Discurso no Senado Federal

CONSIDERAÇÕES SOBRE A POSTURA DO PRESIDENTE FERNANDO HENRIQUE CARDOSO DIANTE DA MANIFESTAÇÃO POPULAR PROGRAMADA PARA AMANHÃ, NA ESPLANADA DOS MINISTERIOS.

Autor
José Roberto Arruda (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/DF)
Nome completo: José Roberto Arruda
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO.:
  • CONSIDERAÇÕES SOBRE A POSTURA DO PRESIDENTE FERNANDO HENRIQUE CARDOSO DIANTE DA MANIFESTAÇÃO POPULAR PROGRAMADA PARA AMANHÃ, NA ESPLANADA DOS MINISTERIOS.
Aparteantes
Eduardo Suplicy.
Publicação
Publicação no DSF de 26/08/1999 - Página 22139
Assunto
Outros > GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO.
Indexação
  • ESCLARECIMENTOS, OPINIÃO, GOVERNO FEDERAL, MANIFESTAÇÃO COLETIVA.
  • ANALISE, IGUALDADE, RESPONSABILIDADE, GOVERNO, OPOSIÇÃO, DEFESA, DEMOCRACIA.

O SR. JOSÉ ROBERTO ARRUDA (PSDB - DF. Como líder. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, raras vezes o Líder do Governo, nesta Casa, vem à tribuna, neste horário, como prevê o Regimento, para uma manifestação. Mas penso ser importante deixar aqui, mais uma vez, de forma clara, a posição do Governo Federal frente à manifestação prevista para amanhã.  

Alguns Senadores, e em particular o Senador Lúcio Alcântara, já o fizeram nesta Casa, mas penso ser importante dizer que entendemos que manifestações populares são parte do jogo democrático. Quem discorda das ações do Governo tem o legítimo direito de ir às ruas para protestar contra o que considera incorreto.  

A luta pela conquista desse direito, que é de todos nós, foi que alimentou a resistência ao período de arbítrio. Protestos de rua são a essência da democracia. Por isso mesmo, os democratas não podem aceitar que essas manifestações sirvam de pretexto para alguns poucos que querem exatamente destruir a democracia.  

No Brasil, as oposições têm a tradição histórica de opor-se aos governos, sempre em defesa dos interesses do Brasil. Seria um erro a idéia minoritária - é importante frisar - de dizer "tudo contra o governo, ainda que isso sacrifique os interesses do Brasil". Isso não é retórica.  

As palavras de ordem forjadas pelo que - imagino - seja uma minoria de líderes desprezam o sagrado compromisso com as instituições democráticas. Mas, há de se reconhecer, na grande maioria das lideranças que organizam o movimento de críticas ao Governo Federal, o sentido democrático dessas manifestações.  

Penso que todos nós - e aí dirijo-me especialmente à Senadora Marina Silva, como Líder do Bloco de Oposição nesta Casa - estamos sendo testados nesta hora, no exercício do jogo democrático. Os que estamos no Governo, temos a responsabilidade de garantir a livre manifestação dos que se opõem. Mais do que isso, de manter a ordem e a integridade dos cidadãos brasileiros que fazem essa manifestação. Por outro lado, têm os Líderes da Oposição a responsabilidade de exercitar a crítica, que é o que se espera deles, mas dentro do jogo democrático, sem ferir as regras da convivência democrática.  

Sr. Presidente, não tenho dúvida de que os pessimistas, a esta hora, já estão arrependidos. Não tenho a menor dúvida de que a democracia brasileira, nova, mas madura, mostra-se, pelas declarações de seus Líderes, do Governo e da Oposição, consciente da hora que vivemos. E não tenho dúvidas também - mais do que uma crença, mais do que uma esperança é a minha convicção - de que teremos amanhã uma manifestação democrática, pacífica, tendo o Governo, inclusive, a humildade de ouvir as eventuais sugestões objetivas que lhe forem dirigidas, mas repudiando publicamente, repudiando de plano qualquer agressão, que, a pretexto de ser contra o Governo, passe a atingir a democracia brasileira e, portanto, seja contrária aos interesses do País.  

Há de se ter uma diferença clara. É possível fazer oposição ao Governo sem fazer oposição ao País; é possível exercitar a crítica sem destruir os pilares do regime democrático.  

Arrependem-se também aqueles que previam para este ano um cenário econômico muito negativo. Dificuldades existem, e não vamos aqui tapar o sol com a peneira, mas a grande realidade é que aquelas previsões apocalípticas do começo do ano fracassaram. Onde está, por exemplo, a ruptura do fluxo de investimentos? O Produto Interno Bruto, cresceu 0,78% no primeiro trimestre deste ano em relação ao último trimestre do ano passado e, entre maio e junho, já houve a criação de 330 mil novos empregos no País. A manter-se esse ritmo - e nada indica o contrário -, até o final do ano, serão criados mais de 1 milhão de novos empregos. As taxas de juros declinaram 25,5% entre março e agosto. E neste ano já entraram no País US$18 bilhões, podendo chegar em dezembro a US$23 bilhões.  

