Discurso no Senado Federal

EXPECTATIVA DE CLIMA DE MATURIDADE CIVICA DURANTE A MANIFESTAÇÃO PREVISTA PARA AMANHÃ. DISCORDANCIA COM A PROPOSTA DA OPOSIÇÃO DE RENUNCIA DO PRESIDENTE DA REPUBLICA. (COMO LIDER)

Autor
Eduardo Siqueira Campos (PFL - Partido da Frente Liberal/TO)
Nome completo: José Eduardo Siqueira Campos
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
MOVIMENTO TRABALHISTA.:
  • EXPECTATIVA DE CLIMA DE MATURIDADE CIVICA DURANTE A MANIFESTAÇÃO PREVISTA PARA AMANHÃ. DISCORDANCIA COM A PROPOSTA DA OPOSIÇÃO DE RENUNCIA DO PRESIDENTE DA REPUBLICA. (COMO LIDER)
Aparteantes
José Fogaça.
Publicação
Publicação no DSF de 26/08/1999 - Página 22147
Assunto
Outros > MOVIMENTO TRABALHISTA.
Indexação
  • EXPECTATIVA, OCORRENCIA, MANIFESTAÇÃO COLETIVA, MARCHA, BRASILIA (DF), DISTRITO FEDERAL (DF), PROTESTO, ATUAÇÃO, FERNANDO HENRIQUE CARDOSO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, DEFESA, RESPEITO, CONSTITUIÇÃO FEDERAL.
  • DISCORDANCIA, PROPOSTA, OPOSIÇÃO, PEDIDO, RENUNCIA, PRESIDENTE DA REPUBLICA.

O SR. EDUARDO SIQUEIRA CAMPOS (PFL - TO. Como Líder. Sem revisão do orador) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, ocupo o horário da Liderança do meu Partido, o Partido da Frente Liberal, para trazer a nossa expectativa, o nosso sentimento e a nossa certeza de que a Nação brasileira está suficientemente madura para, transcorrido o dia amanhã, chegar à conclusão de que a manifestação terá sido uma contribuição. Esta marcha deve trazer o sentimento do povo brasileiro, das milhões de vozes, de vidas e de destinos que entregaram ao Presidente Fernando Henrique Cardoso a responsabilidade da condução da Nação brasileira por quatro anos.  

Se estiver ali o verdadeiro espírito do povo brasileiro e se a verdadeira voz do povo se fizer presente por meio dos sindicatos, das entidades representativas dos mais diversos segmentos, o recado ao Presidente será que o povo quer mudanças, o povo quer uma condução firme e o povo quer solução, mas acima de tudo que o povo quer respeito à Constituição.  

O Presidente Fernando Henrique Cardoso foi eleito por milhões de votos. Se com a passeata estiver um documento assinado - como aqui foi dito - por um milhão de pessoas, ficarei ainda mais convencido de que devem prevalecer, para o bem da democracia neste País, os milhões de votos que conduziram o nosso Presidente para um mandato de quatro anos, principalmente, fundamentalmente, porque ele afastou do povo brasileiro uma doença crônica chamada inflação, que, durante muito tempo, foi o maior problema de todos nós.  

Talvez, Sr. Presidente, nenhum outro Presidente da República tenha tido um início de mandato tão conturbado; talvez nenhum tenha enfrentado tantas crises. Se estivesse apenas nele a possibilidade de tirar rapidamente o País desse quadro, ele já o teria feito. Todos, ainda mais nesta Casa, conhecem bem o Presidente Fernando Henrique Cardoso.  

Sr. Presidente, todos somos portadores de mandatos eleitorais e discordamos uns dos outros. Hoje, o Senador José Roberto Arruda, em debate com o Senador Eduardo Suplicy, disse que a Casa tem respeito pelo Senador Eduardo Suplicy e pelos movimentos sociais, mas que a ninguém é dado o direito de pedir o fim do mandato outorgado pelo povo.  

Podemos discordar das idéias, mas, absolutamente, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, não há legitimidade em um Senador, apenas por discordar da forma como um de nós conduz seu mandato, pedir a renúncia do colega.  

