Discurso no Senado Federal

LEITURA DO ARTIGO DO PROFESSOR CRISTOVAM BUARQUE, PUBLICADO NO JORNAL CORREIO BRAZILIENSE, HOMENAGEANDO DOM HELDER CAMARA, FALECIDO NA SEXTA-FEIRA ULTIMA.

Autor
Tião Viana (PT - Partido dos Trabalhadores/AC)
Nome completo: Sebastião Afonso Viana Macedo Neves
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • LEITURA DO ARTIGO DO PROFESSOR CRISTOVAM BUARQUE, PUBLICADO NO JORNAL CORREIO BRAZILIENSE, HOMENAGEANDO DOM HELDER CAMARA, FALECIDO NA SEXTA-FEIRA ULTIMA.
Aparteantes
Heloísa Helena.
Publicação
Publicação no DSF de 31/08/1999 - Página 22561
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • LEITURA, TRANSCRIÇÃO, ANAIS DO SENADO, ARTIGO DE IMPRENSA, AUTORIA, CRISTOVAM BUARQUE, PROFESSOR, PUBLICAÇÃO, JORNAL, CORREIO BRAZILIENSE, DISTRITO FEDERAL (DF), HOMENAGEM POSTUMA, HELDER CAMARA, BISPO, LUTA, ERRADICAÇÃO, POBREZA, DENUNCIA, POLITICA, INJUSTIÇA, EXCLUSÃO, POPULAÇÃO CARENTE.

O SR. TIÃO VIANA (Bloco/PT - AC. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, a nossa geração, as gerações que têm a memória da luta pela cidadania, pela dignidade e pela justiça social sofreram, nas últimas horas, a perda de Dom Hélder Câmara.  

Recentemente, fiz uma homenagem a Dom Hélder, quando houve uma sessão do Congresso Nacional. Em vez de repeti-la, farei a leitura, na íntegra, do artigo do Correio Braziliense em que o Professor Cristovam Buarque homenageia Dom Hélder, por seus sete anos de convívio e trabalho em conjunto, em Recife.  

O Santo Rebelde

Dom Hélder dedicou sua vida para ajudar os pobres e para lutar contra o sistema que criava a pobreza. Ele foi um santo e um rebelde.  

Sua Santidade estava na abnegada dedicação com que tentava aliviar a pobreza no dia-a-dia, com a caridade de seus programas emergenciais, na relação especial com que tocava nas mãos e nos corações de cada pobre, levando-lhe não apenas o que necessitava materialmente, mas também espiritualmente.  

Sua rebeldia estava na radicalidade de sua luta contra os poderosos e os poderes que criavam a pobreza mais depressa do que o alívio que ele oferecia; nos veementes discursos contra a tirania política e a opressão da elite, levando a todo o povo a consciência da injustiça do modelo econômico que beneficiava apenas aos ricos.  

Dom Hélder foi um santo rebelde, porque era um santo que acariciava para dar conforto aos pobres e gritava para denunciar as injustiças da sociedade.  

Diferente de outros santos, ele não se conformava apenas em ajudar aos pobres, ele queria fazer uma revolução que eliminasse a pobreza. Mas, diferente de outros rebeldes, não se conformava em esperar o dia da revolução, ele cuidava dos pobres enquanto a revolução não chegava.  

Dom Hélder foi um tipo raro neste século, ele era rebelde porque era santo. Seu humanismo levou-lhe à santidade da doação total de sua vida aos humanos que dela necessitaram, e, por este caminho, do humanismo à santidade, ele chegou à crítica revolucionária.  

Ele percebia que, sem a ajuda imediata, os seres humanos morreriam, que seu primeiro compromisso era mantê-los vivos, mas sem transformação social eles continuariam vivos na injustiça, na miséria e na exclusão.  

Dom Hélder é o nosso santo. Santo da bondade e da revolução.  

Ele morre, depois de 90 anos dedicados, todos da sua vida adulta, à luta e à doação, à luta dos rebeldes e à doação dos santos. Ele morre, mas seu sonho fica presente. Esperando que outros carreguem a sua bandeira, alguns com um pouco de santidade que ele tinha, outros com um pouco da rebeldia, mas nenhum conseguindo juntar em uma mesma alma, em um mesmo coração, nas mesmas mãos, esta característica tão especial de ao mesmo tempo ser santo e rebelde.  

Ele morre no momento em que a perversa elite brasileira começa a despertar para a vergonha, a injustiça e o imenso custo de manter milhões de pobres na exclusão. Ele morre no momento em que o Brasil cansou de ver tanta riqueza ilhada no meio de tanta pobreza. Nós, que não seremos santos e rebeldes como ele, podemos pelo menos prestar-lhe a homenagem que, na sua rebeldia, ele apoiaria, levar adiante um programa de mudanças que elimine o quadro de pobreza que envergonha nosso País. É a homenagem que em sua santidade talvez ele recusasse, chamar de Hélder o conjunto das medidas que formariam um projeto de erradicação da pobreza no Brasil.  

Daqui a dez anos, nosso santo rebelde estaria fazendo cem anos. No centenário de seu nascimento, vamos dar-lhe de presente a dedicação dos próximos dez para concretizar o sonho pelo qual ele tanto se doou como santo e tanto lutou como rebelde.  

Sr. Presidente, são manifestações de lembrança, de amizade e de solidariedade que o Professor Cristovam Buarque faz a Dom Hélder Câmara. Solicito que sejam incluídas nos Anais do Congresso Nacional, por serem profundamente justas e fiéis a uma pessoa que marcou gerações. As gerações dos últimos 50 anos, pelo menos, tiveram marcas profundas da figura social, política e espiritual de Dom Hélder. Acredito que é uma lembrança para que possamos ajudar a construir o País, com os olhos voltados para a justiça e para a verdade; para que possamos ter uma sociedade diferente desta em que vivemos.  

