Discurso no Senado Federal

CONSTESTAÇÃO DOS ARGUMENTOS APRESENTADOS PELA BASE GOVERNISTA EM DEFESA DO PRESIDENTE FERNANDO HENRIQUE CARDOSO, E INSINUAÇÕES DE QUE A 'MARCHA DOS 100 MIL' TEM CARATER GOLPISTA.

Autor
Geraldo Cândido (PT - Partido dos Trabalhadores/RJ)
Nome completo: Geraldo Cândido da Silva
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
MOVIMENTO TRABALHISTA. GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO.:
  • CONSTESTAÇÃO DOS ARGUMENTOS APRESENTADOS PELA BASE GOVERNISTA EM DEFESA DO PRESIDENTE FERNANDO HENRIQUE CARDOSO, E INSINUAÇÕES DE QUE A 'MARCHA DOS 100 MIL' TEM CARATER GOLPISTA.
Aparteantes
Agnelo Alves.
Publicação
Publicação no DSF de 26/08/1999 - Página 22151
Assunto
Outros > MOVIMENTO TRABALHISTA. GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO.
Indexação
  • DEFESA, REALIZAÇÃO, MANIFESTAÇÃO COLETIVA, MARCHA, BRASILIA (DF), DISTRITO FEDERAL (DF), DEMONSTRAÇÃO, DESAPROVAÇÃO, POLITICA, GOVERNO, FERNANDO HENRIQUE CARDOSO, PRESIDENTE DA REPUBLICA.
  • CRITICA, ATUAÇÃO, GOVERNO FEDERAL, PROVOCAÇÃO, AUMENTO, DESIGUALDADE SOCIAL, DESEMPREGO.
  • COMENTARIO, EXISTENCIA, NORMAS, CONSTITUIÇÃO FEDERAL, FUNDAMENTAÇÃO, PEDIDO, IMPEACHMENT, PRESIDENTE DA REPUBLICA.

O SR. GERALDO CÂNDIDO (Bloco/PT - RJ. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Sr as e Srs. Senadores, amanhã, 26 de agosto, com certeza será um marco importante na história política do nosso País. A Marcha dos 100 Mil já está sendo considerada pela base de apoio do Governo e pela imprensa como a Marcha dos Sem Rumo.  

Lamento que o Senador Eduardo Siqueira Campos e outros Senadores que aqui falaram em defesa do Governo tenham ido embora. Na verdade, dizer que essa marcha é um desserviço ao País – conforme aqui afirmaram –, que é uma marcha golpista é uma agressão ao movimento popular, que está organizado em âmbito nacional para mostrar seu repúdio a este Governo. Desserviço ao País é o desemprego, que aumenta a cada dia que passa. Desserviço ao País é a falta de investimento na saúde, na educação, na moradia. Desserviço ao País é a situação do Brasil que, segundo o relatório do Banco Mundial, ocupava o 62º lugar em termos de desigualdades sociais e que passou para 78º lugar. O Brasil é o vice-campeão mundial da desigualdade social. Isso é um desserviço ao País. O desserviço são as privatizações viciadas, é o fim do nosso patrimônio público. Desserviço ao País são os acordos com o FMI, com os quais o Brasil compromete parte da nossa arrecadação, dos nossos recursos, para pagar juros das dívidas externa e interna.  

Portanto, falar em golpe não está correto. Os Senadores que aqui defenderam o Governo e discursaram sobre o assunto desconhecem a Constituição que, em seu art. 87, estabelece que o povo pode exigir o fim do Governo e acioná-lo por crime de responsabilidade. É constitucional. Não estamos pregando um ato de violência. Esperamos que o ato seja pacífico e cívico e que o povo brasileiro possa demonstrar seu descontentamento.  

A idéia de propor na rua o impeachment do Presidente originou-se da posição do Congresso Nacional, que se negou a dar quorum para que se pudesse instalar a CPI da Telebrás, que traria à tona o debate sobre a existência ou não de corrupção no processo de privatização. Por que a base de apoio ao Governo negou quorum para instalar a CPI? Se o Governo não é culpado, não há o que temer. Quem não deve, não teme.  