Com relação ao "processo de impeachment", ao documento que trará um milhão de assinaturas, reafirmo: o Presidente da República tem um certificado que lhe confere legitimidade para governar o País por mais quatro anos. Tem a autoridade moral, tem a capacidade intelectual, tem a dignidade e as condição necessários para enfrentar esses problemas.  

Não serei eu a imaginar qual seria nossa situação hoje se não tivesse o Presidente Fernando Henrique Cardoso a sua condição moral, técnica, sua condição de homem público à frente deste Governo. Não sei qual seria nossa sorte se não fosse sua firmeza, sua coragem, seu passado.  

Acabamos de vir de uma eleição. Retorno nos finais de semana ao meu Estado. Estão angustiados o setor agrícola, o setor produtivo, a economia da nossa região, do nosso Estado e do País. Temos de encontrar um caminho para solucionar esses problemas. Sem dúvida alguma, o único caminho que não podemos percorrer é o de rasgar a Constituição, pregar a saída do Presidente, pedir sua renúncia.  

Respeito e respeitarei um documento, um pedido de CPI porque, afinal de contas, todos aqui estão para representar seus eleitores, para dar sua opinião, sua contribuição. Mas, pelo que tenho visto acontecer nesta Casa, tenho certeza de que não há a menor razão para que consigamos reunir assinaturas para um processo de impeachment

Todos concordamos com a gravidade da crise. Todos queremos uma tomada de posição, uma mudança de rumos, pois é muito grave a crise econômica mundial.  

Espero que amanhã seja mais um atestado da maturidade do povo brasileiro, que já veio a esta mesma praça solicitar um impeachment e desta Casa recebeu; que já veio às portas desta Casa para reclamar e pedir a cassação de seus membros e esta Casa assim procedeu porque temos a verdadeira responsabilidade de representar o povo brasileiro. Daí o respeito do Partido da Frente Liberal a essa grande manifestação. A nossa expectativa é de que seja realmente grande em todos os sentidos, que traga para Brasília a expressão do povo brasileiro. Não se pode impor conduta ou comportamento a um aglomerado de 100 mil pessoas. Contudo, tenho certeza de que o sentimento de brasileiro, o sentimento cívico e o respeito à nossa História, à nossa tradição e à própria cultura do nosso povo farão com que o dia de amanhã esteja inscrito nas páginas da História brasileira como um dia pacífico, cívico, bonito, memorável, que seja, acima de tudo, um alerta, a oportunidade para que não só o Presidente da República mas todos nós possamos fazer a mais profunda reflexão principalmente respeitando a ordem democrática e o estado de direito.  

O Sr. José Fogaça (PMDB - RS) - Permite-me V. Exª um aparte, eminente Senador Eduardo Siqueira Campos?  

O SR. EDUARDO SIQUEIRA CAMPOS (PFL - TO) - Ouço o aparte de V. Exª com muita alegria.  

