Discurso no Senado Federal

SOLIDARIEDADE AO POVO DO TIMOR LESTE. (COMO LIDER)

Autor
Marina Silva (PT - Partido dos Trabalhadores/AC)
Nome completo: Maria Osmarina Marina Silva Vaz de Lima
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA INTERNACIONAL.:
  • SOLIDARIEDADE AO POVO DO TIMOR LESTE. (COMO LIDER)
Publicação
Publicação no DSF de 10/09/1999 - Página 24010
Assunto
Outros > POLITICA INTERNACIONAL.
Indexação
  • GRAVIDADE, SITUAÇÃO, VIOLENCIA, DESRESPEITO, PLEBISCITO, RELAÇÃO, LIBERDADE, PAIS ESTRANGEIRO, TIMOR LESTE.
  • COMENTARIO, OMISSÃO, GOVERNO ESTRANGEIRO, ESTADOS UNIDOS DA AMERICA (EUA), FALTA, SOLIDARIEDADE, PAIS ESTRANGEIRO, TIMOR LESTE.
  • DEFESA, AUMENTO, PARTICIPAÇÃO, BRASIL, CONGRESSO NACIONAL, SOLIDARIEDADE, PAIS ESTRANGEIRO, TIMOR LESTE, CRITICA, GOVERNO ESTRANGEIRO, INDONESIA.
  • DEFESA, LOBBY, BRASIL, OBJETIVO, DETERMINAÇÃO, FORÇA ESPECIAL, PAZ, ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS (ONU), DIREITOS HUMANOS, PAIS ESTRANGEIRO, TIMOR LESTE.

A SRª MARINA SILVA (Bloco/PT - AC. Como Líder. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, aproveitando a indagação do Senador Eduardo Suplicy, refiro-me ao conflito a que hoje estamos assistindo com muito pesar, após o plebiscito que deu vitória ao povo timorense em relação à sua liberdade. A vitória ocorreu com 78,5% de votos a favor da autonomia, liberdade e independência do Timor Leste contra 21,5% dos votos favoráveis à autonomia provincial daquele país - já o chamo de país, profetizando, se Deus quiser, a sua independência.  

Os conflitos que se desencadearam a partir do plebiscito são estarrecedores. Os meios de comunicação têm noticiado todas as atrocidades que ali vêm ocorrendo. Mas de mil pessoas já foram assassinadas após o plebiscito, inclusive jornalistas. O Bispo Carlos Ximenes Belo, Prêmio Nobel da Paz, teve que se evadir cladestinamente para a Austrália, usando nome falso. Só assim pôde proteger-se após a invasão de sua casa. Vários Srs. Senadores ontem se pronunciaram a esse respeito.  

Temos aqui vários requerimentos, entre eles o de voto de censura encaminhado pelo Senador Tião Viana e o do Senador Eduardo Suplicy, ao qual S. Exª se referiu agora, no sentido de que o Congresso Nacional Brasileiro, no caso o Senado Federal, acolha as recomendações enviadas pelo Presidente da Assembléia da República de Portugal, para que o Brasil assuma uma posição frente a essas atrocidades.  

E o que estamos sabendo hoje, Sr. Presidente, é que os Estados Unidos resolveram que, nesse episódio, eles não serão o xerife do mundo, não serão a polícia do mundo ou a salvaguarda do mundo, como gostam de se autodenominar. E sabemos que essa pseudoposição de altruísmo, ao renunciar ao seu poder, tem outro nome: omissão. Talvez mais do que omissão, isso se chama posição; posição de colocar acima da vida humana, da solidariedade, da ética, da justiça e da liberdade os seus interesses geopolíticos. Nesse momento, eles demonstram seu posicionamento: a de serem uma força que interfere ao seu bel-prazer, quando bem entendem. E a humanidade está a exigir a solidariedade de quem pode prestá-la de fato e não apenas o enternecimento, a indignação, não apenas o que cada pessoa pode sentir quando assiste cenas degradantes da condição humana e da violência que ali vem sendo praticada, mas de quem pode, efetivamente, fazer alguma coisa, como o envio da Força de Paz que a ONU pode mandar e da qual o Brasil deve participar, até porque temos uma identificação histórica, temos uma identificação com a língua falada. Um jornalista português, Aurélio Moreira, escreveu que os jornais brasileiros estão dando muito pouca informação, estão dando pouca visibilidade às atrocidades que estão ocorrendo no Timor Leste. Lá, as pessoas que estão sendo massacradas e assassinadas, quando sentem a dor, falam e gritam em língua portuguesa. Algumas foram assassinadas e morreram rezando o Pai Nosso em língua portuguesa. Isso já é mais do que suficiente para que o Brasil assuma uma posição em relação ao que está acontecendo no Timor Leste.  