Alguns Senadores falam sobre o absurdo que seria o impeachment, mas são admiradores da chamada democracia ocidental. Nos Estados Unidos, o Presidente Bill Clinton passou por um processo de impeachment em função de um escândalo sexual, e ninguém questionou isso. Não ouvi a imprensa nem ninguém dizer ser um absurdo pedir o impeachment do Presidente Bill Clinton. No Brasil, onde há indícios de corrupção, falar em desmandos administrativos é golpismo. Nos Estados Unidos, o Presidente Nixon também sofreu um processo de impeachment, perdeu o mandato por causa de uma gravação clandestina. Por muito menos, Fernando Collor de Mello sofreu o impeachment

O Sr. Agnelo Alves (PMDB - RN) - V. Exª me permite um aparte?  

O SR. GERALDO CÂNDIDO (Bloco/PT - RJ) - Ouço V. Exª, Senador Agnelo Alves.  

O Sr. Agnelo Alves (PMDB - RN) - Sr. Presidente, meu nobre conterrâneo Geraldo, eleito pelo Estado do Rio, mas nascido, para honra nossa, no Rio Grande do Norte. Não estou preocupado com a euforia dos que promovem o Ato dos 100 mil, nem aflito como os que estão temerosos da repercussão deste ato. O que me preocupa, neste instante, é o dia seguinte: na sexta-feira, este plenário estará vazio, assim como o da Câmara dos Deputados. Como, em seguida a um movimento de 100 mil pessoas nas ruas, o Congresso Nacional estará ausente na sexta-feira, no sábado, no domingo, na segunda, voltando a funcionar somente na terça-feira? Qual a repercussão de tudo isso? Louvo a preocupação de todos no sentido de que o Presidente da República reencontre os caminhos de sua popularidade. Embora não o seja para as instituições democráticas, isso é essencial para o Governo de Sua Excelência; o Presidente precisa estar forrado pelo apoio popular para algumas providências que este País está pedindo. No entanto, é preciso que nós, congressistas, conscientizemo-nos de que temos uma parte importante a desenvolver, uma parte indispensável nas medidas que levem este País à retomada do desenvolvimento. Meu caro Senador, sou grato pela oportunidade do aparte que V. Exª e o Sr. Presidente me concederam. Estou certo de que amanhã teremos uma manifestação pacífica. A exacerbação é possível de um e outro orador, até mesmo de parte da multidão, que poderá chegar a 20, 30, 50, 60 ou 100 mil. Enfim, não interessa quantos sejam, mas somente o fato de se tratar de um ato popular para exigir providência dos Poderes constituídos. Embora ele sinalize apenas para o Presidente da República, na verdade, também toca a esta Casa, à Câmara dos Deputados e ao Congresso Nacional. Muito obrigado a V. Exª.  

O SR. GERALDO CÂNDIDO (Bloco/PT - RJ) - Agradeço o aparte do Senador Agnelo Alves. Compartilho das suas preocupações com relação ao ato de amanhã, mas tenho certeza de que as Lideranças que estarão presentes conseguirão conduzi-lo, de maneira que não haja prejuízo para a democracia e para a sociedade.  

Outra questão é que, como temos mostrado a nossa posição de crítica ao Governo, Sua Excelência, por sua vez, diz que nós, da Oposição, somos os dinossauros, os jurássicos e que eles são os modernos. Imaginem a modernidade deste País que está em 78º lugar em termos de desigualdade, onde há mais de 40 milhões de desempregados, pessoas que vivem com renda abaixo de um salário mínimo. Como se pode falar em modernidade dessa forma? A passeata será dos sem-salário, sem-terra, sem-teto, sem-emprego, sem-nada contra os sem-caráter que governam este País.  

