Discurso durante a 111ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

COMENTARIOS A POLITICA E AS CONDIÇÕES DO MINISTRO DA FAZENDA, PEDRO MALAN, PARA O CUMPRIMENTO DAS NOVAS METAS, DEFINIDAS NO PLANO PLURIANUAL.

Autor
Roberto Saturnino (PSB - Partido Socialista Brasileiro/RJ)
Nome completo: Roberto Saturnino Braga
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA SOCIO ECONOMICA.:
  • COMENTARIOS A POLITICA E AS CONDIÇÕES DO MINISTRO DA FAZENDA, PEDRO MALAN, PARA O CUMPRIMENTO DAS NOVAS METAS, DEFINIDAS NO PLANO PLURIANUAL.
Aparteantes
Eduardo Suplicy, Geraldo Cândido.
Publicação
Publicação no DSF de 02/09/1999 - Página 23045
Assunto
Outros > POLITICA SOCIO ECONOMICA.
Indexação
  • COMENTARIO, APRESENTAÇÃO, PLANO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, CRITICA, DESCUMPRIMENTO, PLANO PLURIANUAL (PPA), EXERCICIO FINANCEIRO ANTERIOR.
  • COMENTARIO, IMPORTANCIA, MANIFESTAÇÃO COLETIVA, OPOSIÇÃO, ATUAÇÃO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, PROVOCAÇÃO, QUESTIONAMENTO, POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA, GOVERNO.
  • COMENTARIO, POSIÇÃO, MINISTRO DE ESTADO, MINISTERIO DA FAZENDA (MF), REFERENCIA, ESTABILIDADE, ECONOMIA, CRESCIMENTO ECONOMICO.
  • CRITICA, PREJUIZO, DESENVOLVIMENTO SOCIAL, EXCESSO, DEPENDENCIA, ECONOMIA INTERNACIONAL.
  • DEFESA, AUTONOMIA, BRASIL, REDUÇÃO, JUROS, REFORMA TRIBUTARIA, JUSTIÇA, POLITICA FISCAL, ESPECIFICAÇÃO, IMPOSTO SOBRE GRANDES FORTUNAS, COMBATE, SONEGAÇÃO.

O SR. ROBERTO SATURNINO (Bloco/PSB - RJ. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o Presidente da República fez o seu gesto político, contraponto à marcha da Oposição que ocupou a Esplanada dos Ministérios. Com toda a pompa, com toda a assessoria de marketing que lhe foi possível mobilizar, apresentou o Plano Plurianual (PPA), com o nome de Avança Brasil, e, com isso, quis contrapor o clima de otimismo às apreensões suscitadas pela marcha da Oposição.  

Como comentário de um representante da Oposição, eu diria que Sua Excelência, para ser mais convincente, deveria ter dado explicações mais detalhadas dos motivos pelos quais as metas do Plano Plurianual anterior não foram cumpridas, ficando quase todas pela metade. Mas isso é um comentário da Oposição em auxílio ao Presidente, para que tornasse mais convincente sua apresentação.  

O fato é que Sua Excelência optou por passar por cima desse descumprimento anterior e avançou com novas promessas em clima de pompa e grandeza, reafirmando sua posição de confiança na condução da política econômica brasileira. É natural. É o jogo político, e devemos reconhecer que pelo menos o Presidente tomou uma iniciativa que a Nação estava exigindo, em face da manifestação gigantesca da Oposição. Entretanto, apesar do esforço em realizar o contraponto, o clima predominante continua de ceticismo, mesmo entre as assessorias mais importantes do Ministério e no próprio pensamento das Lideranças políticas ligadas ao Governo.  

A verdade é que aquela marcha, aquela manifestação de indignação nacional produziu uma mudança no País. Lembrando o saudoso ex-Governador, ex-Ministro, ex-Senador, ex-Presidente desta Casa, Magalhães Pinto, é como se a configuração das nuvens tivesse mudado. Ele dizia: "Política é como nuvem; olhamos para o céu, num determinado momento ela tem uma configuração, passado aquele momento, toma outra configuração". Assim é o quadro político, assim foi a transformação que sucedeu à marcha da Oposição.  

