Discurso no Senado Federal

PREOCUPAÇÃO COM O CONFLITO NO TIMOR LESTE, RESSALTANDO A PREMENCIA DE UMA INTERVENÇÃO MILITAR DA ONU NAQUELE TERRITORIO, PARA A PROTEÇÃO DE SUA POPULAÇÃO.

Autor
Tião Viana (PT - Partido dos Trabalhadores/AC)
Nome completo: Sebastião Afonso Viana Macedo Neves
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA INTERNACIONAL.:
  • PREOCUPAÇÃO COM O CONFLITO NO TIMOR LESTE, RESSALTANDO A PREMENCIA DE UMA INTERVENÇÃO MILITAR DA ONU NAQUELE TERRITORIO, PARA A PROTEÇÃO DE SUA POPULAÇÃO.
Aparteantes
Eduardo Suplicy, Geraldo Cândido.
Publicação
Publicação no DSF de 09/09/1999 - Página 23465
Assunto
Outros > POLITICA INTERNACIONAL.
Indexação
  • APREENSÃO, ORADOR, SITUAÇÃO, CONFLITO, PAIS ESTRANGEIRO, TIMOR LESTE, AUSENCIA, INTERVENÇÃO, ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS (ONU), PREVENÇÃO, VIOLENCIA, VIOLAÇÃO, DIREITOS HUMANOS.
  • APRESENTAÇÃO, REQUERIMENTO, MESA DIRETORA, SENADO, SOLICITAÇÃO, ITAMARATI (MRE), MANIFESTAÇÃO, POSIÇÃO, GOVERNO BRASILEIRO, REFERENCIA, CONFLITO, AMEAÇA, PAZ, AGRESSÃO, DIREITOS HUMANOS, PAIS ESTRANGEIRO, TIMOR LESTE.
  • SOLICITAÇÃO, SENADO, MOÇÃO DE CENSURA, GOVERNO ESTRANGEIRO, INDONESIA, EXECUÇÃO, ATO ARBITRARIO, VIOLENCIA, AGRESSÃO, DIREITOS HUMANOS.

O SR. TIÃO VIANA (Bloco/PT - AC. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, faço um breve registro sobre uma situação que agride os olhos do povo brasileiro, diria até que os olhos da humanidade como um todo, salvo algumas exceções, relacionada ao autoritarismo, à violência, à quebra e à agressão aos direitos humanos. Refiro-me exatamente à situação que a grande imprensa tem mostrado sobre a realidade que vive hoje o povo do Timor Leste.  

Sr. Presidente, aquelas imagens lembram tempos da Idade Média ou mesmo da Pré-História, quando não havia princípios de respeito à pessoa humana, nem a noção de ordem social, de dignidade humana, de direitos humanos, nem a organização de uma sociedade que se pautasse por princípios mínimos.  

A realidade que vive hoje o povo do Timor Leste agride cada pessoa de cada canto deste Planeta, de cada canto deste País, porque ali ferem-se os direitos humanos como se eles não existissem. Parece que as forças paramilitares desconhecem a responsabilidade, as obrigações do Estado da Indonésia e ferem o princípio da democracia universal quando agem daquela maneira.  

É dramático e agressivo para qualquer ser humano ver, nos meios de comunicação, imagens de crianças sendo queimadas em praça pública, de crianças pulando cerca de arame farpado para fugir da violência praticada por forças paramilitares da Indonésia, que não aceitam uma decisão internacional, baseada na paz e em princípios democráticos, de garantir a autodeterminação do povo timorense.  

Faço questão de aqui fazer uma leitura por entender que também a Organização das Nações Unidas tem responsabilidade direta sobre o que está acontecendo - se assim não fosse, não teria assumido o papel de mediadora. A ONU não poderia esquecer algo que tem sido, ao longo de sua história, sua grande responsabilidade: prevenir situações de violência que agridam a paz e ameacem a dignidade da pessoa humana no plano internacional.  

Conforme um jornal de língua portuguesa ligado à própria ONU:  

"O Secretário-Geral da Nações Unidas, Kofi Annan, manifestou alívio pelo acordo alcançado, em abril, entre Portugal e a Indonésia sobre o futuro de Timor Leste, ex-colônia portuguesa no Pacífico, invadida há mais de duas décadas.  

