Discurso no Senado Federal

CONSIDERAÇÕES CONTRARIAS AS MODIFICAÇÕES PRETENDIDAS PELO GOVERNO NO REGIME DE APOSENTADORIAS DOS TRABALHADORES.

Autor
Emília Fernandes (PDT - Partido Democrático Trabalhista/RS)
Nome completo: Emília Therezinha Xavier Fernandes
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
PREVIDENCIA SOCIAL. POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA.:
  • CONSIDERAÇÕES CONTRARIAS AS MODIFICAÇÕES PRETENDIDAS PELO GOVERNO NO REGIME DE APOSENTADORIAS DOS TRABALHADORES.
Publicação
Publicação no DSF de 21/08/1999 - Página 21779
Assunto
Outros > PREVIDENCIA SOCIAL. POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA.
Indexação
  • COMENTARIO, PRETENSÃO, GOVERNO FEDERAL, ALTERAÇÃO, REGIME, APOSENTADORIA, TRABALHADOR.
  • CRITICA, ALTERAÇÃO, REGIME, APOSENTADORIA, FUNDAMENTAÇÃO, CALCULO, EXPECTATIVA, VIDA, APOSENTADO.
  • CRITICA, POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA, GOVERNO FEDERAL, DESTINAÇÃO, RECURSOS FINANCEIROS, BANCOS, EMPRESA INTERNACIONAL, EFEITO, INJUSTIÇA, PRECARIEDADE, SITUAÇÃO, POVO, PAIS.

A SRª EMILIA FERNANDES (Bloco/PDT-RS. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, ao longo dos últimos dias, foi levantada uma série de suposições, de expectativas e até mesmo de dúvidas em relação à regulamentação das modificações realizadas no regime de aposentadoria, principalmente no setor privado. O Governo já anunciava o que agora está se tornando mais claro: sua intenção no que se refere à aposentadoria dos trabalhadores brasileiros, homens e mulheres.  

As mudanças anteriormente feitas na Constituição Federal já haviam cortado uma série de direitos dos trabalhadores, como, por exemplo, a aposentadoria por tempo de serviço, substituída hoje pelo tempo de contribuição, o que sabemos será um empecilho a mais para a aposentadoria de inúmeros trabalhadores. Esperava-se que essa regulamentação anunciada pelo Ministério da Previdência viesse definir mais claramente as regras do jogo, a fim de que os trabalhadores, homens e mulheres, tivessem uma visão ampla de seus direitos e de suas garantias, pudessem ter uma perspectiva de futuro, visto que a aposentadoria é um direito de todos os que trabalham, produzem e ajudam a construir este País.  

Entendíamos que essa regulamentação, em primeiro lugar, respeitaria os limites impostos pelas alterações anteriores aprovadas no Congresso Nacional. Os parlamentares se manifestaram e mudaram as regras, algumas contrárias à posição que defendemos. Mas o Congresso Nacional estabeleceu as regras. Então, na regulamentação, o que o Governo Federal deveria fazer? No mínimo, respeitar aquilo que o Congresso Nacional decidiu e não extrapolar ou burlar o que está estabelecido na lei.  

Nesse meio tempo, o Governo deu ampla divulgação a uma suposta política de "estímulo" para quem retardasse a sua aposentadoria, como se isso fosse um avanço para os trabalhadores.  

Qual não foi a nossa surpresa ao analisarmos a proposta que está sendo feita e que está sendo divulgada pela imprensa! Os jornais de ontem estamparam a verdadeira realidade dos fatos, mostrando que o "estímulo" anunciado pelo Governo não passa de uma grande enganação.  

O projeto apresentado pelo Executivo introduz duas mudanças fundamentais, que alteram significativamente, com grande prejuízo, as regras do jogo, as duas medidas relacionadas ao cálculo dos benefícios. Uma delas elimina a média dos últimos 36 meses de contribuição para efeito de cálculo dos benefícios, passando a utilizar uma média das contribuições a partir de julho de 1994 - mês em que houve a implantação do real como moeda -, o que acarretará perdas para os trabalhadores.  

A outra medida, ainda mais grave, é a que cria um número chamado de Fator Previdenciário, que, aplicado sobre o benefício básico, definirá o valor final das aposentadorias.  