O Senador Lúcio Alcântara, na véspera da marcha, pronunciou um belo e instrutivo discurso neste plenário, no qual expressou sua opinião de que o País não seria o mesmo depois dela, dada a sua grandeza.  

De fato, o quadro político do País modificou-se. Realmente, não é mais o mesmo. De forma nítida, passou a transparecer uma aflição crescente nas hostes governamentais, uma postura de dúvida quanto à condução da política econômica e a seus possíveis resultados. A chamada corrente desenvolvimentista cresceu, ascendeu com mais nitidez, agora não mais apenas na palavra do ex-Ministro Mendonça de Barros, mas na palavra de governadores do prestígio e da presença política de Tasso Jereissati e de Mário Covas, como que a exigir ênfase maior no crescimento econômico e na retomada do desenvolvimento sobre a austeridade e o rigor das metas de estabilidade monetária.  

O alvo dessas crises e dessas estocadas, evidentemente, era o Ministro Pedro Malan, que hoje simboliza, encarna e incorpora toda essa posição da política econômica do Governo de dar prioridade à estabilidade. Não obstante, o Ministro reafirma, repetidas vezes, que também deseja o desenvolvimento sustentado e o cumprimento dos compromissos com o desenvolvimento social. Igualmente, S. Sª afirma que dá prioridade a isso, mas que na verdade a estabilidade da moeda constitui o primordial. E dá sua justificativa, invocando a crueldade do passado, quando a hiperinflação prejudicou de forma acachapante os brasileiros de origem mais modesta, os pobres, os excluídos, aqueles sem nenhuma capacidade de defesa contra a inflação.  

Sr. Presidente, o Ministro Pedro Malan, dentro de sua concepção do modelo adotado pelo Governo, está cercado de razão. Trata-se de um homem competente, sério, ético, respeitável sob todos os pontos de vista e que mantém sua posição de firmeza no programa de longo prazo. S. Sª acredita que, ao fim do segundo mandato do Presidente Fernando Henrique Cardoso, o Brasil poderá reencontrar-se com o desenvolvimento e terá uma distribuição de renda em níveis moralmente mais aceitáveis. Sendo assim, recusa-se a criar o que chama de "artificial bolha de desenvolvimento", porque esta, em sua opinião, não possui qualquer possibilidade de duração.  

Ainda ontem, um grupo de Senadores participou de um encontro muito produtivo, interessante e esclarecedor com o Ministro Pedro Malan, propiciado pelo Senador Ney Suassuna em sua residência. Para os que lá estavam, ficou clara a firmeza do Ministro e sua inabalável convicção de que esse é o melhor caminho e de que S. Exª, como Ministro, jamais tomaria a iniciativa de criar um surto de desenvolvimento que não fosse solidamente implantado na raiz da política de estabilidade traçada pelo Governo. Ele classifica como coisa fácil de fazer a criação dessa bolha, obtendo-se o aplauso efêmero da Nação, mas sem a durabilidade, sem a sustentabilidade dessa política num prazo médio ou longo, o que considera irresponsabilidade. Declarou que manterá essa política e expressou um ponto de vista com tal convicção que deixou claro que é o ponto de vista governamental, como que dando um recado, perante os Senadores ali presentes, àqueles que exigem uma alteração da condução rigorosa do plano de consolidação da estabilidade para se criar um surto efêmero de crescimento que não teria raízes na política de estabilidade.  

Srs. Senadores, o Ministro também foi claro em dizer que o Governo não se incomoda com os índices de popularidade decadentes e que não se incomodará com pressões políticas - inclusive a dos governadores, que surgem com uma força crescente -, mantendo-se inabalável na sua firmeza, na sua convicção de que esse é o caminho certo.  

É importante ressaltar que a firmeza, a convicção do Ministro pode encontrar desmentidos na realidade. Não obstante sua seriedade, o enfraquecimento da base de sustentação política pode alterar a condução da política econômica, assim como a eclosão – sempre de previsibilidade muito difícil – de uma crise de natureza internacional que traga mais um abalo à economia brasileira, já tão abalada por elas.  

