Pronunciamento de José Fogaça em 25/08/1999
Discurso no Senado Federal
REFLEXÕES SOBRE A ATUAL CONJUNTURA POLITICA DO PAIS, E A REPERCUSSÃO DAS MANIFESTAÇÕES POPULARES EM BRASILIA.
- Autor
- José Fogaça (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/RS)
- Nome completo: José Alberto Fogaça de Medeiros
- Casa
- Senado Federal
- Tipo
- Discurso
- Resumo por assunto
-
MOVIMENTO TRABALHISTA.
POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA.:
- REFLEXÕES SOBRE A ATUAL CONJUNTURA POLITICA DO PAIS, E A REPERCUSSÃO DAS MANIFESTAÇÕES POPULARES EM BRASILIA.
- Aparteantes
- Mauro Miranda.
- Publicação
- Publicação no DSF de 26/08/1999 - Página 22155
- Assunto
- Outros > MOVIMENTO TRABALHISTA. POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA.
- Indexação
-
- COMENTARIO, REALIZAÇÃO, MANIFESTAÇÃO COLETIVA, MARCHA, BRASILIA (DF), DISTRITO FEDERAL (DF), PROTESTO, ATUAÇÃO, GOVERNO FEDERAL.
- ANALISE, EFEITO, ALTERAÇÃO, POLITICA CAMBIAL, AUMENTO, DESEMPREGO, REDUÇÃO, PODER AQUISITIVO, POPULAÇÃO, PAIS.
- APRESENTAÇÃO, JUSTIFICAÇÃO, REALIZAÇÃO, MANIFESTAÇÃO COLETIVA, INEXISTENCIA, PRETENSÃO, TENTATIVA, GOLPE DE ESTADO, AUSENCIA, AMEAÇA, ESTABILIDADE, POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA.
O SR. JOSÉ FOGAÇA
(PMDB - RS. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, estamos num dia marcado por uma coincidência de manifestações em Brasília. Isso, sem dúvida alguma, merece, da nossa parte, uma atenção mais acurada e uma reflexão, porque, obviamente, este processo decorre de uma conjuntura política que o País vive.
No início deste ano, quando houve a mudança da política cambial, qualquer pessoa que fizesse uma análise séria, madura, pensada e reflexiva daquela medida, daquela decisão ou iniciativa, que tivesse um mínimo de noção de como se dá o processo econômico em um País que tem sérias dependências para a importação de certos insumos essenciais à economia, já ali, naquele momento, deveria prever esses dias amargos de dificuldades que o Brasil está vivendo.
Toda vez que se altera a taxa de câmbio, puxa-se a moeda para baixo, há repercussões que são, aparentemente - e podem ser de fato -, positivas, como, por exemplo, a maior competitividade de produtos vendidos no exterior, uma certa maior alavancagem da nossa capacidade exportadora, mas há também uma repercussão duríssima em relação ao status econômico da população. Todo reajuste, toda desvalorização de moeda empobrece a população e aumenta o grau de carência interna de um país.
Desta tribuna, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, as vozes que mais insistentemente, que de maneira mais agressiva e indiscutível defendiam a desvalorização do real eram da Oposição. A política de desvalorização da moeda tem seus maiores defensores na Oposição política. Desta tribuna, inúmeras vezes, não apenas em pronunciamentos isolados mas em debates frontais com os senhores integrantes da equipe econômica, os Srs. Ministros de Estado da área econômica, isso foi defendido com veemência, como uma forma única de recuperação da capacidade exportadora e da possibilidade de formação de poupança no País.
É verdade, houve mudança, pelo menos na tendência de nossa balança comercial. Nosso comércio exterior ganhou um pouco mais de vitalidade no setor de exportação. Mas é preciso ter muita clareza e muita consciência também de que a desvalorização da moeda acarreta inapelavelmente o aumento do preço dos produtos que contêm insumos externos. Ou seja, os produtos que estão subordinados a preços internacionais, como é o caso, por exemplo, do petróleo e seus derivados: a gasolina, o óleo combustível, o óleo diesel etc.