Annan, que congratulou os ministros do exterior Jaime Gama (Portugal) e Ali Alatas (Indonésia), assinalou quão importante é a promessa do Governo de Jacarta de velar pela segurança da população civil de Timor Leste, para que a consulta popular marcada para agosto seja realizada em paz e harmonia".  

Em abril já se tinha uma previsão clara de que teríamos no mês de agosto o plebiscito que mostraria a vontade soberana da população do Timor Leste quanto à sua autodeterminação, à sua independência. Ao mesmo tempo, a Organização das Nações Unidas assumiu o papel de mediadora daquele conflito que era iminente - já se previa que não seria tão tranqüila a situação que estamos testemunhando hoje, conforme palavras do próprio Secretário das Nações Unidas.  

No entanto, para surpresa da comunidade internacional, a ONU parece que fez vista grossa diante da situação em Timor Leste. Segundo a grande imprensa, apesar de ter sido alertada pelos assessores do próprio organismo de que haveria violência se não fosse tomada uma medida mais efetiva e mais rígida para controlar o democrático processo de decisão que aconteceria naquele país, a ONU omitiu-se. Infelizmente, parece que as ações, os alertas da grande imprensa e a tragédia anunciada de um genocídio sem proporções não foram suficientes para conseguir sensibilizar a direção da Organização das Nações Unidas para uma intervenção preventiva, uma intervenção mais segura e capaz de gerar proteção aos direitos humanos das crianças, das mulheres e das populações que vivem na região do Timor Leste.  

O que se vê é essa tragédia, esse terrível genocídio em que crianças são queimadas em praça pública, pessoas são mortas em praça pública e têm suas cabeças cortadas - algo que nos faz lembrar os tempos da Santa Inquisição. E tudo isso acontece apenas porque o povo timorense cumpre o seu dever, a sua responsabilidade social de fazer uma opção política acerca de sua autodeterminação e de sua soberania.  

Timor Leste é um país de língua irmã, Sr. Presidente, é um país que merece o mais absoluto respeito, principalmente no momento em que busca conseguir a sua independência e ser respeitado enquanto povo, enquanto nação. Lamentavelmente, o governo da Indonésia não apresenta meios minimamente capazes de frear esse genocídio sem proporções que a humanidade está testemunhando nesta hora.  

Faço questão também de fazer a leitura dos três propósitos da Organização das Nações Unidas em relação às suas responsabilidades universais:  

"1 - Manter a paz e a segurança internacional e, com tal fim, tomar medidas coletivas eficazes para prevenir e eliminar as ameaças à paz (...);  

2 - Fomentar entre as nações relações de amizade baseadas no respeito ao princípio da igualdade de direitos e à livre determinação dos povos, e tomar outras medidas adequadas para fortalecer a paz universal;  

3 - Realizar a cooperação internacional em busca de uma solução para problemas internacionais de caráter econômico, social, cultural ou humanitário (...);  

4 - Harmonizar esforços para que as nações possam alcançar esses propósitos comuns".  

Sr. Presidente, a Organização das Nações Unidas tem sido, ao longo da nossa história, um símbolo de proteção à humanidade e a países muitas vezes enfraquecidos e incapazes de enfrentar a força armada de alguns poderosos. No entanto, a ONU deixa transparecer uma fragilidade enorme, porque ...  

O Sr. Geraldo Cândido (Bloco/PT - RJ) - V. Exª me concede um aparte?  

O SR. TIÃO VIANA (Bloco/PT - AC) - Com imenso prazer, nobre Senador Geraldo Cândido.  

