Discurso no Senado Federal

HOMENAGEM AO VIGESIMO ANIVERSARIO DA ANISITIA NO BRASIL, MARCO HISTORICO DA LUTA PELA LIBERDADE E DEMOCRACIA.

Autor
Renan Calheiros (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/AL)
Nome completo: José Renan Vasconcelos Calheiros
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • HOMENAGEM AO VIGESIMO ANIVERSARIO DA ANISITIA NO BRASIL, MARCO HISTORICO DA LUTA PELA LIBERDADE E DEMOCRACIA.
Publicação
Publicação no DSF de 28/08/1999 - Página 22407
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • HOMENAGEM, ANIVERSARIO, ANISTIA, BRASIL, OPORTUNIDADE, CONFIRMAÇÃO, IMPORTANCIA, LUTA, DEFESA, LIBERDADE, DEMOCRACIA, PAIS.

O SR. RENAN CALHEIROS (PMDB-AL) - Sr. Presidente, Srªs e Srs Senadores, no calendário político do Brasil, 27 de agosto é um dia de comemoração. É o vigésimo aniversário da Anistia de 1979, que tirou da cadeia e das catacumbas, resgatou do medo, trouxe do exílio numerosos brasileiros perseguidos pelo regime político que se instalou no país em 1964. A Anistia devolveu-os como cidadãos à luz, à pátria, à família, aos amigos, ao trabalho e novamente muitos deles integraram-se á atividade política e hoje ocupam altos cargos da República – a começar do principal.  

É hora de lembrar o Movimento Feminino pela Anistia, fundado em 1975 por dona Teresinha Zerbini. O Comitê Brasileiro pela Anistia, que se espalhou em núcleos por todo o país. O ativismo dos militares, que contaram centenas, talvez milhares de perseguidos pela doutrina da Segurança Nacional estranha aos valores brasileiros. A atividade dos partidos políticos de oposição que, mesmo na ilegalidade, com os líderes no exílio, fundaram grupos de defesa da anistia pelo mundo, pressionando o governo brasileiro para reparar seus erros. A imprensa independente teve um papel fundamental na difusão da anistia como um direito a que faziam jus, ampla e irrestritamente, todas as vítimas da intolerância do regime militar.  

É de lembrar a atuação da Igreja, simbolizada na figura de Dom Paulo Evaristo Arns, cardeal de São Paulo, que expôs até a vida para defender os valores cristãos num ambiente restritivo da liberdade, de vez que um sem número de religiosos foi perseguido e atormentado, a exemplo do dominicano Frei Tito de Alencar. É de exaltar homens que, nesta casa, fizeram sua a voz da liberdade, como Paulo Brossard e o saudoso menestrel das Alagoas, o inesquecível Teotônio Vilela, dois Senadores que aqui traduziram o sentimento do povo organizado. O senador Brossard engrandeceu os anais do Congresso com uma série de três discursos, já em 1976, denunciando este crime hediondo que é a tortura, e apontando o caminho da anistia como a rota da esperança de que o País retomasse o caminho da democracia em paz e com desenvolvimento.  

Um cálculo feito na época indicou que eram 500 mil os beneficiários da anistia – incluindo presos, desaparecidos, mortos, banidos, exilados, aposentados ou reformados compulsoriamente, estudantes punidos pelo decreto 477 e todos os que haviam sido presos, processados, indiciados ou condenados.  

Não podemos e não devemos esquecer este hiato antidemocrático que tanto custou à inteligência do país. Desde 9 de abril de 1964, quando foi inaugurada a série de infames atos institucionais, os brasileiros perderam a maior das referências cívicas, a liberdade. Foi um hiato porque a liberdade não se toma, não se perde, não se acaba. Pode ser suspensa, interrompida, adiada, mas permanece viva, latente, para um dia se impor como a luz à treva. É por isso que hoje saudamos em especial a presença neste senado de Gilberto Mestrinho, figurante na primeira lista de 100 cassados. Ele voltou com a liberdade. Muitos outros parlamentares puderam reaver a vida política e hoje enobrecem o Congresso. Pelos que não voltaram, faço minha homenagem na figura de Rubens Paiva, assassinado na tortura.  

A comemoração da anistia se impõe porque é um daqueles remédios que precisamos ter à mão para jamais usar. Desde que foi aplicada na Grécia, pela primeira vez, ao tempo de Sólon, configurou-se como um instituto jurídico que paulatinamente integrou-se ao Direito dos países civilizados. Foi aplicada na Revolução Francesa, na Guerra Civil Americana, na União Soviética socialista – sempre com o sentido de apagar atos antes considerados criminosos.  

A história do Brasil é pródiga de anistias – em quantidade proporcional à tendência de nossos governos de considerar criminosos os que se opõem a eles. Estão registrados, no entanto, vários episódios de reparação de erros e mesmo de generosidade de vencedores sobre vencidos.  

Já em 1654, os patriotas que expulsaram os holandeses do Nordeste, agiram com nobreza ao anistiar todos aqueles que lutaram ao lado da Holanda, permitindo até que continuassem a viver livremente no Brasil. Houve anistias durante o 1.º reinado, beneficiando, por exemplo, os revoltosos de Pernambuco em 1817, os que combateram pela Independência, perdoados por dom Pedro I ainda em 1822, os combatentes da Confederação do Equador, em 1824, da Balaiada, em 1840, da Guerra dos Farrapos, em 1845, da Revolução Praieira, em 1849.  

Na República, um dos primeiros atos do Marechal Deodoro foi anular o banimento dos derrotados, permitindo o retorno ao País do Visconde de Ouro Preto, chefe do último gabinete monarquista. A anistia aos marinheiros que participaram da Revolta da Chibata, em 1910, foi liderada, nesta Casa, pelo senador Rui Barbosa. Em 1934, também por decisão do Congresso, foi concedida anistia ampla e irrestrita aos que se sublevaram na chamada Revolução Paulista Constitucionalista de 1932. Em 1945, quando o país saía da ditadura do Estado Novo, uma grande movimentação das forças democráticas, iniciada pela União Nacional dos Estudantes, levou às ruas a campanha pela libertação dos presos e restituição dos direitos políticos aos perseguidos. O decreto saiu em 18 de abril, seis meses antes da queda de Getúlio Vargas, permitindo a reintegração à cidadania plena de brasileiros como Luis Carlos Prestes, Octavio Mangabeira, Carlos Marighela, Hermes Lima, Armando de Salles Oliveira e Julio de Mesquita Filho.  

Daí até 1963 foram concedidas mais seis anistias, inclusive para jornalistas acusados de crimes de imprensa, e a de Juscelino Kubitscheck aos oficiais da Aeronáutica, liderados pelo major-brigadeiro Haroldo Veloso, que, em 1955 e 56, se rebelaram, em Aragarças e Jacareacanga, contra a posse do presidente legitimamente eleito.  

A anistia de 1979 é para ser comemorada como um dos grandes momentos de nossa história política. Não pertence ao governo, que por exigência da Emenda Constitucional de 69 tinha o privilégio de encaminhá-la, nem ao Congresso, que em memorável batalha parlamentar a aprovou. Pertence ao povo brasileiro, ao ideário republicano de uma nação, compreensivelmente dividida por classes e interesses, mas unida no sentimento de cidadania que não pode discriminar pessoas por suas idéias, nem deve punir os que ousam defendê-las em nome da democracia.  

Era o que tinha a dizer, Senhor Presidente.  

 


Este texto não substitui o publicado no DSF de 28/08/1999 - Página 22407