Discurso no Senado Federal

ANALISE DA QUESTÃO DA QUALIDADE DOS ALIMENTOS, EM ESPECIAL, DO LEITE E SEUS DERIVADOS.

Autor
Carlos Patrocínio (PFL - Partido da Frente Liberal/TO)
Nome completo: Carlos do Patrocinio Silveira
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
ECONOMIA POPULAR.:
  • ANALISE DA QUESTÃO DA QUALIDADE DOS ALIMENTOS, EM ESPECIAL, DO LEITE E SEUS DERIVADOS.
Aparteantes
Maguito Vilela.
Publicação
Publicação no DSF de 20/08/1999 - Página 21706
Assunto
Outros > ECONOMIA POPULAR.
Indexação
  • ANALISE, COMPLEXIDADE, GRAVIDADE, PROBLEMA, QUALIDADE, ALIMENTOS, CONSUMO, POPULAÇÃO, ESPECIFICAÇÃO, LEITE, DERIVADOS.
  • COMENTARIO, REALIZAÇÃO, MINISTERIO DA AGRICULTURA (MAGR), INSTITUTO NACIONAL DE METROLOGIA NORMALIZAÇÃO E QUALIDADE INDUSTRIAL (INMETRO), PESQUISA, COMPROVAÇÃO, PRESENÇA, AGENTE, ANTIBIOTICO, MARCA, LEITE, QUEIJO, POSSIBILIDADE, PROVOCAÇÃO, DOENÇA, ESCLARECIMENTOS, CONSUMIDOR, ATENÇÃO, CONSERVAÇÃO, OCORRENCIA, INSPEÇÃO SANITARIA, PRODUTO, NECESSIDADE, ALTERAÇÃO, NORMAS, PRODUÇÃO, COMERCIALIZAÇÃO, LATICINIO.
  • EXPECTATIVA, ORADOR, ATUAÇÃO, AGENCIA NACIONAL DE VIGILANCIA SANITARIA (ANVISA), MELHORIA, REQUISITOS, HIGIENE, PADRÃO DE QUALIDADE, LEITE, DERIVADOS, IMPEDIMENTO, PREJUIZO, SAUDE, POPULAÇÃO, ESPECIFICAÇÃO, CRIANÇA.

O SR. CARLOS PATROCÍNIO (PFL-TO. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Srª Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, no campo da saúde pública, uma das primeiras preocupações dos governantes há de ser, evidentemente, a questão alimentar. Em um país com as características socioeconômicas do Brasil, marcado por profundas desigualdades sociais, com um vasto contingente de sua população vivendo abaixo do limiar de pobreza, a sociedade e o Governo continuam a travar, às portas do terceiro milênio, uma dura batalha na tentativa de assegurar aos segmentos de mais baixa renda o acesso àquela quantidade de alimentos que garanta o valor calórico mínimo diário, indispensável à manutenção da vida e da saúde.  

O problema alimentar não se resume, contudo, à questão quantitativa, ao desafio de garantir que mesmo os mais pobres tenham o que comer e não passem fome. Outra questão crucial e que, nos últimos tempos, parece estar ganhando ainda maior relevância é aquela relativa à qualidade dos alimentos. E esse aspecto da questão alimentar permanece como sério desafio, não apenas para os países em desenvolvimento, mas também para as nações ricas e industrializadas do Hemisfério Norte, que, há muito, erradicaram o fantasma da fome endêmica entre suas populações.  

Com efeito, parece mesmo que os avanços da Ciência e da Tecnologia acabam sendo responsáveis, em certa medida, por novos motivos de preocupação, no que concerne à qualidade dos alimentos, à sua adequação e segurança para o consumo humano.  

O advento da era atômica, por exemplo, com a construção das grandes usinas nucleares, veio colocar riscos, antes inexistentes, para a segurança dos alimentos.  

