Discurso durante a 106ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

REFLEXÕES SOBRE A "MARCHA DOS CEM MIL".

Autor
Marina Silva (PT - Partido dos Trabalhadores/AC)
Nome completo: Maria Osmarina Marina Silva Vaz de Lima
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO.:
  • REFLEXÕES SOBRE A "MARCHA DOS CEM MIL".
Aparteantes
Edison Lobão, Eduardo Suplicy, Heloísa Helena.
Publicação
Publicação no DSF de 26/08/1999 - Página 22141
Assunto
Outros > GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO.
Indexação
  • CRITICA, GOVERNO, FALTA, DEMOCRACIA, MANIFESTAÇÃO COLETIVA.
  • ELOGIO, REAVALIAÇÃO, OPINIÃO, GOVERNO, MANIFESTAÇÃO COLETIVA.
  • CRITICA, GOVERNO, DESCUMPRIMENTO, PRIORIDADE, PAIS.

A SRª MARINA SILVA (Bloco/PT - AC. Como Líder. Sem revisão do oradora.) - Sr. Presidente, peço autorização para falar sentada e aviso aos Colegas que a voz rouca é da gripe, ainda não é a voz rouca das ruas. A voz rouca das ruas virá amanhã, se Deus quiser, com a Marcha dos Cem Mil. Aliás, dá para fazer um bom trocadilho: não são apenas cem mil, são os sem-dez, os sem-centavo, os sem-emprego, os sem-terra, os sem-oportunidade de vida, neste País de tantas riquezas e que vive lado a lado com uma profunda pobreza e miséria.  

Sr. Presidente, fiquei muito feliz ao ouvir do Líder do Governo uma reavaliação na abordagem que vinha sendo feita com relação à manifestação democrática que o povo brasileiro estará fazendo amanhã na Esplanada dos Ministérios. E devo dizer que essa reavaliação está de acordo com o sentido democrático dessa marcha. Essa marcha está se dirigindo a Brasília e vem mostrar ao Presidente da República que os rumos que estão sendo dados à política econômica e social, à situação que o País está atravessando não estão de acordo com as expectativas do povo brasileiro.  

Inicialmente, tentou-se caracterizar a marcha como golpismo, como uma tentativa de desrespeito às instituições democráticas. A democracia permite que os que não estão de acordo possam manifestar sua vontade, sua opinião. Existem duas formas para manifestarmos nossa vontade e nossa opinião. Uma destas é através do discurso, a outra é indo às praças mostrar ao Governo e aos governantes que a situação não está adequada.  

Vejo que houve uma reavaliação na abordagem que estava sendo dada à marcha. O tom anteriormente colocado não contribuiu para a democracia. Também é antidemocrático não permitir a manifestação e desqualificar os que têm uma opinião contrária, simplesmente com uma posição que considero arrogante. Fico feliz, reitero, que tenham reavaliado. Existem pessoas que conseguem ter uma postura arrogante quando estão por cima, mas não recomendo tal postura em nenhum momento. Quando se está bem, quando o Governo vai bem, quando está com altos índices, quando as políticas econômica e social vão bem, está tudo em ordem para os que gostam da arrogância.  

No entanto, estamos vivendo uma situação que as pesquisas indicam ser de queda na popularidade do Governo. Digo do Governo porque não quero centralizar o fato em pessoas. A sociedade está fazendo uma crítica à política governamental que não está conseguindo suceder-se, pois não dão continuidade às metas do próprio Governo. Essa crítica não pode ser entendida como golpismo ou qualquer outro dos adjetivos que já foram dados como: neobobos, cassandras, caipiras, tantos que já foram usados para tentar desqualificar qualquer iniciativa da Oposição neste País.  

