Discurso no Senado Federal

ANALISE DA SITUAÇÃO ECONOMICA BRASILEIRA.

Autor
Gilberto Mestrinho (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/AM)
Nome completo: Gilberto Mestrinho de Medeiros Raposo
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA SOCIO ECONOMICA.:
  • ANALISE DA SITUAÇÃO ECONOMICA BRASILEIRA.
Aparteantes
Eduardo Siqueira Campos, Ney Suassuna.
Publicação
Publicação no DSF de 25/08/1999 - Página 21995
Assunto
Outros > POLITICA SOCIO ECONOMICA.
Indexação
  • ANALISE, MOVIMENTAÇÃO, CAPITAL ESPECULATIVO, PAIS, POSTERIORIDADE, DESVALORIZAÇÃO, REAL, ELOGIO, GESTÃO, GOVERNO FEDERAL, DIRETORIA, BANCO CENTRAL DO BRASIL (BACEN), COMBATE, CRISE.
  • DEFESA, AUMENTO, INVESTIMENTO, POLITICA SOCIAL, POLITICA DE EMPREGO, PAIS, COMBATE, EMPOBRECIMENTO, ORIGEM, GLOBALIZAÇÃO.
  • DEFESA, INDEPENDENCIA, BRASIL, RELAÇÃO, EXIGENCIA, FUNDO MONETARIO INTERNACIONAL (FMI), ADOÇÃO, DOLAR, MOEDA, PAIS.
  • APOIO, PROJETO, AMBITO INTERNACIONAL, CRIAÇÃO, IMPOSTOS, OPERAÇÃO FINANCEIRA, CAPITAL ESPECULATIVO.

O SR. GILBERTO MESTRINHO (PMDB-AM. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, os últimos dias vêm sendo marcados por um certo nervosismo na atividade econômica do País, conseqüência de um comportamento atípico do mercado financeiro, especialmente no que diz respeito às cotações do dólar americano após o enfraquecimento do real.  

Se, no entanto, buscarmos as causas básicas que estariam influindo nessa flutuação para maior, não encontraremos razões econômicas que possam estar atuando no mercado, salvo um movimento especulativo sem consistência nos fundamentos da economia real.  

Para analisarmos a situação atual, torna-se necessário fazermos uma regressão até a fase inicial da mudança do regime cambial e à posse da atual diretoria do Banco Central, que assumiu a responsabilidade de gerir o comportamento da moeda e a política de juros conseqüente do novo modelo.  

A atual diretoria do Banco Central do Brasil, ao entrar em exercício, deparou-se com o quadro seguinte:  

a) as reservas internacionais estavam em US$36,116 bilhões;  

b) o dólar estava cotado a R$1,80;  

c) os juros praticados pelo Bacen, em 39% ao ano;  

d) a projeção de inflação era de 7,8%;  

e) a projeção do PIB estimava para o ano de 1999 uma queda de 2,5%.  

Este era o quadro no início do novo regime cambial. Havia, naturalmente, um certo alvoroço na sociedade em face da mudança e o temor quase generalizado de um aumento da inflação como conseqüência natural do encarecimento do dólar, que seria bastante sentido nas importações do País.  

No entanto, o que está acontecendo?  

a) as reservas, ontem, eram superiores a US$41,941 bilhões, ou seja, US$5,5 bilhões maiores do que naquela época;  

b) o dólar, apesar da especulação, está hoje, à 1h da tarde, a R$1,90, ou seja, R$0,10 acima apenas, apesar da especulação;  

c) os juros estão na faixa de 20% ao ano, estabelecidos que foram pelo Banco Central;  

d) as projeções de inflação são de um dígito, apesar da elevação do preço do petróleo nos mercados internacionais e o seu reflexo em corrente na cadeia produtiva interna, o que forçou o aumento dos combustíveis no País;  

e) o PIB tem um pequeno crescimento no primeiro trimestre, o que se confirmou também no segundo trimestre, o que já compensou os 0,2% de queda que tivemos no ano de 98.  

Deve-se levar em conta que as exportações ainda não tiveram o crescimento esperado. As commodities e os semi-elaborados, cujo aumento em tonelagem exportada foi significativo, não espelham em dólares esse crescimento, em face da redução considerável dos preços internacionais. A conseqüência é que, no primeiro semestre deste ano, exportamos US$3,5 bilhões a menos do que no ano passado, apesar do excepcional aumento de vendas para os países asiáticos - vendemos este ano 15,5% a mais que no ano passado - e para o nosso principal parceiro comercial, os Estados Unidos - tivemos um aumento de 5,5%.  

