Discurso no Senado Federal

APOIO AS REIVINDICAÇÕES DO MOVIMENTO DOS TRABALHADORES RURAIS.

Autor
Lúdio Coelho (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/MS)
Nome completo: Lúdio Martins Coelho
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA AGRICOLA.:
  • APOIO AS REIVINDICAÇÕES DO MOVIMENTO DOS TRABALHADORES RURAIS.
Aparteantes
Jefferson Peres, Leomar Quintanilha.
Publicação
Publicação no DSF de 21/08/1999 - Página 21771
Assunto
Outros > POLITICA AGRICOLA.
Indexação
  • APOIO, MANIFESTAÇÃO, PRODUTOR RURAL, PRAÇA DOS TRES PODERES, BRASILIA (DF), DISTRITO FEDERAL (DF), OBJETIVO, REIVINDICAÇÃO, RENEGOCIAÇÃO, JUROS, DIVIDA AGRARIA.
  • COMENTARIO, INEFICACIA, SISTEMA, ARRENDAMENTO RURAL, EFEITO, PRECARIEDADE, SITUAÇÃO, PRODUTOR RURAL.

O SR. LÚDIO COELHO (PSDB-MS. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, estou nesta tribuna para tratar de um assunto atual: a marcha dos agricultores sobre Brasília.  

Ontem à noite, transitei entre os companheiros agricultores que estão na Capital. Penso, Srs. Senadores, que suas reivindicações devem ser examinadas cuidadosamente, considerando o quadro da agricultura brasileira e a situação do nosso País. Suponho que, se não encontrarmos uma solução viável, acentuaremos a transferência de agricultores para as cidades.  

Está ocorrendo um fenômeno interessante no Brasil: enquanto o Governo Federal faz um esforço enorme para realizar a reforma agrária, a política econômica do Governo torna inviável a atividade agrícola, transferindo permanentemente agricultores para as periferias das cidades e procurando assentar pessoas não qualificadas para a atividade agrícola.  

Muitos pensam que agricultura é uma profissão para qualquer pessoa, mas isso é um equívoco. Agricultura é uma atividade que exige muita competência e muita persistência. O agricultor brasileiro, na minha avaliação, é um herói, se considerarmos o que está acontecendo nas demais nações. Nos Estados Unidos e, principalmente, no Mercado Comum Europeu, os subsídios à agricultura são enormes. Aqueles países possuem uma estrutura de transporte muito adequada, praticam financiamentos a juros irrisórios e em certas regiões da Europa o lucro do agricultor é praticamente o subsídio.  

Agora há gente na Esplanada dos Ministérios que viajou mais de 2.500 quilômetros para chegar aqui. O País não possui uma estrutura de navegação para transportar cereais, ferrovias praticamente não existem neste grande Brasil, as rodovias estão em péssima situação e nós praticamos os juros mais violentos do mundo. Então é necessário que os responsáveis pela Nação entendam essa situação.  

Asseguro que os casos de desvio de financiamentos, como a grande imprensa está noticiando, são muito raros e os órgãos de crédito, Banco do Brasil, BNDES e Banco do Nordeste, têm uma estrutura competente para verificar os desvios de financiamentos.  

Ontem, numa entrevista aqui no Senado, ainda sugeri às autoridades competentes que examinassem a possibilidade de receber um valor simbólico dos devedores de até dez mil reais. Dez mil reais não dão para assentar um sem-terra. Então, se a Nação fizesse um esforço para manter esses pequenos agricultores no campo, profissionais da área, tirasse esses agricultores do Serasa e do cadastro de inadimplência, com muito poucos recursos, seria um ato de sabedoria, na minha avaliação.  

Essa massa de agricultores que deve até dez mil reais teria um começo de vida novamente, porque a produção nessas pequenas áreas de cinco, dez, vinte hectares, na maioria dos lugares do nosso País, não é suficiente nem para a manutenção da própria família. As pessoas plantam uma mandioca, um quiabo, uma bananeira, mas não produzem quase nada para vender a ninguém. Eles produzem o essencial para a sua alimentação.  

Creio que os agricultores com débito de até trezentos mil, que é a grande massa, a dívida deveria ser negociada, parcelada. E os grandes agricultores, com financiamentos acima de quinhentos mil, seriam tratados individualmente. As áreas responsáveis do Governo examinariam cuidadosamente cada financiamento, porque não representam um número muito grande de financiados.  

Estou preocupado com a situação do nosso País. Tenho andado muito. A Nação está nervosa, está insegura. Estamos mais ou menos sem rumo. Estou pensando que as lideranças maiores do nosso País necessitariam dizer à população do Brasil como estão as coisas. Estamos passando por um período de grandes incertezas. Não estamos com nenhuma perspectiva de crescimento do Produto Interno Bruto.  