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, não é por acaso que o Brasil está superando, antes e melhor do que se imaginava, os efeitos da mais grave crise econômica mundial da segunda metade deste século. Outros países acompanham com interesse e admiração esse processo, e estão copiando até a nossa receita para superar a crise. A fórmula dessa recuperação tem um ponto vital: a coragem do Presidente Fernando Henrique em adotar medidas difíceis, amargas, impopulares até, para enfrentar as imensas dificuldades surgidas com a crise internacional. E a tenacidade e a competência da própria população brasileira, para manter o ritmo e os rumos da nossa economia, mesmo diante das incompreensões.  

Mas é preciso dizer que o Presidente Fernando Henrique não faz essa transição sozinho. O Governo nada faria sem o apoio decidido do Congresso Nacional. Se não faltou coragem ao Senhor Presidente para determinar a mudança no regime de câmbio e para promover uma inflexão sem precedentes na política fiscal, também não faltaram coragem e espírito público aos Srs. Congressistas, que, por longa margem de votos, aprovaram, sem exceção, todas as medidas de impacto imediato sobre a evolução das contas públicas. Com isso, o Congresso Nacional ajudou a construir a ponte necessária à transição para o novo regime fiscal e continua a dar esse apoio nas medidas complementares.  

Não há, pois, fundamento na alardeada falta de respaldo parlamentar ao Presidente da República, para que persista nos rumos traçados para o País, assim como não havia fundamento nas previsões catastrofistas de que o Brasil iria naufragar após a mudança do câmbio. Também agora, os fatos estão desmoralizando aqueles que previam o pior.  

Sr. Presidente, as últimas semanas demonstraram o tamanho dos prejuízos que a criação de um clima artificial de crise pode trazer à atividade econômica. Cabe a nós, que acreditamos no futuro deste País e trabalhamos para a superação dos problemas, desfazer esse clima e afugentar os fantasmas. Os dados sobre o desempenho da economia mostram que há razões fundadas de otimismo, cauteloso, mas otimismo e esperança.  

Estou certo de que esses dados continuarão a ser promissores, desde que não nos percamos na precipitação ou na imprudência, desde que os legítimos interesses pontuais das forças que dão sustentação ao Governo não prevaleçam sobre os interesses maiores da Nação.  

Por último, quero deixar claro que não estou, com estas palavras, querendo tapar o sol com a peneira. É claro que existe uma insatisfação real na sociedade com os problemas sociais e econômicos. Essa insatisfação é evidente, palpável. Não podemos nem ignorá-la nem minimizá-la. A melhora no desempenho das contas públicas e da economia em geral ainda é modesta. Seus resultados ainda são insuficientes para que a população possa deles beneficiar-se. Mas estamos no caminho certo, e o Congresso continuará a demonstrar o espírito público e o engajamento no processo de profundas transformações por que passa a sociedade brasileira. Com isso, em breve, os brasileiros poderão olhar para trás e verificar, com alívio, que o pior passou e que o Brasil passou a ser um País mais justo e mais solidário.  

Concluo, Sr. Presidente, registrando aqui a minha convicção e o meu desejo de que todos nós que temos responsabilidades públicas, os que damos sustentação política ao Governo e os que lhe fazem Oposição, que saberemos, no exercício inerente a essa responsabilidade pública, exercer as nossas Lideranças de tal sorte que as manifestações democráticas se realizem num clima de tranqüilidade, de equilíbrio, para que o País possa mostrar, ao mundo, que não deseja nenhum tipo de opção radical, que afasta, e afasta pela palavra dos que governam e dos que fazem oposição, afasta qualquer, ainda que frágil, sinalização no sentido da ruptura da continuidade democrática.  

Essa é a maior conquista dessa geração de brasileiros e é uma conquista de todos nós, daqueles que apóiam o Governo e daqueles que lhe dirigem críticas.  

É por isso, Sr. Presidente, que, se há um ponto de convergência, neste momento, entre as Lideranças do Governo e da Oposição, o que deve prevalecer, neste grave momento da vida brasileira, é o equilíbrio, o bom-senso, a sensatez, e, a partir disso, eu não tenho dúvidas, nós terminaremos por superar os momentos de dificuldades que este País vive.  

O Sr. Eduardo Suplicy (Bloco/PT - SP) - V. Exª me permite um aparte, Senador José Roberto Arruda?  

O SR. JOSÉ ROBERTO ARRUDA (PSDB - DF) - De minha parte, sim. Se o Regimento Interno permitir, ouço V. Exª, com muito prazer.  