Ainda nos lembramos todos das graves conseqüências surgidas, há mais de uma década, quando do vazamento da usina de Chernobyl, na República da Ucrânia, então integrante da União Soviética. A nuvem radioativa avançou pelo continente europeu, e até aqui no Brasil vieram parar alimentos de origem animal contaminados pela radiação. Provocou escândalo, na ocasião, a importação, pelo Governo, de grande quantidade de carne bovina contaminada.  

Um episódio mais recente - e também de enorme repercussão, não apenas sanitária, como econômica - foi a epidemia da doença conhecida como "vaca louca", que atingiu os rebanhos britânicos. Os prejuízos para os pecuaristas do Reino Unido foram colossais, tanto pelo grande número de animais que tiveram de ser sacrificados quanto pela rejeição da carne lá produzida junto aos mercados consumidores.  

Ainda mais recentemente, a contaminação de produtos belgas de origem animal por dioxina levou à sua proibição em diversos países do mundo, inclusive no Brasil. O famoso e apreciado chocolate belga, por exemplo, teve de ser recolhido nos pontos de venda, pois se considerou que seu consumo poderia oferecer risco à saúde humana. A fonte da contaminação, segundo se constatou, teria sido a ração servida aos animais, na qual foi detectada a presença do perigoso agente químico.  

Mas o tema mais candente da atualidade, no que se refere à qualidade dos alimentos, o tema que vem motivando as maiores polêmicas e ocupando os maiores espaços nos meios de comunicação nada tem a ver com alguma forma de contaminação acidental, nem sequer com alguma espécie de doença veterinária. O tema que apaixona os especialistas e que começa a despertar o interesse da opinião pública são os alimentos geneticamente modificados.  

Apresentando significativas vantagens, segundo alguns, portadores de graves riscos, segundo outros, esses alimentos começam a arregimentar legiões de defensores e de inimigos. Grandes redes varejistas de alimentos, algumas de porte internacional, começam a se posicionar, afirmando que não oferecerão, em suas prateleiras, qualquer alimento geneticamente modificado. Organizações de consumidores, nos países industrializados, começam a pressionar seus governos para que regulamentem de forma rígida a comercialização desses produtos. Os governos, pressionados de um lado pelos consumidores e, de outro, pelos fabricantes, ainda vacilam, sem saberem como se posicionar frente a essa nova realidade.  

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, teço essas considerações apenas com o intuito de ilustrar a complexidade e a gravidade das questões atinentes à qualidade dos alimentos oferecidos ao consumo da população, à sua segurança e à adequação para o consumo humano. Desejo, contudo, deter-me um pouco na situação sanitária de um importantíssimo alimento, o qual, aqui no Brasil, apresenta historicamente graves problemas no que se refere às condições higiênicas com que chega ao consumidor final. Refiro-me ao leite e seus derivados.  

Ainda no final do ano passado, o Instituto Nacional de Metrologia - Inmetro - e o Ministério da Agricultura realizaram pesquisa objetivando avaliar as condições higiênicas dos leites tipos B e C e dos queijos prato e minas comercializados em São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais e Rio Grande do Sul. Atente-se, desde logo, que estamos falando de quatro das mais desenvolvidas Unidades da Federação, onde a presença dos órgãos governamentais de fiscalização é mais marcante e onde as entidades de defesa do consumidor têm mais forte atuação.  

Apesar disso, mais de 50% dos leites tipos B e C e dos queijos prato e minas comercializados por diversas marcas nesses Estados apresentaram condições higiênicas inadequadas. Mesmo considerando apenas os produtos submetidos ao crivo do Serviço de Inspeção Federal - SIF, não mais do que 60% desse universo estavam em conformidade com os padrões sanitários. Já entre os produtos que são vendidos sem fiscalização, o índice dos que apresentaram problemas foi de 100%.  