A divergência fundamental em relação à diretriz de estabilização dirigida pelo Ministro Pedro Malan, que admiramos e respeitamos, ficou explícita nesse encontro. Também queremos a estabilidade monetária e fazemos questão da disciplina fiscal. Entendemos que falsa foi a ancoragem da estabilidade naquela supervalorização do real e que mais verdadeira é a ancoragem do real em uma disciplina fiscal que não permita mais que o Governo perca o controle do gasto público e do equilíbrio orçamentário e fiscal.  

O Sr. Geraldo Cândido (Bloco/PT - RJ) - Concede-me V. Exª um aparte?  

O SR. ROBERTO SATURNINO (Bloco/PSB - RJ) - Ouço V. Exª com prazer.  

O Sr. Geraldo Cândido (Bloco/PT - RJ) - Agradeço a V. Exª a oportunidade do aparte e parabenizo-o pela brilhante análise que faz com relação à política econômica do Governo. Na semana passada, neste plenário, quando discutíamos a marcha dos 100 mil, alguns Senadores denominaram-na "Marcha dos Sem-Rumo". Criticaram-nos por considerar que a Oposição desejava praticar um golpe contra o Governo Fernando Henrique Cardoso. Aí está a resposta: a "Marcha dos Sem-Rumo" deu direção ao Governo, que está procurando o rumo que não tinha. A reunião do Governo de ontem com sua base de apoio, apresentando o Plano Plurianual, é um indício de que o Governo começa a mexer-se. O Ministro Pedro Malan está resistente, dizendo que não mudará a política econômica do Governo. Mas é impossível que este País suporte mais quatro anos com essa política econômica. Manifestações de descontentamento têm sido vistas em todas as grandes cidades. O povo não suporta mais a situação. Para tentar minimizá-la, na semana passada, informaram que houve uma queda no índice do desemprego. O percentual é de 0,34%. Não houve aumento de empregos, mas diminuição do índice de desemprego. Os indicadores econômicos demonstram que o PIB teve uma queda de 0,12%. Tal percentagem parece pouco, mas, num PIB de R$800 bilhões, é um valor considerável. O Governo faz previsões muito otimistas, mas essa não é a nossa realidade. Ou o Governo muda a sua política ou a situação ficará cada vez pior. O povo não suporta mais. Parabenizo V. Exª pela análise e agradeço o aparte.  

O SR. ROBERTO SATURNINO (Bloco/PSB - RJ) - Agradeço o aparte, Senador Geraldo Cândido. Nossos pontos de vista são inteiramente coincidentes e, ao mesmo tempo, não coincidentes com o do Ministro Pedro Malan. S. Exª está convicto de que seu caminho é o certo. S. Exª sempre pareceu ser uma pessoa muito firme. Enquanto o timão estiver em sua mão, o Governo terá esse rumo que, acreditamos, produzirá resultados cada vez mais desagregadores da sociedade, da economia brasileira e suscitadores de manifestações e indignação. O Ministro, porém, pensa que isso não acontecerá. Ele considera que, ao fim do segundo mandato do Presidente Fernando Henrique, a situação do País estará muito melhor, o crescimento já terá sido retomado, as questões sociais já terão sido atendidas. S. Exª parece desatento quanto à indefinição política do Governo como um todo. Enquanto o Ministro tem firmeza no timão, o próprio Presidente manifesta-se, com certa freqüência, indeciso quando sofre pressões da sua base de sustentação, cada vez mais descrente e cética dos resultados dessa condução.  

Disse o Presidente para aguardarmos até o fim do mandato e termos paciência. Evidentemente, nós, representantes do povo, temos que ter a visão das coisas e a necessária virtude da paciência, que, em política, é fundamental. Entretanto, o povo mais oprimido, as camadas sociais duramente atingidas por essa política e pelo desemprego têm a sua dose de paciência muito mais limitada que a nossa. E, assim, crescem as manifestações.  

O nível de incerteza é inerente à própria política do Governo, porque vem da dependência de fatores externos. O Brasil não está autônomo nas suas decisões. O Brasil, cada vez mais, depende de um comportamento do mercado financeiro, da aprovação ou não das suas políticas. Nessa busca de aprovação, a política econômica vai fazendo concessões ao capital estrangeiro, que, na sua grande parte, é capital brasileiro que saiu e que volta como estrangeiro, observando muito bem as vantagens que pode ter com essas concessões. Com isso, o Brasil desce nesse lodaçal que impede uma política mais ativa de retomada do crescimento e da redução do desemprego.

