Discurso no Senado Federal

COMENTARIOS SOBRE O ELEVADO INDICE DE INTOXICAÇÃO DA POPULAÇÃO AMAZONICA POR MERCURIO.

Autor
Tião Viana (PT - Partido dos Trabalhadores/AC)
Nome completo: Sebastião Afonso Viana Macedo Neves
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SAUDE.:
  • COMENTARIOS SOBRE O ELEVADO INDICE DE INTOXICAÇÃO DA POPULAÇÃO AMAZONICA POR MERCURIO.
Aparteantes
Gilberto Mestrinho.
Publicação
Publicação no DSF de 24/08/1999 - Página 21938
Assunto
Outros > SAUDE.
Indexação
  • GRAVIDADE, INDICE, CONTAMINAÇÃO, MERCURIO, POPULAÇÃO, REGIÃO AMAZONICA, NECESSIDADE, URGENCIA, PROVIDENCIA, MINISTERIO DA SAUDE (MS), TRATAMENTO, PREVENÇÃO, PROTEÇÃO, HABITANTE.
  • COMENTARIO, EXISTENCIA, TOXICIDADE, MERCURIO, POPULAÇÃO, ESTADO DO ACRE (AC), FALTA, PROXIMIDADE, GARIMPAGEM, REGISTRO, PESQUISA CIENTIFICA, Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (EMBRAPA).
  • DENUNCIA, EXTRATIVISMO, OURO, UTILIZAÇÃO, MERCURIO, PREJUIZO, MEIO AMBIENTE, APREENSÃO, OPINIÃO PUBLICA, AMBITO INTERNACIONAL.
  • CRITICA, FALTA, APLICAÇÃO, PUNIÇÃO, LEGISLAÇÃO, CRIME CONTRA O MEIO AMBIENTE.

O SR. TIÃO VIANA (Bloco/PT - AC. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, a Amazônia tem sido mundialmente exaltada por sua extrema beleza, um meio ambiente tão fantástico que atrai o mundo inteiro. Portanto, a luta por sua preservação ambiental tem um grande significado para os que falam por ela.  

Refiro-me, especificamente, à intoxicação por mercúrio na Amazônia. Pouco falado, pouco discutido, esse assunto é profundamente intrigante para a comunidade científica internacional e precisa de uma resposta rápida e objetiva, pois é uma ameaça concreta à população que vive naquela região. Os estudos feitos pelo Instituto Evandro Chagas do Pará, órgão laboratorial oficial do Ministério da Saúde, e por todas as frentes científicas que lá atuam têm apresentado um grave índice de contaminação por mercúrio na população da Amazônia.  

Por isso, há a urgência de uma resposta científica e adequada, para que se possa tanto conter a contaminação daqueles já infectados como partir para uma campanha de prevenção e proteção da população amazônica. Devemos considerar essa preocupação e o Ministério da Saúde deve dar uma atenção muito maior aos problemas de intoxicação por mercúrio na região.  

Há uma intriga científica em relação à contaminação e uma polêmica entre a Embrapa, o Instituto Evandro Chagas, geólogos e médicos que lá atuam, para a qual não há uma resposta. O que se sabe é que há um altíssimo índice de contaminação de mercúrio tanto na população vizinha às áreas de garimpo como em populações que não têm qualquer convívio com essas áreas, como é a população do Estado do Acre.  

O Sr. Gilberto Mestrinho (PMDB - AM) - Senador, permita-me um aparte?  

O SR. TIÃO VIANA . (Bloco/PT - AC) - Com muito prazer, Senador Gilberto Mestrinho.  

O Sr. Gilberto Mestrinho (PMBD - AM) - Senador Tião Viana, V. Exª tem razão. É preciso verificar, saber, técnica e cientificamente, qual a causa da contaminação por mercúrio. Houve tempo em que pensavam que era conseqüência do garimpo, mas, como V. Exª disse, áreas em que não há nem nunca houve garimpagem têm o mercúrio. Falaram que estaria ocorrendo o Mal de Minamata e, depois, verificaram que não. Cientistas japoneses chegaram à conclusão de que não há nenhuma influência, na ocorrência de contaminação por mercúrio, do trabalho desenvolvido por garimpeiros em certas regiões da Amazônia. O que acontece na região - e eu já vi isto por trás da nascente do Urubu, perto de Manaus - é que há jazidas subterrâneas de mercúrio na Amazônia. O mercúrio, em determinada época do ano, aflora. Várias vezes, levaram-me vidros desse mercúrio colhido e os vi nas duas vezes em que fui Governador. Talvez seja essa a causa. Mas é fundamental que se pesquise, porque, se fizermos um exame nas populações, quase todas as pessoas terão mercúrio no organismo. V. Exª tem razão em abordar esse assunto. Devemo-nos unir para encontrar a causa e, pelo menos, prevenir, porque o mercúrio não se extingue e, o que é pior, para ele, não há antídoto. Isso prejudica todos nós. Parabéns a V. Exª por abordar um assunto tão sério, especialmente por tratar de populações do interior da Amazônia.  

