Discurso durante a 114ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

ANALISE DA CRISE ENTRE O DESENVOLVIMENTO E A ESTABILIDADE.

Autor
Geraldo Melo (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/RN)
Nome completo: Geraldo José da Câmara Ferreira de Melo
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA.:
  • ANALISE DA CRISE ENTRE O DESENVOLVIMENTO E A ESTABILIDADE.
Publicação
Publicação no DSF de 07/09/1999 - Página 23405
Assunto
Outros > POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA.
Indexação
  • ANALISE, CONFLITO, POLITICA DE DESENVOLVIMENTO, POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA, NECESSIDADE, PRESERVAÇÃO, ESTABILIDADE, ECONOMIA, COMPARAÇÃO, PAIS ESTRANGEIRO.
  • ANALISE, NECESSIDADE, INCENTIVO, PRODUÇÃO AGRICOLA, DEBATE, METODOLOGIA, REFORMA AGRARIA.
  • ANALISE, PROBLEMA, FINANCIAMENTO, DESENVOLVIMENTO ECONOMICO, DEFESA, PRIORIDADE, CONSOLIDAÇÃO, ESTABILIDADE, ECONOMIA, PREVENÇÃO, RETORNO, INFLAÇÃO, CONCLUSÃO, AJUSTE FISCAL, NECESSIDADE, COLABORAÇÃO, CONGRESSO NACIONAL.

O SR. GERALDO MELO (PSDB - RN. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Sr as e Srs. Senadores, talvez até seja de surpreender que um Senador do PSDB, na presente altura dos acontecimentos no cenário político do País, ocupe a tribuna exatamente para falar sobre a aparente crise, o aparente dilema entre desenvolvimento e estabilidade, com todos os seus componentes de excitação e de tensão política que se explicitaram tão claramente nos últimos dias. Embora, como era natural, numa segunda-feira como esta, esteja vazio o salão, não está vazio o País; não estamos vazios de problemas nem de preocupações, de forma que o nosso papel e nosso dever é o de continuar discutindo as questões essenciais do povo.  

Ouvi atentamente o discurso do Senador Pedro Simon hoje, como ouvi no final da semana passada, um sendo o segundo capítulo do primeiro. Acredito, porque conheço S. Exª tanto e há tanto tempo, na firmeza, na retidão das suas nobres preocupações com o Brasil, e, de certa forma, emociona-me, como seu amigo de tanto tempo, vê-lo, com todo esse vigor, aplicar sua inteligência e sua experiência a serviço do País, principalmente nos momentos mais difíceis.  

Penso, Senador Pedro Simon, que talvez tenhamos nos enredado numa crise que foi muito mais uma crise de atitude do que uma crise real que tivesse alguma coisa a ver com os problemas econômicos que representam hoje o desafio do Governo e a inquietação diária dos nossos concidadãos.  

Estamos procurando, com a seriedade e a obstinação reconhecidas por todos e proclamadas por V. Exª, tanto no seu discurso passado quanto no de hoje, caminhos construtivos e sólidos para garantir o nosso futuro, enfrentando as dificuldades, as turbulências, por que todas as sociedades do mundo passam em todas as fases do seu desenvolvimento. Se o desenvolvimento fosse a abolição dos problemas, não haveria dificuldades na economia nem problemas sociais em países como os Estados Unidos, a Alemanha, a França, o Japão ou a Inglaterra. Todos eles têm, cada um ao seu tempo, cada um no quadrante de história que esteja vivendo, seus problemas, desafios e dificuldades. Temos os nossos. Compete-nos lidar com eles.  

A geração atual de homens públicos, digamos assim, de estadistas deste País tem a responsabilidade de lidar, competente e responsavelmente, com os problemas de hoje.  

Penso que precisamos reconhecer a necessidade de evitar que se definam paradigmas rígidos a serem procurados. Cada país tem a sua própria personalidade, a sua história, a sua cultura, o seu povo, os seus recursos naturais e as suas possibilidades. Embora haja referências a buscar, não poder existir um paradigma padrão.  