 

A nossa divergência fundamental está no grau de autonomia das nossas decisões. Acreditamos que a decisão fundamental de mudança de política não é realmente o que querem os desenvolvimentistas do Governo, ou seja, a criação da tal bolha de crescimento sem nenhuma sustentação, ainda dependente do comportamento do mercado financeiro e, por conseguinte, insustentável. O que queremos não é essa bolha desenvolvimentista, o que queremos é uma retomada da autonomia brasileira em relação às decisões da sua política econômica, um rompimento mesmo com o Fundo Monetário Internacional, com todas as letras. Sem esse rompimento, isto é, sem um grito de independência que começa pelo estabelecimento de um controle do nosso câmbio, para nos livrarmos dessa dependência, dessa ansiedade em relação ao fluxo de capitais externos, não teremos autonomia para tomar as outras decisões relativas à redução da taxa de juros, à manutenção da disciplina fiscal e a uma reforma tributária que aumente a contribuição dos brasileiros mais ricos, que pagam muito pouco imposto – essa é a verdade. Tudo isso começa pela recuperação da autonomia, que sabemos que o Presidente Fernando Henrique não fará.  

Qualquer alteração de política em relação ao rumo Pedro Malan será uma alteração que não vai declarar essa autonomia brasileira, mas vai procurar dar um arranjo provisório, que o Ministro Pedro Malan, com razão, chama de "bolha insustentável de desenvolvimento", de crescimento e, por conseguinte, não vai produzir soluções duradouras, mas euforia transitória e, logo em seguida, indignação multiplicada. Dentro da sua concepção, o Ministro Pedro Malan tem razão.  

No entanto, a nossa concepção é profundamente divergente, na medida em que queremos essa mudança que sabemos que o Presidente Fernando Henrique não fará, pelo seus compromissos. Não precisa ser nenhum brasilianista para chegar a essa conclusão, nenhum Thomas Skidmore, que, na sua entrevista à revista Istoé, declarou que Fernando Henrique não tem mais nenhuma possibilidade de recuperação e vai terminar seu mandato dessa forma mesmo, administrando a crise no dia-a-dia, indignações cada vez maiores e popularidade decadente. Basta ser um observador minimamente capaz e ligado à observação da realidade do País. E essa alteração fundamental da política econômica é que vai caracterizar um novo modelo. Quer dizer, a partir da recuperação da autonomia será possível inaugurar uma nova etapa de desenvolvimento com base em um projeto de desenvolvimento eminentemente nacional que seja capaz de reduzir as taxas de juros, mas sem se descuidar da disciplina fiscal, conseguindo-se o equilíbrio fiscal por meio da redução dos encargos de juros — que hoje são o maior item da despesa governamental —, aliada a uma taxação mais efetiva sobre os ricos brasileiros. O Governo manteve a alíquota de 27,5% sobre os ganhos de salários superiores a R$1.500,00. Consideramos essa medida inteiramente errada e anti-social. Teríamos recuado para os 25% de antes, criando, entretanto, outros patamares, outras alíquotas — 35%, 45% ou até 55% —, conforme o nível de renda — e não apenas dos salários — apurado na declaração anual de todo contribuinte.  

Quem pode deve pagar. É preciso que quem usufruiu dos benefícios dessa política concentradora de renda e de riqueza pague, agora, a maior parte da fatura, para aliviar os encargos sobre as empresas, sobre a produção, de um modo geral, sobre a classe média e os brasileiros excluídos de todo o mercado.  

Eu estaria perfeitamente de acordo com um imposto sobre grandes fortunas, com um imposto sobre os combustíveis. Deveria haver um cuidado muito maior, redobrado, com a questão da sonegação, com a lei do sigilo bancário, que está tramitando na Câmara e já foi aprovada no Senado; teria de haver a extinção da indústria de liminares, que livra grandes empresas e bancos do pagamento de imposto; deveria haver um equipamento melhor da Receita Federal e mais concursos para aumentar o quadro de pessoal habilitado a completar, de forma eficaz, o cerco sobre a sonegação.  