Portanto, nunca podemos abandonar esta noção e esta consciência de que tudo que está ocorrendo aí decorre daquela decisão a que foi obrigado o Governo brasileiro, talvez até contrariado em relação a um projeto inicial de estabilidade da moeda, de romper a barreira do real e permitir a livre flutuação da moeda. A partir daquele momento, assistimos a todas essas conseqüências que aí estão, como o caráter recessivo que estamos vivendo, a dificuldade que está enfrentando, por exemplo, um setor como a agricultura, que tem insumos com base em preços internacionais, fertilizantes, oriundos da petroquímica, e que, inevitavelmente, repercutem nos custos da produção. Ao mesmo tempo, esses produtores rurais não tiveram a contrapartida de um aumento de preços do produto que vendem, que são os alimentos. A estabilidade de preços dos produtos, que devem chegar baratos à mesa do consumidor, de certa forma um ganho da população urbana, que precisa consumir alimentos baratos, representa nesse momento um desequilíbrio entre custo e renda do setor rural brasileiro. E até que esses mecanismos da economia se ajustem realmente, viveremos um processo muito amargo, muito duro, muito difícil no Brasil.
Diria que não há neste momento nenhum mistério, nenhuma novidade e nada que possa surpreender alguém com relação ao que está acontecendo. A economia responde sempre com um prazo de seis, sete, até nove meses depois das decisões centrais tomadas pelo Governo Federal, pela União. Ou melhor, a repercussão imediata na vida das pessoas, a implementação definitiva se dá num longo processo de meses. O Governo brasileiro viu aumentarem os preços internacionais e foi obrigado, portanto, a transferir para dentro do País essa nova opção de custos. Tudo que importamos é mais caro, é quase o dobro do que custava no ano passado, enquanto os produtos que vendemos e que consumimos internamente não tiveram essa mesma variação. Há um desequilíbrio, há um custo social.
Por outro lado, vemos um Governo que está decidido, está deliberadamente dirigido a manter um padrão fiscal respeitável e sério, não ultrapassar um limite fiscal de seriedade. Governo sério, que merece confiança, é o que não permite rombos que desorganizam a economia, que geram desconfiança internacional e fuga de capitais. Portanto, é um processo muito amargo, muito cruel e muito difícil. A pergunta que se deve fazer é a seguinte: isso ocorre em razão de uma desordem e de uma desarticulação? Isso ocorre em razão de uma perda de controle dos mecanismos de ação e de intervenção econômica? Isso decorre de uma perda da noção do processo econômico como um todo no país, por um Governo que, eventualmente, não soubesse o que faz, não soubesse o que quer, não soubesse para onde vai, que não tivesse projetos?
Se assim fosse, Sr. Presidente, não teria dúvidas de que o quadro que se desenha no Brasil poderia até ser próximo ao de uma instabilidade política. Mas não, felizmente, não. Quero deixar registrado perante os Srs. Senadores e perante quem estiver me dando a honra de me ouvir neste momento. Qualquer manifestação, como a dos cem mil ou a de agricultores, que estão em frente à Esplanada dos Ministérios, é legítima e democrática. Até agora todas as ações, todas as iniciativas dos senhores agricultores, dos senhores produtores rurais que estão aí têm sido absolutamente pacíficas, respeitosas. De efetiva reivindicação? Sim. .De incisiva cobrança do Governo? Sim, mas respeitosas e democráticas, merecedoras da nossa maior consideração. Ouvimos, analisamos, discutimos, tomamos decisões.
Então uma manifestação como essa é uma ameaça institucional? Não é! Não é de forma nenhuma! Como também não será, na minha opinião, ameaça institucional a caminhada de amanhã por parte dos grupos de oposição. Legítimo? Legítimo! Explicável? Explicável! Justo, no viés da oposição? Justo, sim, no viés da oposição! Legítimo do ponto de vista institucional e democrático? Sim, legítimo do ponto de vista institucional e democrático, porque faz parte do Estado de Direito, faz parte do sistema de contrários, como é a democracia presidencialista. Logo, não há o que possa motivar uma insegurança, um medo, um pânico institucional. Estamos diante de uma reação que é notoriamente resultante do aumento sensível das dificuldades econômicas no País. E o que dá certeza de que não há ameaças institucionais, o que dá certeza de que essa manifestação não é desestabilizadora do Governo, o que dá certeza de que essa manifestação não é causadora de ingovernabilidade é o fato de que este Governo tem um projeto econômico e está dando passos conscientes e medidos em determinada direção. Há um ajuste fiscal em andamento; há uma busca de metas inflacionárias; há uma política de juros em processo de redução - 17 bilhões de dólares em investimentos já entraram no País.