Senador Pedro Simon, V. Exª mesmo acaba de fazer referência à Índia, que, sem dúvida, é um país de onde podemos recolher muitas lições importantes, uma das quais é a de como seguramente precisamos evitar que aconteçam no nosso País muitos fatos que ocorreram e se eternizaram lá.  

Afirma-se muito que o Brasil é o País com a pior distribuição de renda do planeta, mas nunca é tarde lembrarmos que a palavra "marajá", que possui um significado tão nítido dentro do linguajar do nosso quotidiano, vem da Índia e se refere a uma categoria de pessoas privilegiadas, posicionadas acima da pirâmide social, em um país dividido em castas, que estabelecem hierarquias quase naturais dentro da sociedade, como se alguma divindade tivesse traçado um destino, um carma para aquele povo, que tinha que ser hierarquizado, dividido em estratos que não se comunicam, em que a ascensão social é quase impossível.  

A Índia é um país que tem muito a ensinar de bom, mas possui apenas um terço do tamanho do Brasil e, dentro desse território – um terço do nosso –, não vivem os 160 milhões que vivem aqui, mas um bilhão de indianos. Entre eles, 50 milhões, ou seja, praticamente o equivalente ao número de brasileiros estatisticamente considerados na linha de pobreza ou abaixo dela, nasceram na rua. Suas mães deram à luz na rua. Vivem, viverão e morrerão sem jamais terem tido a oportunidade de dormir uma única noite ao abrigo de um telhado. Infelizmente, há uma miséria imensa em nosso País, e o fato de haver situações piores não nos deve servir de consolo. Muito ao contrário, deve nos servir de alerta, a fim de evitar que um dia ocorra o mesmo no Brasil. No Egito, por exemplo, Senador Edison Lobão, vemos o drama em que vivem multidões apenas na área metropolitana da cidade do Cairo, onde 350 mil famílias, aproximadamente, fizeram suas residências nos túmulos dos cemitérios, ao ponto de o Governo egípcio ter sido obrigado a instalar água e luz nos túmulos para servir a essa população. Isso não é um consolo. É uma advertência. É um perigo.  

O Sr. Pedro Simon (PMDB - RS) - Permite-me V. Exª um aparte, nobre Senador Geraldo Melo?  

O SR. GERALDO MELO (PSDB - RN) - Pois não, nobre Senador Pedro Simon.  

O Sr. Pedro Simon (PMDB - RS) - Senador Geraldo Melo, concordo 100% com seu pronunciamento. A referência que fiz à Índia é uma outra referência.  

O SR. GERALDO MELO (PSDB - RN) - Entendi bem, Senador.  

O Sr. Pedro Simon (PMDB - RS) - Fui Ministro da Agricultura quando o Presidente José Sarney lançou um plano de irrigação, mediante o qual pretendia irrigar em seu governo dois milhões de hectares. Fui à Índia observar o plano de irrigação feito para um país muito pobre. A irrigação é artesanal, com pipas, mas utiliza a mão-de-obra de uma infinidade de pessoas. O plano de irrigação do Brasil só serve a alguns abastados do Nordeste, devido às grandes extensões. Gasta-se US$500 por hectare lá, e aqui, US$8 mil por hectare, porque copiamos os planos de Israel, da Alemanha e dos Estados Unidos, feitos para gente rica, que tem muito dinheiro. Então, o que estou dizendo é que podíamos fazer um plano de irrigação de país pobre, para gente pobre, e que não expulse o trabalhador. Porque a irrigação no Brasil, onde é aplicada, expulsa o trabalhador, manda-o embora, porque dele não necessita. É só apertar um botão, está tudo ali. O meu argumento é que se irrigue muito mais e se atenda a toda uma sociedade.  