À medida que se taxarem mais os ricos, que se aliviarem os gastos governamentais desses juros estratosféricos, evidentemente haverá muito mais dinheiro para a educação, para a saúde, para os investimentos desenvolvimentistas, com base em um programa de desenvolvimento verdadeiramente nacional, para que se possa atender os Estados, realizando-se um Plano Brady com o objetivo de cancelar aquela parte da dívida que é responsabilidade do Governo Federal. Com a elevação arbitrária e unilateral dos juros, em um processo de juros sobre juros, gerou-se esse endividamento que os Estados não podem mais suportar.  

Enfim, essa é uma alternativa nossa à do Ministro Pedro Malan, que considero errada, embora respeite a pessoa do Ministro. S. Exª está convencido do acerto da sua condução e não se curva às pressões que querem mudar a sua orientação no sentido daquilo que julgamos conduzir ao desenvolvimento sustentável; prefere produzir uma melhoria da popularidade do Presidente à custa de uma decepção, logo adiante, com a volta da inflação e a insustentabilidade do desenvolvimento.  

O Sr. Eduardo Suplicy (Bloco/PT - SP) - V. Exª me permite um aparte?  

O SR. ROBERTO SATURNINO (Bloco/PSB - RJ) - Ouço V. Exª, Senador Eduardo Suplicy.  

O Sr. Eduardo Suplicy (Bloco/PT - SP) - Senador Roberto Saturnino, V. Exª traz ao conhecimento do Plenário o diálogo ontem havido entre o Ministro Pedro Malan e os membros da Comissão de Assuntos Econômicos. O Presidente da Comissão, Senador Ney Suassuna, teve a gentileza de promover essa conversa informal, franca e respeitosa com o Ministro. V. Exª foi participante e testemunha e traz-nos revelações importantes a respeito desse encontro. Sim, o Ministro procurou ressaltar a sua convicção com respeito às diretrizes de política econômica que está empenhado em dar continuidade. Procurarei enriquecer seu discurso com algumas das impressões que tive do encontro, se V. Exª me permitir.  

O SR. ROBERTO SATURNINO (Bloco/PSB - RJ) - Sem dúvida, com muito interesse, Excelência.  

