Discurso no Senado Federal

ANALISE DA CONCENTRAÇÃO DA PROPRIEDADE RURAL NO PAIS E A NECESSIDADE DA REFORMA AGRARIA.

Autor
Amir Lando (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/RO)
Nome completo: Amir Francisco Lando
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
REFORMA AGRARIA.:
  • ANALISE DA CONCENTRAÇÃO DA PROPRIEDADE RURAL NO PAIS E A NECESSIDADE DA REFORMA AGRARIA.
Publicação
Publicação no DSF de 27/08/1999 - Página 22253
Assunto
Outros > REFORMA AGRARIA.
Indexação
  • ANALISE, HISTORIA, BRASIL, AUMENTO, CONCENTRAÇÃO, PROPRIEDADE RURAL, NECESSIDADE, URGENCIA, REFORMA AGRARIA, OBJETIVO, DESENVOLVIMENTO.
  • VANTAGENS, REFORMA AGRARIA, CRIAÇÃO, EMPREGO, DEFESA, AGRICULTURA, OCUPAÇÃO, MÃO DE OBRA, PRODUÇÃO, RIQUEZAS.
  • CRITICA, GOVERNO, OMISSÃO, REFORMA AGRARIA, DEFESA, ATENDIMENTO, INVASÃO, SEM-TERRA, RESTABELECIMENTO, FUNÇÃO, PROPRIEDADE, PREVENÇÃO, CONFLITO, REVOLTA.
  • REGISTRO, CONFLITO, TERRAS, ESTADO DE RONDONIA (RO), ATRASO, ATUAÇÃO, INSTITUTO NACIONAL DE COLONIZAÇÃO E REFORMA AGRARIA (INCRA).
  • DEFESA, OCUPAÇÃO, AGRICULTURA, REGIÃO AMAZONICA, GARANTIA, SOBERANIA NACIONAL.

O SR. AMIR LANDO (PMDB - RO. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o tema que pretendo abordar talvez não seja comum nesta Casa, mas analisando os dados sobre a concentração da propriedade no campo, comparando-os com aqueles vigentes ainda em 1964, sinto-me obrigado a tecer alguns comentários sobre a reforma agrária, tema, como dizia Tito Lívio, que suscita discussões desde que a primeira lei agrária em Roma foi aprovada pelo Cônsul Espúrios Cassius, em 486 AC. A matéria não é espúria, mas não há dúvidas de que Cícero já falava que todas as tentativas de reforma agrária eram criminosas, sobretudo quando sustentou contra Catilina uma contenda que o levou à morte e cujo tema fundamental era a questão social e a reforma agrária.  

Na exposição de motivos que encaminhou ao Congresso Nacional com o projeto de lei do Estatuto da Terra, o então Presidente Castello Branco falava que 20% dos proprietários detinham 80% da área agrícola nacional e 80% dos proprietários possuíam apenas 20% da terra brasileira. Depois de trinta e quatro anos de ação de reforma agrária, de acordo com números divulgados pela imprensa, o quadro de concentração de propriedade aumentou de maneira considerável. Hoje 89,3% dos estabelecimentos rurais ocupam os mesmos 20% da área, enquanto 10,7% de proprietários detêm 80% do solo pátrio.  

Veja, Sr. Presidente, que, em 1964, quando se reclamava pela necessidade de se fazer uma reforma agrária, a concentração da propriedade estava menor do que hoje, quando apenas 10,7% dos proprietários detêm os mesmos 80% da área. Trata-se, portanto, de uma frustração brutal no processo de reforma agrária.  

Sabemos - e qualquer análise da história fundiária dos países desenvolvidos ou dos países em desenvolvimento pode comprovar - que, num dado momento, a repartição da terra foi essencial para a distribuição da riqueza e para o incremento do processo de desenvolvimento econômico e social.  

Tenho dito, nessa minha longa experiência voltada à reforma agrária, que ela é pré-requisito para o desenvolvimento econômico e social. Se voltássemos no tempo, até Esparta, ainda com Licurgo, que promoveu a repartição das terras, passando pelas tentativas em Roma, dos irmãos Graco, iremos verificar que, por diversas vezes mediante leis, tentaram distribuir o solo para quem quer plantar e produzir. Esse é o ponto fundamental num país territorial como o nosso, onde se constata a concentração da propriedade cada vez maior. De um lado, há demanda por terra: as famílias, os sem-terra, com fome de latifúndio; de outro, uma ação tímida do Governo em termos de reforma agrária.  

