Discurso no Senado Federal

NECESSIDADE DE APROFUNDAMENTO DO DEBATE, NA COMISSÃO DE ASSUNTOS ECONOMICOS, SOBRE EMPRESTIMOS AOS ESTADOS PARA COMPENSAR AS PERDAS PROVOCADAS PELO FUNDEF, BEM COMO SOBRE AS QUESTÕES CONCERNENTES AO PACTO FEDERATIVO. (COMO LIDER)

Autor
José Eduardo Dutra (PT - Partido dos Trabalhadores/SE)
Nome completo: José Eduardo de Barros Dutra
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SENADO.:
  • NECESSIDADE DE APROFUNDAMENTO DO DEBATE, NA COMISSÃO DE ASSUNTOS ECONOMICOS, SOBRE EMPRESTIMOS AOS ESTADOS PARA COMPENSAR AS PERDAS PROVOCADAS PELO FUNDEF, BEM COMO SOBRE AS QUESTÕES CONCERNENTES AO PACTO FEDERATIVO. (COMO LIDER)
Publicação
Publicação no DSF de 03/09/1999 - Página 23171
Assunto
Outros > SENADO.
Indexação
  • DEFESA, NECESSIDADE, MELHORIA, ATUAÇÃO, DEBATE, COMISSÃO DE ASSUNTOS ECONOMICOS, NEGOCIAÇÃO, UNIÃO FEDERAL, DELIBERAÇÃO, EMPRESTIMO, ESTADOS, IMPEDIMENTO, OMISSÃO, SENADO, EXCLUSIVIDADE, APROVAÇÃO, ACORDO.

O SR. JOSÉ EDUARDO DUTRA (Bloco/PT - SE. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, solicitei o espaço da Liderança do Bloco de Oposição para ocupar a tribuna, nesta manhã, para tratar de um tema que foi objeto de discussão, hoje, na Comissão de Assuntos Econômicos e que provocou a angústia de vários Senadores em votar a matéria. Tratava-se da aprovação de um empréstimo concedido a vários Estados da Federação para compensar perdas provocadas pelo Fundef - Fundo de Desenvolvimento do Ensino Fundamental. Na verdade, este tema é apenas a ponta do iceberg de um assunto que, a meu ver, esta Casa, particularmente a Comissão de Assuntos Econômicos, tem a obrigação de sobre ele se debruçar.  

Felizmente, embora com um certo atraso, a Comissão de Assuntos Econômicos resolveu assumir a proposta feita pela Oposição no início deste ano, que era a de trazer os diversos Governadores dos Estados brasileiros para que, naquela Comissão, apresentassem a realidade de endividamento dos Estados, a situação que estavam encontrando como também a dificuldade que iriam claramente enfrentar caso se mantivesse a política econômica do Governo.  

Na ocasião, esse requerimento não foi aprovado, sob a alegação da Bancada governista de que não se poderia transformar a Comissão de Assuntos Econômicos em um palanque para o Governador de Minas Gerais, que havia decretado moratória da dívida daquele Estado. Procuramos convencer os Senadores da base governista de que não se tratava de criar palanque para ninguém, mas, sim, de que o Senado Federal, enquanto Casa da Federação, discutisse o assunto. Felizmente, apesar de um certo atraso, a Comissão se dispôs a fazê-lo. Esse debate iniciou-se na última terça-feira, com a presença de Governadores da Região Nordeste. Há ainda a intenção de que o debate dos Governadores se prolongue, continuando com a participação dos Senadores pelas Regiões.  

Sr. Presidente, é preciso ficar registrado que esse processo desenvolvido pela Comissão de Assuntos Econômicos não se pode limitar a um mero debate; não se pode limitar aquele espaço a um mero muro de lamentações - utilizo aqui um termo que normalmente a Senadora Heloisa Helena usa ao se referir a esta tribuna. Não se pode transformar a Comissão de Assuntos Econômicos em um simples muro de lamentações dos Governadores, que vão lá expor as suas dificuldades, então os Senadores intervêm no debate, tecem as suas considerações, mas não sai disso, continuando tudo da mesma forma.  