A atividade da indústria de transformação dá sinais de retomada do crescimento da produção e o mercado de trabalho, em que pese o grande número de desempregados, começa a se estabilizar. Mantido o ritmo de incremento, cujos sinais já são visíveis, acredito que teremos recuperação do número de postos de trabalho.  

É certo que muito ainda terá que ser feito. O que sentimos, pela leitura de notícias e comentários internacionais e nas conversas dentro do País, inclusive pela análise das pesquisas que têm sido divulgadas, é uma queda da credibilidade na ação do Governo brasileiro ao enfrentar as dificuldades decorrentes das várias crises que nos têm atingido - primeiro, a crise mexicana, depois a do Sudeste Asiático e, mais recentemente, a da Rússia; começa também a se agravar a crise da Argentina e a desorganização está tomando conta do Mercosul.  

Sr. Presidente, Paul Samuelson, Nobel de Economia em 1970, já dizia, em entrevista à revista Exame, em 10/2/99: "Não há soluções milagrosas para a crise brasileira e o país precisa de muita austeridade fiscal e de sacrifícios para recuperar a credibilidade e voltar a crescer".  

E ensinou, adiante, como recuperar a credibilidade:  

"Para recuperar a credibilidade arranhada, o Brasil precisa mostrar seriedade e resultados eficazes. O país tem uma tarefa dolorosa, mas inadiável, à frente. Nenhuma nação conseguiu enfrentar uma crise dessa magnitude sem sacrifícios, e o Brasil não será a primeira".  

Efetivamente, o povo brasileiro tem dado uma lição de estoicismo diante das dificuldades que vem enfrentando. Todos sabemos as dificuldades por que vem passando o povo brasileiro em todas as camadas sociais.  

O Sr. Ney Suassuna (PMDB-PB) - V. Exª me permite um aparte?  

O SR. GILBERTO MESTRINHO (PMDB-AM) - Pois não, com prazer.  

O Sr. Ney Suassuna (PMDB-PB) - V. Exª está coberto de razão. Este é um bravo povo mesmo, porque, com todas as dificuldades, tem, resignadamente, acatado as decisões - são pequenos, raros mesmo, os segmentos que estão se manifestando com mais alarde. É um povo que está agüentando toda essa reforma sem perder sua esperança em dias melhores e por isso é que temos tanto compromisso com ele. É um povo realmente trabalhador, ordeiro, e está sempre acreditando no futuro. Obrigado.  

O SR. GILBERTO MESTRINHO (PMDB-AM) - Muito obrigado, Senador Ney Suassuna.  

Efetivamente, o nosso povo, apesar de isso não ter sido ainda compreendido, é o maior patrimônio que nós temos. Nós temos neste País 160 milhões de brasileiros que enfrentam dificuldades, enfrentam o empobrecimento, enfrentam a luta diária na busca de emprego sem o encontrar, mas mantêm-se de cabeça levantada, confiando no amanhã. É preciso que nós todos tenhamos consciência de que a nossa obrigação é defender o interesse deste povo.  

Mas, Srs. Senadores, sente-se - e já foi dito aqui -, à semelhança do que está acontecendo em toda a América Latina, o empobrecimento de toda a sociedade. Nestes últimos dez anos a América Latina empobreceu 39%.  

O fenômeno da globalização, que, no primeiro momento, atinge profundamente os menos desenvolvidos e desarticula a sua cadeia produtiva, tem sido um dos fatores predominantes para o empobrecimento da sociedade e a redução drástica do mercado de trabalho, com as seqüelas sociais decorrentes. É que, como disse Soros - que foi tão comentado durante um período aqui no Senado -, "globalizaram a economia e esqueceram de globalizar a sociedade".  

Srªs e Srs. Senadores, o importante é que estamos acordando para a realidade. Faz poucos dias, o Presidente desta Casa, o eminente Senador Antonio Carlos Magalhães, sacudiu o País evidenciando a necessidade imperiosa que temos de reduzir as desigualdades sociais, eufemismo com que encobrimos essa chaga social que é a pobreza e a sua irmã, a miséria, que atinge grande parte da população brasileira.  

