Discurso no Senado Federal

PARTICIPAÇÃO DAS MULHERES NOS CARGOS DE COMANDO NO BRASIL.

Autor
Luzia Toledo (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/ES)
Nome completo: Luzia Alves Toledo
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
FEMINISMO.:
  • PARTICIPAÇÃO DAS MULHERES NOS CARGOS DE COMANDO NO BRASIL.
Publicação
Publicação no DSF de 03/09/1999 - Página 23183
Assunto
Outros > FEMINISMO.
Indexação
  • DEFESA, AMPLIAÇÃO, PARTICIPAÇÃO, MULHER, POLITICA, CARGO DE DIREÇÃO, PAIS, IMPEDIMENTO, DISCRIMINAÇÃO, PODER DECISORIO.
  • COMENTARIO, RELATORIO, ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS (ONU), DIVULGAÇÃO, DADOS, DEMONSTRAÇÃO, SITUAÇÃO, BRASIL, DISCRIMINAÇÃO, MULHER.

A SRª LUZIA TOLEDO (PSDB - ES) - Sr. Presidente, Sr as e Srs. Senadores, certamente seria um exagero afirmar que o atraso econômico e social do Brasil é devido aos quinhentos anos de dominação masculina na política. Embora desse uma boa frase de efeito, seria um absurdo afirmar tal coisa, já que, além desse inegável domínio masculino, muitos outros fatores contribuíram para perpetuar a extrema situação de desigualdade que reduz milhares de mulheres à condição de párias sociais.

Por outro lado, não é exagero afirmar que a participação feminina na vida pública sempre foi tolhida. Prova disso são os séculos de alijamento das mulheres dos processos eleitorais, pois só lhes foi facultado o direito de voto há pouco mais de meio século.

Observe-se bem: exclusão da vida pública quando se tratava de decidir, mas não quando se tratava de executar. Um exemplo disso são os trabalhos assistenciais, quase sempre sem remuneração, entregues às mulheres. Como voluntárias em tempos de crises, eram convocadas a prestar serviços de educação, de saúde.

Entretanto, só recentemente, a partir do momento em que a mulher passou a ocupar um espaço no mercado de trabalho, teve, minimamente, direito a influir diretamente nas escolhas políticas.

Mas o propósito deste pronunciamento não é tratar aqui de dicotomias. Não quero falar de oposições categóricas do masculino de um lado e do feminino de outro. Não é esse o meu propósito, nem nunca o foi, desde que ingressei na política. Entendo que o exercício da política está relacionado à consecução do possível. Entendo, também, que a política consiste de escolhas. E que é preciso estar no exercício do poder para escolher. Por isso, creio que a mulher deve assumir seu papel nas instâncias de poder, para ter como decidir por políticas públicas que favoreçam o gênero feminino.

Aprendi, desde os tempos de professora de Português e de História, que a mulher precisa se fazer presente nas instâncias de decisão. Guindada à condição de diretora de escola, numa de minhas primeiras funções de dirigente pública, pude estar diante de um tipo peculiar de poder: o poder de serviço, o de exercer o comando em benefício de uma coletividade.

Posteriormente, no exercício de cargos públicos, como o de representante do meu Estado em outras instâncias, de Assessora Jurídica do Governo do Estado, de Vereadora, de Vice-Prefeita e Prefeita, ou mesmo na condição Senadora, aprendi que o exercício do poder por uma mulher pode fazer muita diferença, em qualquer ambiente. Numa dessas ocasiões, no exercício da Prefeitura de Vitória, tive a satisfação de criar o "JUS MULHER", em parceria com a Associação Brasileira das Mulheres de Carreira Jurídica. Trata-se da prestação de serviços jurídicos gratuitos a mulheres carentes, uma singela experiência de resgatar um mínimo de dignidade a mulheres sem acesso à Justiça.

Nos outros cargos públicos que exerci, da participação na diretoria da Sociedade de Assistência à Velhice Desamparada de Vitória - uma função da qual me orgulho muito - à função de conselheira do Conselho Nacional dos Direitos da Mulher, tive sempre comigo a convicção de que a mulher na política faz uma diferença fundamental para a diminuição das desigualdades de gênero. Tanto é assim que não me furtei a ser uma das fundadoras do Partido da Social-Democracia Brasileira (PSDB) e a me candidatar (e ser eleita) a cargos públicos.

Mas é inegável, Senhoras e Senhores, que são poucas as mulheres no exercício de cargos públicos; é patente o quanto é desigual a proporção de mulheres com assento nos postos de comando no País, comparada com sua presença no conjunto da população. A isso pretendo me dedicar, aqui, hoje, a fim de refletir com todos na busca de formas de mudança.

Sem nenhum orgulho, mas, antes, com tristeza, podemos constatar que o Brasil é uma espécie de campeão às avessas no campo das desigualdades, tanto as sociais, econômicas e culturais quanto as de gênero.

