Discurso no Senado Federal

CONSIDERAÇÕES SOBRE O MOVIMENTO POPULAR PELO AFASTAMENTO DO PRESIDENTE DA REPUBLICA.

Autor
Heloísa Helena (PT - Partido dos Trabalhadores/AL)
Nome completo: Heloísa Helena Lima de Moraes Carvalho
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO.:
  • CONSIDERAÇÕES SOBRE O MOVIMENTO POPULAR PELO AFASTAMENTO DO PRESIDENTE DA REPUBLICA.
Aparteantes
Pedro Simon.
Publicação
Publicação no DSF de 24/08/1999 - Página 21946
Assunto
Outros > GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO.
Indexação
  • IMPORTANCIA, MANIFESTAÇÃO COLETIVA, BRASILIA (DF), DISTRITO FEDERAL (DF), OPOSIÇÃO, GOVERNO FEDERAL, REGISTRO, COLETA, ASSINATURA, ABERTURA, PROCESSO, CRIME DE RESPONSABILIDADE, PRESIDENTE DA REPUBLICA.
  • CRITICA, CONGRESSO NACIONAL, INEFICACIA, FISCALIZAÇÃO, EXECUTIVO.
  • CRITICA, INCONSTITUCIONALIDADE, ATUAÇÃO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, DESRESPEITO, FEDERAÇÃO, PRIVILEGIO, ESTADOS, OFENSA, SOBERANIA NACIONAL, OBEDIENCIA, FUNDO MONETARIO INTERNACIONAL (FMI), PREJUIZO, POLITICA SOCIAL, IRREGULARIDADE, PROCESSO, PRIVATIZAÇÃO.

A SRª HELOISA HELENA (Bloco/PT - AL. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, sem dúvida a tarde de hoje foi muito produtiva, apesar da presença de poucos Senadores, como já é corriqueiro nas segundas e sextas-feiras.  

Desde o início da sessão, tivemos a oportunidade de discutir problemas da nossa querida Amazônia. Não apenas dos Senadores que fazem parte da Bancada, essa preocupação hoje está na consciência coletiva de todo o povo brasileiro.  

Também tivemos oportunidade de registrar belas homenagens feitas pelo Senador Pedro Simon que nos levaram a reflexões.  

Ontem, assisti à entrevista, apresentada pela Rede Globo, do Presidente da República. E, mais uma vez, escutei dos meus filhos a demonstração da desesperança da juventude. Quando, semana passada, falei da minha indignação com o resultado de Eldorado de Carajás, meu filho mais novo disse: "Mainha, nem se estresse porque este Brasil não tem mais jeito!" E ontem ,diante da minha indignação, mais vez, com o pronunciamento do Presidente das República, eles repetiram as mesmas palavras.  

Exatamente por isso, estou cada vez mais convencida, cada vez mais motivada pela esperança que todo brasileiro tem que ter em relação ao dia 26. Tenho absoluta certeza, e até pelo misto de arrogância e desespero que foi demonstrado pelo Presidente na sua entrevista, diante da sua clara demonstração de arrogância e o misto de desespero, tive a certeza de que essa marcha será muito bonita.  

Haverá muita gente. Certamente, milhões de brasileiras e brasileiros gostariam de estar aqui, em Brasília, dando seu grito de indignação e fazendo dessa marcha uma verdadeira declaração de amor à Nação brasileira, ao nosso País, ao nosso Brasil!  

Por mais que, em muitos momentos, existam milhares de palavras de ordem, quer sejam as ditas nos horários gratuitos de alguns Partidos, quer sejam as ditas pela população quando na coleta de assinatura - certamente palavras de ordem muito mais cruéis e realistas pela sua dor, sua humilhação e seu sofrimento diante dessa política econômica, dessa opção perversa do Governo Federal -, nós, do Partido dos Trabalhadores, em relação à discussão sobre a renúncia, que muito tem sido feita, como também ontem pelo Presidente da República, efetivamente não estamos pedindo a renúncia de Sua Excelência. Isto não apenas em função do debate sobre a democracia, mas porque a renúncia exige um gesto de grandeza pessoal que a arrogância demonstrada pelo Presidente da República, que o cega na sua intolerância e na sua possibilidade de mudar os rumos do seu Governo, não permitiria.  