Para o coordenador do Programa de Qualidade de Produtos do Inmetro, Alfredo Lobo, os resultados apurados pela pesquisa devem ser considerados preocupantes, pois a forte presença de bactérias ou antibióticos detectada nas marcas de leite e de queijo analisadas pode provocar problemas intestinais e outras doenças. Chamou a atenção, outrossim, para o fato de que, entre as marcas de leite consideradas inaceitáveis ou impróprias para o consumo, estão algumas bastante conhecidas, prestigiadas e até então detentoras de grande confiabilidade. O mesmo, aliás, pode-se dizer de algumas das marcas de queijo prato e minas, cujas condições higiênicas foram consideradas insatisfatórias.  

O Diretor do Departamento de Inspeção de Produtos de Origem Animal do Ministério da Agricultura, Luiz Carlos de Oliveira, ressaltou, quando da divulgação da pesquisa, que o consumidor deve evitar, particularmente, os produtos não submetidos à inspeção, como aqueles que são comercializados em feiras livres, já que esses, na pesquisa, apresentaram irregularidades em 100% das amostras analisadas.  

Outra questão que deve merecer a atenção do consumidor é a da conservação dos produtos. A pesquisa do Inmetro e do Ministério da Agricultura constatou que, em Minas Gerais, 60% dos pontos de venda armazenavam os produtos em condições inadequadas, enquanto nos outros Estados esse índice foi de 40%.  

Uma constatação curiosa da pesquisa foi que o leite tipo B, apesar de ter preço superior ao C, apresentou um percentual ainda inferior de conformidade com os padrões sanitários. Enquanto para o leite C o índice foi de escassos 41%, para o B ficou ainda abaixo, em 33%. No caso do queijo prato, o índice de conformidade foi de apenas 36%, e no queijo minas, de 50%. Entre os produtos analisados, o único que apresentou um percentual de conformidade razoável foi o do leite longa vida, com 81% de confiabilidade. Para os técnicos, a explicação está na alta temperatura a que esse produto é submetido. Mas, mesmo assim, três marcas de leite longa vida apresentaram problemas.  

Para as autoridades do Departamento de Inspeção de Produtos de Origem Animal do Ministério da Agricultura, os resultados da pesquisa demonstram a necessidade de se alterarem as normas de produção e comercialização de derivados lácteos no País. Para este objetivo, terão muita utilidade as sugestões que vêm sendo produzidas por um grupo de representantes do setor privado e do Governo que trabalham no Programa de Modernização do Leite.  

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o leite, juntamente com seus derivados, representa um alimento da maior importância. Seu papel na nutrição infantil é insubstituível. Sabemos que a classificação do leite em tipos B e C corresponde ao teor de gordura presente no alimento, justificando as diferentes faixas de preço. O que é essencial, contudo, é que todo o leite oferecido ao consumo da população esteja dentro das melhores condições higiênicas. Quer se trate de leite com maior ou menor teor de gordura, não se pode admitir seja ele veículo de bactérias ou antibióticos prejudiciais à saúde humana.  

Apesar dessa situação preocupante, o setor leiteiro envia-nos também uma noticia animadora. Pela primeira vez - e gostaria de enfatizar, Sr.ª Presidente -, o certificado de qualidade ISO 9002 foi concedido a uma propriedade brasileira.  

A fazenda Alegria, a 70 quilômetros de Belo Horizonte, foi premiada pelo trabalho com novilhas leiteiras da raça pardo-suíço, com idade entre 3 e 24 meses. Os requisitos avaliados foram: a eficiência, o bom índice corporal das fêmeas, a capacidade reprodutiva e a sanidade do rebanho. A fazenda produz atualmente 1600 litros de leite por dia com 80 vacas em lactação, sendo 25 litros a produção média de cada animal.  

Já passou o tempo de manipulação artesanal sempre descuidada para os alimentos destinados ao consumo humano. A moderna tecnologia oferece os itens necessários para garantir que todo alimento oferecido ao consumidor chegue à mesa em perfeitas condições de higiene. No caso específico do leite, considerando seu papel na nutrição infantil, essa exigência torna-se muito mais incontornável.  