O Sr. Jefferson Péres (Bloco/PDT-AM) - Permite-me V. Exª um aparte, Senador Lúdio Coelho?  

O SR. LÚDIO COELHO (PMDB-MS) - Com muito prazer, Senador Jefferson Péres.  

O Sr. Jefferson Péres (Bloco/PDT-AM) - Senador Lúdio Coelho, eu iria ocupar a tribuna daqui a pouco para abordar essa momentosa questão dos produtores rurais, mas já que não vou poder, porque sairei daqui para o aeroporto, permita-me tomar uma carona para fazer alguns comentários a respeito deste assunto. Esta questão dos produtores, a meu ver, é emblemática sob muitos aspectos, Senador Lúdio Coelho. Em primeiro lugar, mostra como o atual Governo é triunfalista na medida em que, por exemplo, há poucos meses, anunciava com muita ênfase a safra agrícola recorde deste ano; parecia, portanto, ignorar que essa safra estava sendo conseguida em cima de produtores rurais em grande parte semifalidos. Como o Governo deixou que isso se agravasse a ponto de esses produtores serem obrigados a vir a Brasília, nesta marcha, sem antes tomar medidas e buscar promover negociações, para chegar a um entendimento?. Vejo, por outro lado, uma imprensa também equivocada, até em questões conceituais, à medida em que chama todos os grandes produtores rurais de latifundiários. Ora, latifúndio é um conceito sócio-econômico. Todo latifúndio é uma grande propriedade, mas nem toda grande propriedade é latifúndio. Latifúndio é a grande propriedade atrasada, na qual vigem relações de trabalho semifeudais e técnicas de produção atrasadas. Latifúndios eram os grandes seringais da Amazônia, eram os grandes cacauais do Brasil e eram, no passado, os grandes canaviais do Nordeste e os cafezais de São Paulo. Uma grande propriedade rural, Senador Lúdio Coelho, produtores de soja e de trigo, por exemplo, que usa máquinas agrícolas sob o regime do salariato não é um latifúndio. É uma grande empresa capitalista no campo, uma grande propriedade moderna. Não é absolutamente um latifúndio. A imprensa parece ignorar isso e chama os grandes produtores de latifundiários, o que já é um estigma para descaracterizar o movimento. Por outro lado, Senador Lúdio Coelho, preocupam-me as duas posições radicais: de um lado, a dos que querem simplesmente um calote generalizado, praticamente um perdão das dívidas, o que é uma posição inaceitável; de outro lado, os que pensam que todos são caloteiros e que não querem pagar. Creio que o bom senso deva prevalecer. É preciso dar um tratamento caso a caso, quem sabe fazer uma auditagem das dívidas, como sugeriu ontem o Senador Blairo Maggi. De qualquer modo, o certo é separar o joio do trigo, verificar quem é quem e dar um tratamento justo, pois pensar que essa situação é fruto de grandes produtores que simplesmente não querem pagar suas dívidas, porque são desonestos e aproveitadores, é um equívoco brutal. Por outro lado, dar simplesmente uma redução linear de 40% a todos também não é uma solução equânime. A meu ver, o bom senso há de prevalecer, com uma solução justa para a agricultura, uma grande sacrificada, sim. A agricultura, pela importância que tem para o País, como geradora de empregos e de divisas, poupadora de divisas, na medida em que evita importações, e por ser uma atividade de alto risco em toda parte, deveria ser subsidiada se o País tivesse superávit em suas contas, como ocorre na Europa. Só não defendo subsídio à agricultura porque as contas públicas já estão estouradas. Do contrário, seria justo, porque o setor agrícola é vital para este e para qualquer outro país. Muito obrigado pela sua paciência comigo.  

O SR. LÚDIO COELHO (PSDB-MS) - Senador Jefferson Péres, em primeiro lugar, desejo a V. Exª uma boa viagem para o nosso Amazonas.  

Foram muito oportunas as colocações que V. Exª fez. A grande imprensa trata os ruralistas como se a maioria deles fossem pessoas desonestas. O Governo do eminente Presidente Fernando Henrique Cardoso, no Plano Real, fortaleceu a idéia de que somente na agricultura e na pecuária brasileira não deve haver exploração de escala. Como em todas as demais atividades do mundo, assistimos a fusões de empresas todos os dias, nos mais variados ramos de atividades do Brasil e do mundo. Na idéia dos dirigentes do País, entretanto, a agricultura tem de ser pequena. Os grandes proprietários são marcados como se fossem pessoas desonestas, que exploram a coletividade.  