O SR. GERALDO MELO (PSDB - RN) - Longe de mim, Senador Pedro Simon, haver interpretado equivocadamente as suas palavras. V. Exª, de certa forma, ao referir-se à Índia, fez com que eu me lembrasse de que não podemos ter um paradigma fixo, somente isso. Concordo com V. Exª e me encantam as soluções em que se tenha elevada densidade de mão-de-obra na organização da produção. Penso até que a tecnologia moderna chegou a um ponto de tamanha capacidade que ela poderia nos ajudar – a nós que temos preocupações sociais – a encontrar soluções tecnologicamente avançadas, altamente eficientes, utilizando intensamente mão-de-obra. Isso não seria uma proeza tão difícil de realizar com o nível de conhecimento de que se dispõe hoje. Quis apenas dizer que a Índia, como os Estados Unidos, são dois exemplos a olhar, a conhecer, a apreciar, mas não exatamente modelos para serem perseguidos.  

No caso da agricultura, por exemplo, há soluções que nós mesmos temos generalizado em relação ao Brasil. E eu deixaria aqui de passagem – porque não quero sair do tema que me trouxe à tribuna – uma única observação: creio que não há mais ninguém neste País que não reconheça a importância, a oportunidade, a necessidade econômica, social e histórica de se fazer a reforma agrária no Brasil. Todavia, a generalização que se faz a respeito, por exemplo, do tamanho da propriedade é de um primarismo gigantesco. Porque uma questão é o tipo de propriedade que se deve ter, por exemplo, no semi-árido nordestino, onde 50 hectares provavelmente não ofereçam, somadas todas as áreas agricultáveis daqueles 50 hectares, o equivalente a 10 hectares. Outra questão é uma área de terra no Maranhão. E muito mais ainda, no Brasil, que, diferentemente da Índia, que apenas no norte tem fronteiras mediterrâneas e uma extensíssima costa, tanto a leste quanto a oeste servida por mar e, portanto, com a possibilidade de ter portos e escoar sua produção; diferente do Brasil que, no oeste e no centro-oeste, ou se produz para o autoconsumo ou havemos de reconhecer que o tamanho mínimo econômico de uma propriedade é diferente daquele que se generaliza. Porque não se pode, numa propriedade de 20 hectares, produzir economicamente, se o produto destinado ao mercado tem que percorrer cerca de três mil quilômetros para chegar a um porto. Não é com 20 ou 30 hectares que se vai tornar viável uma unidade de produção. Refiro-me à necessidade de adotarmos soluções corretas para cada problema.  

Sr. Presidente, tivemos muito mais uma crise de atitude do que uma crise na economia. Surgiu recentemente, e com muita força no meu Partido, a tese de que devemos optar. A verdade é essa. Alguns mais gentilmente têm dito a mesma coisa, uns de forma mais explícita, outros até com uma certa infelicidade verbal, como foi o caso do Ministro Clóvis Carvalho, quando afirmou que a timidez era sinônimo de covardia. Na verdade, S. Exª se referia ao fato de que estamos querendo promover o desenvolvimento preservando a estabilidade.  

Senador Pedro Simon, considero-me insuspeito para falar sobre esse assunto e para defender a estabilidade, porque os poucos instrumentos de que disponho intelectualmente para falar sobre assuntos econômicos recolhi em um passado que já ficou muito distante, em lugares onde o desenvolvimento era visto quase como uma religião. Venho da escola de Raul Prebisch, de Jorge Ahumada. Fui aluno de Júlio Melnick, de Annibal Pinto Santa Cruz, de Oswaldo Sunkel, de Javier Marques. Nenhum desses pensava que fosse mais importante apresentar no fim do mês uma taxa de inflação modesta, moderada ou um zero sobre a inflação, do que tornar farta a mesa dos nossos concidadãos. Todos acreditavam, como eu, que o desenvolvimento é o grande objetivo de todo esforço econômico.  

Na realidade, quando cuidamos de manter a inflação controlada, de manter a estabilidade, estamos administrando os instrumentos de que a economia se serve para funcionar. A economia, de fato, nada mais é do que o esforço organizado feito pela sociedade para colocar à disposição das pessoas aqueles bens, aqueles serviços de que cada um necessita. Aquela pasta de dentes precisa estar no banheiro de manhã, e alguém precisa vendê-la perto da nossa casa para que possamos comprá-la e levá-la para casa.

