Discurso no Senado Federal

HOMENAGEM A MEMORIA DO ARCEBISPO EMERITO DE OLINDA E RECIFE, DOM HELBER PESSOA CAMARA, CUJA MISSA DE SETIMO DIA SERA CELEBRADA HOJE, NA IGREJA DA SE DE OLINDA.

Autor
José Jorge (PFL - Partido da Frente Liberal/PE)
Nome completo: José Jorge de Vasconcelos Lima
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • HOMENAGEM A MEMORIA DO ARCEBISPO EMERITO DE OLINDA E RECIFE, DOM HELBER PESSOA CAMARA, CUJA MISSA DE SETIMO DIA SERA CELEBRADA HOJE, NA IGREJA DA SE DE OLINDA.
Aparteantes
Pedro Simon, Ramez Tebet.
Publicação
Publicação no DSF de 03/09/1999 - Página 23120
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • HOMENAGEM POSTUMA, HELDER CAMARA, SACERDOTE, ESTADO DO CEARA (CE), ARCEBISPO, ESTADO DE PERNAMBUCO (PE), OPORTUNIDADE, RECONHECIMENTO, ALCANCE, IMPORTANCIA, TRABALHO, DEFESA, DIREITOS HUMANOS, PROTEÇÃO, POPULAÇÃO, BAIXA RENDA.

O SR. JOSÉ JORGE (PFL - PE. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores,

“Por decreto irrevogável, fica estabelecido o reinado permanente da justiça e da claridade, e a alegria será uma bandeira generosa para sempre desfraldada na alma do povo”.

Recorro à metalinguagem do poeta amazonense Thiago de Mello, como prólogo deste pronunciamento no Senado, para traduzir e deixar gravado para a História o que perpassa a alma do povo pernambucano no momento em que um sentimento irreparável de perda o surpreende e enluta.

Celebra-se hoje, na Igreja da Sé de Olinda, a Missa de Sétimo Dia pela alma do Arcebispo Emérito de Olinda e Recife, Dom Hélder Pessoa Câmara, falecido aos 90 anos de fecunda existência. De sua vida dedicou 35 anos, prioritariamente, por missão religiosa, ao povo de minha terra. Pernambuco se sente privilegiado de ter D. Hélder entre seus cidadãos e, como Senador da República, representando o povo pernambucano, sinto a grandeza desta honra e me curvo, com reverência, nesta hora de luto, para reconhecer o alcance de sua obra e para agradecer pelo seu exemplo de vida digna, marcada pela ética, pelo zelo religioso e pela fidelidade generosa aos princípios humanitários que em vida abraçou.

O luto que hoje encobre o meu Estado estendeu seu manto sobre toda a nação brasileira, por ato do Exmº Senhor Presidente da República. Ultrapassou ainda as nossas fronteiras e se fez repercutir em diversos países do mundo, dos mais ricos aos mais pobres, por meio de manifestações de inúmeros chefes de Estado, políticos de todas as ideologias, dirigentes religiosos de todas as vertentes, intelectuais e, muito particularmente, das lideranças mundiais que se dedicam à incansável luta pelos direitos humanos, pela defesa das liberdades, pelo desenvolvimento e independência econômica dos países em desenvolvimento e pela proteção aos mais pobres.

O Papa João Paulo II, em sua primeira visita ao Brasil, no dia 8 de julho de 1980, chegando ao Recife, abraçou e saudou Dom Hélder com estas palavras, que passaram a ser o símbolo de sua vida e de sua luta:

“Dom Hélder, irmão dos pobres e meu irmão”

Hélder Câmara, nordestino de Fortaleza, viajor do mundo e de peregrinas utopias, franzino, humilde, com sua batina surrada e de cruz peitoral de madeira, franciscanamente poeta da vida e profeta do amor!

Com seu andar cambaio e sempre na esperança do alvorecer de um mundo melhor, ele marcou decisivamente a História do Brasil neste século. Não se pode reescrever a nossa História sem fazer emergir em todos os momentos a presença definitiva da Igreja Católica. E não se pode contar a história da Igreja sem a voz serena e forte deste profeta brasileiro, questionador, polêmico, corajoso, previdente e pacificador.