A produção extensiva é importante, principalmente a produção agrícola brasileira. Como um agricultor, a 2 mil quilômetros daqui - como esse pessoal que está aqui, vindo de Sinópolis, de Chapadão do Sul e de Sorriso, norte do meu Estado, o Mato Grosso -, vai explorar propriedades de 25 ou 30 hectares? Só quem não tem a mínima noção do que é atividade agrícola pode pensar uma bobagem como essa.  

São milhares de pequenos agricultores, e, se o Poder Público não tiver sensibilidade para resolver esse problema, vamos assistir à transferência desse pessoal para a cidade, e a Nação gastando recursos com pessoas despreparadas para a agricultura. Formam-se, então, as centenas de assentamentos que existem por esse nosso Brasil e que não viram nada. Conversando com o bispo, em Campo Grande, dizíamos que é um procedimento anticristão fazer esses assentamentos dessa maneira, porque é uma tristeza levar pessoas desatualizadas e despreparadas para viver no mato, sem conforto e sem assistência. Só quem nunca viveu no mato pratica atos dessa natureza.  

O Sr. Leomar Quintanilha (PPB-TO) - Permite-me V. Exª um aparte, nobre Senador Lúdio Coelho?  

O SR. LÚDIO COELHO (PSDB-MS) - Ouço, com prazer, o aparte do nobre Senador Leomar Quintanilha.  

O Sr. Leomar Quintanilha (PPB-T0) - Agradeço a atenção de V. Exª, permitindo-me dar uma modesta contribuição ao raciocínio prudente, consciente, amplo e inteligente que V. Exª traz a esta Casa nesta manhã. Na verdade, essa preocupação nos assalta também. Essa horda de rotos e famintos que integram o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra são levados para o campo nas condições que V. Exª muito bem está colocando, a maioria deles sem aptidão alguma para vivenciar a atividade agrícola, desconhecendo as reações da convivência com a terra e absolutamente impossibilitados, por esse desconhecimento, de extrair da terra condições de sobrevivência - suas e de sua família. Há outras conseqüências, Senador Lúdio Coelho. Via de regra, os assentamentos estão sendo feitos sem qualquer combinação com os prefeitos. E sem a infra-estrutura necessária, os novos assentamentos transformam-se numa demanda intensa aos Municípios, cujas receitas já estão extremamente combalidas; requerendo o sistema de educação - o que é muito justo -, requerendo atendimento adequado de saúde - o que é muito justo -, requerendo infra-estrutura viária - o que é muito justo -, requerendo comunicação, requerendo energia elétrica. Aliás, toda essa demanda é muito justa. Mas os Municípios estão preparados? Os Municípios foram avisados? Fica essa quantidade de pessoas num novo modo de viver, desassistidas, e os Municípios sem a possibilidade de socorrê-las. Não têm. Os Municípios, como V. Exª bem sabe, estão passando também por um momento muito difícil, em razão do reajustamento das suas contas, com a cobrança de dívidas anteriores de prefeitos e gestores inadimplentes, principalmente com as dívidas junto à União, ao FGTS e ao INSS. Isso onerou sobremodo o orçamento já restrito dos Municípios, além do que fez o FEF, que também lhes retirou receita. E acaba agravando ou, senão agravando, não oferecendo aos Municípios a condição necessária para dar o apoiamento a esses assentamentos. Concordo, também, com o raciocínio de V. Exª: não é correta a forma como está sendo tratada a agricultura brasileira, já que esta não pode ser tratada apenas como uma atividade econômica qualquer, pois é uma atividade especial, uma atividade de alto risco. É uma atividade da qual nós não podemos prescindir, Senador, porque nós vivemos um dia, dez dias, trinta dias, sem paletó, sem caneta, sem sapatos, sem automóvel, mas não vivemos uma semana, duas semanas, sem alimento. A agricultura provê o ser humano de um elemento essencial à vida, que é o alimento. Por essa razão, principalmente por essa razão, a agricultura deveria merecer uma atenção toda especial. Por outro lado, há a evocação de que a agricultura brasileira é caloteira. Se as instituições financeiras não tiverem condições de separar o caloteiro do ordeiro, são incompetentes. E não é possível - não é possível, repito - nós imaginarmos que esse volume tão grande de produtores, pequenos e grandes, sejam todos caloteiros. Tomando tal assertiva como verdadeira, estaremos enganando quem? Não é possível nós imaginarmos que todos que têm dificuldades para acertar suas contas sejam caloteiros. Nós sabemos que isso não é verdade. Nós sabemos que a agricultura vem passando por dificuldades enormes, principalmente em decorrência dos sucessivos planos econômicos, que acabaram provocando um descasamento entre o resultado da agricultura e o saldo do seu endividamento. V. Exª traz à tona uma discussão que precisa ser ampliada. O clamor do campo precisa ser ouvido. O Governo tem se esforçado para acertar - veja a securitização, o programa de alongamento da dívida -, mas esse esforço é insuficiente, Senador. É insuficiente! Nós ainda não equacionamos esse problema. Entendo que o raciocínio que V. Exª traz é pertinente, é oportuno e deve merecer toda a nossa atenção e a atenção do Governo. Parabenizo, portanto, V. Exª pelo tema que traz a debate e me solidarizo com as suas pretensões.