O Sr. Geraldo Cândido (Bloco/PT - RJ) - Senador Tião Viana, quero parabenizar V. Exª pelo brilhante pronunciamento em relação à questão do Timor Leste, assunto que preocupa todos nós. O mundo inteiro está assistindo ao massacre do povo timorense e, no entanto, como dizia V. Exª, parece que a ONU não teve a preocupação de, numa ação imediata, juntamente com as forças da OTAN - ou outra semelhante -, mandar uma força de paz. Por ocasião do conflito nos Bálcãs, a ONU prontamente tomou decisão no sentido de enviar tropas da OTAN para intervir no conflito, algo que ficou caracterizado como uma intervenção humanitária. Senador Tião Viana, diante do massacre a que a Indonésia está submetendo o povo de Timor Leste, podemos exigir a mesma postura: uma intervenção humanitária. Há 25 anos a Indonésia ocupou aquele país livre e lá permaneceu desde então. Promoveu-se um referendo e o povo decidiu livremente pela independência do país. A Indonésia não quer aceitar esse resultado e utiliza o artifício de usar militares disfarçados de paramilitares: as milícias pró-Indonésia são integradas por militares indonésios que estão cometendo um massacre contra o povo do Timor Leste. Neste momento cabe uma ação urgente. É inadmissível que o Governo brasileiro não se pronuncie a respeito de um conflito dessa natureza. O Timor Leste é um país de um povo irmão, de língua portuguesa; são seres humanos iguais a nós. O nosso Governo tem que promover uma ação mais incisiva no sentido de pressionar as nações da Europa e do mundo para que tomem uma atitude em relação ao massacre do Timor. Muito obrigado.  

O SR. TIÃO VIANA (Bloco/PT - AC) - Agradeço ao nobre Senador Geraldo Cândido pelo aparte, que é, no fundo, uma manifestação de solidariedade ao povo do Timor Leste, em razão dessa violência indescritível que aquele povo está sofrendo.  

Acrescento, nobre Senador, que o mais lamentável de tudo é que parece que, não estando envolvida a compra de armas, não estando envolvido o grande lucro, alguns países poderosos ficam alheios à realidade da violação dos direitos humanos. Quando se avizinha a possibilidade de um grande lucro com a venda de armas, de uma grande movimentação financeira com o conflito de uma população localizada, todo mundo se faz de mediador da paz para buscar solução para os conflitos.  

No caso do Timor Leste, um povo que já foi invadido achou um caminho democrático para decidir pela liberdade, pela autodeterminação. No entanto, na hora em que decide democraticamente, com o juízo, com o testemunho da Organização das Nações Unidas, passa a ser vítima de uma onda de violência incapaz de ser descrita por setores éticos e solidários da comunidade internacional.  

O que lamento profundamente é que não tenhamos ainda uma manifestação pública do Governo brasileiro quanto ao assunto. Estou hoje apresentando um requerimento à Mesa do Senado para que solicite ao Ministério das Relações Exteriores um pronunciamento sobre qual é a posição do Governo brasileiro em relação a esse conflito, a essa ameaça à paz, a essa agressão aos direitos humanos que está sendo praticada lá. Estou também entrando com requerimento solicitando ao Senado Federal uma moção de censura ao governo da Indonésia, baseado no Regimento desta Casa, pela agressão tão violenta e tão bárbara aos direitos humanos que está sendo praticada de uma maneira tão arbitrária por forças paramilitares.  

O Sr. Eduardo Suplicy (Bloco/PT - SP) - Permite-me V. Exª um aparte?  

O SR. TIÃO VIANA (Bloco/PT - AC) - Concedo um aparte ao nobre Senador Eduardo Suplicy.  

O Sr. Eduardo Suplicy (Bloco/PT - SP) - Senador Tião Viana, V. Exª traz hoje à tribuna do Senado algo da maior importância para a humanidade e especialmente para todos os povos que falam a língua portuguesa. Muitos brasileiros formaram o "Clamor por Timor". Frei João Xerri, prior dos dominicanos, e dezenas de pessoas já há anos têm acompanhado os esforços de Xanana Gusmão, líder timorense, e de todos aqueles, inclusive os laureados pelo Prêmio Nobel da Paz, que têm lutado pelos direitos de autodeterminação do povo timorense. É muito importante a fala de V. Exª. Gostaria de registrar que me inscrevi também para falar a respeito da importância de se respeitar o direito do povo do Timor Leste de definir a sua vontade política. Essa vontade foi com clareza expressa no referendo da última semana, cujos resultados mostraram que mais de 78% da população é a favor da independência em relação à Indonésia. É inadmissível que o governo da Indonésia, em vez de garantir os resultados, garantir a ordem, com forças de segurança que pudessem colocar ambos os lados, a favor e contra, de uma maneira a se respeitarem mutuamente, tenha permitido que uma milícia - grupo de pessoas armadas - atacasse aquelas pessoas que se manifestaram a favor da independência do Timor Leste. É inadmissível que até mesmo o bispo Carlos Ximenes Belo tenha sido forçado a abandonar a sua residência, o seu próprio país, a sua terra natal, onde, tendo sido consagrado bispo, resolveu escutar a voz do seu povo e, tendo percebido que ele queria lutar pela independência, terminou sendo um dos esteios dessa batalha. É muito importante que o Governo brasileiro tenha uma voz mais firme do que até agora vem adotando o Presidente Fernando Henrique Cardoso, o Ministro das Relações Exteriores para que se garanta o resultado desse