Se a Igreja Católica do Brasil é reconhecida mundialmente como progressista e moderna, sem abrir mão da função evangelizadora que lhe é específica, D. Hélder Câmara, ao lado de outros célebres prelados brasileiros de ontem, como D. Vital, e de hoje, como D. Evaristo Arns, aparece como timoneiro e vanguardista na luta por uma sociedade justa e fraterna; desenvolvida mas sem desigualdades regionais; livre, mas sem as gritantes disparidades sociais predominantes; sociedade que identifica e inclui os marginalizados e as minorias.

Coube a Dom Hélder Câmara entre outros empreendimentos, idealizar e implementar na Igreja do Brasil, as ainda atuais estruturas organizacionais que a tornaram uma instituição sólida, moderna, eficiente, sintonizada com o anseio da maioria da população e mais próxima das fontes bíblicas que revelam a verdadeira face da igreja povo-de-Deus, da igreja - corpo, regida pela colegialidade episcopal. Nasceu com ele a CNBB, a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, sendo ele o seu primeiro secretário-geral, de 1952 a 1962 - portanto durante dez anos -, instituição que incorporou ao longo de sua história, entre outras, as grandes bandeiras da justiça social em nosso País.

Simultaneamente provocou Dom Hélder a organização da CELAM, Conferência Episcopal Latino-Americana, da qual foi vice-presidente e delegado do Brasil, de 1958 a 1964, levando a Igreja Católica em nosso continente a tomar corajosamente a defesa das liberdades individuais contra todos os regimes políticos de força, de direita ou de esquerda que, por séculos, macularam o solo latino-americano com o sangue dos nossos mártires.

Registra também a história da Igreja, por justiça, a influência do ilustre pernambucano no maior evento católico deste século, a realização do Concílio Vaticano II, convocado pelo saudoso Papa João XXIII, em 1962, para fazer o aggiornamento da Igreja aos tempos atuais.

A imprensa internacional que cobria o Concílio, após mostrar a grandiosidade do recinto da basílica de S. Pedro, no Vaticano, com mais de dois mil bispos de todas as partes do mundo, portando suas batinas roxas, cruzes de ouro ao peito e suas mitras reluzentes de pedras preciosas, destacava entre eles um bispo pequeno e frágil, com a batina incolor e cruz de madeira ao peito, sem qualquer sinal exterior de poder e prestígio, à imitação do seu Mestre, O Filho do carpinteiro de Nazaré, que não possuía sequer uma pedra onde reclinar a cabeça.

Daquele caniço agitado pelo vento, amigo de João XXIII, o Concílio receberia os ventos da inspiração que fariam o colégio episcopal repensar toda a pastoral da Igreja, êxito coroado pela definição conciliar da opção preferencial pelos pobres no documento Lumen Gentium (Luz dos Povos).

Registra também a história que o Papa Paulo VI, sucessor de João XXIII e continuador do Concílio Vaticano II, amigo de muitos anos do bispo de Recife, fez editar aquela que considero a mais revolucionária de todas as encíclicas sociais do Vaticano, a Populorum Progressio, voltada para as relações internacionais, exigindo, em nome de Deus, quase com a ameaça dos antigos profetas Amós e Isaías, que os países ricos integrassem no desenvolvimento mundial as nações mais pobres, pondo fim a todo sistema de colonização e exploração selvagem dos mais fracos pelos mais fortes. E incorporava ao documento o conceito de Dom Hélder de que a paz mundial se tornaria impossível se o desenvolvimento com justiça não chegasse a todos os povos.

“Desenvolvimento é o novo nome da Paz”, proclamava Paulo VI, que, como João XXIII, fazia ecoar para o universo o “sentimento do mundo” que tinha nosso velho arcebispo.

Srªs e Srs. Senadores, Sr. Presidente, refiro-me a esses fatos que considero maiores na vida de Dom Hélder, por terem um alcance que atinge as superestruturas do poder profano e do poder religiosos, sendo, por isso mesmo, responsáveis pelas mais profundas mudanças ocorridas na vida da Igreja e na vida dos povos. Mas não posso deixar de destacar igualmente o quotidiano da luta do incansável de Dom Hélder Câmara à frente do seu rebanho em meio à nossa sociedade.