 

A atividade econômica destina-se a produzir os bens de que necessitamos, o café que consumimos, o arroz, a carne, o feijão, o leite. Se temos isso suficientemente disponível, oferecido a todos, temos uma economia em boa situação; se temos fome, desemprego e todo o cenário recessivo, então a nossa economia precisa ser cuidada.  

O confronto, entretanto, entre os chamados desenvolvimentistas e os que alguns chamam hoje de economistas de estabilidade, o confronto entre os gastadores e os sovinas, entre aqueles e os poupadores, só existe na discussão de um único problema: de onde se tiram os recursos para custear o desenvolvimento? É uma questão, então, de como financiar o desenvolvimento.  

O fundamento da posição dos desenvolvimentistas: em um momento de crise ou em um momento em que a economia está parada, em um momento de recessão, é a de que é preciso elevar o investimento público para desencadear o processo pelo qual a economia se reanime. Isso significa gastar. Mas gastar para obter resultados que são fundamentais para vida das pessoas. Esse é o argumento.  

E por que eles não querem que se espere pela estabilidade? Porque o processo de conquista da estabilidade é penoso e lento e adia o ganho de velocidade, o impulso que é preciso dar ao sistema econômico para que o desenvolvimento aconteça.  

Se estivéssemos hoje em um desses momentos em que, não dispondo de estabilidade, teríamos de optar entre a estabilidade e o gasto inflacionário para permitir a aceleração do processo econômico, eu não hesitaria em defender, mesmo ao preço de desencadear um processo inflacionário, a antecipação do processo de desenvolvimento.  

Citei aqui alguns professores que tive no passado. Lembro-me de um deles, que, num salão - já contei essa história no Senado -, onde estávamos 30 ou 40 estudantes de toda a América Latina, em vez de iniciar sua aula, desafiou-nos a responder a uma pergunta constrangedora: "Eu queria saber aqui quem é contra a inflação, ou a favor da inflação, ou pensa que ela não tem nada a ver", e calou-se. Como nenhum de nós respondeu coisa alguma, concluiu com estas palavras: "Não tenham constrangimento, senhores. Qualquer que seja sua posição, estarão na companhia dos melhores economistas do mundo".  

Existem tendências, correntes e linhas de pensamento para todas as direções. Portanto, a questão não é nenhum tabu em relação à inflação. A questão é se vamos decidir agora entre ter desenvolvimento e inflação ou lutar para obter estabilidade, repito: eu não hesitaria em defender o desenvolvimento, mesmo com inflação.  

No entanto, o País já pagou um enorme preço para conquistar a estabilidade, e a conquistou. A estabilidade da economia brasileira já foi conquistada. Ela precisa consolidar-se. Ela precisa aprofundar as raízes que mal deitou sobre o solo deste País. Ela precisa nos garantir que o sacrifício que fizemos não foi em vão. Ela precisa nos garantir que esses desempregados que estão na rua não estão sofrendo em vão. Ela precisa nos garantir que o drama que se abateu sobre a agricultura, o drama que se abateu sobre a indústria nacional, enfrentando todos os agentes produtivos, que essas taxas de juros quase enlouquecidas que tivemos que pagar e ainda estamos pagando em nosso País, que isso não foi em vão. Fizemos a travessia até aqui. Aparentemente falta pouco, pelo menos do dever de casa. Aparentemente falta fazer o que sabemos que todos nós, inclusive o Parlamente brasileiro, estamos dispostos a fazer: aprofundar e concluir as medidas necessárias para corrigir de uma vez o déficit fiscal. Nós sabemos disso, o que precisamos fazer para acelerar o desenvolvimento é acelerar essas medidas, acelerar a completeza do processo para que, com a estabilidade que conquistamos ainda mais enraizada, possa-se desencadear aceleradamente um processo de desenvolvimento econômico que faça chegar uma brisa nova à casa do povo.  

Eu não sei como se sente, ouvindo palavras como essas, quem está precisando de um emprego hoje ainda, quem está precisando assegurar a alimentação de seus filhos hoje ainda, quem esteja precisando hoje de assistência médica e de remédios, de escola. Não sei como se sente. Seguramente, não se sente bem.  