A renda em nosso País, todos sabem, não é distribuída equitativamente. Assim comprovam os indicadores. O último Relatório de Desenvolvimento Humano da ONU, por exemplo, nos coloca no pouco louvável 79 º lugar, uma posição obtida em função das disparidades na distribuição de renda. É, também, fato notório que, entre os desiguais, ou seja, entre os prejudicados com essa redistribuição de renda, as mulheres são as mais atingidas.

Basta tomar as estatísticas da Região Metropolitana de São Paulo que, pelo seu perfil, encerra, ao mesmo tempo, algumas das melhores e algumas das piores características de nosso Brasil. Pois bem: em São Paulo, o salário das mulheres correspondia a 63% do salários dos homens. E não se diga que essa disparidade seria devida a uma menor jornada das mulheres, pois as diferenças se revelam também no cômputo do valor das horas trabalhadas. Em 1998, por hora trabalhada, as mulheres percebiam R$ 3,82, enquanto que os homens recebiam, pelo mesmo intervalo de tempo trabalhado, R$ 5,10. Para o Brasil como um todo, o Relatório de Desenvolvimento Humano da ONU revela que essa discrepância é um pouco maior: mostra que a renda do brasileiro do sexo masculino é 2,41 vezes maior que a renda da brasileira.

Outros dados indicam que as ocupações femininas, a maioria no setor terciário, são nas funções de baixo prestígio, como costura (94% da mão-de-obra), magistério de Primeiro Grau (90%), secretariado (89%), telefonia (86%), enfermagem (84%) e recepção (81%).

O Relatório afirma, ainda, que a pobreza das mulheres não é bem retratada pelas estatísticas, que sempre medem a renda per capita da família e, com isso, a mulher acaba sendo computada com um rendimento superior ao que realmente aufere. Por outro lado, ao desfrutar de uma renda familiar para a qual contribui em menor proporção, a mulher pode ter menos poder de escolha no consumo de roupas e outros objetos de uso pessoal, que também fazem parte de seu bem-estar.

Pelo Relatório de Desenvolvimento Humano, a situação das mulheres chefes de família é ainda pior. Dois terços das famílias monoparentais são chefiadas por mulheres. Se a família for negra, 80% dessa categoria são chefiadas por mulheres. Nessas famílias, as crianças entram muito cedo no mercado de trabalho, o que resulta em mau aproveitamento na escola e alto índice de repetência. Quase todas as crianças abandonam a escola muito cedo e se transformam em analfabetos funcionais, o que tende a perpetuar a condição de pobreza dessas famílias.

Mas os problemas não param aí. Se o segmento dos trabalhadores em geral é alcançado pelo desemprego, a parcela feminina é atingido em maior escala. Em 1998, por exemplo, o desemprego (na Região Metropolitana de São Paulo) entre as mulheres atingiu 21% da População Economicamente Ativa feminina, ao passo que, entre os homens, esse percentual chegou a 16%.

Mesmo que o tempo de desemprego aumente para ambos os sexos, para as mulheres, o período é maior. Tomando como base, ainda, as estatísticas da Região Metropolitana de São Paulo, temos um período de desemprego de 21 meses para mulheres, contra um período de 13 meses para os homens.

Enfim, a enumeração poderia prosseguir, com constatações semelhantes, razão pela qual passo para outras considerações.

Vejamos agora a participação da mulher na política. Na década de 30, por sinal a primeira década em que se pôde registrar o voto feminino entre nós, havia no Brasil apenas duas deputadas federais; entre 1950 e 1970, tivemos apenas 4 deputadas federais e uma suplente de senadora. Na eleição de 1994, a Câmara dos Deputados passou a ter uma participação de 6,8%, e o Senado, de 6,2%. Hoje, no parlamento, onde, entre os Poderes da República, aparentemente, é maior a presença feminina, ainda estamos muito aquém de uma mínima proporcionalidade. Apenas 5,9% das vagas parlamentares são ocupadas por mulheres, não obstante os esforços feitos nos últimos anos para reservar-lhes cotas mínimas nas chapas eleitorais.

Nos Executivos Municipais, dos cinco mil municípios, as prefeitas são menos de duzentas; entre todos os Estados da Federação, apenas um é governado por mulher. Atualmente, no Executivo Federal, não há nenhuma ministra.

Em março deste ano, durante a realização da Segunda Semana da Mulher, no Senado Federal, eu já levantava os problemas da participação das mulheres nos cargos da Administração Pública. De um total de 530 mil servidores federais, as mulheres representavam 44%. Entretanto, dos 136 maiores cargos (DAS-6) apenas 13% eram ocupados por mulheres.

No Judiciário, é ainda tímida a participação de mulheres, sendo que não há nenhuma nas cortes superiores e apenas uma no Superior Tribunal de Justiça.