Sr. Presidente, é interessante a forma como o Governo brasileiro faz a crítica. Aqui não estou me referindo ao Líder José Roberto Arruda, que disse que esta marcha é um desafio de todos nós, do Governo e da Oposição, no sentido de vivenciarmos na prática o jogo democrático. Agora, algumas outras lideranças do Governo, incluindo ministros e o próprio Presidente Fernando Henrique Cardoso, hoje tentam dizer que a marcha será inócua. Não pode ser inócua a manifestação de cem mil pessoas ou mais, e espero que sejam mais de cem mil, aqui em Brasília, para dizer: "Basta, FHC", "Basta, FHC", repito. Estou dizendo: basta dessa política que privilegia os bancos, basta dessa política que privilegia aqueles que já são privilegiados em detrimento à agricultura. E quando falo da agricultura não estou me referindo àqueles que tinham altas dívidas e queriam dar o calote, estou me referindo aos pequenos.  

Quando digo basta, estou dizendo que basta da política que faz cortes em investimentos destinados a áreas sociais e que, drasticamente, tiveram cortes no Orçamento deste ano com prejuízo irreparáveis do ponto de vista de uma política comprometida com o interesse da sociedade. Isto é democracia. Isto é aprender não com a minha voz rouca, mas com a voz rouca da ruas que está chegando a Brasília para dar uma demonstração de que o Governo precisa mudar de rumo. E, neste momento, a sabedoria nos indica que somos eleitos para representar as pessoas, e não para substituí-las, porque a história, independentemente dos governantes, avança. E avança com ou sem os governantes, mas nunca sem as pessoas, sem a sociedade.  

Quando os governantes não avançam, quando eles se atrasam, a sociedade se manifesta e, muitas vezes, vai adiante deles.  

O Sr. Edison Lobão (PFL - MA) - V. Exª me permite um aparte?  

A SRª MARINA SILVA (Bloco/PT - AC) - Concedo o aparte a V. Exª.  

O Sr. Edison Lobão (PFL - MA) - A Marcha dos Cem Mil sobre Brasília está sendo aguardada até com uma certa ansiedade por todos nós. A minha preocupação é que não haja acidentes e que todos passem bem durante essa viagem. A preocupação da Oposição é outra: que ela tenha sucesso, êxito, que possa fazer um grande protesto nacional. E contra quê? Contra os pontos que V. Exª acaba de arrolar e que constituem, de certo modo, as vitórias do Governo. Nunca se teve uma safra de grãos como se teve agora neste Governo. Nunca se aplicou tanto no social como aplicou agora este Governo. Quanto devem os ruralistas, que V. Exª apóia e que eu também apóio? Devem mais de 25 bilhões de reais. Esse é um dinheiro do povo, que precisa ser emprestado para produzir, mas que precisa voltar aos cofres do povo, que são os cofres do Banco do Brasil. Não podemos permitir que esse dinheiro simplesmente desapareça. Não! O dinheiro tem de produzir na agricultura e voltar. O que está ocorrendo é que boa parte desses recursos não voltam aos cofres públicos. Enfim, aquilo sobre o que a Oposição protesta, ironicamente constitui o sucesso do Governo. Ouço a todo instante falar sobre reforma agrária. Ora, nunca se fez tanta reforma agrária no Brasil quanto neste Governo. Mas a Oposição não cessa de protestar, de reclamar, o que é o seu papel. A Oposição não constrói de outro modo, tenta construir destruindo o que o Governo realiza.  

A SRª MARINA SILVA (Bloco/PT - AC) - Discordo do aparte de V. Exª em dois aspectos. Primeiro o de que a Oposição quer apenas que seja um sucesso de protesto. A Oposição também não quer que ocorra nenhum incidente, pelo contrário, deseja que o movimento se dê dentro da normalidade democrática.  

Por último, discordo do final do aparte de V. Exª quando diz que a Oposição não constrói e tenta fazer política destruindo aquilo que o Governo constrói. V. Exª está inteiramente equivocado. A Oposição constrói quando diz para o Governo que algumas de suas iniciativas - que são várias - estão equivocadas e precisam mudar. Um governo democrático fica atento àquilo que a Oposição diz para poder corrigir os rumos do seu governo. Neste momento, não há uma oposição partidária, a oposição vem da realidade dos fatos.  