O Sr. Eduardo Suplicy (Bloco/PT - SP) - No início de sua fala, o Ministro se mostrou um tanto preocupado, sentindo-se, talvez, provocado em sua braveza em função dos recentes protestos havidos. S. Exª pôde ver da janela do Ministério da Fazenda a marcha. Eu até lhe disse que provavelmente S. Exª teria acompanhado a marcha, como fez, aliás, o Ministro da Justiça, José Carlos Dias, que ficou observando-a em todos os seus detalhes. O Ministro Pedro Malan preferiu ficar trabalhando o dia todo, mas foi inevitável que também a tivesse visto. S. Exª observou tantos detalhes, que se sentiu pessoalmente magoado e atingido, não como Ministro, pelas expressões "Fora, FHC!". Também nos fez uma revelação surpreendente, sobretudo para nós do Partido dos Trabalhadores, ao afirmar que havia recebido, em um envelope não-identificado e fechado, o caderno de teses do Partido dos Trabalhadores para o II Congresso Nacional do PT e que o havia lido, Senador Roberto Saturnino. Esse é o primeiro caderno de teses que contém 10 ou mais teses. S. Exª disse ter lido todas elas, ficando muito impressionado com o teor crítico à condução da política econômica e com a maneira como era tratado o Governo, fazendo ressalva apenas a uma das teses — não disse qual — e afirmando que assinaria as demais. Seria pedir demais que o Ministro da Fazenda do Governo Fernando Henrique Cardoso assinasse as 10 teses. Considero positivo que S. Exª se tenha interessado por essas teses. Procurei ressaltar que as pessoas que fizeram críticas tão severas e as estão formulando, como as que estiveram na marcha, são brasileiras e estão sentindo os efeitos da política econômica. Assim, fiz-lhe a sugestão de que aceite o convite do Presidente da Comissão de Assuntos Econômicos, Senador Ney Suassuna, de, por exemplo, visitar os flagelados, os lugares onde a seca está levando pessoas a ficarem cada vez mais excluídas de direitos à cidadania, atingidas pela fome, pelo desespero, pela falta de oportunidade de emprego. A Senadora Heloisa Helena até propôs que uma primeira visita oficial da CAE seja realizada em Alagoas, no Município de São José da Tapera, que, de acordo com o último relatório da ONU, mostrou o pior Índice de Desenvolvimento Humano, no Brasil, em termos de mortalidade infantil, o segundo pior entre Municípios no mundo. Pessoas tão iluminadas como Frei Betto e Frei Leonardo Boff têm dito que a cabeça das pessoas costuma andar ali, onde os pés pisam. Seria importante que o Ministro Pedro Malan pudesse também estar pisando no lugar onde estão essas pessoas, para interagir com elas. Quando observei que S. Exª interagia muito mais com os homens das finanças, com os grandes empresários do sistema financeiro, dos diversos segmentos mais importantes da economia brasileira, respondeu-me que quase não tinha vida social, que raramente ia a jantares como aquele proporcionado ontem pelo Senador Ney Suassuna. Acontece que faz parte da vida dos Ministros, dos responsáveis pela vida econômica do Brasil interagir no dia-a-dia, em seus gabinetes, nos lugares para os quais são convidados, nas palestras que realizam. Quando vão ao Rio de Janeiro, a São Paulo, às diversas capitais, são as entidades empresariais como a FIESP, a CNI, a Associação Comercial, as mais diversas entidades do mercado de capitais, a Bovespa que os recebem nos clubes, são os empresários os que têm a oportunidade do diálogo. Por essa razão, fiz a sugestão. Senador Roberto Saturnino Braga, ainda hoje, depois do nosso diálogo de ontem à noite, conversei com Dom Raimundo Damasceno, Secretário-Geral da CNBB, e informei-lhe que o Ministro da Fazenda se dispõe a um diálogo. Para que não viesse a ser um diálogo partidário entre PT, PSB, PDT, PCdoB, a CNBB convidaria S. Exª e diversos segmentos. Esse encontro poderá acontecer na sede da CNBB e ser sobre os temas da Campanha da Fraternidade: promover o emprego, erradicar a pobreza, melhorar a distribuição da renda, a que S. Exª está disposto. Conheci o Ministro Pedro Malan ainda estudante de economia, em 1971, na Universidade de Berkeley, quando fazia uma palestra junto com Albert Fishlow, sobre o caráter ditatorial do regime então vigente no Brasil e o problema da desigualdade. S. Exª era um defensor da ampliação das liberdades democráticas e um crítico severo da falta de democracia e da desigualdade crescente a que a política econômica nos estava levando. Desde então, tornei-me seu amigo. Converso com o Ministro, como V. Exª testemunhou. Como no ano passado dei-lhe o livro

A Desigualdade Reexaminada , do Amartya Sen, S. Exª me retribuiu com outro livro de Amartya Sen, sobre ética e economia. Faço este registro, Senador Roberto Saturnino, porque Amartya Sen destaca que os economistas deveriam se importar muito mais com as questões éticas, e que, assim, a economia será mais bem servida. "O argumento em favor de aproximar mais a economia da ética não depende da facilidade de consegui-la. Fundamenta-se antes nas recompensas advindas do exercício". Ele procura argumentar que os economistas ganharão muito ao considerar as questões éticas, como a da importância, para os economistas, de estar pensando em como erradicar a fome, combater a pobreza e promover a igualdade. Pois bem, acerca do livro, disse-me o Ministro Pedro Malan que era um pequeno grande livro sobre tema que nos era caro há décadas. Senador Roberto Saturnino, sou uma pessoa que dificilmente perde as esperanças, e espero estar procurando convencê-lo, mesmo quando S. Exª se mostra sem intenção de mudar. V. Exª percebeu, quando S. Exª afirmou que não iria mudar coisa alguma, para a Oposição, aquilo foi quase a confirmação de que daquele jeito não dava. Mas, quem sabe, não possamos mudar a mente, as possibilidades, e mostrar que é possível compatibilizar o crescimento com a estabilidade, a promoção do pleno emprego, a distribuição da renda, desde que levemos em consideração esses valores do Prêmio Nobel Amartya Sen, no sentido de que, para cada instrumento colocado em prática, há que se notar se os que irão ser beneficiados são aqueles que já detêm grande riqueza ou aqueles que, até hoje, estiveram destituídos de seus direitos. Senador, cumprimento V. Exª por trazer ao conhecimento e à reflexão do Plenário do Senado e da Nação o significativo e relevante diálogo de ontem.  