O Relatório de Desenvolvimento Humano do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) passou a registrar os índices de participação das mulheres no comando da sociedade, criando o Índice de Poder por Gênero [1]. Nesse indicador, o Brasil ocupa o 70 º lugar no ranking, um sinal do alto grau de desigualdade de poder entre os gêneros. Entre nós, apenas 17,3% dos cargos de gerência são ocupados por mulheres. Mas não se pense que essa realidade se reproduz em outros países na mesma proporção. Na Noruega, Suécia, Holanda e Finlândia as mulheres ocupam 30% das cadeiras parlamentares. Mas não se pense, ainda, que uma alta representatividade das mulheres no poder é privativa de países desenvolvidos, pois países em desenvolvimento como Cuba (21 º), Costa Rica (23 º), Trinidad e Tobago (24 º) e República Dominicana (25 º) ocupam melhores posições nesse ranking que França (36 º) e Japão (38 º).

É preciso atentar, Senhoras e Senhores, que a presença da mulher na política não se deve a uma "cobiça" ou a um desejo de ocupar espaços de poder, ou, como se diz, "tomar o lugar do homem", numa espécie de competição gratuita. Está comprovado que algumas políticas públicas de extrema importância só são levadas a cabo quando têm a participação decisiva das mulheres.

Tomarei um exemplo, ligado à saúde reprodutiva da mulher. No Brasil, todos sabem, temos um percentual muito acima do desejado de partos por cesariana: cerca de 32% dos partos, em 1996, foram feitos por esse método, o que aumenta as possibilidades de infecção e de nascimento de crianças antes do tempo. Com isso, a taxa de letalidade é três vezes maior que no parto normal, de acordo como o Ministério da Saúde. As complicações na gravidez, durante o parto, ou no período pós-parto, são responsáveis pela morte de cerca de 3,5 mil mulheres em idade reprodutiva, anualmente. Isso significa 114 mortes maternas para cada 100 mil nascidos vivos, um dos maiores índices da América Latina. A maior parte das mortes maternas é atribuída à falta ou à má qualidade da assistência pré-natal e durante o parto, pois essas mulheres têm dificuldade de acesso ao sistema de saúde, o que impede o acompanhamento adequado da gravidez, especialmente nas mulheres mais pobres.

Observem, Senhoras e Senhores Senadores, que políticas de saúde pública dependem de muitas escolhas. Uma delas é a escolha orçamentária. Se há recursos, há assistência. Se faltam verbas, já vimos o resultado. Por isso propugno pela presença cada vez maior das mulheres na política e nos processos decisórios, para que as escolhas passem a ter um caráter de discriminação positiva. O exemplo da saúde é apenas um deles. Poderíamos ver que escolhas públicas no campo da assistência social e da educação, como creches e pré-escolas, aumentaria, em muito, as possibilidades de maior sucesso escolar das crianças das classes pobres.

Mas a maior participação da mulher na política depende de muitos fatores. Estabelecer cotas eleitorais é um bom começo. Mas não é tudo. É preciso mudar a cultura de toda sociedade. Se hoje parece ser mais que natural a participação dos homens na política, o mesmo não ocorre em relação á participação das mulheres.

Homens públicos são objeto de notícia pelos seus feitos (bem feitos ou malfeitos); já as mulheres, independentemente de suas competências, são sempre objeto de enquadramento em estereótipos relacionados à estética ou ao comportamento. Deputada X é musa de tal ou qual coisa; prefeita Y é deselegante, não tem charme; ministra Z não sabe se comportar em público, e assim por diante. O que é avaliado não é a competência política ou técnica da mulher que ocupa o cargo público, mas seu "desvio" do que se devia esperar do comportamento feminino.

Para se ter uma idéia de como essa discriminação faz parte do senso comum, basta ver um lugar histórico, sempre reservado a cônjuges de chefes de Poder Executivo: a condução das políticas sociais compensatórias, ou seja, a distribuição de alimentos, de cobertores, de roupas para os desvalidos. (Vejam que, num país como o nosso, não estou condenando essas políticas compensatórias, em si; estou apenas registrando que elas estão à margem das grandes políticas públicas.) Já as políticas econômicas, que são a fundamentais para as decisões são entregues a homens.

Mas quando, por alguma circunstância, as políticas mais importantes são entregues a mulheres, e se essas políticas vêm a falhar, não é a capacidade dessa pessoa que é questionada. Vem de novo o estereótipo, com frases do tipo: "Esperar o que de uma mulher?"

Com isso, Senhoras e Senhores, quero reafirmar que não basta aumentar a participação das mulheres nos cargos de mando. É preciso operar uma verdadeira revolução nas crenças, nos estereótipos, no senso comum, de modo a que a maior participação das mulheres na política contribua, de fato, para fazer avançar o desenvolvimento humano no Brasil.

Era o que tinha a dizer.

Muito obrigada.

[1] Em Inglês, GEM - Gender Empowerment Measure.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 03/09/1999 - Página 23183