Os cem mil que estão chegando em Brasília não são só do PC do B e do PDT. Os índices de pesquisa da popularidade do Presidente, que está caindo, não são feitos apenas com base em pessoas ligadas a esses Partidos, são pessoas da sociedade. Portanto não é uma oposição que destrói, mas que constrói a partir de uma realidade que precisa ser transformada.  

Não é correto se dizer que nunca foi investido tanto na área social como se está investindo. O que se está investindo hoje talvez seja proporcional ao que já era investido na época do Governo Itamar. O problema é que houve um acréscimo de demanda. Hoje o próprio Banco Mundial, o FMI reconhecem que precisa haver uma rede de proteção social, de investimentos para combater as mazelas da crise provenientes do ajuste do Governo.  

Não podemos tapar o sol com a peneira. Até entendo que os líderes do Governo queiram defendê-lo. Todavia, não posso compreender que essa defesa seja calcada em algo insofismável. Hoje o índice de desemprego da população economicamente ativa em São Paulo é de 20%. Lá o índice localizado é de mais de 8%, perdendo apenas para a Bahia, cujo índice é de 10%, perfazendo um total de 120 mil desempregados.  

A realidade é muito triste neste País. Se formos capazes de perceber a gravidade do momento que vive o País, democraticamente cresceria o Governo e a Oposição. Não podemos sofismar a realidade. O próprio Presidente Fernando Henrique Cardoso, numa entrevista concedida à Rede Globo , admite que fez tudo o que era possível fazer e até mesmo o que não gostaria de fazer e que estamos pagando um preço muito alto por essas medidas que Sua Excelência tomou, obrigado talvez pelas exigências do FMI, embora não quisesse assim proceder. São palavras do Presidente da República.  

Do meu ponto de vista, porém, um governante é obrigado a defender os interesses do seu povo. E, nesse caso - ainda devo dizer -, o próprio Presidente disse, na mencionada entrevista, que o que fez tem um culpado: o mercado. Ora, se o mercado é tão inexorável, se não há represa contra as leis de mercado, então não precisaríamos de governante. A figura do governante existe exatamente para regular, para dirigir, para criar pactos políticos que possam colocar um freio na insanidade do mercado. É por isso que o que nós estamos dizendo aqui não é algo apenas reconhecido pela Oposição. O próprio Governo reconhece que fez até o que não queria fazer e que estamos pagando um preço muito alto por isso.  

O Sr. Edison Lobão (PFL - MA) - V. Exª sabe que o mercado tem suas regras próprias. É claro que o Governo pode intervir aqui e acolá, e tem feito isso. Ainda há pouco, o Governo entrou no mercado vendendo dólar para impedir que o valor dele disparasse. Isso significa que ele está intervindo no mercado, mas não pode fazer isso a cada minuto, a cada instante. Parece que há certa tendência da Oposição a ficar no mundo antigo, no mundo carcomido, bolorento, vencido e ultrapassado. Gostaria de lembrar que no mundo moderno o mercado tem uma significação extraordinária. V. Exª fala dos indicadores sociais e diz que o que o Governo faz hoje parece com o que foi feito no Governo Itamar Franco. Realmente se fez muita coisa boa no Governo Itamar Franco, até mesmo pela mão do Presidente Fernando Henrique, que, na época, era Ministro da Fazenda. Veja a educação. O que se faz hoje na educação nunca foi feito no Brasil, e não há setor social mais importante na sociedade do que o educacional. Por último, Senadora, o FMI a mim me parece, a partir de hoje, pelas palavras de V. Exª, uma instituição demoníaca, diabólica ou uma coisa extraordinária, porque o FMI serve para a Oposição falar mal do Governo e serve para ela defender suas próprias teses.

 

A SRª MARINA SILVA (Bloco/PT - AC) - Eu considero o aparte de V. Exª, muito embora V. Exª não me houvesse feito o pedido...  