O Governo afirma que está cumprindo suas metas de reforma agrária, que já assentou milhares famílias, mais de 300 mil famílias. No entanto, o próprio IBGE reconhece - tenho aqui os dados, não há como negá-los - que existem 4 milhões e 500 mil famílias de sem-terra, ou seja, de braços aptos para o trabalho, esperando uma oportunidade de ocupar o solo e produzir. Esse número não difere muito dos do movimento dos sem-terra. Segundo eles, há 4,8 milhões de famílias esperando assentamento.  

Acontece, Sr. Presidente, que para se fazer reforma agrária é preciso de um projeto nacional, decisão política e inabalável convicção de que essa é a maneira mais barata de se gerar emprego. Sabemos que gerar um emprego na área siderúrgica custa entre R$70 mil a R$150 mil e na agricultura o custo pode ser reduzido a R$16 mil. Veja V. Exª que há um diferencial a favor da reforma agrária: a agricultura é a maneira mais barata de ocupar a mão-de-obra brasileira e, mais do que isso, de gerar riquezas das terras incultas, das terras improdutivas e, sobretudo, das terras devolutas que a União tem em abundância na Região Amazônica. O que acontece é a falta de ação efetiva e peremptória dos órgãos encarregados da reforma agrária, seja do Ministério, seja do INCRA. Percebe-se que o Governo Federal também quer descartar essa atitude essencial, que exige poder supremo. É importante dizer que a questão da reforma agrária não se resolve no âmbito do município, que não tem poder de império para impor decisão tão relevante e significativa na modificação da estrutura fundiária brasileira. Também os Estados, além dos recursos, não dispõem dessa vontade e dessa organização, às vezes sem face, abstrata. Necessita-se de um poder que não pode pressionar face a face na figura do prefeito e, às vezes, do governador.  

Por isso, o que nos preocupa é que a reforma agrária saia desse estrépito da mídia e passe para o campo, para a situação real dos acampamentos dos sem-terra. Enquanto entendo que é ilegítima a pretensão das invasões, também não se pode, de maneira nenhuma, concordar com a falta de ação no que se refere à reforma agrária. Ela deve ao menos, atender aos focos e demandas, àquelas situações mais emergenciais.  

Tenho dito que a reforma agrária brasileira, da maneira como foi concebida pelo Estatuto da Terra, era um projeto de grande alcance social. Quando se lê o Estatuto da Terra, verifica-se que, no encaminhamento do projeto, o Governo dizia que a sua pretensão era ousada, porque se tratava não apenas da modificação da estrutura fundiária nacional, mas também de lançar as bases do desenvolvimento econômico e social. Este é o ponto relevante da reforma agrária: propiciar o desenvolvimento econômico e social mediante ações claras do Governo que visem sobretudo, dar à terra a sua função social.  

E o Estatuto da Terra dizia, com todas as letras, no seu art. 2º, como ainda está aqui letra morta:  

Art. 2º - É assegurada a todos a oportunidade de acesso à propriedade da terra, condicionada pela sua função social, na forma prevista nesta lei.  

§ 1º - A propriedade da terra desempenha integralmente a sua função social quando, simultaneamente:  

a) favorece o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores que nela labutam, assim como de suas famílias;  

b) mantém níveis satisfatórios de produtividade;  

c) assegura a conservação dos recursos naturais;  

d) observa as disposições legais que regulam as justas relações de trabalho entre os que a possuem e a cultivam.  

Aqui, Sr. Presidente, temos uma visível e clara função social da propriedade, e é isto que se quer da propriedade: que seja um objeto não de lucro, não apenas de reserva de valor, mas, sobretudo, um fator da produção. Essa é a função social da propriedade. Era um direito absoluto, intocável no Código de Napoleão. Assim continuou, longo do tempo, pelas ações claras da Igreja, que sempre se preocupou com a função social da propriedade. Essa atividade da doutrina social da Igreja deu um norte, um direcionamento quanto à função da propriedade.  

E é essa função social que tanto temos debatido ao longo da nossa vida parlamentar. Eu poderia dizer que, se há uma causa que se identifica comigo, é a causa da reforma agrária. Jovem ainda, tive a oportunidade de trabalhar no então IBRA e, em seguida, no INCRA. Tivemos a oportunidade, na Amazônia, de realizar mais de 200 mil assentamentos. Recebemos cidadãos de todos os recantos do País, dando-lhes a chance de um pedaço de terra para plantar e cultivar.  