Mas acontece, Senador Pedro Simon, que a economia tem as suas regras próprias, tem leis que estão acima do sistema jurídico e que funcionam com seus próprios caprichos. As idéias generosas, mesmo continuando generosas, nem sempre são factíveis. O mundo quase se divide, porque, depois que se dividiu ao meio, quase que se extinguiu num holocausto nuclear. De um lado estavam as idéias liberais; do outro, a generosa proposta de criação de um mundo em que as pessoas fossem menos diferentes, em que a renda fosse melhor distribuída, em que houvesse a propriedade coletiva dos meios de produção.  

A utopia que inspirou esse sonho está viva, mas o caminho que leva à realização do sonho é desconhecido. Parte da humanidade procurou trilhar um determinado caminho. E nós sabemos amargamente, pois este final de século nos mostrou que o caminho escolhido não levava a nada.  

O Sr. Pedro Simon (PMDB - RS) - V. Exª me permite um aparte?  

O SR. GERALDO MELO (PSDB - RN) - Pois não, Senador Pedro Simon.  

O Sr. Pedro Simon (PMDB - RS) - Fico emocionado com a importância e o significado do pronunciamento de V. Exª. Nesse final, V. Exª está sendo absolutamente correto. Vivemos uma amarga experiência no mundo. A beleza da utopia, que parecia que nos levaria, com correções de rumo, a um final positivo, deu no que deu. Vou ser sincero. Eu nunca fui dessa utopia. Eu fiquei com Pasqualini: sempre defendi a tese de que Deus não distribuiu os homens no mundo para que fossem iguais, mas mostrou nos homens diferenças. E eles têm diferenças profundas, de cultura, de capacidade, em todos os caracteres. Mas Deus disse que os homens todos, por diferenças mais profundas que apresentem, têm algumas garantias absolutamente necessárias: garantia ao trabalho, e, como fruto desse trabalho, condições de viver com dignidade. Eu diria a V. Exª que, neste Brasil em que estamos vivendo — e V. Exª diz com toda correção —, eu também não sei o que estará pensando do seu e do meu discurso quem está nos ouvindo agora, quem não tem emprego, que não tem comida para alimentar o seu filho. Como ele vai receber o meu pronunciamento e o que diz V. Exª - e eu digo a mesma coisa? Todavia, Senador, num País com esse desafio que V. Exª está mostrando agora - de um lado não podemos voltar à explosão de uma inflação, temos que ter estabilidade; mas, de outro lado, precisamos de desenvolvimento - não podemos ficar parados. A mim parece que esta era a grande missão do Sr. Fernando Henrique Cardoso: estabelecer, num país como este, pelo menos com o dinheiro público, onde vamos crescer. O que está acontecendo neste País é o seguinte: qualquer prefeito, governador ou cidadão se acha no direito de crescer naquilo que ele quer. Aliás, aconteceu no passado. O BNH, um banco criado para dar casa para o povo, na minha terra, o Rio Grande do Sul, construiu casas e mais casas de veraneio na beira-mar enquanto não havia casa para aquele cidadão que precisava de um teto para viver. Nós vemos uma série de projetos e de propostas que o BNDES faz para gente grande, gente progressista, e não há proposta alguma para gente pequena. Está aí à disposição o caso - volto para a Índia, perdoem-me - do Banco de Bangladesh, o Banco do Povo, que dá dois, três, quatro, cinco mil dólares para o cidadão sair do zero e ser um microempresário. Entendo, nobre Senador, que essa é a função de um governo socialdemocrata, como é o seu Partido, cujo Governo apóio. Em um momento como este, em que temos que contar os dólares, temos que ter um desenvolvimento organizado, programado. Não é o Governador, o Prefeito, o Deputado, o Senador quem vai estabelecer em que aplicar o nosso dinheiro. Eles que apliquem o dinheiro deles, não o nosso. O Governo podia estabelecer um plano prioritário nesse sentido; em que se vai aplicar. Por exemplo, nas prioridades do programa de Governo do Fernando Henrique, ainda na primeira campanha, simbolizado pelos dedos da mão: na saúde, na alimentação, na educação, na casa popular, segurança. Parece-me que seria por aí.  