O Sr. Edison Lobão (PFL - MA) - Pelo que me desculpo.  

A SRª MARINA SILVA (Bloco/PT - AC) - Como a Oposição é democrática, ouvi V. Exª até o final. Para responder a essa afirmação de que a Oposição fica no passado, numa posição retrógrada, bolorenta, eu diria o seguinte: posição retrógrada, antiga, desde o início da ocupação do Brasil, é estar subordinado aos interesses da metrópole, daqueles que nos colonizaram e que continuam colonializando mesmo após todo esse rompante de modernidade. É ficar na posição bolorenta daqueles que continuam aplicando receitas que levam exatamente ao bolor da política social, ao bolor da política econômica e ao bolor de uma política que amanhã será contestada nas ruas.  

Uma posição que indica rumos, que apresenta propostas, que tenta oferecer sugestão de mudança não pode ser considerada retrógrada. A não ser por aqueles que já esqueceram que avançado e moderno é ser capaz de compreender que a verdade independe da ação da vontade dos governantes. Quem não quer enxergar a realidade não enxerga; continua sofismando a realidade. Mas quem quer aprender alguma coisa, há de perceber que os índices não estão caindo por acaso, há de perceber que o "tratoraço" que houve aqui não aconteceu por acaso, há de perceber que a passeata dos cem mil, dos sem-terra, dos sem-tostão, dos sem-cruzado, dos sem-emprego, dos sem-nada, também não ocorreu por acaso e essas manifestações não estão ocorrendo por acaso.  

Concedo o aparte à ilustre Senadora Heloisa Helena.  

A Srª Heloisa Helena (Bloco/PT - AL) - Senadora Marina Silva, com muia alegria, quero saudar V. Exª pelo pronunciamento. Eu estava disposta a não pedir aparte, até porque, como eu já disse o que queria na segunda-feira, hoje eu queria dar boas-vindas aos caminhantes. Se pudesse, eu daria as boas-vindas aos caminhantes do mesmo modo que as Meninas de Sinhá, em Belo Horizonte; nos caminhantes e sem-terras, eles jogaram água-de-cheiro e pétalas de rosa. A minha disposição no dia de hoje era dar boas-vindas aos caminhantes de todo o Brasil, às mulheres e aos homens de bem e de paz que estarão aqui fazendo essa belíssima declaração de amor à Nação brasileira, lutando pelo seu País, lutando pelas futuras gerações. Mas depois do aparte do Senador Edison Lobão eu me senti muito motivada a entrar nesse debate também - sem querer, claro, gastar o precioso tempo de V. Exª -, porque acabei me sentindo pressionada pela Bancada do Walter Mercado, que fica o tempo todo esperando a sinalização do "disque já do FMI". É igualzinho. A Bancada do Walter Mercado fica com esse discurso de que o mercado é isso, de que o mercado é aquilo, de que a globalização é isso, de que a globalização é aquilo, quando todos nós sabemos, qualquer teórico medíocre sabe, que o único modo de se inserir na globalização não é agir da forma subserviente, incompetente, fracassada, insensível, como o Governo Federal teima em agir. Outra questão que é sempre colocada em relação à modernidade... Deus do céu, existe coisa mais primitiva, mais pouco civilizada do que a fome? Existe coisa mais primitiva, mais pouco civilizada do que uma criança na rua vendendo o corpo em troca de um prato de comida ou de um pai ou uma mãe de família indo para a marginalidade, dando tiros e roubando, para alimentar seus filhos? Isso que é primitivo, isso que não é civilizado, isso que não é moderno! Eu entendo a arrogância de muitos representantes do Governo Federal, por dois motivos. O primeiro é que a arrogância limita a capacidade do olhar, a arrogãncia limita a capacidade de enxergar. O desespero, claramente demonstrado por tudo que está acontecendo no País, também faz com que as pessoas usem determinadas palavras para criticar a Oposição, mas não conseguem, porque elas fracassaram. A situação hoje do Brasil é a mais clara demonstração de que a elite política e econômica que comandou o País até agora fracassou; ela foi tão incompetente e insensível que não conseguiu sequer continuar deixando este País inteiro para poder continuar parasitando. Hoje, ela só pode viver como saprófita, porque já não existe nação para que elas possam parasitar. Sei que muitas pessoas que amam este Brasil vão estar aqui espiritualmente no dia de amanhã; muitas vão estar nos seus Municípios, nas suas casas, nas suas favelas, nos espaços públicos, nos mais diversos lugares, mas torcendo para que essa marcha dê certo. Muitos participaram da coleta de assinaturas que nada mais faz que cumprir a Constituição. Quando se é dado um mandato a alguém, isso não significa que é para ele fazer o que quiser, não é para ele tratar os cofres públicos como se fosse uma caixinha de objetos pessoais. A Constituição estabelece - e é obrigação nossa cumprir o que está no art. 85 - o enquadramento do processo de crime de responsabilidade em relação ao Presidente. Portanto, tenho absoluta certeza de que a marcha de amanhã será bonita, pacífica, como o povo brasileiro quer; uma marcha em que efetivamente todas as pessoas que lutam pela Nação, todas as pessoas que lutam por uma sociedade justa e igualitária, fraterna, solidária, vão estar, de alguma forma, em seus Municípios torcendo. Muitas pessoas deram belíssimas declarações de dor e, ao mesmo tempo, de esperança, quando estavam colocando a sua assinatura no abaixo-assinado, seja na feira, seja no comércio, seja nos sindicatos, seja em qualquer lugar. A esperança que as pessoas estavam colocando é aquela que, tenho certeza, os brasileiros vão demonstrar amanhã. São muitas adversidades, são muitas tristezas, muito desencanto e muita desilusão. Mas amanhã é o dia de arrancar a desilusão do coração e preenchê-lo com muita coragem, muita esperança, para que se dê essa belíssima demonstração de amor à Nação brasileira, participando da marcha. Portanto, quero saudar V. Exª, repito, pelo pronunciamento que faz nesta tarde.  

