palmas.)
Sim! Será que estávamos lutando por anistia contra o arbítrio? Sim, estávamos! Será que estávamos lutando pela anistia daqueles que estavam torturados? Sim, estávamos! Será que estávamos lutando pela anistia daqueles que eram violentados? Sim, estávamos! Será que estávamos lutando pela anistia daqueles que estavam no exílio e voltaram para cá? Sim, estávamos! Será que estávamos nessa caminhada para buscar o poder? Sim, estávamos! Mas estamos nessa caminhada por uma causa que é mais importante, que é a justiça social, que é o nosso homem, que é a nossa gente, que é a alma do sentimento brasileiro. (Palmas)
É isso o que está em jogo. E se é isso, meu ilustre Presidente Fernando Henrique Cardoso, estamos muito atrasados. Senhor Presidente, talvez hoje haja mais fome no Brasil do que na época da ditadura militar! Talvez hoje haja mais favelas no Brasil do que em 1964! (Palmas)
O SR. PRESIDENTE (Antonio Carlos Magalhães) - Peço a gentileza da assistência de manifestar-se em poucas oportunidades, porque é proibido regimentalmente. Evidentemente, não tolher esse direito, mas, ao mesmo tempo, não abusar dele.
O SR. PEDRO SIMON (PMDB-RS) - Agradeço a V. Exª a tolerância democrática. Procurarei também conter-me, para não ser o responsável por essas manifestações e pela infração do Regimento.
Neste momento, o Presidente da República está recebendo a Comissão de Anistia. Que bom se o Presidente da República parasse para pensar.
Duvido que haja alguém neste plenário que não seja admirador da biografia de Fernando Henrique Cardoso, principalmente das obras que Sua Excelência pediu que esquecêssemos e que não conseguimos, porque foram grandes obras, brilhantes. Que bom se Fernando Henrique Cardoso, ao receber a comissão, equacionasse de vez essa causa.
Justiça seja feita, o Secretário José Gregori, dos Direitos Humanos, merece respeito, porque foi o grande responsável pela elaboração de uma lei nota 10, para atender a todo o possível, agradando desde os militares até os radicais e os anistiados. Mas é necessário completá-la, ir até o fim.
Que bom se o Presidente aproveitasse e, ao receber a Comissão de Anistia, recebesse também os agricultores que estão acampados na frente do Palácio, para debater com eles a questão da terra. Seria muito importante que isso acontecesse. Seria muito importante que este País, a maior reserva de terras agricultáveis do mundo, a maior reserva de água doce do mundo e, potencialmente, um dos países onde há mais fome no mundo, pudesse começar o próximo milênio com o Presidente Fernando Henrique decretando - secundando o Presidente Antonio Carlos Magalhães - não digo a extinção da miséria, mas que ela chegasse o mais próximo de zero, restabelecendo a justiça social, que é o que todos desejamos.
Para isso lutamos. Lutamos pela anistia, lutamos pela liberdade, lutamos pela justiça, lutamos pela democracia, mas lutamos por um Brasil que seja justo em todos os lares. E se alguém é sério, se alguém é honesto, se alguém é sincero, se alguém tem alma, se alguém tem sentimento, não pode se considerar nem um vitorioso nem um homem feliz num País onde cerca de 30 milhões de famílias recebem meio salário mensal para sobreviver, meio salário mínimo!
Hoje é um dia de respeito, é um dia de veneração, é um dia de carinho. Este é um dia de profundo respeito. Quero dizer aos senhores, nesta hora e neste momento, que levo um abraço muito fraterno aos que morreram, aos que tombaram, aos que sofreram. Levo um abraço aos que fizeram a violência, eu tenho pena deles. Levo um abraço aos dois lados e também aos que estão aqui. Levo um abraço aos que permanecem na luta, aos que têm a consciência do seu papel.
Entendam, meus irmãos: não é preciso ser Presidente, Governador, Deputado, General ou empresário; basta ser cidadão. Se cada um de nós fizer a sua parte, se cada um de nós colocar o seu tijolo na construção da cidadania real e verdadeira, este será o grande Brasil que desejamos!
Que bom será se, daqui a quatro anos, exatamente na comemoração dos 24 anos da anistia, todos nós nos reunirmos aqui, com o Presidente Fernando Henrique como convidado de honra, para dizermos: "Realmente, agora, sim, existe a anistia, e estamos no caminho certo da verdade e da justiça social!".
Muito obrigado, Sr. Presidente. (Palmas)
T>