O SR. TIÃO VIANA (Bloco/PT - AC) - Agradeço ao nobre Senador Gilberto Mestrinho.  

De fato é um assunto urgente, Sr. Presidente, porque a literatura médica afirma que a intoxicação por mercúrio compromete gravemente o sistema nervoso central, o aparelho ocular, o aparelho genito-urinário, especificamente a função renal, e a parte muscular do paciente. Não temos a presença típica dessas manifestações clínicas de que a literatura fala em pessoas da região, mas qualquer exame feito em pacientes das populações amazônicas detecta um elevado índice de intoxicação por mercúrio. Alguma coisa tem de ser esclarecida do ponto de vista científico. A minha tendência é concordar com o Senador Gilberto Mestrinho, porque todas as teorias apresentadas parecem confluir para que se imagine ser esse, de fato, um problema geológico da região, que ameaça a nossa população.  

Sr. Presidente, é sabido que o mercúrio é empregado nos garimpos brasileiros como instrumento técnico para extração de ouro por meio do processo de amalgamação. Para separar o minério do mercúrio, portanto, os garimpeiros se valem da queima desse amálgama, ocasionando a emissão excessivamente tóxica do metal na atmosfera. Isso ocorre sem considerarmos os efeitos ecologicamente nocivos já produzidos pelo mercúrio durante o processo prévio de amalgamação, que, necessariamente, implica o despejo abundante desse metal no leito dos rios. Seguindo os cálculos dos ambientalistas, para 1Kg de ouro gastam-se 1,3Kg de mercúrio, dos quais 40% são jogados na natureza e outros 60% evaporam na queima da amálgama.  

Nos anos 50 e 60, o mundo testemunhou com perplexidade a tragédia de Minamata, no Japão, - como muito bem observou o Senador Gilberto Mestrinho há pouco - que vitimou milhares de trabalhadores em virtude da contaminação mercurial provocada por despejos industriais criminosos. Desde então, a preocupação dos ambientalistas com a questão do uso inapropriado do mercúrio se converteu em um assunto premente nos foros de discussão sobre preservação da qualidade de vida do planeta. A Amazônia, por excelência, transformou-se, desde os anos 80, em foco permanente de atenção mundial. A combinação de sua riqueza ecológica com a consciência de todos de que a manutenção de sua biodiversidade afeta diretamente as condições de sobrevivência da Terra faz com que a Amazônia deixe de ser patrimônio exclusivamente brasileiro apenas no sentido do interesse e da proteção do meio ambiente, e não da autodeterminação e da soberania.  

Hoje, sua preservação conquistou a sensibilidade e a simpatia de uma parcela enorme da população brasileira. No entanto, isso não tem sido suficiente para reverter movimentos catastróficos de devastação ambiental na região, sucessivas queimadas, desmatamentos e derramamento de mercúrio, como uma das hipóteses apresentadas em relação à gravidade desse problema.  

Sem dúvida, o problema não data de recentes intervenções do homem na Amazônia. Se revisitarmos nossa história, daremos conta de que, desde a aceleração do processo industrial brasileiro nos anos JK, o mercúrio adquiriu raio de consumo muito ampliado, culminando com a retomada da atividade garimpeira de ouro, na década de 80, nos Estados do Pará, Rondônia e Mato Grosso. Durante essa mesma década, a produção de ouro no garimpo passou de cerca de seis toneladas anuais para mais de 100 toneladas ao ano! E o que é mais lamentável: consiste no fato de que, no pico dessa atividade, cerca de um milhão de pessoas trabalhavam nas áreas de garimpo, lançando mão das técnicas básicas de amalgamação por mercúrio.  

Mais do que qualquer outro agente poluente, o mercúrio dos garimpos de ouro degrada indiferentemente rios, margens e solos, incorporando substâncias altamente tóxicas à cadeia alimentar. Conhecido como mal de Minamata — numa crítica homenagem à tragédia do Japão —, a contaminação do mercúrio apresenta sintomas bem característicos, como tremores, tontura, cegueira, surdez, perda de controle motor, perda da sensibilidade de membros, confusões mentais, além de disfunções renais e gástricas.  

