Discurso no Senado Federal

INDIGNAÇÃO ANTE A FRAGILIDADE DA FISCALIZAÇÃO DO BANCO CENTRAL NO SISTEMA FINANCEIRO.

Autor
Roberto Saturnino (PSB - Partido Socialista Brasileiro/RJ)
Nome completo: Roberto Saturnino Braga
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
BANCOS.:
  • INDIGNAÇÃO ANTE A FRAGILIDADE DA FISCALIZAÇÃO DO BANCO CENTRAL NO SISTEMA FINANCEIRO.
Publicação
Publicação no DSF de 31/08/1999 - Página 22570
Assunto
Outros > BANCOS.
Indexação
  • COMENTARIO, CONFERENCIA, TEREZA CRISTINA GROSSI, DIRETOR, BANCO CENTRAL DO BRASIL (BACEN), REGISTRO, INEXISTENCIA, FISCALIZAÇÃO, BANCO ESTRANGEIRO.
  • CRITICA, METODOLOGIA, ATUAÇÃO, BANCO CENTRAL DO BRASIL (BACEN), RISCOS, SISTEMA FINANCEIRO NACIONAL.
  • REGISTRO, INSUFICIENCIA, QUADRO DE PESSOAL, BANCO CENTRAL DO BRASIL (BACEN), OMISSÃO, FISCALIZAÇÃO, CONSORCIO, COOPERATIVA, PEQUENA EMPRESA, NATUREZA FINANCEIRA.
  • CRITICA, DIRETOR, BANCO CENTRAL DO BRASIL (BACEN), JUSTIFICAÇÃO, ERRO, FISCALIZAÇÃO, ATRASO, CONGRESSO NACIONAL, REGULAMENTAÇÃO, CONSTITUIÇÃO FEDERAL.
  • DEFESA, LIMITAÇÃO, CONTA BANCARIA, OPERAÇÃO FINANCEIRA, EXTERIOR, ANUNCIO, PROJETO DE LEI, CREDENCIAMENTO, BANCOS, OBJETIVO, AUMENTO, FISCALIZAÇÃO.
  • EXPECTATIVA, CONCLUSÃO, COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUERITO (CPI), BANCOS, PROPOSIÇÃO, MELHORIA, SISTEMA FINANCEIRO NACIONAL.

O SR. ROBERTO SATURNINO (Bloco/PSB - RJ. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Sr as e Srs. Senadores, no final da semana passada, a coluna do jornalista Marcelo Tognosi, do jornal O Dia , referiu-se a uma teleconferência da qual participou a Srª Tereza Cristina Grossi, chefe do Departamento de Fiscalização do Banco Central. Nesta teleconferência, que foi emitida para o Brasil, no dia 18 do corrente mês, a Srª Tereza Cristina Grossi fazia uma série de comentários sobre a atividade de fiscalização do Banco Central, sobre a qual nós, da tribuna, temos tecido algumas críticas.  

Tive acesso ao texto integral da Srª Tereza Cristina. Alguns trechos do texto deixaram-me efetivamente chocado, não só corroborando afirmações que havia feito desta tribuna como colocando ainda adiante determinadas preocupações que não podem deixar de ser comentadas e meditadas no Senado Federal, detentor de exclusiva competência para aprovação dos diretores dessa importante instituição fiscalizadora do nosso sistema financeiro.  

Assim é que, em determinada parte da teleconferência, na participação da Srª Tereza Cristina, ela diz:  

"Os bancos estrangeiros, a representação que eles têm no Brasil são uma parte muito pequena dos conglomerados existentes no exterior.  

(...) 

Se esse banco tiver um problema de capitalização aqui, vai ser resolvido imediatamente. Nós não temos por que ter receio de que esse banco possa quebrar aqui e causar problemas ao Sistema Financeiro Brasileiro. É uma abordagem diferente da supervisão, e é uma abordagem que está sendo usada para todos os bancos estrangeiros que têm sede no Brasil."  

Isto é, o Banco Central não está fiscalizando os bancos estrangeiros, porque acredita que um banco estrangeiro, por ter uma filial no Brasil, mesmo que seja relativamente pequena em face dos grandes negócios que administra no mundo inteiro, evidentemente não deixará que ela entre em dificuldades, procurando capitalizá-la para evitar uma catástrofe financeira da sua filial no Brasil.  