Então, é importante deixar registrado que toda a coleta de assinaturas que está sendo feita tem um cabeçalho, muito claro, que trata da vontade de milhares de pessoas - temos a certeza de que já temos mais de um milhão de assinaturas - que cobram do Congresso Nacional a abertura do processo de crime de responsabilidade contra o Presidente da República.  

É isso que está sendo feito em todo Brasil. Talvez não precisássemos disso se o Congresso Nacional não fosse simplesmente um belíssimo patrimônio arquitetônico. Talvez não precisássemos disso se o Congresso Nacional, mesmo representando a pluralidade de uma sociedade, mesmo com as divergências que temos da nossa identidade partidária, das nossas concepções ideológicas, tivesse prezado por fiscalizar os atos do Poder Executivo.  

Não tenho dúvida de que a experiência do Senador Pedro Simon - a experiência de S. Exª e o respeito que temos pela trajetória do Senador - talvez o faça dizer, com muito mais confiança, que não vê nenhuma motivação para enquadrar o Presidente da República em crime de responsabilidade. Talvez a minha pouca experiência encontre fatos extremamente claros, dentro da própria legislação, que poderiam enquadrar o Presidente da República em crime de responsabilidade.  

Sr. Presidente, o art. 85 da Constituição Federal, desde o seu inciso I, tem sido desrespeitado pelo Presidente da República. O Presidente da República massacrou, rasgou cláusula pétrea constitucional em relação à Federação. A Federação hoje não existe mais. O Presidente da República não respeita o Estado, não respeita as prerrogativas asseguradas constitucionalmente na gestão financeira dos Estados. O Presidente da República não respeita isso! O Presidente da República trata os Estados do nosso País com penduricalhos maternalistas ou paternalistas, conforme a pressão de uma ou outra personalidade política. É assim em relação à Ford da Bahia, a um penduricalho do Piauí e em relação a outros Estados. Como o pai irresponsável, quanto mais o filho bate, mais ele assume a irresponsabilidade de tratá-lo de forma diferenciada.  

Quanto ao inciso II - o livre exercício dos direitos sociais individuais - sinceramente, se estivéssemos em um país em que as instituições de controle fossem suficientemente independentes, não estaríamos calados em relação à construção do superávit primário do nosso País. Não poderíamos aceitar isso, já que é requisito irrenunciável na própria Constituição, em relação à política econômica traçada por um governo, a soberania nacional.  

Estamos abrindo mão da nossa soberania nacional. Hoje, o Brasil é um anexo do Fundo Monetário Internacional. O superávit primário tem sido construído à luz da dor, do sofrimento, da miséria, do empobrecimento e do desemprego de milhares de pessoas do nosso País. E o que é mais grave: depois que constroem o superávit primário, as vidas das pessoas não são recuperadas.  

O governo passou um ano todo, como até agora, sem investir um único centavo no Pronaf - Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar. Os dados da Rede de Proteção Social indicam 22 programas estabelecidos pelo Governo Federal para atender aos miseráveis, aqueles que estão abaixo da linha da miséria e da pobreza. No entanto, absolutamente nada foi investido. Essas vidas não são recuperadas. As pessoas, as crianças são assassinadas pela irresponsabilidade do Governo, as pessoas que vão para a marginalidade, para as drogas ou para o alcoolismo como último refúgio, em função do desemprego, essas pessoas não recuperam a sua dignidade.  

O superávit primário é a maior vergonha nacional. E é uma vergonha para nós, do Congresso Nacional, também. Talvez, se o Congresso Nacional tivesse agido com independência, talvez, se o Congresso Nacional, mesmo à luz da pluralidade ideológica, da pluralidade que realmente representa a nossa sociedade, tivesse agido com firmeza, o Presidente da República não teria feito o que efetivamente fez.  