Após 21 anos de trabalho pastoral no Ceará, em 20 de abril de 1952, foi enviado Dom Hélder para o Rio de Janeiro, na condição de bispo-auxiliar, onde permaneceu até 12 de abril de 1964, quando tomou posse como arcebispo de Olinda e Recife, em pleno regime político de exceção. Ao chegar ao Recife, ele abandonou o palácio episcopal e foi morar, onde viveu até a sua morte, nos fundos da pequena Igreja das Fronteiras, num dos bairros da Capital.

No Rio de Janeiro, iniciou a organização das lideranças leigas por classes sociais, abrindo espaço na pastoral para o laicato, tendo sido a Ação Operária Católica o primeiro núcleo dessa organização, seguida depois pela Juventude Estudantil Católica, Juventude Universitária Católica, Juventude Agrária e Juventude Independente.

Esses movimentos iniciaram-se na França e na Bélgica, com o apoio da nova teologia desenvolvida por Yves Congar, Pe. Cardin e Padre Lebret, espalhando-se rapidamente por todo o Brasil. A igreja rejuvenescia, aproximava-se das maiorias excluídas e se transformava pouco a pouco numa grande esperança para as massas, sobretudo para a juventude.

Jovens idealistas decidiram levar a mensagem do evangelho para a política, saindo das sacristias para as ruas, buscando construir no mundo a “cidade de Deus”, de que já falava no século IV o bispo de Hipona e filósofo Agostinho, tendo ocasionado uma grande renovação nos quadros políticos do país. E mais uma vez lá estava o nosso velho bispo, rasgando horizontes, abrindo diálogos, defendendo a liberdade, lutando pela justiça e ajudando aos mais pobres.

No Rio de Janeiro, ainda, desenvolveu ações práticas de solidariedade que até hoje perduram, como as da Feira da Providência, destinada a ajudar a população pobre das favelas e dos morros, desenvolvendo núcleos habitacionais populares e gestando o movimento das comunidades eclesiais de base.

Foi sua também a coordenação, em 1955, do 23º Congresso Eucarístico Internacional, uma apoteose daqueles tempos, trazendo para o nosso país representantes de todas as partes do globo. A esse tempo já era convidado para ministrar palestras em todas as partes do mundo, levando não apenas uma mensagem religiosa, mas também o nome do nosso Brasil.

Em 1964, encontrava-se na 3ª sessão do Concílio, quando a Santa Sé o designou para a mais espinhosa de suas missões: dirigir a igreja de Olinda e Recife, em meio a mais grave crise social e política que o Brasil atravessara e com o regime autoritário plenamente instalado.

Chegou ao Recife ressalvando que lhe bastava a ideologia cristã para dirigir os seus rumos, baseada no evangelho e nas encíclicas sociais da igreja, descartando qualquer possibilidade de ser patrulhado ideologicamente. Chegou confessando que Cristo, de quem era discípulo, tinha nome próprio e vivia ao seu lado: eram os Severinos, os Josés, as Marias da vida... Ricos ou pobres, dominantes ou dominados, confiantes ou desesperados...

Pastor de todos, defendia a liberdade com todas as suas forças, aplicando-se-lhe os limites impostos pelos direitos sociais. Defendia a organização socialista do Estado, com os limites impostos pelas inalienáveis liberdades individuais. Ensinava que a opção política de organização do Estado dependia do povo, desde que observados os limites dos direitos naturais e inalienáveis da pessoa humana. Condenava a selvageria do sistema capitalista puro, que expolia os mais fracos e destrói a dignidade humana, e também condenava o Estado socialista puro que esmagava as liberdades e tonava as pessoas meros objetos da dominação escravagista do Estado.

Para o cristão, permanecia a utopia evangélica do reinado da justiça e do amor, as únicas leis que deviam constituir o núcleo legal de qualquer sociedade verdadeiramente humana.