Efetivamente, a adoção de políticas sociais voltadas para a integração das populações marginalizadas ativa e alarga o universo de consumidores com resultados no aumento da produção, o que significa novos postos de trabalho e a criação de um ciclo natural de crescimento social e humano.  

Já ensinava John Kenneth Galbraith que "nenhum país deve ignorar o fato de que o déficit fiscal pode escapar do controle. Ele deve ser corrigido com mais impostos e não com cortes de benefícios para os trabalhadores", e aconselhava o nosso Presidente Fernando Henrique Cardoso a "adiar as atividades governamentais não essenciais e não permitir a volta da inflação" e a "sempre preferir o aumento dos impostos a ter que cortar gastos com os pobres, como remédio à inflação." Infelizmente, isso vem acontecendo no País. Não houve ainda uma preocupação com a sociedade, e tem havido uma grita constante neste Senado por um redirecionamento da política governamental levando em conta a grande massa de marginalizados que tem a Nação.  

Essa é uma forma não só de solidariedade humana como também de estimular a demanda agregada, com resultados altamente positivos para a economia.  

Acredito que as medidas atuais começam a dar certo. O Brasil é prenhe de possibilidades de recuperação, tem um povo e riquezas potenciais extraordinárias e uma viabilidade muito grande de presença no mercado globalizado.  

Srªs e Srs. Senadores, o que queremos para o País é que, atingida a estabilidade interna, façamos um esforço solidário pelo crescimento econômico, de modo a podermos não só reincorporar no mercado de trabalho os milhares de trabalhadores que amargam o desemprego mas também dar oportunidade ao grande número de jovens que atingem, a cada ano, a capacidade produtiva e precisam ingressar no mercado de trabalho.  

É importante também que o Brasil não se renda, mais uma vez, às exigências do Fundo Monetário Internacional, que quer e aconselha a adoção do dólar como moeda única. Primeiro, o País não tem condições de fazê-lo, porque precisaríamos ter reservas suficientes para cobrir a massa financeira necessária em dólares. Em segundo lugar, a dolarização significaria permitir que as decisões econômicas nacionais, que o governo das finanças nacionais, da economia nacional fosse dividido, compartilhado com as grandes nações do mundo.  

Assim, confiamos nas medidas que estão sendo sugeridas, nesta Casa, por vários Senadores, não importando os partidos, a ideologia. O importante é a compreensão de que a crise necessita do esforço e da compreensão geral, da interpretação do seu significado para que possamos superá-la e dizer ao mundo que este País tem um caminho de futuro.  

O Sr. Eduardo Siqueira Campos (PFL-TO) - Permite-me V. Exª um aparte, Senador?  

O SR. PRESIDENTE (Geraldo Melo) - Senador Siqueira Campos, antes de V. Exª proferir o seu aparte, a Presidência, de acordo com o que autoriza o Regimento, toma a liberdade de interrompê-lo para comunicar à Casa a presença, neste momento, no Plenário, do Sr. Lorne Nystron, membro do Parlamento do Canadá, que exerce a liderança do New Democratic Party.  

Mr. Nystron é autor da proposta formulada ao parlamento canadense, e aprovada, segundo a qual o Governo do Canadá apóia hoje, em todos os fóruns mundiais, a proposta James Tobin, que visa a criação de um imposto sobre transações financeiras internacionais. S. Exª estará hoje no Espaço Cultural da Câmara, às 19h30min, proferindo uma palestra sobre o tema.

 

A Presidência lhe dá as boas vindas.  

Continua V. Exª com a palavra.  

O SR. GILBERTO MESTRINHO (PMDB-AM) - Concedo o aparte ao Senador Siqueira Campos.  