O SR. ROBERTO SATURNINO (Bloco/PSB - RJ) - Senador Eduardo Suplicy, agradeço as achegas de V. Exª, que enriqueceram muito meu pronunciamento e trouxeram, ao conhecimento da Casa, detalhes muito interessantes do convite feito por V. Exª ao Ministro Pedro Malan, que é uma pessoa em que se pode acreditar.  

Acredito que S. Exª é uma pessoa verdadeira, que não procura mistificar suas palavras e suas ações, e acredita naquilo que faz e o que diz são suas próprias convicções. É um estudioso, lê muito, um devorador de livros – leu as teses do PT que lhe chegaram às mãos há pouco tempo. Por suas responsabilidades, S. Exª é obrigado a receber pessoas o dia inteiro. É um homem de gabinete, um homem que não desce, não tem condições, não tem o hábito nem a inclinação para a visita à realidade das pessoas da terra.  

Estou certo de que o convite que V. Exª fez abriu ao Ministro Pedro Malan uma perspectiva de reconhecer que é preciso sair um pouco do gabinete e ganhar a rua, especialmente as ruas brasileiras em que viceja, com maior intensidade, a pobreza, a miséria, a carência.  

Ao ouvir o convite de V. Exª, a reação do Ministro foi de aceitação, naturalmente submetendo-o à sua complicada agenda. Mas senti uma inclinação de aceitação por parte de S. Exª. Não sei se o Ministro lembrou a observação feita pelo nosso Presidente, Senador Antonio Carlos Magalhães, segundo a qual S. Exª nunca havia recebido um pobre em sua vida. É claro que é quase impossível receber um pobre em seu gabinete, porque S. Exª está sempre a receber os comandantes da economia, os empresários e os que lideram os grandes interesses. Mas a maneira de ter contato com o pobre é sair às ruas; é atender a convites como o que foi feito por V. Exª, a meu juízo, com uma boa receptividade da parte de S. Exª.  

Embora a convicção de S. Exª seja firme, não deixo de ter uma esperança de que possa rever os seus pontos de vista e se aproximar mais dos pontos de vista que defendemos. Não creio que S. Exª seja uma pessoa capaz de se curvar às pressões dos desenvolvimentistas do Governo, que, no fundo, querem apenas melhorar a popularidade do Presidente por meio do expediente da criação de um surto de desenvolvimento sem sustentabilidade.  

O encontro na casa do Senador Ney Suassuna propiciou esse diálogo franco que, num debate formal no Senado ou na Câmara, não poderia existir. Creio que a iniciativa do Senador Ney Suassuna foi extremamente valiosa, oportuna, e poderá gerar, não só alterações no comportamento do Ministro, mas aproximações e diálogos em outras circunstâncias. Por exemplo, junto à CNBB e as lideranças religiosas do País, dando uma noção mais efetiva da realidade em que a maioria esmagadora do povo brasileiro vive, agravada por essa política econômica que cerceia o desenvolvimento por todos os meios e que nos joga na dependência do comportamento do mercado financeiro internacional, na dependência da preferência do mercado financeiro nos obrigando a fazer concessões.  

Aproveito a oportunidade para transmitir minha opinião e dar notícia do encontro. Gostaria de registar, principalmente, que - não obstante divergir profundamente das nossas - o Ministro Pedro Malan causou-nos a impressão de possuir uma convicção muito firme, que não será alterada pelas pressões desenvolvimentistas que estão surgindo dentro do partido do Governo.  

Era o que tinha a dizer, Sr. Presidente.  

 

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Este texto não substitui o publicado no DSF de 02/09/1999 - Página 23045