referendum no Timor Leste e não haja a violência contra aqueles que se manifestaram de forma democrática. Para nós, brasileiros, embora possa parecer distante o Timor Leste, quando percebermos e tomarmos consciência de como eles falam a nossa língua, apreciam a nossa música, a nossa literatura, a nossa cultura, de como tantos timorenses conhecem de perto as coisas do Brasil, é muito importante que venhamos a estreitar os laços de amizade com aquele povo. É preciso que se diga ao governo da Indonésia que respeite esse resultado, que não seja complacente com aqueles que querem impor um resultado que claramente não aconteceu, fazendo-o através da força bélica. Não podemos admitir que interesses econômicos minoritários estejam armando essas milícias contra o povo do Timor. Quero, portanto, cumprimentar V. Exª por estar trazendo esse tema tão significativo para os que amam a liberdade, a democracia, os direitos à cidadania na humanidade, hoje expressos na luta do Timor Leste, na luta de Xanana Gusmão* e de todos aqueles que estão ao seu lado.  

O SR. TIÃO VIANA (Bloco/PT - AC) - Senador Eduardo Suplicy, incorporo as palavras de V. Exª ao meu pronunciamento. Acredito que V. Exª , na hora de sua inscrição, continuará a falar sobre esse assunto, tendo em vista a grandeza e o conteúdo que tem sobre a história das liberdades universais.  

O Brasil inteiro deve refletir sobre o que está ocorrendo, pois é uma guerra baseada em posições, em divergências, incômodos de comportamento entre países, onde forças militares se dirigem para os confrontos, e o mundo observa tudo isso de uma maneira mais cuidadosa, mais zelosa.  

Crianças estão sendo vítimas de violências indescritíveis no Timor Leste, com cabeças cortadas, corpos queimados, fugindo através de cercas de arame farpado, tudo isso em função de uma guerra que não se sabe por que está ocorrendo, já que houve um acordo estabelecido e mediado pela Organização das Nações Unidas, com a anuência dos dois países: tanto pelo Timor Leste, um país em definição, como pela Indonésia, um país que detinha a propriedade, pois havia invadido aquela região.  

Não se trata de um acidente ou de uma bomba atingindo um hospital, como recentemente presenciamos na Iugoslávia. O que está ocorrendo, na verdade, é uma violência no meio da rua, com um clima de crueldade nunca visto nos últimos 20, 30 ou 40 anos. Talvez nem na Guerra do Vietnã se tenha visto a violência que está ocorrendo no Timor Leste.  

Portanto, faço um apelo ao Governo brasileiro no sentido de que se manifeste imediatamente sobre o assunto. Entendo que em um país onde há globalização não é possível que a ONU tenha que esperar 48 horas para tomar uma decisão efetiva de controle do que está ocorrendo no Timor Leste. A Organização das Nações Unidas tem poder para, em poucas horas, tomar a decisão de ocupar aquele país de maneira firme e determinada, a fim de garantir proteção às crianças, às mulheres, aos idosos e às pessoas que lutaram apenas para terem o direito de votar pela sua liberdade e pela sua autodeterminação.  

Muito obrigado, Sr. Presidente.  

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SEGUE DOCUMENTO A QUE SE REFERE O NOBRE SENADOR TIÃO VIANA EM SEU PRONUNCIAMENTO  

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à Ñ


Este texto não substitui o publicado no DSF de 09/09/1999 - Página 23465