Discurso no Senado Federal

COMENTARIOS A MANIFESTAÇÃO DE MASSA OCORRIDA ONTEM, EM BRASILIA. COMPARAÇÃO ENTRE A MOTIVAÇÃO DOS ATUAIS ACONTECIMENTOS NA VENEZUELA E OS EQUIVOCOS DO GOVERNO E DAS OPOSIÇÕES NO BRASIL.

Autor
Jefferson Peres (PDT - Partido Democrático Trabalhista/AM)
Nome completo: José Jefferson Carpinteiro Peres
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
MOVIMENTO TRABALHISTA. GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO.:
  • COMENTARIOS A MANIFESTAÇÃO DE MASSA OCORRIDA ONTEM, EM BRASILIA. COMPARAÇÃO ENTRE A MOTIVAÇÃO DOS ATUAIS ACONTECIMENTOS NA VENEZUELA E OS EQUIVOCOS DO GOVERNO E DAS OPOSIÇÕES NO BRASIL.
Publicação
Publicação no DSF de 28/08/1999 - Página 22360
Assunto
Outros > MOVIMENTO TRABALHISTA. GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO.
Indexação
  • COMENTARIO, REALIZAÇÃO, MANIFESTAÇÃO COLETIVA, MARCHA, BRASILIA (DF), DISTRITO FEDERAL (DF), PROTESTO, ATUAÇÃO, GOVERNO FEDERAL.
  • COMENTARIO, IMPORTANCIA, NECESSIDADE, GOVERNO FEDERAL, ALTERAÇÃO, POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA, BUSCA, POLITICA SOCIAL, COMBATE, MISERIA, DESEMPREGO.
  • COMENTARIO, SIMILARIDADE, SITUAÇÃO, PAIS ESTRANGEIRO, VENEZUELA, CORRELAÇÃO, BRASIL, ESPECIFICAÇÃO, DESEMPREGO, DESIGUALDADE SOCIAL, CORRUPÇÃO, GOVERNO FEDERAL.

O SR. JEFFERSON PÉRES (Bloco/PDT - AM) - Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, Brasília assistiu ontem a uma grande manifestação de massa. É inútil ficar nesse duelo verbal em torno de números: 40 mil, 75 mil, 130 mil. Isso pouco importa. O que importa é que houve uma grande manifestação popular contra a política do Governo Federal. É verdade que foi manifestação organizada. É claro que houve participação de partidos e de sindicatos ao trazer seus militantes e associados em ônibus. É óbvio que não houve um afluxo espontâneo de povo para a praça pública porque isso é natural.  

Participação espontânea do povo em movimentos de rua só acontecem, Sr. Presidente, em manifestações religiosas ou por motivo que cause uma grande comoção nacional, como, por exemplo, a morte de um grande líder. Manifestações políticas geralmente são e têm que ser organizadas. Mas quando elas não expressam um sentimento generalizado na população, elas também fracassam. Também os movimentos organizados fracassam e não foi isso que aconteceu ontem.  

Creio que desse acontecimento todos devemos tirar lições, o Governo e a Oposição. Mas é importante que nem um nem outro tire lições erradas. É preciso não fazer uma leitura equivocada do que aconteceu ontem, nem por parte do Governo, nem por parte da Oposição. Quais seriam as conclusões erradas a serem tiradas pelo Governo? Seriam exatamente estas: o movimento foi meramente partidário, não expressou o sentimento popular e, portanto, não há nada a mudar na política do Governo. Se o Presidente Fernando Henrique Cardoso pensar assim, com essa arrogância, com esse triunfalismo, vai se dar muito mal.  

A lição errada que a Oposição pode tirar é a de que o povo, em sua grande maioria, a apóia, e que o Governo está fraco, deve ser desestabilizado, havendo condições, via impeachment ou, quem sabe derrubado por outros caminhos. Não haverá equívoco maior do que esse.  

A situação do Brasil é curiosa: o Governo está impopular, mas a Oposição não goza de popularidade. Na verdade, a grande maioria do povo brasileiro, neste momento, não gosta do Governo, mas não confia na Oposição, não a vê como alternativa viável de Poder; tem medo de dar um salto no escuro. Eu diria que a grande maioria da população está insatisfeita, mas perplexa, até mesmo sem rumo – para usar uma expressão do Presidente da República tentando desqualificar o movimento. De fato, a sociedade brasileira sente-se – como disse ontem o filósofo José Arthur Giannotti – desamparada, órfã e, portanto, sem noção exata do que fazer, de qual rumo seguir.  