O Senado Federal - particularmente a Comissão de Assuntos Econômicos - não pode continuar com a postura de mero telespectador ou de mero observador da crise nacional e da crise da Federação e, em alguns momentos, transformar-se em mero avalista, mero chancelador de um acordo que porventura venha a ser acertado entre União e Estados, até porque foi exatamente a postura omissa desta Casa, de apenas chancelar acordos anteriores feitos entre a União e os Estados, que levou a essa situação.  

O argumento dos Senadores da base governista, da maioria desta Casa, todas as vezes em que matérias relativas à Federação foram discutidas, foi o de que não caberia ao Senado estabelecer modificações, emendas em acordos feitos e formalizados entre as partes, a União e os Estados. Portanto, caberia ao Senado apenas chancelar.  

Foi assim em diversas ocasiões, sempre sob o argumento de que os Governadores estavam pedindo e apelando ao Senado para aprovar os acordos. Com base nessa perspectiva, aprovou-se o Fundo de Estabilização Fiscal. Hoje, todos os Governadores vão à imprensa, vêm ao Senado e vão a diversos fóruns para reclamar que o FEF prejudica principalmente os Estados menos desenvolvidos e que eles retêm 20% do Fundo de Participação dos Estados quando em alguns deles como o meu, o Sergipe, o Fundo de Participação representa 50% de toda a receita do Estado.  

Agora eles reclamam, mas não lembram que, na ocasião em que a matéria estava em debate na Câmara dos Deputados e no Senado, um estudo feito pelo então Deputado Paulo Bernardo do PT do Paraná mostrava em números a perda que cada Estado teria. Esse estudo fez com que se iniciasse quase um processo de rebelião na Câmara dos Deputados, quando Deputados desses Estados se dispuseram a não aprovar o FEF. É bom que se diga que o FEF é uma emenda constitucional e que, portanto, exigiu o quorum de3/5 em votação em dois turnos tanto na Câmara quanto no Senado Federal. Esses mesmos Governadores que hoje reclamam do FEF vieram a Brasília para enquadrar as suas Bancadas a votarem a favor daquilo que o Governo Federal estava pedindo ou mandando.  

O mesmo aconteceu em relação à chamada Lei Kandir, uma lei que modificava o ICMS, um imposto típico dos Estados. Esta Casa, a Casa da Federação, não poderia, de forma alguma, ter aprovado aquela matéria em regime de urgência, como fez. Mas a alegação também foi de que os Estados haviam concordado com a Lei Kandir porque a União havia prometido compensações.  

E isso tem acontecido sucessivamente. Hoje, o argumento principal para votar o projeto que autorizava o empréstimo para compensação do Fundef era o de que os Estados queriam. É claro que os Estados iam querer, pois estão todos na porta do guichê. A situação é de alguém que se está afogando e recebe uma corda para sair. Não interessa a ele o que está do outro lado da corda. O que interessa é pegar o empréstimo.  

E continuamos nessa lógica de assistir às coisas acontecerem, e, depois, simplesmente, dar o aval, chancelar ou homologar um acordo já aprovado entre as duas partes.  

Temos de lembrar a forma como eram feitos os acordos: num processo de chantagem do Governo Federal em relação aos Governadores num período em que o Governo Federal estava por cima da carne seca, estava com a imagem muito boa.  

E qual era a conjuntura político-econômica apresentada pelo Governo Federal e sua equipe econômica para justificar o acordo?  

O Ministro Antônio Kandir, ao vir a esta Casa defender a emenda do projeto que acabou levando o seu nome, disse, textualmente - qualquer pessoa que se dispuser a consultar as notas taquigráficas da audiência da Comissão de Assuntos Econômicos poderá comprovar - que a aprovação da emenda transformaria o Brasil numa máquina de exportações, que a aprovação da emenda faria com que o Brasil passasse a crescer, anualmente, 6%, chegando à possibilidade de, no ano 2000, crescer 10%.  