O SR. GERALDO MELO (PSDB - RN) - Senador Pedro Simon, agradeço o enriquecimento que, como sempre, as palavras de V. Exª trazem ao discurso de qualquer um de nós e especialmente deste seu modesto amigo.  

Sei, Sr. Presidente, que V. Exª já me adverte, o que costumo fazer quando estou exercendo a Presidência, mas gostaria de concluir fazendo duas considerações apenas.  

Em primeiro lugar, eu falava sobre idéias generosas e, sem pretender perder-me em considerações mais complexas, contarei uma história que ilustra o que quero dizer.  

Era eu Governador de Estado, simultaneamente com V. Exª, e visitei uma cidade longínqua, distante de Natal, onde vimos - eu e minha esposa -, no começo do Governo, um cenário dantesco: 72 barracos, onde famílias viviam mergulhadas na mais cruel e mais terrível de todas as misérias. Saímos dali sob pressão daquela emoção que o quadro provocara em nós. Então, em pouco tempo, tínhamos construído 72 casas de alvenaria, com água, luz e esgoto, uma pequena praça, uma pequena creche e uma escola. Não fizemos posto de saúde pois havia um hospital que acabáramos de concluir, praticamente ao lado do local. Chamava-se favela Arizona. Esse nome americano estava dado a uma favela da cidade de Pau dos Ferros, a 400Km de Natal.  

O tempo passou, saí do Governo, voltei a Pau dos Ferros algum tempo depois e não reconheci as pessoas daquele bairro, que, no passado, fora a favela Arizona. Comecei a perguntar por fulano, sicrano e beltrano, que eu não via mais ali. E alguém me disse que todos tinham vendido as casas e feito outra favela embaixo da ponte que liga a cidade ao Bairro de São Geraldo, do outro lado do rio. Isso não quer dizer que nada deva se feito. Como Governador, V. Exª não deve ter tido uma experiência diferente da minha. Portanto, quero dizer que é preciso que as soluções estejam integradas com a realidade e não apenas com o sonho.

 

Finalmente, para encerrar, a segunda e última consideração. Falei que temos a estabilidade e que precisamos ter o desenvolvimento. Porém, quando isso ocorrerá? Talvez tenha sido essa a interrogação que inquietou o Ministro Clóvis Carvalho, levando-o ao desastrado pronunciamento que criou para o Presidente Fernando Henrique Cardoso uma situação sem opções.  

V. Exª assinalou da tribuna do Senado que não se completaram 15 dias que o Governo apresentou ao País o Plano Plurianual, que recebeu o nome de Avança Brasil - com todo o respeito, creio ser um nome muito jornalístico e cinematográfico para o meu gosto -, um programa que, em síntese, dá um recado do Governo, dizendo que iniciará os investimentos que levarão o País a acelerar o seu crescimento econômico.  

O que precisamos fazer, todos nós, mais do que discursos, em proveito da aceleração do processo de desenvolvimento, é nos debruçarmos sobre aquele projeto, oferecermos a contribuição que seja possível e o Congresso Nacional aprovar o projeto o mais rapidamente possível para que se torne uma peça exeqüível ungida legalmente e nos dê, parlamentares ou não, a todos nós cidadãos brasileiros o direito de acompanhar e de acompanhar a sua execução.  

A segunda coisa que temos que fazer é acelerar a tomada de medidas no Congresso Nacional, e fora dele, que permitam que essa instabilidade aprofunde as suas raízes. Vamos completar as reformas, criar as condições para a correção do déficit fiscal, dar robustez à situação que está criada para que, enfim, aquela nova brisa realmente sopre e para que haja emprego para os desempregados, remédios para os doentes, escolas para as crianças, segurança para as famílias e esperança na casa de todos os brasileiros.  

Muito obrigado, Sr. Presidente, e agradeço a sua tolerância.  

 

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Este texto não substitui o publicado no DSF de 07/09/1999 - Página 23405