A Srª Heloisa Helena (Bloco/PT - AL) - V. Exª me permite um aparte, nobre Senador Tião Viana?  

O SR. TIÃO VIANA (Bloco/PT - AC) - Ouço V. Exª, nobre Senadora Heloisa Helena.  

A Srª Heloisa Helena (Bloco/PT - AL) - Senador Tião Viana, gostaria de saudar V. Exª pela lembrança da saudade que deixa Dom Hélder Câmara, que sempre foi um exemplo para todos, especialmente para nós, nordestinos, que tivemos a oportunidade de iniciar a militância política na Igreja, nas comunidades eclesiais de base, na evangelização, buscando a construção de um mundo de Deus aqui na Terra. Uma das frases que mais me marcaram, que mais me lembra Dom Hélder é a de que o povo ou aprende pelo conhecimento ou aprende pelo sofrimento. Sabia que qualquer pessoa necessita do conhecimento, precisa compreender o mundo para poder transformá-lo conforme seus desejos, seus sonhos, suas aspirações. Sabia que ninguém podia ser senhor ou senhora do seu próprio destino sem ter acesso à educação, ao conhecimento. E sabia, também, como ninguém, até por sua belíssima história de vida, de opção pelos excluídos, pelos pobres, pelos marginalizados, enfim, pela grande maioria da população, que se aprende muito pelo sofrimento. É um aprendizado mais cruel, perverso, doloroso, mas, com certeza, com ele, a persistência, a perseverança, a capacidade de, a cada momento, renascer em coragem, em esperança, sem dúvida, é muito maior. Portanto, o nosso abraço a todos que, no dia de hoje, como V. Exª, sentem a saudade do nosso irmão, do nosso companheiro Dom Hélder.  

O SR. TIÃO VIANA (Bloco/PT - AC) - Agradeço à nobre Senadora Heloisa Helena, que, em uma recente homenagem a Dom Hélder, também se manifestou no Senado, juntamente com outros Srs. Senadores.  

Quero estender-me um pouco mais, aproveitando a oportunidade do artigo do Professor Cristovam Buarque. São considerações a respeito de outros artigos que li sobre direitos humanos, neste final de semana. Um deles é o do Dr. Antônio Ermírio de Moraes, publicado na Folha de S. Paulo de sábado, intitulado "Globalização, saúde e tristeza", que faço questão de destacar, porque apresenta alguns dados que — acredito — fazem parte da motivação da rebeldia de Dom Hélder Câmara:  

"A globalização veio para ficar e a competição só tende a aumentar. Mas, quando se analisam os efeitos desses processos no campo da saúde, o quadro é dramático.  

A revista "Economist" de 14/08/99 apresenta três reportagens assustadoras. Veja esses dados.  

1) Das crianças que morrem antes de completar 5 anos, 98% estão no mundo subdesenvolvido.  

2) Do total de pessoas que possuem HIV positivo, 95% vivem nos países pobres.  

3) Dos US$56 bilhões que são gastos em pesquisa sobre saúde, apenas US$5 bilhões se destinam a doenças que afetam os povos de baixa renda.  

4) Desses US$5 bilhões, menos de US$250 milhões vão para a produção de vacinas que evitem as doenças".  

Além dessas, outras informações foram relatadas, no dia da Declaração Universal dos Direitos Humanos, pelo Senador francês Robert Badinter para o jornal Le Monde, em que destaca a dificuldade de lembrar a Declaração Universal dos Direitos Humanos. Segundo o artigo, um bilhão e trezentos milhões de seres humanos têm de sobreviver com apenas um dólar por dia; trinta e cinco mil crianças morrem de fome todos os dias, de subnutrição, de doenças evitáveis; duzentos e cinqüenta mil crianças brasileiras são obrigadas a trabalhar para complementar a renda familiar.  

Todas essas informações fortalecem a lição de Dom Hélder Câmara, da rebeldia que deve estar presente na ordem do dia do cidadão e do político brasileiros, para que seja construído um país diferente.  

O artigo do Dr. Ermírio deve ser objeto de reflexão profunda de toda a classe política brasileira, para que seja entendida a idéia dos convênios, dos consensos, das decisões tomadas em gabinete. Como os da convenção ocorrida em Washington, em 1990, quando foi decidida a redução de gastos com obras sociais, contenção de despesas com gastos públicos, porque trariam um grande benefício social para o País.  

Mas a realidade apresentada por Dom Hélder ao longo de sua vida e por esses dados científicos devem servir de uma grande lição, de que a idéia do Estado mínimo está fracassada, a idéia neoliberal não traz justiça social, não traz a construção de um Estado verdadeiro nem para o nosso nem para nenhum país que tenha como política a não-exploração.  

Sr. Presidente, deixo para a lembrança esta homenagem singela a Dom Hélder. Estamos na batalha do dia-a-dia e jamais deveremos esquecer a grandeza de lutar verdadeiramente por justiça social. Como disse o Professor Cristovam, dedicaremos os próximos 10 anos, até o centenário de Dom Hélder, à construção de um país sem pobreza, sem miséria e com verdadeira justiça.  

Muito obrigado.  

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DOCUMENTOS A QUE SE REFERE O SENADOR TIÃO VIANA EM SEU PRONUNCIAMENTO.  

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Este texto não substitui o publicado no DSF de 31/08/1999 - Página 22561