Ora, num cenário tão favorável como esse, os Estados destinarem 11%, 12% ou até 13% da sua receita líquida para pagarem a dívida era perfeitamente palatável, já que o Brasil ia crescer 10% ao ano. Naturalmente, isso tem reflexo na arrecadação do imposto de renda e de todos os impostos do Brasil, e, conseqüentemente, aumenta a receita dos Estados. Eles poderiam - como o fizeram, alguns por chantagem, outros por puxa-saquismo - avalizar todo o acordo proposto, na ocasião, pelo Governo Federal.  

Os temas do pacto federativo e da situação que os Estados estão enfrentando têm que voltar à pauta de discussão desta Casa, têm que voltar ao debate político-econômico colocado para esta Casa como Casa da Federação. E o Senado tem a obrigação de apontar as saídas. O Senado não pode, simplesmente, servir como chancelador. O Senado tem que propor, tem que estabelecer o processo de negociação, tem que ter a iniciativa de, dentro das propostas surgidas aqui, estabelecer o processo de negociação entre Estados e a União e tem que, em último caso, deliberar. Não pode submeter-se à concordância da União.  

Dois projetos em tramitação nesta Casa têm que merecer a atenção por parte dos Senadores, para, em último caso, deliberar, mesmo que não haja concordância do Governo Federal. Um é o projeto do Senador José Alencar, que reduz a 5% da receita os recursos para efeito de pagamento da dívida. Outro é o projeto com o qual simpatizo mais. É do Senador Saturnino Braga, que muito corretamente entende que a dívida dos Estados - em sua grande maioria - e o seu crescimento exponencial ao longo dos anos não foram em função do fato de os Estados pegarem empréstimos para construir isso ou aquilo. Foi em função de uma política monetária desenvolvida de forma unilateral pelo Governo Federal, com uma taxa de juros absurda que fez com que as dívidas dos Estados explodissem.  

Portanto, como esse processo de crescimento da dívida foi decorrente de uma decisão unilateral de política monetária por parte do Governo Federal, é necessário que o Senado Federal delibere, com ou sem a concordância do Governo Federal, para um processo que ele propôs no seu projeto - na prática, quase um Plano Brady - de estabelecer um desconto no principal da dívida.  

Nessas questões, o Senado tem que apresentar, discutir com os Governadores, estabelecer um processo de negociação com a União, mas tem que, em última instância, deliberar. O Senado não pode simplesmente, como eu disse três vezes ao longo deste pronunciamento, comportar-se em relação ao endividamento dos Estados como mero espectador privilegiado, como alguém que estabelece o processo de conversa e homologa o que for decidido.  

Não. A discussão iniciada na Comissão de Assuntos Econômicos não pode ser assim: nós os Senadores ouvirmos as reclamações dos Governadores e fazermos de conta que não é conosco.  

"Isso depende do Governo Federal".  

"Isso depende de como o Governo vai encaminhar."  

"Isso depende de o Governo concordar ou não."  

"Até concordamos que os Governadores têm razão, mas não podemos fazer nada."  

O Senado pode fazer sim. Ou esta não é a Casa da Federação? Ou o processo que estamos desenvolvendo é no sentido de garantir a possibilidade da sobrevivência dos Estados? E quando falamos em sobrevivência dos Estados, não estamos falando de uma coisa abstrata. Trata-se da sobrevivência das pessoas que vivem nos Estados e que têm necessidade de serviços públicos desenvolvidos pelos Estados: saúde, educação etc.  

Portanto, essa negociação trata do Brasil real, não do Brasil virtual, do Brasil das estatísticas. Infelizmente, essa tem sido a lógica da nossa equipe econômica, de analisar a realidade do País apenas a partir das estatísticas, esquecendo que, por trás de cada número daquele, existe uma pessoa de carne e osso que tem necessidades básicas a serem atendidas pelo serviço público; necessidade de comer, de se vestir, de estudar, de ter atendimento à saúde.