Alguns posicionamentos religiosos e políticos de nosso emérito arcebispo chegaram a custar-lhe sofrimentos e dores, incompreensões, perseguições, cerceamento de liberdade, dentro e fora da Igreja e do País, mas sua retilínea convicção evangélica era capaz de desarmar os preconceituosos e prepotentes. Era Dom Hélder um homem de paz e de perdão. Uma pessoa compreensiva, incapaz de regar a mágoa. Era inimigo declarado do ódio, que ele considerava uma das formas mais degradantes da existência humana.

O Sr. Ramez Tebet (PMDB - MS) - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. JOSÉ JORGE (PFL - PE) - Concedo o aparte a V. Exª.

O Sr. Ramez Tebet (PMDB - MS) - Senador José Jorge, peço-lhe permissão, porque eu ainda não tinha tido a oportunidade de registrar nos Anais desta Casa o meu profundo pesar pelo falecimento do arcebispo Dom Hélder Câmara. V. Exª representa Pernambuco, e eu o aparteio justamente para unindo minha voz à sua, legítimo representante do Estado de Pernambuco, lamentar profundamente a perda desse apóstolo da paz e do amor, desse peregrino que faleceu justamente no instante em que este País luta por aquilo que ele sempre lutou: o combate à pobreza. Dom Hélder Câmara sempre esteve ao lado dos pobres, dos injustiçados, dos excluídos e dos necessitados. V. Exª, representante de Pernambuco, Estado onde Dom Hélder residia e professava o seu sacerdócio, de Pernambuco para o Brasil, presta-lhe uma homenagem à qual me associo sinceramente. Ao fazê-lo, falo em nome do Estado que represento nesta Casa, Mato Grosso do Sul. Agradeço a V. Exª pela gentileza.

O SR. JOSÉ JORGE (PFL - PE) - Agradeço a V. Exª.

O Sr. Pedro Simon (PMDB - RS) - V. Exª me permite um aparte?

O SR. JOSÉ JORGE (PFL - PE) - Ouço V. Exª com prazer.