A lição correta a ser tirada pelo Governo, Sr. Presidente, é a de que precisa mudar, mas sem embarcar no desenvolvimentismo fácil. É preciso mudar a política do Governo com políticas sociais compensatórias, que, pelo menos, amenizem a enorme situação de miséria que se alastra pelo País, principalmente em decorrência do desemprego; da miséria, ditada pela conjuntura econômica, além da miséria ditada por fatores estruturais, vivida por grande parte da massa. Estou-me referindo àqueles que perderam o emprego e estão realmente em situação angustiante.  

É preciso fazer algo urgentemente para aliviar essa situação, não por meio do assistencialismo, mas por meio de políticas sociais compensatórias. Mas se o Governo fizer isso embarcando no desenvolvimento fácil ou falacioso, abandonando a política fiscal responsável, abandonando a busca do ajuste fiscal indispensável, ele vai embarcar no aventureirismo e vai-se dar mal também, Sr. Presidente.  

A lição correta a ser tirada pela Oposição é a de que ela ainda não interpreta, não canaliza a insatisfação popular. É preciso unificar o discurso e é preciso ser propositiva, para que se apresente aos olhos da população como real e confiável alternativa de poder, o que ainda não acontece. Se se pensar que é, será um erro, repito, um grande equívoco.  

Se Governo e Oposição continuarem equivocados como estão, no meu entender - e digo isso divergindo inclusive de correligionários do PDT, é um Partido democrático que admite a divergência -, vamos marchar por caminhos muito difíceis nos próximos dois anos. O exemplo nos vem da Venezuela. Temos uma situação hoje muito parecida com a venezuelana.  

Naquele país dominavam dois grandes Partidos: o Copei e a AD. Há 40 anos se revezavam no poder. Julgavam-se muito fortes. E os partidos de esquerda não conseguiam ganhar eleições, porque eram vistos com desconfiança pela sociedade venezuelana.  

Na Venezuela há um enorme índice de desemprego, como no Brasil; há corrupção generalizada, como no Brasil; há uma desigualdade social enorme, histórica, como no Brasil. E partidos, tanto da Oposição como do Governo, que não mereciam a estima nem a confiança da população, como no Brasil. E os dois maiores, extremamente arrogantes, pensando que aquela situação se perpetuaria. Como a Esquerda era fraca, eles pensavam que continuariam a se revezar no poder ad infinitum.  

Então, surgiu o fenômeno Hugo Chavez, Sr. Presidente, que está realizando uma revolução pelo voto. Não sei onde vai desembocar, mas há um viés autoritário que me preocupa muito.  

O Brasil tem todos os ingredientes da Venezuela, mas falta o ingrediente principal: um líder que se oponha ao Governo, mas que mereça a confiança da população; um líder que se apresente como anti establishment, contra tudo o que está aí. Se aparecer à população alguém assim, contra tudo e contra todos, não haverá muita dificuldade - não nos iludamos - em acontecer no Brasil um fenômeno parecido com o do país vizinho. É isso o que me preocupa.  

Não tenho receio de um golpe militar. Não existem as mínimas condições para que isso aconteça no Brasil nem em qualquer país da América Latina. Golpes militares foram ultrapassados pela história. Se atualmente algum general maluco se levantasse e conseguisse derrubar, ele não se sustentaria por seis meses, inclusive pelo boicote internacional. Hoje não há clima nem condições para uma ditadura militar em país nenhum da América Latina. Esse regime militar não sobreviveria.  

Porém, o fenômeno Hugo Chavez é diferente. Nada se pode inquinar contra ele porque está fazendo tudo pelo voto. Gostemos ou não; queiramos ou não. Ele talvez se torne um ditador amanhã, mas por meio do voto.  

A Assembléia Constituinte, ontem, praticamente dissolveu a Suprema Corte. Hoje, o congresso venezuelano vai tentar reunir-se, e a Assembléia Constituinte já tomou a decisão de, se o fizer, dissolvê-lo. É uma ditadura via voto popular.  

Repito: há um perigo muito grande e real a nos rondar. Se a Oposição e o Governo no Brasil não tirarem as lições corretas do que está acontecendo, vamos marchar, sim, poderemos marchar, Sr. Presidente, para um fenômeno muito semelhante ao venezuelano. Oxalá que isso não aconteça; oxalá eu seja um mau profeta, mas a situação realmente me preocupa.  

Era o que tinha a dizer.  

Muito obrigado, Sr. Presidente.  

 

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Este texto não substitui o publicado no DSF de 28/08/1999 - Página 22360