Olha, não é possível! O processo de privatização neste País... Não são apenas as declarações que aparecem, as ligações telefônicas, os grampos ilegais; o processo de privatização do nosso País é uma vergonha nacional. Se nós estivéssemos em outro país, com instituições mais firmes, mais independentes, mais corajosas, com certeza o Presidente da República não precisaria da ‘Marcha dos Cem Mil’, com certeza o Presidente da República não seria mais o Presidente da República. O processo de privatização, o entreguismo do patrimônio nacional, a fraude, a farsa que foi montada com o dinheiro público em relação ao processo de privatização... Será possível, será possível que gritar contra tudo isso, negar tudo isso, exigir ao menos o respeito à legislação vigente.  

Não tenho dúvida de que penso a construção de uma nação diferente da do Presidente da República. Não tenho dúvida de que talvez muitos da sua própria base de sustentação também pensem a construção de um país extremamente diferente do que está sendo construído.  

Mas será que vale a pena se insurgir contra tudo isso, inclusive sem o respaldo da mídia, porque a diminuição da popularidade do Presidente da República não tem sido em função da mídia, porque a mídia - salvo alguns poucos articulistas que subscrevem suas posições de crítica - está voltada, completamente voltada, a dar sustentação a esse processo irresponsável de um Brasil sem rumo, de um Brasil que abre mão de ser a grande nação do próximo século?  

O nosso País já poderia ter sido a grande nação neste século. Nenhum outro país do mundo pode criar um novo modelo de inserção na globalização, sem ser o Brasil. Nenhum outro! Porque só nós é que temos as dimensões continentais, o nosso potencial de áreas agricultáveis, os nossos recursos hídricos, a nossa Amazônia.  

Nenhum outro país pode se inserir nessa globalização de uma forma diferente e significando, inclusive, Senador Gilberto Mestrinho, quando V. Exª falava que o oxigênio para a América Latina passa pelo Brasil, um comportamento diferente, escolhendo seus parceiros internacionais...  

O Sr. Pedro Simon (PMDB - RS) - Por isso temos que cuidar da Amazônia.  

A SRª. HELOISA HELENA (Bloco/PT - AL) - Exatamente, escolhendo seus parceiros internacionais, inserindo-se na globalização, vislumbrando o que será o debate do próximo século, tecnologia, modernidade tecnológica e recursos naturais. O Brasil abre mão de tudo isso! O Brasil abre mão de cumprir a Constituição! Rasga a Legislação em tantos momentos que me dá tristeza. Já disse várias vezes nesta Casa que não me sinto alegre quando o Presidente da República aparece ruim na televisão. Não me dá nenhuma alegria. Não me dá nenhuma alegria, quando, a cada momento, vejo a banalização da corrupção, a banalização da miséria. Não fico contente porque isso não respinga apenas do Presidente da República, quando o mesmo é associado à imagem de corrupção e de promotor da fome e da miséria. Não é apenas a imagem dele, individual. É a imagem de todo o poder político, é a imagem de todos nós, é o desencanto, é o desalento da juventude e das mulheres e homens de bem e de paz do nosso querido Brasil.  

É exatamente por isso que espero que esse dia 26 seja um dia em que nós possamos, nós, brasileiros, nós que amamos o nosso País, nós, que não aceitamos que o Brasil seja um anexo das grandes potências, nós, que não aceitamos, não podemos ser a nação brasileira que o povo brasileiro tem direito a ser... Espero que esse dia 26 seja um dia com muita gente, seja um dia de muita alegria, porque tenho absoluta certeza de que lá estarão mulheres e homens de bem e de paz. Da nossa parte, da parte dos que estão trabalhando na mobilização, com certeza, não haverá nenhum problema de violência, com certeza, não haverá nenhum problema que possa quebrar esse momento tão importante, esse momento que realmente significa uma verdadeira declaração de amor ao nosso País.

 

O Sr. Pedro Simon (PMDB - RS) - V. Exª me concede um aparte?  

A SRª. HELOISA HELENA (Bloco/PT - AL) - Concedo um aparte ao Senador Pedro Simon.  