Este Governo está, sim, submetendo o País a um momento de sacrifícios, mas isso é parte de um processo e de um projeto de alguém que pensa da seguinte forma: "fazer sacrifício para não ter mais sacrifício" ou, pelo menos, "passar por um momento de dificuldade para que no futuro as dificuldades possam ser muito menores".
É o inverso do governante irresponsável, vazio, ligeiro, que deseja, muitas vezes, o atendimento imediatista de soluções irresponsáveis para perpetuar, para eternizar as históricas e crônicas dificuldades embutidas na economia brasileira. O comportamento irresponsável com as finanças públicas, o comportamento que desorganiza a economia, que provoca a desconfiança internacional, que faz com que os investidores fujam do País é o comportamento que não serve. É o comportamento que tem marcado a História do Brasil: o imediatismo, a tentativa de ultrapassar situações por meio de práticas inflacionárias. Usam-se a emissão desbragada de moeda e a inflação como formas de mascarar problemas e empurra-se para um futuro eterno de sofrimento o povo brasileiro, com políticas inflacionárias.
Este Governo quer, sim, viver este momento amargo para que haja muito menos amargura no futuro, viver este momento difícil para que haja menos dificuldades no Brasil que queremos construir.
Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, é isso que garante que não há golpismo. É isso que garante que não há práticas desestabilizadoras no comportamento e na atitude da Oposição. A Oposição pode se manifestar dessa forma, primeiro, porque o intervencionismo militar, a cultura golpista já foi derrotada de maneira definitiva e histórica no Brasil, mas, sobretudo, porque o Governo tem um projeto. A Oposição tem o direito de dizer que esse é um projeto equivocado, que vai dar errado e que o Governo vai fracassar. Até é possível. Não é impossível que o Governo fracasse. Não é impossível que o projeto econômico que está em andamento dê com os burros n’água e não consiga estabilizar a economia, não consiga a estabilização macroeconômica, que é tão duramente perseguida, não consiga recuperar a capacidade de investir e de crescer, não consiga recuperar o seu cunho e o seu viés desenvolvimentista, recuperação da economia no sentido de aumentar, de expandir os empregos, as oportunidades de trabalho no País. É possível que isso não aconteça. Mas o Governo tem um projeto, que é o de assegurar a estabilidade da moeda, assegurar um ajuste fiscal que lhe permita gerar, primeiro, confiança interna, para que os investidores brasileiros não fujam do Brasil e, evidentemente, como conseqüência, depois, gerar confiança externa. Daí por que, Sr. Presidente, faço aqui este registro: não há golpismo, não há prática desestabilizadora, não há nenhuma ameaça à governabilidade tanto na manifestação hoje dos agricultores quanto amanhã na dos trabalhadores, ou das oposições, dos trabalhadores que lideram o setor oposicionista, porque o País tem um governo democrático, eleito pelo voto, legítimo, que tem um projeto econômico e que vai sustentar com solidez, visando, sim, crescimento; visando taxas de expansão da economia; visando, sim, recuperação de taxas históricas de emprego; visando todos esses objetivos com que todos nós sonhamos. Vai conseguir? Aposto que sim. A Oposição aposta que não. Mas o Governo tem um projeto; não é uma mosca tonta sem objetivos; não é um cego tateando no escuro; não há um descontrole sistêmico da economia. Há, isto sim, um previsível momento de sérias dificuldades, que nós rezávamos para que não ocorresse. Todavia, quando se tem que transferir para preços internos os preços internacionais, com a moeda desvalorizada, evidentemente, há uma defasagem e há amargas situações, como aquela vivida pelos agricultores, que pagam caro pelos insumos e têm que vender pelo mesmo preço a matéria que produzem.
Sr. Presidente, a tranqüilidade deve ser a marca das nossas expectativas. A Oposição está no seu papel, irá manifestar sua contrariedade, irá pedir o que lhe couber. Ao Governo cabe absorver e traduzir o movimento de acordo com seu sentimento, de acordo com sua interpretação da realidade, de acordo com a sua visão do projeto político e econômico que está tentando implantar no País. Essa me parece a visão tranqüilizadora e amenizadora que devemos ter dos fatos políticos.