Sr. Presidente, efetivamente, por detrás dessa abordagem, como diz a Drª Tereza Cristina Grossi Togni, está a filosofia de não fiscalizar bancos estrangeiros e de fiscalizar, quando muito, os grandes bancos nacionais, sob a alegação de que banco estrangeiro não quebra. Sabemos perfeitamente que, no mundo financeiro integrado de hoje, uma operação malfeita aqui no Brasil, como, por exemplo, no mercado de futuros, pode levar a que, mesmo um grande banco estrangeiro, fique em dificuldades, as quais podem se propagar por todo o sistema financeiro nacional.  

Além de ser uma visão inadmissível, que privilegia esse caráter do banco estrangeiro, revela toda a fragilidade da fiscalização do Banco Central. Já houve exemplo de insucesso de um grande banco inglês por conta de operações malfeitas por um gerente seu no mercado de futuros do Sudeste Asiático. Isso pode se repetir a qualquer momento. Essa filosofia me parece, pois, padecer de um erro flagrante, enfim, porque centrada em uma revelação chocante no que respeita ao comportamento do Banco Central, ao qual a Drª Tereza Cristina Grossi chama de "abordagem especial dos bancos estrangeiros no Brasil".  

No texto da sua fala na teleconferência, também se revela um descaso do Banco Central em relação a todas as instituições de pequeno porte do nosso sistema financeiro. Diz a Drª Tereza Cristina: "O Banco Central deveria atender de igual forma todas as instituições sob sua fiscalização. Só que nós não temos pessoal suficiente para fazer isso. E entre fazer a fiscalização de um banco que pode causar um grande problema na economia brasileira, uma quebra, do tipo Econômico, Nacional, Bamerindus, e fazer a fiscalização de uma cooperativa, eu, pessoalmente, prefiro fiscalizar um banco grande e assumir o ônus de não fazer a da cooperativa. E vamos ter que continuar assumindo o ônus de não fazê-lo até que tenhamos quantitativo de pessoal suficiente para atender a toda a demanda do trabalho que temos".  

Ora, Srs. Senadores, as questões que se colocam são: até quando o Banco Central vai continuar com as suas deficiências de pessoal, que, por repetidas vezes, aqui temos observado? Até quando o Banco Central, por falta de pessoal técnico, por não abrir concursos, não mobilizará técnicos competentes e adequados para a sua missão fiscalizadora? Até quando o Banco Central continuará sendo omisso, no tocante à fiscalização das instituições de menor porte?  

O Banco Marka era um banco pequeno; não era um grande banco. Dentro desse critério da Drª Tereza Cristina, o Banco Marka estaria, como esteve, à margem da fiscalização do Banco Central, que se confessa deficiente do ponto de vista do quantitativo de pessoal técnico, concentrando a sua fiscalização nos grandes conglomerados, e só os brasileiros, porque os estrangeiros já ele os põe de lado. E, entre essas instituições nacionais de porte menor, estavam, por exemplo, os Bancos Marka e FonteCindam, ou seja, instituições que causaram, segundo os critérios trazidos à CPI do Sistema Financeiro, um grande risco sistêmico ao Sistema Financeiro Brasileiro.  

Que filosofia é essa de se conformar com uma deficiência de pessoal, já que é evidente que continua havendo uma perda de pessoal técnico? Que filosofia é essa de não se tomar providências para que tal deficiência seja sanada, deixando que a fiscalização a cargo do Banco Central continue cada vez mais deficiente?  

Essa deficiência é, por várias vezes, mencionada durante a exposição da Drª Tereza Cristina Grossi nessa teleconferência a que me referi e cujo texto me chegou às mãos.  

A mesma Drª Tereza Cristina também faz uma crítica ao Congresso Nacional, no que não deixa de ter razão, em parte, quando diz: "Nós estamos aguardando a discussão do 192" – e S. Sª se reporta ao artigo da Constituição que diz respeito à regulamentação do sistema financeiro –, "estamos aguardando há dez anos e até hoje nada surgiu. Será que a gente teria que aguardar mais dez anos para termos o que estamos realmente precisando na área de fiscalização?"  