Esse Fator Previdenciário, segundo o projeto do Governo Federal, será calculado a partir da idade do trabalhador ao se aposentar, do seu tempo de contribuição e de sua expectativa de "sobrevida". Vejam bem que incorporaram a palavra "sobrevida", que, para mim, é totalmente injusta, porque, dessa forma, a aposentadoria é considerada como um período de sobrevivência, um período em que se consegue sobreviver à morte.  

De acordo com essa fórmula mirabolante imposta pelo Governo, a idade e o tempo de contribuição fazem o Fator crescer, enquanto a maior expectativa de "sobrevida" faz esse índice cair, ou seja, pela nova regra, terá um benefício maior quem se aposentar mais tarde, com mais idade, com mais tempo de contribuição e, conseqüentemente, com menor expectativa de "sobrevida" após a aposentadoria.  

Esse é o raciocínio utilizado, para que o trabalhador analise toda a sua vida e pense que, a partir da sua aposentadoria, no mínimo, obterá um salário para viver de forma mais digna e tranqüila, com as condições que são dadas a todas as pessoas que prestaram sua contribuição em qualquer país civilizado.  

Por outro lado, segundo a mesma regra, ganharão menos aqueles trabalhadores que se aposentarem com menos idade e, portanto, com maior expectativa de "sobrevida". Então, aquele com maior expectativa de vida deve ficar atento, porque vai ganhar menos que outro com menor expectativa de vida. Esse é o raciocínio das pessoas que decidem sobre a vida do povo brasileiro, do trabalhador. Essa é uma visão insensível e injusta!  

Essas regras, de acordo com o projeto do Governo, valem, inclusive, para quem está no mercado de trabalho, com o claro objetivo oficial de economizar às custas do trabalhadores. Mexem em direitos adquiridos. As regras do jogo são mudadas de uma hora para outra. E as novas regras passam a valer não somente para quem ingressa no mercado, como também para quem já está nele e perde, com isso, seus direitos e suas garantias.  

Na verdade, a proposta apresentada e defendida pelo Ministro da Previdência, pelo Governo Federal, que incorpora o pensamento do Presidente da República, é uma tentativa, eu diria, maquiavélica de impor uma idade mínima para aposentadoria de 60 anos para homens e de 55 anos para mulheres. Essa proposta já foi derrotada por três vezes na Câmara dos Deputados. O Governo tentou aprová-la, mas o Congresso Nacional, por meio dos parlamentares que representam o pensamento da grande maioria do povo brasileiro, disse não. Agora, o Governo busca uma forma esperta, absurda, de impor a idade mínima: dependendo da idade, o salário será maior ou menor. Aí está colocada a idade mínima, a qual foi rejeitada pelo Congresso Nacional.  

O Governo está divulgando que dará um estímulo para que as pessoas continuem trabalhando, mas, na realidade, a proposta corta o direito adquirido dos trabalhadores de se aposentarem aos 35 anos de contribuição, no caso dos homens, e aos 30 anos, no caso das mulheres. Esse é um estímulo perverso e absurdo.  

Ao requerer a aposentadoria dentro desses tempos mínimos de contribuição, o valor pago pelo INSS sofrerá uma redução, que poderá chegar, em determinadas situações, a até cerca de 45% do salário a que o trabalhador teria direito ao se aposentar.  

A absurda regra prevê que, para garantir o valor integral a que têm direito aos 30 e 35 anos de contribuição, o homem e a mulher terão que trabalhar mais, ou seja, não adianta contribuir durante todo esse tempo previsto em lei, porque o salário será menor.  

É uma afronta pretender que os trabalhadores tenham que trabalhar mais para não ver reduzido o valor de suas aposentadorias, mesmo depois de cumprir o tempo de contribuição.  

Isso significa que se está penalizando inclusive quem começou a trabalhar mais cedo, quem se expôs ao mercado de trabalho, em muitos casos, ainda na juventude, com prejuízos físicos, educacionais - pessoas há que não puderam levar adiante os seus estudos porque precisavam trabalhar para sustentar a família. Hoje contribuem, provam que se enquadraram nas normas ditadas pelo Congresso, mas isso não é suficiente, o Governo ainda quer impedir que essa pessoa possa usufruir desse direito.  

Srª Senadora e Srs. Senadores, há o caso particular das mulheres. Vejam bem, a denúncia está clara, os meios de comunicação estamparam ontem, inclusive em manchete, que a aplicação das novas regras, no caso específico das mulheres, resulta em prejuízos ainda muito maiores. Na prática, acaba com o direito de as mulheres se aposentarem cinco anos antes e com os mesmos benefícios do homem, orientação essa que está em vigência no Brasil desde 1920.  