E é essa causa que vejo que o tempo ainda não resolveu, porque, depois de 34 anos de atividades, o que se vê é uma concentração da propriedade, quando o Estatuto da Terra, no seu art. 16, dizia, com todas as letras:  

"Art. 16. A reforma agrária visa estabelecer um sistema de relações entre o homem, a propriedade rural e o uso da terra, capaz de promover a justiça social, o progresso e o bem-estar do trabalhador rural e o desenvolvimento econômico do País, com a gradativa extinção do minifúndio e do latifúndio."  

Nem o minifúndio, nem o latifúndio foram extintos. O que se percebe, hoje é que as pequenas propriedades têm tido um aumento considerável nas últimas décadas.  

Esse é o quadro aterrador que a mídia tenta mascarar e, através de propaganda enganosa, ludibriar a opinião pública. E eu, que sempre condenei as invasões, quero dizer, neste momento, Sr. Presidente, que é hora de o Governo despertar para esse tema, entrar para o campo e sair da mídia. Dou como exemplo vários decretos do Estado de Rondônia, mediante os quais declararam de interesse social diversas áreas, mas que caducaram sem que o INCRA promovesse as respectivas ações de desapropriações.  

Assim é o seringal Porto Franco, situado no município de Campo Novo de Rondônia. Trata-se de uma área de 16 mil hectares que foi invadida e hoje é objeto de conflito a toda hora e a todo momento. Em relação a essa área, foi declarado o interesse social, ainda no Governo Itamar Franco, em 16 de dezembro de 1994. Dois anos depois, a ação não foi intentada, e o decreto caducou.  

Da mesma maneira, a aliança do Jamari, uma área menor, de 6.784 hectares: houve o decreto, já da lavra do Presidente Fernando Henrique Cardoso, em 12 de janeiro de 1995. Novamente, a ação não foi intentada, e o decreto caducou. Os problemas fundiários lá permanecem, os conflitos lá estão do mesmo tamanho, senão a cada dia aumentando, porque nessa indefinição, os conflitos acontecem. A terra sem dono, a terra desapropriada para fins de reforma agrária é uma terra que foge do controle do seu titular, porquanto ninguém pode manter a integridade dos limites do imóvel depois de um decreto de desapropriação. Há um entendimento popular, há um entendimento público de que a terra está afetada para fins de reforma agrária e não há meios de reter as invasões e de retê-las sobretudo quando ela já vinha sendo objeto de conflito, como é o caso.  

Da mesma maneira, o Seringal Cajazeiras, com 2 mil hectares, no Município de Ariquemes; da mesma forma, o Seringal São Pedro e Nova Vida, com uma área de 6.130 hectares. Assim também poderemos aqui citar outras áreas declaradas de interesse social e que não foram objeto de desapropriação: os seringais Mundo Novo e São Salvador, com uma área de 49 mil hectares, e Urupá, com 25 mil hectares. Todos esses decretos que acabo de citar, pela desídia, pelo descaso, pelo desprezo à causa da reforma agrária, não foram cumpridos. Mesmo depois de declarados os interesses sociais, essas áreas foram abandonadas, mas os conflitos não foram resolvidos.

 

Falta maior dedicação, maior compreensão de um problema que tem afetado o Brasil. Hoje podemos dizer que já temos uma experiência de cinco séculos de latifúndio. Desde as capitanias hereditárias, o modelo de ocupação da propriedade brasileira sempre foi o da grande propriedade, e todas as tentativas, desde a Lei de Terras de 1850 - a Lei nº 601 -, começaram a distribuir propriedades, mas, além de terem sido tímidas as experiências legislativas, poucas foram finalizadas.  

A partir do Estatuto da Terra, abriu-se um novo horizonte, porque reputo ser ela uma das leis em que realmente está consagrado o princípio da justiça social, uma lei voltada para a distribuição da propriedade. É um sistema harmônico visando à função social da propriedade, mas uma lei que ainda continua letra morta por falta de execução efetiva.  