Sr. Presidente, como tenho apenas cinco minutos e muito do que iria dizer já foi dito por outros colegas, eu queria ressaltar também que medimos a grandeza do forte pela forma como ele trata o fraco. A Indonésia, a quarta população do planeta, com 210 milhões de habitantes, enfrenta o pequeno Timor Leste, em território, com uma população reduzida pelos massacres, e aí poderíamos, pelo olhar da aparência, dizer quem é o fraco nesta relação desmedida entre a força da Indonésia e o povo do Timor Leste. Se olharmos pelos olhos da aparência, vamos perceber que, talvez, por tudo que ali está acontecendo, pelas brutalidades, pelas perdas morais, físicas, culturais, humanas, pelas perdas que estão hoje sendo vivenciadas, principalmente no que se refere à insegurança em que as pessoas vivem, pelo medo de ser o que são, hoje, no Timor Leste, o fraco seria o povo timorense; mas, se olharmos pelos olhos do coração, da alma e da essência, poderemos perceber que fracos são aqueles que estão oprimindo esse povo, fraca é exatamente a Indonésia, porque ela talvez tenha perdido o elo com a humanidade, talvez tenha perdido o elo com o seu semelhante e massacra aquele povo por interesses econômicos, talvez pelo petróleo existente no Timor.  

Essa é a fraqueza do povo da Indonésia, e é contra essa fraqueza que o Brasil, como força concreta, tem que tomar uma posição, porque essa fraqueza pode nos fazer fracos também diante da nossa condição humana. Quando nos solidarizamos com o povo do Timor Leste talvez a solidariedade não seja apenas com o povo timorense. A solidariedade seja acima de tudo entre nós mesmos, porque se não formos mais capazes de nos indignarmos, se não formos mais capazes de nos revoltarmos com esse tipo de procedimento, estaremos perdendo o sentido da essência humana.  

É por isso que as respostas que podem sair daqui, Sr. Presidente, são a aprovação pelo Congresso Nacional das singelas medidas que aqui estão postas, mas que têm um sentido e um significado político; são nas ações do Governo brasileiro, que não pode ficar perdido em palavreados diplomáticos e não assumir uma posição.  

Fiquei feliz, hoje, ao ouvir do Ministro Lampreia que o Brasil assumirá uma posição caso a ONU mande uma força de paz. Mas é fundamental que haja uma pressão para que essa força de paz ocorra - pelas razões que falei anteriormente - e que os Estados Unidos, neste momento, coloque a defesa dos direitos humanos acima do seus interesses geopolíticos.  

Sr. Presidente, como tenho apenas cinco minutos para fazer este meu breve pronunciamento, concluo dizendo também que nos enternecemos com o massacre que ocorre em outras regiões, a exemplo do que ocorreu em Kosovo. Mas, muitas vezes, temos os nossos pequenos Kosovos e os nossos pequenos Timor Leste, quando os índios são massacrados, as pessoas também são massacradas nas nossas favelas, e o nosso enternecimento, às vezes, não ocorre. Há uma posição de alheamento que não podemos permitir.  

Em nome da solidariedade humana, da defesa dos direitos humanos, para não perdermos o elo com os nossos semelhantes e não afrontarmos o maior dos ensinamentos em todas as religiões que confessam a Deus, que é o amor, que façamos algo de concreto, pelo Congresso Nacional e pelo Governo brasileiro, em solidariedade a um povo que hoje se coloca, talvez, como um dos elos mais fortes da civilização, que não perdeu o sentido de vida na defesa da liberdade e na busca da felicidade. E por ser um país pequeno em tamanho e população, é grandioso pelo que representa como força humana e capacidade de ainda viver sonhos.  

 


Este texto não substitui o publicado no DSF de 10/09/1999 - Página 24010