O Sr. Mauro Miranda (PMDB - GO) - V. Exª me concede uma aparte?
O SR. JOSÉ FOGAÇA (PMDB - RS) - Com muita honra, ouço o Senador Mauro Miranda.
O Sr. Mauro Miranda (PMDB - GO) - Senador José Fogaça, quero cumprimentar V. Exª pela brilhante colocação que está fazendo neste momento. Com relação à marcha dos caminhoneiros, à marcha dos 100 mil, que está chegando amanhã a Brasília, e à manifestação dos agricultores, são manifestações democráticasl, que não colocam em risco a governabilidade do País. Não há gestos de golpismo. A insatisfação é muito forte. Gostaria que V. Exª, com o seu brilhantismo, também colocasse — e o tempo talvez lhe seja curto — a nossa relação, como país pobre, com os países ricos. A meu ver, esse lado da insatisfação tem que ser muito bem colocado. Os grandes decidem por lá e massacram a América Latina inteira – o México, a Argentina, o Brasil, a Venezuela, a Colômbia –, bem como a Índia, a África, quase que na sua totalidade. Crises na Rússia, no Sudeste Asiático, refletem na nossa economia. E isso não se dá por culpa propriamente do Presidente da República, que tem, como V. Exª colocou, um projeto definido. Porém, a meu juízo, falta ao Presidente e à sua equipe — e falo como membro da base de sustentação do Governo — a antecipação e a conversa mais fraterna com os nossos companheiros, com o povo brasileiro. Quero dar um exemplo: o Ministro da Agricultura deveria ter se antecipado ao fatos, por meio de uma conversa franca com os agricultores. Como o Presidente fez, há alguns dias, num bate-papo com os jornalistas, colocando muitas coisas nos seus devidos lugares, o Governo tem que mostrar a nossa fragilidade, como País latino-americano, nesse contexto globalizado. Muito menos que nos desanimar, tem que nos colocar dentro de uma realidade para examinar melhor os fatos na sua globalidade, na sua universalidade. Torço para que o movimento seja pacífico, tranqüilo, de insatisfação, como é hoje. Não vejo, contudo, da parte das principais lideranças um projeto alternativo para o Brasil, pronto a ser oferecido ao Presidente da República. Não vi nada disso até agora. De qualquer maneira, essa insatisfação precisa ser antecipada; é preciso uma conversa mais fraterna, menos arrogante, menos de São Paulo, dos literatos, dos muito preparados, dos doutores, e mais dos mais humilde, mais próxima, mais fraterna, entre o governante e o povo. Penso que é esse aspecto que falta hoje à equipe do Presidente Fernando Henrique Cardoso. Tenho uma admiração muito grande por Sua Excelência; tenho votado a seu favor; torço para que essa marcha seja a mais tranqüila possível. Todavia, essa insatisfação precisa ser contida, especialmente com o diálogo ou, então, com um pronunciamento do Presidente à Nação por meio do rádio e da televisão, explicando as nossas dificuldades, sobretudo pelas diferenças existentes entre os países ricos e os países pobres, principalmente da América Latina. Toda a América Latina vive os mesmos problemas por que passa o Brasil hoje. Essa a pequena contribuição que eu queria dar a V. Exª, ilustre Senador desta Casa.
O SR. JOSÉ FOGAÇA (PMDB - RS) - Senador Mauro Miranda, eu não poderia ficar mais satisfeito do que fiquei com a sua intervenção, porque V. Exª trouxe um dado que eu, evidentemente, não tive a sensibilidade para chamar a atenção, qual seja, o problema das relações internacionais, que, possivelmente, mereça um outro pronunciamento numa outra oportunidade - amanhã, seguramente.
Hoje, fico com essa realidade interna, Senador Mauro Miranda, realidade muito amarga, mas que é assim porque o que se está fazendo pretende que logo ali, na primeira esquina da História, este País possa ser bem menos amargo e injusto do que foi nos últimos cinqüenta anos.
Muito obrigado, Sr. Presidente.
¿