As tentativas e os números nunca chegaram a me contaminar. Ainda no Governo Geisel, o INCRA festejava a entrega do milionésimo título de propriedade - 1 milhão de títulos! E, na verdade, é preciso que se diga, naquele momento, houve preocupação séria. E o INCRA era um órgão voltado para esse tema tão difícil, uma reforma tão difícil de ser executada em razão das pressões de toda sorte de que vem sempre sendo objeto. É preciso ter definição clara sobre a necessidade da reforma agrária e, mais do que isso, é preciso haver ações de caráter político capazes de enfrentar as pressões, pois sabemos que o latifúndio sempre teve força política, representação nas Casas do Congresso de modo a frear as iniciativas que visem à distribuição da propriedade.  

Temos dito, ao longo de várias intervenções, que essa não é apenas uma questão esquecida, não é apenas uma questão que só vem à baila diante de uma situação conflituosa, como as invasões e as mortes. Deve ser uma questão de preocupação permanente, de ação efetiva, de uma ação que saia dos gabinetes e vá para o campo, vá para os confins.  

Sr. Presidente, nós, da Amazônia, somos hoje cerceados no progresso e no desenvolvimento das atividades rurais. Há uma concepção que visa a defender o ecossistema; há uma concepção de conservação da mata amazônica que vai além dos limites do interesse nacional. É, na verdade, uma idéia que vem de fora e que proíbe os brasileiros de ocuparem o solo pátrio, sobretudo nos confins, onde a vivificação daquelas fronteiras e daqueles ermos será a garantia da soberania nacional.  

Só o homem é capaz de defender a terra, que é nossa, na partilha do testamento divino e na conquista dos brasileiros. Só a presença de brasileiros na Amazônia poderá enfrentar inclusive a idéia que se esboça e que a cada dia ganha corpo: a idéia da ocupação estrangeira na região. Já se fala na intervenção do exército americano na Colômbia. Talvez, em pouco tempo, naqueles confins sem limites, onde não se pode dizer onde começa um país e onde termina o outro, poderemos também ter no solo pátrio a presença de tropas estrangeiras, de guerrilheiros, enfim, de pessoas estranhas ao interesse nacional.  

A toda hora existem denúncias de que grupos guerrilheiros zapatistas ou do Sendero Luminoso adentraram a Amazônia. Não conheço, até agora, qualquer manifestação desses grupos, sobretudo no Estado de Rondônia. Conheço a situação dos acampados, tenho uma proximidade muito grande com Corumbiara, e posso dizer a V. Exª, Sr. Presidente, que, até este momento, não há presença de guerrilheiros - segundo os informes de vários experts na matéria - em meio às pessoas que integram o movimento.  

Quero dizer que a insatisfação dos acampamentos e sobretudo essa frustração acumulada podem, sim, gerar a revolta. Não é preciso importar, com certeza, os guerrilheiros do Sendero Luminoso nem do exército zapatista. Talvez, aqui mesmo, surjam aqueles que buscarão, na revolta, a única forma de solucionar esse conflito, que se arrasta por décadas e que está a exigir uma ação pronta do Governo para que antecipe os resultados, para que esteja à frente dos problemas, resolvendo-os, e não criando esse caldo de cultura para a revolta no campo. Este é o tema: deveríamos estar à frente dessa questão, assentando os trabalhadores, já que a terra existe.  

Eu gostaria ainda de anunciar a esta Casa que, por meio de pesquisas recentes, realizadas pelo centro da USP, pelo CENA - Centro de Energia Nuclear na Agricultura -, foi descoberta uma mancha superior a 100 milhões de hectares, envolvendo os Estados do Mato Grosso, Pará, Rondônia, Acre e uma parte da Amazônia, das terras altas. Ficou demonstrado que, ao longo de uma ocupação de 80 anos, essas terras não se tornaram um deserto, como pregavam as ONGs; não se tornaram, de maneira nenhuma, terras improdutivas. Após 80 anos de ocupação, ficou demonstrado que a incorporação, sobretudo de carbono, de matéria orgânica, dobrou praticamente.  

Esse dado mostra que temos soluções para ocupar o nosso solo, que só será do Brasil se nós o ocuparmos efetivamente, assentando os brasileiros sem terra na terra que é de todos, que é da Nação brasileira.  

Sr. Presidente, só pude abordar superficialmente esse tema, mas tenho certeza de que voltarei em outro momento para discuti-lo com esta Casa de maneira mais eficiente e profunda.  

Muito obrigado, Sr. Presidente.  

 


Este texto não substitui o publicado no DSF de 27/08/1999 - Página 22253