É uma afirmação um tanto agressiva ao Congresso, que, realmente, se omitiu quanto à regulamentação do art. 192; todavia, em razão de uma dificuldade que todos os Srs. Senadores conhecem, qual seja, a decisão do Supremo Tribunal Federal que considera deva esta regulamentação ser feita por uma única lei, o que criava dificuldades praticamente insanáveis. Agora, doravante, com a emenda constitucional, recentemente aprovada aqui no Senado, cujo Relator foi o Senador Jefferson Péres, o Congresso Nacional poderá fazer a regulamentação por partes, o que, evidentemente, facilitará muito, abrindo-se, então, uma possibilidade de cumprimento dessa exigência e, por conseguinte, uma justiça maior na cobrança sobre esta omissão do Congresso Nacional.  

Porém, não creio sejam adequados os termos usados pela Drª Tereza Cristina para este fim, quando afirma: "Já esperamos por mais de dez anos. Querem o quê? Que continuemos esperando mais outros dez anos?" Com isto, justifica providências que nada têm a ver com a regulamentação do art. 192 da Constituição Federal; providências de redistribuição e remoção de pessoal técnico do Banco Central, com o fechamento ou a extinção de delegacias que cumpriam um importante papel na fiscalização de instituições financeiras em diversas partes do Brasil, concentrando todas em Brasília e em São Paulo para, como ela diz: "cuidar dos grandes conglomerados, cuidar dos grandes consórcios financeiros nacionais". Não os estrangeiros nem os pequenos e médios nacionais; somente os grandes.  

Neste trecho, novamente afirma: "Damos ênfase à supervisão dos conglomerados bancários. E não damos a mesma ênfase à supervisão de consórcios, cooperativas e talvez algumas empresas pequenas e independentes. Não temos quadros suficientes para fiscalizar todo o Sistema Financeiro Nacional. E, enquanto não tivermos, vamos ter que priorizar". Isto é, concentrar a atividade. Assim, o Banco Central toma, sem consultar a ninguém, decisões de remanejar seu pessoal, concentrando-o em Brasília e em São Paulo, para indignação de muitos dos funcionários que, justamente, enraizados com suas famílias em diferentes regiões do País, estão obrigados agora a se mudar para São Paulo e para Brasília.  

Como foi decidida a reestruturação da fiscalização do Banco Central? Diz a Drª Tereza Cristina Grossi: "Uma das críticas que estamos recebendo é de que o processo foi fechado e que não consultamos as bases. Realmente, o processo foi fechado. A reestruturação foi desenhada no gabinete do Departamento de Fiscalização pelas pessoas que estão aqui sentadas à mesa".  

Estavam lá os técnicos do Departamento de Fiscalização.  

"Nós não discutimos o assunto reestruturação nem com os chefes de divisão que estão aqui na sede. Eles tomaram conhecimento do que havia sido proposto pelo Departamento de Fiscalização - DEFIS, após a aprovação da diretoria".  

Uma decisão tão importante, tão grave, que diz respeito à eficácia da fiscalização do Banco Central, foi tomada pelo Departamento de Fiscalização sem consultar nenhuma outra área do próprio Banco Central e sem consultar setores concernentes da sociedade, como por exemplo, as comissões do Congresso Nacional, funcionários de outros departamentos do Banco, com vivência, com experiência em atividades de fiscalização e que certamente teriam muito a dizer a respeito.  

Foi uma decisão tipicamente tecnocrática que infligiu sacrifícios a dezenas de funcionários. A meu juízo e pelo que foi dito pela Drª Tereza Cristina na teleconferência, vão conseguir concentrar a fiscalização nos grandes bancos brasileiros, deixando de lado as pequenas instituições do sistema e os bancos estrangeiros, que naturalmente serão fiscalizados por suas próprias matrizes e não pelo Banco Central do Brasil.  

Quanto ao atendimento à sociedade, diz a Drª Tereza Cristina: "Atender correntistas de agências que têm problemas com sua conta bancária? Isso a gente faz com o 0800, com tranqüilidade (...)."

 

Quer dizer, prejuízos que possam ser causados a correntistas, a clientes pessoas físicas do sistema financeiro nacional, também não são tarefa do Banco Central e estão além das preocupações fiscalizadoras do Banco e não podem fazer parte do elenco de inquietações principais desta grande instituição.  