O Sr. Pedro Simon (PMDB - RS) - Senador José Jorge, felicito V. Exª pelo seu pronunciamento. Na verdade, V. Exª o faz com muito mais autoridade, como bravo representante de Pernambuco. No entanto, seria importante que outros parlamentares também fossem à tribuna daqui por diante, porque creio que a figura de Dom Hélder não se resumiu apenas a uma pessoa pela qual choramos e fazemos um pronunciamento, demonstrando o nosso pesar. Ouvi alguns importantes, li algumas cartas de leitores de jornais do Rio Grande do Sul, protestando tremendamente contra as prioridades de valores que se dão neste País. Dizia um leitor: “Morreu um grande líder esportista, campeão mundial de automobilismo, e o Brasil parou”. Tudo bem, o Brasil parou, numa grande homenagem a um campeão que elevou o nome do Brasil no mundo inteiro. No entanto, morre uma pessoa como Dom Hélder, que representa um patrimônio moral, ético e institucional do nosso País, e há pessoas que nem sabem que ele morreu. A singeleza de Dom Hélder quando escolheu ser enterrado onde foi e a simplicidade da sua vida não permitem que nós, brasileiros, não demos o devido destaque ao que ele foi. Há algo que poderíamos fazer: já que o Senado está editando uma série de publicações as mais diversas, sobre temas que sejam importantes para o Brasil, sendo responsável pela comissão coordenadora o Senador Lúcio Alcântara, o Congresso Nacional, na pessoa de V. Exª, como representante de Pernambuco, poderia propor a publicação de uma obra contendo a biografia e os principais pensamentos e sentimentos de Dom Hélder Câmara. Meu querido Senador José Jorge, tive a oportunidade de conhecer Dom Hélder quando eu era um guri, estudante ainda; eu estava na junta governativa da UNE e ele era Bispo Auxiliar do Rio de Janeiro. Fomos procurá-lo para pedir seu apoio, porque nós, estudantes universitários daquela época de democracia do Governo Juscelino Kubitschek, queríamos fazer uma campanha universitária a favor de gratuidade e outras coisas mais. Nós falamos, eu falei entusiasticamente, mas, quando terminamos, Dom Hélder olhou para nós e disse: “Meus meninos, não vou poder apoiar vocês. A causa é importante, mas não posso perder um minuto agora, porque estou na causa de combate à fome e à miséria”. Ele estava envolvido na construção de habitações em São Sebastião, no Rio de Janeiro, que foi a grande e espetacular oportunidade que se teve para erradicação das favelas. Então, ele nos pediu: “Vocês é que deveriam vir me ajudar. Principalmente os universitários do Rio de Janeiro poderiam dedicar uma parte de seu tempo para vir aqui e, assim, valorizariam o trabalho e a vida de vocês.” Dom Hélder foi enviado - perdoem-me a sinceridade -, foi exilado no Recife, porque, na época, o Rio de Janeiro era muito mais importante do que São Paulo, e alguém com os pensamentos, a idéia, a filosofia e as posições libertárias dele não podia ficar naquele Estado. Com a humildade que o caracterizava, foi para o Recife, e, como Arcebispo de Olinda e Recife, fez um trabalho realmente monumental. Não tenho nenhuma dúvida de que, nesta metade final de século, neste final de milênio, a grande figura do Brasil e uma das grandes figuras da história do mundo é Dom Hélder Câmara, que não foi Prêmio Nobel da Paz porque os militares brasileiros não deixaram. Ele foi indicado, seu nome ia sair, mas emissários dos militares daqui foram lá dizer que consideravam uma provocação ao Brasil a sua indicação. O nome de Dom Hélder Câmara foi proibido de sair, anos a fio, em qualquer jornal, mas ele fazia palestras pelo Brasil inteiro, denunciando o arbítrio e defendendo as questões sociais do nosso País. Era para ser o Cardeal de Recife e Olinda - seria o normal -, mas terminou saindo cardeal lá em Salvador, em Fortaleza, em Porto Alegre, mas não saiu o Cardeal de Recife e Olinda, porque era ele. Mesmo assim, com sua humildade, grandeza e espírito público, continuou na sua luta, na sua caminhada. E é fantástico o trabalho que fez em Olinda e Recife, em favor da gente simples e da gente humilde. Olha, meu querido e grande amigo Senador José Jorge, neste Brasil sem referências, nesta fase dramática que estamos vivendo, abrimos os jornais, ligamos a televisão, ouvimos as pessoas falarem - deputado, senador, ministro, presidente, governador, padre, bispo, jornalista, intelectual, militar, empresário, líder sindical -, mas não nos identificamos com elas. Não existe atualmente alguém que sempre seja aceito quando fala, como ocorria com Dom Hélder ou com Dom Evaristo Arns. Houve época em que tivemos na OAB pessoas que tinham esse perfil, mas hoje nossas referências são muito difíceis. Para mim, tenho o Presidente da ABI, aquele velhinho com 102 anos; ele fala e eu tenho respeito pelo que diz. Não nos damos conta da perda de Dom Hélder Câmara. Por isso, meu querido, peço desculpas pelo alongamento do meu aparte, mas, por sua autoridade, eu apelaria a V. Exª que solicitasse à Mesa do Senado e ao ilustre Senador Lúcio Alcântara, do Ceará, que, entre as publicações do Senado, que têm sido uma das grandes realizações desta Casa, publicações as mais importantes de jornalistas, de escritores, de fatos relevantes da vida brasileira, o próximo volume fosse dedicado à vida e ao pensamento de Dom Hélder. Meus cumprimentos, Senador. Muito obrigado a V. Exª.

O SR. JOSÉ JORGE (PFL - PE) - Agradeço a V. Exª pelo aparte. Aceitarei sua sugestão.

O SR. PRESIDENTE (Geraldo Melo) - O tempo de V. Exª está esgotado há mais de quatro minutos.

O SR. JOSÉ JORGE (PFL - PE) - Eu pediria a compreensão de V. Exª somente para terminar.

O SR. PRESIDENTE (Geraldo Melo) - V. Exª tem a palavra, Senador.