A SRª MARINA SILVA (Bloco/PT - AC) - Agradeço o aparte de V. Exª.  

O SR. PRESIDENTE (Ademir Andrade) - Senadora Marina Silva, embora solidário com V. Exª, tenho de ser imparcial. O tempo de V. Exª já se esgotou.  

A SRª MARINA SILVA (Bloco/PT - AC) - Agradeço a admoestação de V. Exª. Não peço a mesma aquiescência que temos para com alguns oradores que às vezes ficam até três ou quatro horas na tribuna, mas um pouquinho mais de paciência para que eu possa ouvir o Senador Eduardo Suplicy.  

Queria dizer a V. Exª, Senadora Heloisa Helena, que, para algumas pessoas, moderno é receber um elogio dos grandes jornais internacionais, talvez no The New York Times , dizendo que o Governo está realmente fazendo, de acordo com as regras do FMI, aquilo que tem de fazer. Muito embora cada frase elogiosa de pseudomodernidade signifique perda de milhares e milhares de empregos, signifique cortes drásticos na área social e faça com que o nosso País continue de cabeça baixa como assim o fazia desde o início da sua colonização.  

Concordo inteiramente com V. Exª quando diz que amanhã teremos uma grande manifestação, para a qual as pessoas vêm para contribuir, porque também recebo contribuições daqueles que discordam de mim. Aliás, as grandes contribuições que recebi foram dadas por pessoas que, em algum momento, discordaram do meu posicionamento, fazendo-me ver a situação de uma outra forma.  

O Brasil precisa ser visto de uma outra maneira. Talvez precise ser visto de frente, porque as pessoas ficam de costas para o Brasil e de frente para o FMI.  

O Sr. Eduardo Suplicy (Bloco/PT - SP) - V. Exª me permite um aparte?  

A SRª MARINA SILVA (Bloco/PT - AC) - Ouço V. Exª com prazer.  