Na Comissão Parlamentar de Inquérito do Sistema Financeiro, ficaram absolutamente patentes as deficiências de fiscalização do Banco Central, não somente no caso dos dois bancos que, supostamente, teriam causado o risco sistêmico, mas também em vários outros aspectos, como nas contas CC-5. São dezenas de milhares de contas que movimentam recursos para dentro e para fora do País, sem nenhum controle do Banco Central. Essas contas podem ser abertas em qualquer instituição, por menor que seja, e estão muito fora das preocupações de fiscalização do Banco Central.  

Há um banco paranaense que funciona exclusivamente para movimentar contas CC-5. Com que propósito não se sabe. Muito provavelmente são movimentações ligadas à lavagem de dinheiro e outras operações não mais lícitas do que essa e que ficam à margem de qualquer preocupação do Banco Central. Com deficiência de pessoal confessada e sem nenhuma disposição para prover a instituição do pessoal necessário, o Banco concentra doravante suas preocupações nos grandes conglomerados para evitar qualquer possibilidade de quebra no sistema financeiro, sem levar em conta os interesses dos correntistas e clientes do sistema ou a movimentação, por exemplo, das contas CC-5 que são efetuadas por qualquer banco sem nenhum credenciamento especial para esse fim.  

Sr. Presidente, neste particular, é importante que o Senado aprove - e a CPI dos Bancos pode fazer isso, e eu mesmo estou preparando um projeto de lei nesse sentindo - projeto autorizando ou permitindo que as contas CC-5 sejam movimentadas apenas em um pequeno número de bancos credenciados para esse fim. Seria a forma de facilitar a fiscalização dessas contas, que é muito importante que seja feita. Elas não podem passar pela desatenção agora anunciada e confessada pelo Departamento de Fiscalização do Banco Central.  

A CPI dos Bancos está agora na fase final, na fase propositiva, de vez que os depoimentos investigatórios estão praticamente encerrados. Tendo ela requerido uma prorrogação por trinta dias, pode e deve dedicar-se, com afinco e profundidade, à sua tarefa propositiva, no sentido de, por exemplo, acolher as sugestões do Secretário da Receita Federal, Dr. Everardo Maciel; estudar as preocupações nesse sentido trazidas pelos ex-presidentes do Banco Central, Srs. Gustavo Franco e Gustavo Loyola, que passaram pela Comissão recentemente; adotar proposições capazes de impedir essa multiplicação de investimentos e de apostas feitas pelos bancos no mercado futuro, a chamada alavancagem que permitiu ao Banco Marka apostar vinte vezes o valor de seu patrimônio, o que teria sido um absurdo coibido em qualquer sistema onde houvesse uma preocupação mínima com o volume dessas apostas, com a proporção entre apostas e patrimônios; elaborar uma legislação específica para as contas CC-5, essa movimentação que sai do País e nele entra sem nenhum controle praticamente, uma vez que qualquer pequeno banco pode fazê-lo.  

A CPI do Sistema Financeiro tem essa responsabilidade, e eu, como membro, proponho-me a colaborar, no que me for possível fazer, para que a Comissão cumpra a missão de dotar o País de uma série de regras capazes de impedir ou, pelo menos, de reduzir drasticamente a probalidade de novas ocorrências como as que suscitaram a constituição da CPI. Isto é, não só as operações com os Bancos Marka e FonteCindam, mas todas as operações de socorro do Proer que causaram tanta indignação no País.  

Sr. Presidente, as palavras da Drª Tereza Cristina Grossi Togni , na teleconferência de 18 de agosto, deixam-nos extremamente inquietos. É necessário que o Senado faça chegar ao Presidente do Banco Central e ao Ministro da Fazenda a sua preocupação com a deficiência de pessoal. Que desleixo e que desapreço são esses em relação a uma responsabilidade tão importante do Banco, que faz com que ele fique imobilizado diante de uma carência confessada pelo Departamento de Fiscalização e não tome providências para preencher essa lacuna tão sentida na fiscalização dos bancos?  

Ficam aqui minhas palavras de crítica à posição assumida pelo Banco Central de só fiscalizar grandes conglomerados nacionais e a nossa indignação pelo fato de o Banco Central não tomar as providências para sanar essa carência tão aguda de pessoal, confessada repetidas vezes pela chefe do Departamento de Fiscalização. Muito obrigado, Sr. Presidente.  

 

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Este texto não substitui o publicado no DSF de 31/08/1999 - Página 22570