O Sr. José Fogaça (PMDB - RS) - Senador Siqueira Campos, cumprimento-o pela intervenção que faz na tribuna. Concordo com V. Exª quando diz que todos temos de fazer uma reflexão sobre o momento econômico difícil, amargo que estamos vivendo no País. Não é mérito, nem privilégio de ninguém perceber que o Brasil está passando por um transe sacrificial dos mais duros e dos mais inegáveis já registrados nos últimos anos. Além deste momento de recessão, de dificuldade, de contradições, os preços dos alimentos continuam chegando barato à mesa do trabalhador, mas os insumos do agricultor, feridos pelo reajuste do dólar, pelo reajuste do real, estão sendo agora, evidentemente, um grande calcanhar de Aquiles porque estão pesando nos custos da produção. Há um momento de desequilíbrio, há um transe de dificuldades que é resultado, que é decorrência quase inevitável de um processo de ajuste de um país que quer, ao ajustar suas contas públicas, mostrar que é sério, que merece a confiança dos investidores brasileiros, repito, brasileiros. Porque, quando o Governo não merece a confiança dos investidores brasileiros, os investidores brasileiros vão para fora do Brasil, que dirá os investidores estrangeiros! Então, um Governo tem que ter sobretudo consciência da necessidade de mostrar muita seriedade, muita credibilidade no trato e na conduta da coisa pública, principalmente das finanças do Estado. Um ajuste assim tem conseqüências realmente muito duras. É um fel político que está sorvendo o Presidente Fernando Henrique e todos nós. Isso aparece na vida de cada um de nós com as dificuldades que estão aí. No entanto, na história recente do País - quando falo de história recente, falo de história republicana, pós 1946 - só temos registro de dois Presidentes da República que receberam o mandato e o concluíram, entregando-o ao sucessor eleito democraticamente. Estou excluindo o General Dutra, que foi o primeiro dessa fase, mas, depois dele, só dois: Juscelino Kubitschek, que governou os seus quatro anos de mandato e entregou o País a um sucessor eleito democraticamente; e o Presidente Fernando Henrique Cardoso, que pretende, ao encerrar o seu mandato, entregá-lo a um Presidente eleito democraticamente. Será o segundo, nesses últimos 50 anos, a fazê-lo. Ninguém mais, tendo sido eleito pelo voto, conseguiu entregar a outrem, eleito pelo voto, a seqüência democrática do País, tal é a história de rupturas, de fragilidade política e de golpismo que marcam a História do Brasil. Não estivéssemos no limiar do terceiro milênio, no encerramento definitivo do que foi este século XX, da guerra fria, da luta de classes, da revolução socialista ortodoxa e não ortodoxa, não estivéssemos neste apagar das luzes do século, eu diria que uma manifestação que propõe a renúncia do Presidente da República, que pressiona pela renúncia do Presidente da República está apontando na direção do golpe, da ingovernabilidade. Só não está acontecendo isso porque o País melhorou muito, e as forças ocultas, as forças antidemocráticas, os inimigos do estado de direito há muito tempo já foram definitivamente derrotados no Brasil, definitivamente enterrados nos tempos do Brasil. Estivéssemos nós nos anos 60 ou nos meados dos anos 70, em qualquer momento que fosse nesse período, que é a segunda parte do século XX, e estaríamos diante de um momento de grave instabilidade, de perturbação séria da governabilidade e uma ameaça de golpe. E não seriam os trabalhadores sem terra, não seria a CUT, não seria o PT que iria assumir o poder. Quem iria assumir o poder mais uma vez, pela undécima vez, seriam os militares brasileiros, para a ditadura de direita. Mas, felizmente, o País enterrou essa cultura golpista, erradicou dos seus costumes políticos o intervencionismo militar; conseqüentemente, esse tipo de manifestação, do ponto de vista da estrutura de poder, tem conseqüências nulas, pífias, ou seja, do ponto de vista da preservação do Estado de Direito e da manutenção do Presidente da República no lugar que o povo lhe deu, não vejo nenhuma ameaça. Desse ponto de vista, não há nenhum golpismo, nenhuma ameaça institucional nessa manifestação e na orientação que os líderes vêm dando a ela. Há, é claro, conseqüências de outra ordem, também extremamente perversas. A história da democracia no Brasil é uma flor tão delicada, de cultivo tão raro, que a marca dos regimes democráticos estáveis é a de convocar passeatas e manifestações desse tipo, pela renúncia do Presidente, para pressionar pelo seu impeachment, somente quando há evidências indesmentíveis, quando há indícios inegáveis, de tal sorte que seja preciso mesmo substituí-lo no poder imediatamente, para evitar que danos absolutamente perversos e de grande repercussão venham a ocorrer. Normalmente, nas democracias, o que fazem os democratas, conscientes dos graves danos que uma atitude como essa pode trazer? Combatem o Governo na questão do emprego, dizem que o Governo vai muito mal na condução da sua política de emprego, que o Governo vai muito mal na condução da política econômica, no controle da moeda, na organização do Estado, na administração pública, na utilização de recursos públicos para fins sociais. Tudo isso é o que fazem os democratas. Mas não conheço momento da História do Brasil em que os democratas, aqueles que foram sempre os fiadores do Estado de Direito no Brasil, pedissem renúncia, saída do Presidente da República à força. Nunca vi pedirem isso, não só pela questão do intervencionismo militar que marcou a nossa história. Hoje, no final do século XX, há problemas de outra ordem: são as repercussões que ocorrem no campo da economia, da perda de confiabilidade, da perda de confiança. Não é no Governo Fernando Henrique, mas, sim, no País que se perde a confiança. Com isso, há efeitos perversos contra o povo. O aumento do custo do dólar significa, sem dúvida nenhuma, vida mais dura para o povo brasileiro, é conta mais cara a ser paga pelo povo brasileiro. Portanto, há que se ser combativo na questão da luta pelo emprego. Isso é da tradição histórica das nossas esquerdas, como também da socialdemocracia. Lutar pelo desenvolvimento, até com aquele viés desenvolvimentista dos anos 50 e 60, é da tradição do PMDB, da socialdemocracia, da centro-esquerda brasileira. Só não é tradição - não conheço exemplo nenhum na história - que esses fiadores históricos da democracia tenham pedido renúncia,