Evidentemente, caem na desgraça do próprio garimpeiro os primeiros efeitos danosos da contaminação ao inalar mercúrio metálico na queima da amálgama. Mesmo assim, especialistas afirmam que, comparativamente, a transmutação do mercúrio em metil, depois de despejado nas águas dos rios, provoca risco de proporções muito mais dramáticas. Isso se dá porque tal metal, uma vez perdido para os rios, acumula-se preferencialmente nos sedimentos de fundo das águas estagnadas, o que ensejaria uma situação de contaminação mais favorável aos reservatórios artificiais, onde se armazena, em geral, a água destinada ao abastecimento das casas.  

O Professor Wolfang Pfeiffer, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, declara que "No topo da cadeia alimentar, o homem que consome peixe é o mais ameaçado. Por isso, os ribeirinhos, que só comem peixe, encontram-se em pior estado de saúde que os garimpeiros habituados à carne". Aliás, foi de iniciativa do próprio Professor Wolfang a assinatura de convênio entre a Universidade Federal do Rio de Janeiro e o Imperial College, de Londres, por meio do qual se implementaram experimentações de tecnologia capaz de detectar e reduzir níveis de contaminação de mercúrio em áreas de garimpagem na Amazônia.  

À época da instalação do projeto, em 1994, estimava-se que 200 mil toneladas de mercúrio eram despejadas no meio ambiente amazônico mediante a ação de 350 mil garimpeiros. Por mais bem-intencionada que seja, à luz de hoje, tal pesquisa, em si, ainda não conseguiu modificar a tendência de degradação da ecologia amazônica pelo mercúrio. Os números permanecem estarrecedores, sem que se vislumbre no horizonte perspectiva alvissareira. Mesmo depois da sanção do decreto presidencial de 1988, que prevê punições para quem cometer crimes ecológicos, o quadro escandaloso de deterioração ambiental ainda vigora na Amazônia.  

Segundo esse dispositivo legal, garimpo sem autorização pagaria cem mil reais de multa, sendo esse valor majorado para até dez milhões se flagrado o uso de mercúrio metálico aliado à comprovação de dano à saúde da população. Acontece que nenhuma lei consegue lograr aplicação eficaz se não for acompanhada de vontade política.  

É este o impasse, a grande dúvida: por onde está vindo a contaminação mercurial na Amazônia? Como V. Exª, também considero uma discussão possivelmente superada a de que seja em decorrência do garimpeiro. É um assunto mais polêmico, possivelmente mais antigo do que essa investida de garimpagem na Amazônia nos anos 70 e 80.  

Não tenho dúvidas de que os estudos da Embrapa estão muito mais avançados do que aqueles feitos por esse grupo de pesquisa. Acredito também que as parcerias são fundamentais entre Governo do Estado e instituições de pesquisa do Ministério da Saúde, como o Instituto Evandro Chagas, que tem na Drª Elizabeth Santos uma vanguardista na investigação por intoxicação por mercúrio na população amazônica. Até estudos internacionais refletem uma preocupação com essa realidade.

 

A amálgama tem sido proibida nos países europeus. Os alemães, por exemplo, recebem o benefício de retirada das obturações, das restaurações dentárias de amálgama, em função da liberação gradativa do mercúrio.  

O Brasil ainda não chegou a esse ponto. Não discute esse aspecto como fator importante de contaminação. O que existe hoje é uma tese da contaminação de peixe e dos reservatórios ambientais dos rios amazônicos e outra, ligada à situação geológica da região, como V. Exª muito bem expôs.  

Imagino que seja uma situação muito especial e delicada, não se afirmando como um grave caso de saúde pública, porque as manifestações clínicas ainda não são exuberantes na região - elas se dão lentamente - mas, sem dúvida alguma, trata-se de um assunto que exige resposta imediata. Acredito que o Acre seja o grande exemplo, porque não temos, no nosso Estado, área de garimpagem, e o que se investiga na população é extremamente preocupante: o elevado índice de contaminação, porque, em regra, se aceita como normal até 0,2 ppm. No Acre, encontram-se casos de até 28 pontos de intoxicação de mercúrio no organismo humano.  

Deixo esse alerta ao Ministério da Saúde e espero que o setor responsável, junto com a Agência Nacional de Vigilância Sanitária, tome os procedimentos para elucidar e dar uma resposta à Amazônia o mais rapidamente possível.  

O Instituto Evandro Chagas merece o mais amplo respeito e pode fazer um trabalho de parceria para elucidar esse assunto.  

Muito obrigado.  

 

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Este texto não substitui o publicado no DSF de 24/08/1999 - Página 21938