Segundo o projeto do Governo, para manter o valor integral das aposentadorias, após 30 anos de contribuição, as mulheres terão que trabalhar e contribuir até nove anos mais - vejam que não somos nós que dizemos, mas os meios de comunicação. E aí perguntam por quê. Diz a matéria:  

Isso ocorre porque a nova fórmula de cálculo das aposentadorias resulta em valores menores em relação aos critérios atuais para quem pede o benefício com menos tempo de contribuição e idade.  

Para ter idéia da perda, basta comparar as perdas da mulher em relação ao homem, com renda na faixa de três salários mínimos, que se aposentam no momento em que adquirem o direito - 48 anos a mulher e 53 anos, o homem, com tempo de contribuição de 30 e 35 anos, respectivamente. Pelas regras atuais, ambos teriam benefício de R$391,51. Pela nova proposta, a aposentadoria da mulher cai para R$209,26, com redução de 46,55%; a do homem ficaria em R$299,15, com queda de 23,59%.  

Ou seja, para aposentar-se com benefício igual ao do homem, de R$299,15, a mulher precisaria trabalhar mais cinco anos. Para aposentar-se com o benefício inicial igual ao que seria obtido com o cálculo atual de R$391,51, a mulher teria de trabalhar mais nove anos.  

Sr. Parlamentares, particularmente no que diz respeito às mulheres, é um crime tentar romper com essa diferenciação, que foi conquista nossa, que não é privilégio, é justiça. Digo sempre que se trata de uma dívida social que temos, pelas condições de trabalho impostas às mulheres, pela dupla ou até tripla jornada de trabalho, pelas suas sobrecargas diárias. Mesmo trabalhando fora, para a mulher existem os cuidados com a casa, a família, a educação dos filhos.  

Essa situação, que vem à tona exatamente nesta semana, é mais uma evidência não apenas da crise econômica, mas da crise de valores que tomou conta do atual Governo Federal, que permanece insensível diante da manifestação dos produtores, mas que massacra os trabalhadores com regras profundamente injustas e desiguais.  

Enquanto se tenta cortar ainda mais direitos dos trabalhadores, das mulheres, dos aposentados, o Banco Central, por exemplo, acena com mais facilidades e reduções de taxas e impostos para atrair o capital especulativo.  

Ao mesmo tempo em que se tenta aplicar esses golpes nos trabalhadores, sob o pretexto de fazer economia, pagam-se taxas de juros que produzem superlucros para os cofres dos bancos. Os que produzem, como os milhares de agricultores mobilizados aqui em Brasília, são chamados de caloteiros e ouvem dizer que o projeto que estão propondo é inconstitucional, que tem que ser derrubado. No entanto, o sistema financeiro é digno de receber mais de R$20 bilhões para socorrer bancos, como vimos, em sua grande maioria mal geridos e até falidos.

 

Diz-se que as reivindicações dos agricultores, dos trabalhadores são inconstitucionais, porque podem quebrar o Brasil. Mas esses rombos, esses desvios, esse tratamento diferenciado que se dá ao sistema financeiro é para dar equilíbrio, para manter a situação do Brasil diante do quadro internacional!  

Em resumo, a nova investida contra os aposentados traduz a verdadeira face do atual Governo, que faz "economia" com o sofrimento do povo e investe contra direitos adquiridos, enquanto distribui recursos públicos para bancos e grandes empresas internacionais.  

Ainda quero registrar, antes de concluir, uma visão muito clara de uma jornalista gaúcha, Rosane de Oliveira, que escreveu no jornal Zero Hora uma matéria intitulada "Pá de cal".  

Vou ler apenas uma parte da matéria, porque é extensa. Diz ela:  

Um inimigo do Presidente Fernando Henrique Cardoso não teria inventado fórmula tão eficaz para empurrar ladeira abaixo o pouco que resta da sua popularidade.  

Mais adiante:  

(...) À luz do dia, o projeto que muda o cálculo das aposentadorias é mais assustador do que parecia na bruma da apresentação oficial para os partidos.  

As tabelas confirmam que o "estímulo para retardar a aposentadoria" não era um simples eufemismo. Era engodo mesmo. A fórmula proposta reduz o valor do benefício para os homens que quiserem se aposentar com 35 anos de contribuição (...) e tiverem expectativa de mais alguns anos pela frente. "Sobrevida", na linguagem dos autores do cálculo previdenciário.  