O Sr. Eduardo Suplicy (Bloco/PT - SP) - Senador José Roberto Arruda, é importante que V. Exª, como Líder do Governo, assinale o espírito de estar ouvindo o clamor de todos aqueles que chegarão para essa marcha de protesto contra fatos concretos, que estão a caracterizar a vida brasileira e que espelham um grau de insatisfação muito grande com o Governo Fernando Henrique Cardoso. A marcha chega ao mesmo tempo em que os indicadores de pesquisas de opinião, feitas por todos os institutos de pesquisa, mostram o Governo Fernando Henrique com os mais baixos índices de aprovação desde que assumiu, com pontos tão baixos quanto os de governos anteriores. Será que o que o Governo está realizando é suficiente? Temos uma economia caracterizada pela estagnação, e o IBGE acaba de divulgar que, em 1998, houve ligeiro declínio no valor da produção de bens de serviços. Esse dado demostra que, neste ano, estamos crescendo menos de 1%; quando a potencialidade da economia brasileira era, certamente, por tudo aquilo que se realizou na história, no pós-guerra, a de crescer acima de 7%. Durante os primeiros oito meses deste ano, os primeiros oito meses do Governo Fernando Henrique Cardoso, foram registradas taxas de desemprego das mais altas e continuamos a liderar a lista dos países com maior desigualdade no mundo. Só Serra Leoa nos é próxima, com índices de desenvolvimento humano também muito aquém do que seria de se esperar. Portanto, é lógico que haja um sentimento enorme de protesto. Senador José Roberto Arruda, quando o Presidente do Senado chamou a atenção do Governo Fernando Henrique Cardoso, sendo S. Exª uma das principais peças de apoio ao Presidente da República e do PFL, até a revista

The Economist acabou chamando o Presidente do Congresso Nacional de Brutus. Estranhei essa declaração, até porque imaginava que, se o Presidente do Congresso Nacional estava alertando o Presidente da República e o Congresso para a prioridade momentânea de erradicar a pobreza, essa já deveria ter sido a voz de bom-senso. O Presidente Fernando Henrique Cardoso ontem lembrou Joaquim Nabuco. Mas Joaquim Nabuco falava no Congresso Nacional da urgência de se abolir a escravidão. E o sentimento dos que chegam amanhã a Brasília é de que o senso de urgência não está caracterizando as ações deste Governo. Quero, neste instante, transmitir a V. Exª, Líder do Governo no Congresso Nacional, esse sentimento e convidá-lo a comparecer amanhã ao gramado diante do Congresso Nacional.  

O SR. JOSÉ ROBERTO ARRUDA (PSDB - DF) - Senador Eduardo Suplicy, agradeço o aparte.  

O SR. PRESIDENTE (Antonio Carlos Magalhães) - Excelência, apenas para advertir: não será no gramado do Congresso Nacional, mas no gramado da Esplanada dos Ministérios.  

O Sr. Eduardo Suplicy (Bloco/PT - SP) - Da Esplanada dos Ministérios. E espero que não haja cachorros para não causar mais prejuízos ao Presidente Antonio Carlos Magalhães.  

O SR. JOSÉ ROBERTO ARRUDA (PSDB - DF) - Senador Eduardo Suplicy, agradeço o aparte.  

Espero que na manifestação de amanhã não haja cachorros, muito menos aqueles que conseguem rasgar as roupas em sentido reto. Isso, realmente, não é bom.  

Senador Eduardo Suplicy, direi a V. Exª duas palavras. A primeira é que as críticas pontuais que V. Exª e líderes responsáveis da Oposição dirigem ao Governo são importantes e devem ser trazidas à reflexão e ao debate, para que se verifiquem os caminhos de que dispomos.  

A grande verdade é que a mesma crise que bateu às nossas portas levou a nocaute a Rússia, quebrou o México, tirou 15% do PIB da Venezuela, e nós brasileiros mantivemos a estabilidade econômica. É claro que estamos sofrendo o impacto dessa crise econômica internacional sem precedentes, mas a economia brasileira recupera-se muito mais rapidamente do que imaginavam seus críticos e os pessimistas.  

Agora, a segunda questão, Senador Suplicy, é para reflexão, por intermédio de V. Exª, de alguns outros líderes talvez não tão democratas. Desta tribuna, digo que discordo de muitas das idéias defendidas por V. Exª, e V. Exª discorda de muitas das minhas. Mas não questiono o seu mandato, conquistado nas urnas, e V. Exª não questiona o meu, que também fui eleito.  

A partir do instante que, além das críticas a esta ou aquela política pública, aos rumos da economia ou a esta ou aquela decisão de governo, se deseja questionar mandatos legítimos conquistados nas urnas, não se faz mais oposição ao Governo, mas ao sistema democrático, e, portanto, ao País.  

Com essas palavras, Sr. Presidente, encerro este meu pronunciamento, agradecendo a compreensão de V. Exª. Muito obrigado.  

 

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Este texto não substitui o publicado no DSF de 26/08/1999 - Página 22139