O Sr. Eduardo Siqueira Campos (PFL-TO) - Senador Gilberto Mestrinho, ouço com atenção o pronunciamento que V. Exª faz nesta tarde na tribuna, e posso depreender que V. Exª traz a sua experiência e uma análise profunda, que leva em consideração todos os aspectos que são a maior preocupação da nossa população hoje. Tenho sido uma dessas vozes que têm defendido uma maior articulação do nosso Poder, das nossas bancadas, principalmente daquelas que têm uma identidade maior e que estiveram juntas na eleição do Presidente Fernando Henrique Cardoso, no esforço de superação da crise. Mas penso que o princípio dessa simbiose, dessa articulação é exatamente o Presidente da República aproveitar mais a experiência que existe não só nesta Casa, mas no Congresso Nacional. Fosse eu o Presidente da República hoje, enfrentando a crise que estamos enfrentando, consideraria como uma das fórmulas de resolver os problemas ouvir, compartilhar e decidir; e ouvir V. Exª seria uma forma do Presidente estar aproveitando a experiência de uma das partes do País que, sem dúvida nenhuma, será um dos portais da superação da crise, que é a nossa Amazônia. V. Exª tem um papel muito importante: este ano presidirá a Comissão Mista de Orçamento e, na Presidência, haverá de dar a sua contribuição para que realmente este País encontre a saída para a crise. Portanto, o meu objetivo maior é somar a minha voz à sua voz neste importante pronunciamento, que prega a união de todos para a superação da crise. Penso que não só o Palácio do Planalto, a Esplanada dos Ministérios, mas todos os verdadeiros interessados e responsáveis pela superação dessa crise devemos nos unir. O pronunciamento de V. Exª é uma prova deste depoimento que dou. Parabéns.  

O SR. GILBERTO MESTRINHO (PMDB-AM) - Muito obrigado, Senador Eduardo Siqueira Campos, as palavras de V. Exª demonstram profunda bondade. Mas existe mais uma evidência de que temos muitos moucos neste País - chamávamos moucos, pela linguagem do interior, os surdos -, que precisam ouvir o vento, e o vento traz uma mensagem muito diferente de certas realidades.  

Agora mesmo o Presidente anunciou a presença de um Deputado do Canadá, que apresentou um projeto criando o imposto sobre transações financeiras internacionais, sobre o deslocamento das moedas entre os países, nesse mercado que é incontrolável.  

Pela proposta apresentada - um sonho de um professor de Harvard, James Tobin -, estabelece-se uma taxa de 0,25% para essas transferências. Seria uma espécie de CPMF universal.  

Mas o grande problema é que aqueles que comandam a economia mundial não querem isso. Eles afirmam - e têm apoio até dos professores marxistas - que o relógio não pode parar e que hoje, com os negócios virtuais, seria impossível fazer com que essa taxa pudesse ser aplicada. Mas tal medida salvaria a economia dos países dependentes, como o Brasil. Não estaríamos sujeitos a ataques de moeda por parte dos especuladores nacionais, que são importantes.  

E, nesse ponto, concordo com John Kenneth Galbraith, que dizia que não deveríamos ouvir o Friedman, mas que nele deveríamos prestar atenção. Mas ele tem razão quando diz que os especuladores não são um mal. E por quê? Porque despertam a sociedade e os governos para a realidade. Os especuladores antecipam os fatos, quando os governos são surdos, e isso é importante.  

Mas o fundamental é que este País tem um potencial fantástico. Temos um moderno parque industrial, que continua se desenvolvendo. Se prestarmos atenção, verificaremos que as únicas importações que subiram neste semestre foram as de bens finais, de máquinas. Houve uma queda forte nas importações, enquanto que as exportações de bens de capital cresceram, demonstrando a modernização do nosso mercado, que é a única forma de concorrermos internacionalmente. Somos fracos concorrentes, e, por isso, nossas exportações não crescem, não se desenvolvem.  

Temos, pois, que adquirir competitividade. Temos que saber fazer o marketing da nossa produção. Temos que ter um apoio maior nos financiamentos e dar à capacidade produtiva do País - não só à grande empresa, mas especialmente às médias e pequenas empresas, que são as grandes geradoras de atividade - os meios de que ela precisa.  

Vamos adotar aqui o modelo italiano, que apoiou as pequenas indústrias, os pequenos empresários, por meio de associações, cooperativas e blocos, transformando essas atividades em grande fonte de exportação. A Itália, como conseqüência, adquiriu uma posição muito boa no mercado internacional.  

Todas essas medidas são importantes, Sr. Presidente, mas, sobretudo, é importante o que tenho ouvido neste Senado por parte dos mais diferentes partidos e ideologias: todos querem o bem do Brasil. O importante é que queiramos o bem desta terra.  

Muito obrigado.  

 

I í


Este texto não substitui o publicado no DSF de 25/08/1999 - Página 21995