 

Caso contrário, Sr. Presidente, Sr as e Srs. Senadores - até em função da situação grave que cada Estado passa e da tendência natural de cada Governador sair correndo atrás da primeira mão que aparece para tirá-lo do atoleiro, sem levar em consideração que essa mão pode, num segundo momento, empurrá-lo para um atoleiro ainda maior -, vamos chegar a essa situação como este projeto que foi votado na comissão, ao qual acabei me rendendo à circunstância e votando a favor, mas profundamente angustiado.  

Trata-se de um projeto, vejam só, que concede empréstimo a juros altos, juros de mercado, para os Estados serem ressarcidos de uma perda que tiveram com a implantação de uma lei proposta pelo Governo Federal e aprovada pelo Congresso. Primeiro uma emenda constitucional, segundo, um projeto de lei regulamentador, que, como já fiz questão de dizer na Comissão de Economia, considero um projeto importante, porque tem contribuído para a melhoria salarial de professores, particularmente na Região Nordeste. Mas, como foi dito inclusive pelo Senador José Jorge, hoje, na Comissão de Assuntos Econômicos, Relator da matéria na Câmara dos Deputados, a contribuição que a União vem dando para o Fundef é ínfima em relação àquilo que os Estados vêm dando. É a típica prática de fazer cortesia com o chapéu dos outros. O Governo Federal e a União fazem propaganda do Fundef, mas, na prática, estão contribuindo com muito menos do que os Estados. No processo de distribuição, a maioria dos Estados está perdendo e os recursos estão indo para os Municípios, quando a obrigação principal de financiar o processo de educação - até porque se fala que educação é prioridade zero do Estado - é do Governo Federal.  

Sr. Presidente, Sr as e Srs. Senadores, entendo que o Senado Federal e particularmente a Comissão de Assuntos Econômicos têm uma grande oportunidade neste momento e não podem desperdiçá-la, como já o fizeram em outras ocasiões. A decisão sobre o assunto está em nossas mãos. As contribuições que podemos dar aqui podem ser orientadoras da política econômica. Temos visto vários Parlamentares, Senadores e Deputados, da base governista fazerem críticas à condução da política econômica, só que não passam do discurso. A providência que poderia ser tomada, por meio do voto em matérias desta Casa, para contribuir efetivamente com a mudança, não está ocorrendo. Na hora do voto, prevalece a lógica da maioria, a lógica dos interesses do Governo Federal que, muitas vezes, está em contradição com os discursos e com a dita defesa dos interesses dos Estados. Há uma contradição efetiva entre o discurso de vários Senadores que, representando os interesses dos Estados, afirmam fazer a defesa dos mesmos e, na hora em que são convocados a tomar uma decisão que pode contribuir para a defesa do Estado - ou o contrário, para aumentar a dificuldade deste -, acabam não a tomando.  

O SR. PRESIDENTE (Casildo Maldaner. Fazendo soar a campainha.) Senador José Eduardo Dutra, a Presidência alerta que o tempo destinado ao seu pronunciamento está esgotando-se.  

O SR. JOSÉ EDUARDO DUTRA (Bloco/PT - SE) - Muito obrigado, Sr. Presidente. Já vou concluir.  

Quero apenas registrar minha expectativa. Nesses quatro anos e meio como membro do Senado Federal, por várias vezes tive as minhas expectativas frustradas, aliás, na maioria das vezes, em relação a decisões tomadas por esta Casa. Mas, como sou um eterno otimista, até porque se não o fosse não estaria aqui neste momento debatendo esta matéria, e como esse é um assunto que cada vez mais vem merecendo a preocupação dos Srs. Senadores, creio que esta é a oportunidade que o Senado e a Comissão de Assuntos Econômicos têm de mostrar que a sua postura está à altura das prerrogativas inseridas na Constituição, quais sejam, de Casa da Federação e de defesa dos interesses da Federação brasileira e não, mais uma vez, apenas um homologador de acordos que, na maioria das vezes, não são favoráveis aos Estados da Federação e principalmente ao povo deste País.  

Muito obrigado.  

 


Este texto não substitui o publicado no DSF de 03/09/1999 - Página 23171