Esse é o motivo pelo qual apelo para que todas as necessárias medidas fiscalizadoras sejam adotadas de modo que a população brasileira não mais seja exposta, uma vez sequer, ao consumo de leite e derivados lácteos desprovidos dos melhores padrões sanitários.

 

Espero que a Agência Nacional de Vigilância Sanitária, recém-instituída por mensagem enviada pelo Presidente da República a esta Casa e já transformada em lei, resolva essa questão porque há muitos casos de crianças desidratadas e o índice de mortalidade infantil ainda é muito alto sobretudo por causa da falta de cuidados na coleta e no transporte do leite, o melhor alimento para a infância.  

O Sr. Maguito Vilela (PMDB-GO) - Senador Carlos Patrocínio, V. Exª concede-me um aparte?  

O SR. CARLOS PATROCÍNIO (PFL-TO) - Concedo-lhe o aparte, com muito prazer, eminente Senador Maguito Vilela.  

O Sr. Maguito Vilela (PMDB-GO) - Eu estava acompanhando o pronunciamento de V. Exª pela TV Senado e fiz questão de vir aparteá-lo. V. Exª levanta um problema que considero da maior importância para este País e que o Senado da República, a Câmara Federal, enfim todos nós temos de discutir, porque o que há de denúncias hoje no Brasil a respeito de leite sem as condições ideais para o consumo humano é algo fantástico, fabuloso. Isso também ocorre quanto à importação de leite sem as necessárias condições para o consumo humano. Leite em pó vencido está sendo importado e destinado ao consumo humano. Entendo inclusive que esse pronunciamento de V. Exª poderá ter desdobramentos importantes e até chegar, em futuro bem próximo, a uma CPI para investigar essa situação, porque há milhares de denúncias no sentido de que existem muitos problemas com relação ao leite, principalmente o importado. Quero parabenizar V. Exª por ter vindo à tribuna e levantando um assunto que é do interesse de praticamente todos os brasileiros - é difícil encontrar um brasileiro que não se alimente de leite. Esse, portanto, é um problema que envolve toda a população brasileira, não só as crianças. Assim, volto a dizer, cumprimento V. Exª pela oportunidade do pronunciamento. Quero, depois, discutir com V. Exª os desdobramentos desse pronunciamento para que o Brasil tome as providências cabíveis com relação às denúncias feitas, as quais V. Exª também aborda dessa tribuna. Muito obrigado.  

O SR. CARLOS PATROCÍNIO (PFL-TO) - Nobre Senador Maguito Vilela, agradeço-lhe a participação, como sempre, brilhante no meu despretensioso pronunciamento. Na realidade, trago este assunto à baila tendo em vista denúncias recebidas, bem como a preocupação a mim manifestada por alguns médicos, sobretudo pediatras.  

O leite, especialmente o materno, é o melhor alimento infantil. Infelizmente, nem todas as mães conseguem amamentar seus filhos. Por isso substituem o seu leite pelo leite in natura ou pelo pasteurizado. Hoje, o leite que apresenta menores índices de contaminação, conforme frisei neste pronunciamento, é o longa vida. Porém, ainda que submetido a mudanças bruscas, choques térmicos impressionantes, o leite longa vida apresenta contaminação.  

Nós, que pretendemos ajudar o homem do campo a sair dessa crise, também estamos fazendo nossa exigência: os requisitos de higiene devem começar na fazenda. Chamamos a atenção das autoridades sanitárias do nosso País para que livrem a população brasileira de alimentos impróprios para consumo.  

Era o que eu tinha a dizer.  

Muito obrigado, Srª Presidente, Senadora Marluce Pinto.  

 

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Este texto não substitui o publicado no DSF de 20/08/1999 - Página 21706