impeachment sem evidências claras, sem indícios inegáveis, sem uma visão inequívoca de que há razões concretas para isso. Senão, trata-se apenas de uma irresponsabilidade para gerar conseqüências danosas e perversas, que se voltam contra aqueles que essas manifestações estão dizendo representar. Obrigado, Senador Eduardo Siqueira Campos.  

O SR. EDUARDO SIQUEIRA CAMPOS (PFL - TO) - Agradeço-o, Senador José Fogaça, pela contribuição de V. Exª. Sua intervenção, que incorporo ao meu pronunciamento, é um regar nessa flor tenra da história recente do Brasil: a nossa democracia. Assim devemos nos portar com aqueles que têm responsabilidades maiores com este País.  

Sr. Presidente, estima-se que amanhã teremos pelo menos 100 mil pessoas aqui em Brasília para essa marcha. Há uma delegação de pelo menos 300 mil componentes, que corresponde a 75,4% dos votos válidos do meu Estado. Com muito orgulho e com a humildade que me acompanham nos corredores desta Casa, nas vezes em que ocupo a tribuna, trouxe a condição de ter sido o Senador proporcionalmente mais bem votado deste País, considerados os votos válidos.  

Lembrei-me desta votação apenas para dizer que, com essa procuração, eu diria ao Presidente da República: fique tranqüilo, Senhor Presidente. Com seu passado, sua determinação e sua vocação de grande estadista, quem soube combater a crise econômica saberá vencer a crise política.  

Se pudesse estar aqui traduzindo o pensamento e as vozes dos 300 mil tocantinenses que me confiaram o voto, diria: reaja, Presidente; invista na agricultura; construa a Ferrovia Norte-Sul; redescubra o Brasil das Tordesilhas, ainda adormecido, para que possa dar continuidade a esses três anos e meio de mandato que lhe restam, com a mão na Constituição brasileira, com a consciência no seu passado, na sua contribuição dada nos períodos mais difíceis. Quando este País esteve verdadeiramente submerso na ditadura, o pensamento, a voz e a combatividade de Fernando Henrique Cardoso estavam lá. Ninguém mais do que Sua Excelência merece estar ostentando o diploma de Presidente da República, pela condição que conquistou junto ao povo brasileiro. A baixa popularidade é questão momentânea. Lembraria eu, então, essas 300 mil vozes tocantinenses e - por que não dizer - os milhares, os milhões do Brasil inteiro que lhe confiaram o voto.  

Sr. Presidente, já ultrapassei o tempo destinado à Liderança do Partido da Frente Liberal, mas, se V. Exª me permite, gostaria de lembrar uma última e única palavra de alguém que talvez tenha sido o maior de todos os seus amigos: Presidente Fernando Henrique Cardoso, não se apequene. Continue firme, porque a baixa popularidade passará e certamente Vossa Excelência terá seu nome inscrito na história brasileira, em função da sua determinação, da sua vontade, da sua vocação. Todos esses pré-requisitos e essas condições que tem Vossa Excelência deixarão seu nome escrito na História como um grande Presidente da República, que terá dado uma grande contribuição não só à democracia, mas ao desenvolvimento do nosso País.  

Muito obrigado, Sr. Presidente.  

 

ri. v


Este texto não substitui o publicado no DSF de 26/08/1999 - Página 22147