 

O SR. LÚDIO COELHO (PDSB-MS) - Muito obrigado a V. Exª, nobre Senador Leomar Quintanilha. V. Exª, lá do Tocantins, conhece perfeitamente a situação.  

V. Exª se referiu às dificuldades dos prefeitos em atender aos assentamentos. Há poucos dias, lá no meu Estado, no município de Angélica, houve um problema entre os assentados e a nossa Prefeita Marieta Pereira de Souza. Ela ficou de mandar um ônibus que pegaria as crianças dos moradores e dos assentados, mas isso não foi possível. Os assentados, então, se revoltaram, invadiram a prefeitura e quebraram todos os seus móveis. Em conseqüência disso, a Prefeita Marieta Pereira de Souza foi internada em estado de choque. Fazem esses assentamentos sem pensar no crescimento da demanda por educação, saúde e transporte, que acaba onerando demais as prefeituras; os prefeitos não têm condições de atender essa demanda.  

Quero ainda me referir a um outro tema. Para viabilizar diversos tipos de atividade, lança-se mão do arrendamento ou do aluguel - na área agrícola e na própria cidade. A maioria das empresas não tem prédios próprios, elas os alugam. Existe uma quantidade enorme de arrendatários no nosso País que não têm a terra e a aluga por preços adequados para praticar suas atividades. Essa classe está em extinção, quero comunicar aqui. Hoje está quase extinto o mecanismo de arrendamento em nosso País, porque a conta de resultado é tão baixa, que não há condições de sobrevivência para quem dele se utiliza.  

Diante dessa situação, encontro-me nesta tribuna do Senado com o objetivo de transmitir - já que não somos convidados para tratar desses assuntos - a Sua Excelência, o Presidente Fernando Henrique Cardoso, a nossa opinião, que é no sentido da grande conveniência de se promover um entendimento com a classe agrícola brasileira.  

A Nação está em dificuldades, mas não nos mudaremos do nosso País. A família brasileira não vai mudar-se do Brasil. O nosso Produto Interno Bruto está caindo, como falei, as nossas exportações não reagem, estamos tendo déficits na balança de pagamentos, as despesas públicas não diminuem. A arrumação dessa situação depende da classe política, mas depende, sobretudo, da vontade da família brasileira. Precisamos entender a situação do nosso País. Quando um país se vê em dificuldades, deve seguir os mesmos princípios seguidos por uma família em igual situação. Quando uma família enfrenta dificuldades, vê piorarem suas condições de vida. O mesmo ocorre com um país.  

Temos que reduzir os nossos gastos públicos a qualquer custo. Vamos oferecer à família brasileira a saúde, a educação, a segurança e a justiça que os nossos recursos permitem. Não adianta falarmos em saúde de Primeiro Mundo com renda de Terceiro. É necessário que a família brasileira se envolva nesse comportamento, é necessário que ela queira recuperar a Nação brasileira. Não tem outro caminho. E é necessário que o Presidente da República fale com clareza à Nação brasileira sobre o que está acontecendo, para não chegarmos a um momento de impasse.  

Avalio que o País pode chegar a um momento de ingovernabilidade, tamanha é a insegurança da família brasileira, a sua falta de perspectivas. Essas quedas de apoio ao Presidente Fernando Henrique Cardoso refletem uma realidade que pode se agravar até chegarmos a um impasse.  

Era esse o sentido do pronunciamento que queria fazer aos nossos companheiros do Senado: que façamos um esforço para encarar com espírito prático a situação atual do País, que trabalhemos na redução de gastos, porque essa desvalorização do Real é um fato. O que temos visto acontecer nesses dias é conseqüência da fragilidade da economia brasileira, não é decorrência de crises em outros lugares - qualquer crise que acontece no mundo, o valor do Real cai. Mas esses reflexos são momentâneos, pois a persistente desvalorização do Real é conseqüência da fragilidade da economia brasileira: é que o Real caiu na real após a sua desvalorização.  

Muito obrigado.  

 


Este texto não substitui o publicado no DSF de 21/08/1999 - Página 21771