O SR. JOSÉ JORGE (PFL - PE) - Sr. Presidente, Dom Hélder condenava a revolução armada e o abuso de poder como instrumentos para estabelecer qualquer regime que não fosse democrático e respeitasse o Estado de Direito, e por isso foi incompreendido por muitos segmentos da esquerda política. Condenava veementemente o uso do poder pelas elites privilegiadas para dominar e explorar os mais fracos, inibindo o crescimento da democracia e a participação social e política das massas, por isso, foi estigmatizado pela direita reacionária, exploradora contumaz do povo. Dom Hélder se colocava acima de todas as disputas ideológicas, porque a sua visão era de igreja-povo, igreja-de-todos, comunidade eclesial de fraternidade e de justiça. 

            Na ânsia de renovação, os pesquisadores da Teologia da Libertação viam em seus gestos a confirmação da simbiose que faziam, em nome da dialética, entre a fé e a política. Ser cristão seria, naquele entendimento, comprometer-se com a ideologia da luta de classes, para eliminar a injustiça latente nos sistemas capitalistas. Levando ao extremo a conclusão daquelas premissas, justificava-se até a revolução armada, em nome de Cristo, para libertar os pobres da opressão combatida.

            Mas a pregação de D. Hélder estava acima destas opções. Ele defendia a revolução moral, aquela que vem das consciências e transforma as pessoas e, pelas pessoas, converte a sociedade à solidariedade. Como o Mahatma Gandhi, ele era o revolucionário pacífico, da não-violência, que acreditava no diálogo, no coração e na evolução da matéria e do homem como fenômeno cósmico, na linha trilhada pelo filósofo Theillard de Chardin e do próprio apóstolo Paulo.

            Por estar na vanguarda, era ele sempre o alvo de muitas discussões teóricas, sobretudo no âmbito das ciências teológicas, filosóficas e sociológicas. Alheio ao debate, procurava ser apenas um sacerdote a serviço do povo. Sua sabedoria nascia na sua “existência”, como “ser-no mundo”, inspirado na revelação cristã. Pregava a fraternidade e a paz e com este estandarte percorreu o mundo inteiro fazendo a revolução pacífica a partir do coração dos homens de boa vontade.

            Pertenceu a inúmeras organizações internacionais e nacionais; recebeu títulos honoríficos em 32 universidades no mundo inteiro e no Brasil; viu seus livros editados em 14 idiomas; recebeu prêmios em diversos países, sobretudo nos países mais ricos, que ouviam com respeito seu clamor e sua denúncia profética.

            Desta forma, Senhoras Senadoras e Senhores Senadores, ouso dizer que, com a sua morte, perde o país um dos seus filhos mais ilustres deste século e de sua história. Com a sua morte perde a igreja católica do Brasil o seu bispo mais carismático, que fez do seu “Dom”, não um instrumento de alienação, mas de conscientização dos cristãos e de todos os brasileiros de boa vontade, abertos à verdade e ao bem.

Dom Hélder foi um grande brasileiro, atuante, participativo da vida do País, colaborador, que soube com tenacidade enfrentar perseguições e até sofrimentos, impostos mais aos seus colaboradores do que a ele, o que o fazia sofrer ainda mais fortemente.

Um exemplo de pessoa humana, simples, bondosa, alegre. Um homem de Deus e um homem do povo. Um irmão de todos, sobretudo dos mais pobres.

Sua vida foi um hino à paz e à solidariedade e sua morte está sendo uma bandeira de alegria e de esperança, alçada em nome do futuro do homem, como semente que na madrugada é colocada no sulco da terra. Até nos parece ouvir, de seu leito de morte, como seu último brado, este poema:

“Ao povo seu poema aqui devolvo,

menos como quem canta,

do que planta.”

Para encerrar esta minha saudação ao grande e ilustre cearense e pernambucano, cidadão de tantos Estados e tantas nações que é Dom Hélder Pessoa Câmara, relembro neste plenário uma de suas frases mais repetidas:

“Quando se sonha com muitos, se tem a verdade”.

E ressaltando ainda uma vez os sonhos, que encheram sua vida de alegria e otimismo, de esperança e de crença na humanidade, quero usar como epílogo, mais uma vez, estas palavras do citado poeta amazonense:

“Somos muitos milhões de homens comuns

E podemos formar uma muralha

Com nossos corpos de sonho e margaridas.”

Era o que tinha a dizer.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 03/09/1999 - Página 23120