Amanhã, quinta-feira, dia 26, estará ocorrendo em Brasília uma manifestação promovida pelo Fórum Nacional de Luta pela Terra, Trabalho, Cidadania e Soberania e que está sendo chamada de Marcha dos Cem Mil. Esta manifestação popular, organizada pelos sindicatos, Partidos políticos e por inúmeras organizações populares, tem como objetivo fazer chegar ao Planalto Central, de forma clara e indiscutível, a insatisfação que hoje existe em nosso País em relação à política implementada pelo Governo Fernando Henrique Cardoso.  

Esta insatisfação não é artificial ou obra de manipulação dos Partidos de Oposição, como quer fazer crer o Governo, mas uma realidade crescente, presente em todos os lares brasileiros. Embora sempre tenha interpretado as pesquisas de opinião com certa precaução, não há como questionar a progressiva queda de popularidade deste Governo, indicada nas últimas pesquisas publicadas, que revelam que mais da metade dos brasileiros consideram-no ruim ou péssimo, igualando-se à impopularidade do período final do Governo Collor.  

E não poderia ser diferente. Este Governo implementou uma recessão brutal, jogando no desemprego milhões de trabalhadores. Basta ver a pesquisa do DIEESE publicada na última sexta-feira, que aponta um índice de 20% de desemprego na grande São Paulo, com aproximadamente um milhão e oitocentos mil trabalhadores sem emprego. Os salários estão achatados, e a inflação real, não aquela camuflada pelos índices oficiais, sobe a cada dia.  

Em nome da modernidade e da globalização, FHC entregou o País ao capital internacional, abrindo mão da nossa soberania. Sua política é discutida nos Estados Unidos, que monitora até os discursos que Sua Excelência fará ao povo brasileiro. Nosso País virou a Mecca do capital especulativo e dos bancos, que nunca lucraram nem tiveram tantas benesses quanto nestes últimos anos. O Plano Real, receita vinda do consenso de Washington e o instrumento utilizado para adormecer a resistência da população à política entreguista, já faz água por todos os lados, e as novas medidas que este Governo adota para prolongar este plano moribundo já são velhas conhecidas da população. Aumento de tarifas, dos combustíveis e de impostos, demissão de servidores públicos, aumento da taxa de juros e o socorro do FMI parecem partes de um velho filme que teima em ser reprisado por esse Governo.  

De novo, apenas apresenta o fim de uma reforma agrária que nunca começou, com o esvaziamento do INCRA, o fim das desapropriações, a compra de terras de latifundiários e o repasse aos agricultores a preços de mercado, condenando-os a uma dívida vitalícia.  

Já pressionado pelo apoio que essa manifestação vem obtendo em todo o País, o Presidente vem a público, como fez no domingo, para dizer que essa é a marcha dos sem-rumo, pois nada têm a propor, e para fazer insinuações quanto ao caráter golpista do ato. Na verdade, essas atitudes revelam exatamente o contrário. É esse Governo que perdeu o rumo e nada tem a oferecer, a não ser desqualificar a Oposição, que apresenta para o País um conjunto de propostas para recuperar a economia e a soberania. Pedir a renúncia de um governo entreguista e antipopular não é golpe, mas um dever de todo brasileiro que tem amor a sua pátria e se envergonha ao ver o País de joelhos, implorando por capitais voláteis, improdutivos e apátridas, aumentando ainda mais nossa dívida.  

Sim, queremos o fim deste Governo. Queremos novas eleições, tudo dentro da mais absoluta legalidade e constitucionalidade. Apesar da contundência política desse ato do dia 26, ele será pacífico, como sempre são as manifestações dos trabalhadores. Espero que o Governo, tanto o Distrital quanto o Federal, esteja também engajado em garantir a paz durante a manifestação e que as declarações irresponsáveis do Presidente não sirvam de pretexto para qualquer iniciativa truculenta por parte das suas tropas. Afinal de contas, não queremos um novo Eldorado dos Carajás nem a repetição da farsa judicial que envergonhou toda a Nação brasileira esta semana.  

Muito obrigado, Sr. Presidente.  

 

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Este texto não substitui o publicado no DSF de 26/08/1999 - Página 22151