O Sr. Pedro Simon (PMDB - RS) - Sempre fico empolgado com o pronunciamento de V. Exª. Senadora Heloísa Helena, V. Exª traz a sinceridade e a pureza, diria, de quem saiu da porta da fábrica e veio diretamente à tribuna do Senado. Sem ter passado pelos tapetes, sem ter se esquecido da visão original, advindas de um milhão de responsabilidades, de coisas que temos feito, que fazemos. E, muitas e muitas vezes, nos esquecemos das origens. V. Exª tem sido uma voz muito importante, que lembra, que bate, que fere nossos ouvidos no sentido de lembrar das origens, do outro lado do Brasil, que, muitas e muitas vezes, queremos esquecer. Estou totalmente solidário ao seu pronunciamento. V. Exª afirma que vão entregar ao Presidente da Câmara dos Deputados uma solicitação a fim de que seja aberta uma proposta de investigação do Presidente da República. Isso foi feito no Congresso Nacional. O Senado realizou uma CPI para investigar o Presidente José Sarney. E o Presidente concordou. E a CPI foi feita, e foi desenvolvida; houve uma série de levantamentos, e a CPI concluiu, para a honra e felicidade do Presidente José Sarney, que não havia nada contra a sua dignidade. Que era responsável pela inflação, que a inflação estava muito alta, etc., mas, com relação aos princípios éticos, não havia nada. Mas o Senado fez a CPI. Então, eu penso que pedir a criação de uma comissão de investigação, isso é normal. Mas é que o início, as palavras de ordem, a fala do Dr. Brizola, foi no sentido de pedir a renúncia do Presidente, de fazer uma grande movimentação do povo brasileiro para exigir a renúncia do Presidente. Disso é que tenho medo. Assim como confio em V. Exª e a respeito pela sinceridade, gostaria que V. Exª respeitasse a sinceridade de minhas palavras.  

A SRª HELOISA HELENA (Bloco/PT - AL) - Respeito. Tenha absoluta certeza de que respeito, Senador.  

O Sr. Pedro Simon (PMDB - RS) - Não considero nem o Dr. Brizola, nem ninguém, por amor de Deus, sou um homem de bem, democrata, honesto, decente. Mas essas coisas sabemos como começam e não sabemos como terminam. Repito o que V. Exª disse: que o dia 26 seja um grande dia. Que seja uma grande movimentação! Que venham 100 mil pessoas e que digam as verdades! Que o Senhor Fernando Henrique desça do seu pedestal e tenha a humildade de reconhecer os equívocos que tem praticado! Pelo amor de Deus, tirar a agricultura familiar do Ministério da Agricultura para colocá-la no Ministério da Reforma Agrária, um ministério extraordinário que não tem infra-estrutura alguma, e deixar o Ministério da Agricultura para produzir para exportar?! Isso é uma atitude de quem não está regulando bem. E o Governo não está regulando bem. Minha querida e brilhante Senadora, temos que ter a capacidade necessária de perceber que o movimento do dia 26 é um movimento de protesto, de demonstração e de esclarecimento; é um movimento para pedir que se abra uma comissão na Câmara dos Deputados para fazer o indiciamento do Presidente. Mas não é uma determinação: "Queremos a renúncia". Atrás dos que querem a renúncia - se houve um milhão de assinaturas e se houver um milhão de pessoas na rua querendo a renúncia - vem um coronelzinho da vida se achando com autoridade para dizer: "Vou conseguir a renúncia". Era isso apenas que queria dizer a V. Exª.  

A SRª HELOISA HELENA (Bloco/PT - AL) - Tenha absoluta certeza, Senador Pedro Simon, de que todos nós – e faço questão de repetir – não gostaríamos de ver a renúncia do Presidente da República, até porque não acreditamos nesse gesto de grandeza pessoal por parte do Senhor Fernando Henrique. Queremos realmente que Sua Excelência deixe a Presidência da República por um processo de crime de responsabilidade. A Constituição, a legislação vigente obriga o Congresso Nacional a cumprir pelo menos a sua simplória obrigação constitucional. Queremos que o Congresso abra um processo de crime de responsabilidade para que possamos, não solicitar a sua renúncia, mas sim, à luz da Constituição, retirá-lo da Presidência da República.  

Era o que tinha a dizer. Muito obrigada, Sr. Presidente.  

 


Este texto não substitui o publicado no DSF de 24/08/1999 - Página 21946