O Sr. Eduardo Suplicy (Bloco/PT - SP) - Bem ressalta V. Exª a importância e o significado da marcha que amanhã chega a Brasília. A Senadora Heloisa Helena também demonstrou que essa marcha pode ser vista como um ato de amor dos brasileiros para com a nossa Nação. V. Exª mostra a oportunidade, inclusive, de o próprio Presidente se voltar e olhar de frente essas pessoas que vêm dizer da sua insatisfação, da sua indignação e da sua vontade de transformar as instituições brasileiras. Esperam que os instrumentos de política econômica possam alterar as condições que hoje caracterizam tão alta taxa de desemprego, tamanha proporção de pessoas que vivem em condições de pobreza e de marginalidade e a falta de atenção das autoridades em ter o sentido da urgência necessária até para a realização da reforma agrária. Se ontem o Presidente Fernando Henrique Cardoso recordou Joaquim Nabuco como um exemplo de pessoa, pergunto: quem mais, na história brasileira, teria tal senso de urgência sobre a necessidade de transformar, de abolir a escravatura do que Joaquim Nabuco? Entretanto, os passos de Sua Excelência não vêm na mesma direção. E gostaria até de ponderar algo que, segundo sei, incomoda o Presidente, mas é uma das razões pelas quais tantas pessoas vêm aqui a Brasília em marcha. Refiro-me ao abaixo-assinado que está sendo trazido a Brasília, para o Presidente da Câmara dos Deputados, Michel Temer, e, obviamente, para o Presidente do Congresso, que será entregue amanhã, com assinaturas de pessoas de todos os segmentos da Nação brasileira, centenas de milhares de assinaturas, possivelmente um milhão delas, solicitando aos Srs. Parlamentares que assinem, em número suficiente, o requerimento de informações para que façamos a apuração do que aconteceu no processo de privatização das empresas do Sistema Telebrás. E fico pensando: estivesse na Presidência da República qualquer membro do Partido dos Trabalhadores e/ou da Oposição, ou ainda, estivesse eu na Presidência de qualquer governo, nossa atitude seria a de primeiro dizer: "Se a Oposição quer apurar, quer conferir em profundidade, então, digamos à nossa base parlamentar que assine esse requerimento, proporcionando o direito de defesa, para que não restem dúvidas sobre o que, efetivamente, aconteceu, procedendo-se, assim, à apuração completa dos fatos, com toda a isenção e parcialidade.

 

A SRª MARINA SILVA (Bloco/PT - AC) - Agradeço o aparte de V. Exª e o incorporo ao meu pronunciamento.  

Concluo, Sr. Presidente, dizendo que, amanhã, teremos uma grande oportunidade de colocar o Brasil de frente para si mesmo. E, reiterando o que disse anteriormente, lembro que a história muda com os governantes ou apesar deles. Contudo, quem sempre faz mudar a história é a força viva da sociedade, que é capaz de fazer essa transformação. E a transformação social não pode ser contida. Queiramos ou não, ela vai acontecer.  

E, neste momento, a sociedade, de forma democrática, respeitando a Constituição Federal, diz ao Governo brasileiro que basta! Basta desta política que está levando a sociedade brasileira a altos índices de desemprego; que está levando o povo brasileiro a perder a dignidade! É isso que o Governo, a sua base de sustentação, tem que compreender.  

Aliás, creio que essa posição foi muito bem compreendida, pelo menos em parte, por um querido Senador que, hoje, enviou-nos caixas de abacaxi. Agradeço ao Senador Leomar Quintanilha e até pergunto se S. Exª não mandou nenhuma para o Palácio do Planalto. Se não o fez, que mande várias delas, porque, talvez, o Congresso Nacional seja o endereço certo para os abacaxis que o povo está vivendo; porém, o melhor endereço continua sendo o Palácio do Planalto.  

 

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Este texto não substitui o publicado no DSF de 26/08/1999 - Página 22141