É cruel até a palavra escolhida (...).  

Srs. Senadores, vejam então que não é por acaso que está havendo toda uma movimentação de inconformidade neste País. Estão aí os trabalhadores, os produtores; na semana que vem, o movimento em Brasília engrossará com a chegada dos sem-terra, dos sem-emprego, dos professores, dos estudantes.  

Enfim, o que estamos vendo? Um Governo que se apresenta com uma política totalmente insensível, que penaliza o ser humano na sua essência, na sua dignidade, na medida em que avilta salários e os congela.  

Sobre os funcionários públicos nem falamos mais, porque tentaram desmoralizar ao máximo a categoria, fragilizaram a sua relação com a sociedade. Justificam os desmandos e a falta de dinheiro com a presença dos inúmeros marajás no País.  

Os serviços públicos estão sendo constantemente agredidos. Os funcionários públicos têm os salários congelados há cinco anos, mas sofrem as conseqüências de todo tipo de reajuste: energia, telefone, combustível, etc.  

Na proporção inversa do isolamento do Governo, do desgaste que sofre o Governo, expresso inclusive nas pesquisas de opinião, a sociedade brasileira manifesta que está saturada dessa política, que o País precisa de um novo rumo ou que precisa de nova gente para governá-lo.  

Um fato importante: a sociedade brasileira está avançando na direção de que a união é fundamental. Essa é uma visão importante. Há quem critique o fato de o PDT, o PT, o PFL, o PMDB estarem com os agricultores - além de outros partidos. Mas temos certeza de que as Oposições, neste País, estão agindo com sinceridade nessa questão.  

Se mais vozes se levantarem, pode ser que os ouvidos insensíveis desses tecnocratas da economia consigam ouvir. Mas queremos ver na hora do voto; quero observar como a Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania vai decidir e votar a questão dos agricultores, como é que vão votar os representantes dos partidos e, quando a matéria vier ao plenário, como vão votá-la.  

Então, esse sentimento de união que está crescendo no povo brasileiro, é claro que é de desencanto, mas é de esperança. É a união de quem acredita que essa crise pode ser superada, à medida em que se encontrarem saídas econômicas, sociais e políticas, mostrando um novo rumo para a justiça, igualdade e, principalmente, para o respeito ao ser humano.  

Srª Presidente Maria do Carmo, que nos honra com sua presença na Presidência da sessão, concluo com a certeza de que a sociedade, os trabalhadores, o Congresso Nacional, que é escolhido pelos eleitores, pelo povo, pela gente sofrida do interior do País, não deixarão passar mais este golpe que desrespeita o direito dos trabalhadores, que joga os aposentados por aí, sobrevivendo com qualquer salário, porque tudo que puder o Governo vai lhes tirar.  

Que busquem outra palavra para substituir "sobrevida", a fim de que, no mínimo, possamos dizer que a aposentadoria não é, como não pode ser, sinônimo de sobrevivência ou de confisco, mas sim de agradecimento àqueles que ajudaram a construir o País.  

No que se refere à questão dos prejuízos causados pela aposentadoria, temos um compromisso com todos os trabalhadores, mas em especial com as mulheres. A Bancada feminina do Congresso Nacional, Deputadas e Senadoras, já está sendo chamada para que se estabeleça um grande debate desse assunto e de outras questões, porque temos certeza de que devemos alertar as mulheres brasileiras de que se trata de mais um golpe contra nossa luta árdua e as conquistas que já obtivemos.  

Agradeço a atenção de todos, tentando trazer à reflexão e ao debate mais Parlamentares da Casa, na busca de uma saída.  

A regulamentação está vindo para o Congresso Nacional que, portanto, deve dizer se vai admiti-la ou não. No entanto, o próprio Governo Federal não deve e nem necessita expor o Congresso Nacional, tentando aprovar aquilo que estas Casas já rejeitaram, ou seja, o estabelecimento de idade mínima para a aposentadoria.  

Espero que os novos ares de Brasília, na próxima semana, impregnados pelo cheiro e pela presença do povo que virá de todas as partes do País, tornem o coração das pessoas que compõem o Governo Federal mais sensível e mais humano.  

Muito obrigada.  

 

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Este texto não substitui o publicado no DSF de 21/08/1999 - Página 21779