Discurso no Senado Federal

CONSIDERAÇÕES SOBRE O DESMATAMENTO E A BIODIVERSIDADE DA AMAZONIA, E A POSSIBILIDADE DE SUA OCUPAÇÃO POR FORÇAS EXTERNAS, DESTACANDO A IMPORTANCIA DE UM PROJETO DE DESENVOLVIMENTO PARA A REGIÃO.

Autor
João Alberto Souza (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/MA)
Nome completo: João Alberto de Souza
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
DESENVOLVIMENTO REGIONAL.:
  • CONSIDERAÇÕES SOBRE O DESMATAMENTO E A BIODIVERSIDADE DA AMAZONIA, E A POSSIBILIDADE DE SUA OCUPAÇÃO POR FORÇAS EXTERNAS, DESTACANDO A IMPORTANCIA DE UM PROJETO DE DESENVOLVIMENTO PARA A REGIÃO.
Publicação
Publicação no DSF de 10/09/1999 - Página 24034
Assunto
Outros > DESENVOLVIMENTO REGIONAL.
Indexação
  • ANALISE, GRAVIDADE, SITUAÇÃO, DESMATAMENTO, DESTRUIÇÃO, BIODIVERSIDADE, POSSIBILIDADE, INVASÃO, FORÇAS ESTRANGEIRAS, REGIÃO AMAZONICA.
  • CRITICA, DECISÃO, BRASIL, AUTORIZAÇÃO, EMPRESA ESTRANGEIRA, EXPLORAÇÃO, MADEIRA DE LEI, AGRAVAÇÃO, PROBLEMA, DESMATAMENTO, REGIÃO AMAZONICA.
  • ELOGIO, PRETENSÃO, GRUPO DE TRABALHO, ORGANIZAÇÃO NÃO-GOVERNAMENTAL (ONG), OBJETIVO, DISCUSSÃO, PROBLEMA, REGIÃO AMAZONICA, CONCLAMAÇÃO, ATENÇÃO, SOCIEDADE, CONHECIMENTO, SITUAÇÃO, NECESSIDADE, SOLUÇÃO, NATUREZA, POPULAÇÃO, REGIÃO.
  • DEFESA, POLITICA DE DESENVOLVIMENTO, REGIÃO AMAZONICA.
  • APOIO, ATUAÇÃO, JOSE SARNEY FILHO, MINISTRO DE ESTADO, MINISTERIO DO MEIO AMBIENTE (MMA), COLABORAÇÃO, SOLUÇÃO, PROBLEMA, REGIÃO AMAZONICA.

O SR. JOÃO ALBERTO SOUZA (PMDB-MA) - Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, falar da Amazônia de há muito tornou-se quase que um lugar comum. A imprensa nacional e internacional, cientistas e ecologistas, indigenistas e religiosos, biólogos e laboratórios farmacêuticos, garimpeiros e madeireiros, guerrilheiros e traficantes de droga, pecuaristas e plantadores de soja, governos e organizações não governamentais, todos os setores se manifestam sobre a Amazônia ou agem na área. Uns perseguem interesses específicos e restritos, outros preocupam-se com as conseqüências que poderão advir de uma exploração inadequada. Alguns defendem um desenvolvimento abrangente e genérico, outros, muitos, apontam para um cenário de apocalipse no futuro.  

O fato é que a questão amazônica não tem deixado ninguém indiferente. A Amazônia encontra-se no olho de um furacão, movimentado em nossos dias particularmente por três ventanias, todas fonte de acaloradas discussões.  

A primeira dessas ventanias é constituída da questão do desmatamento, uma realidade especialmente visível nos dias presentes, embaçados pela fumaça das queimadas que rugem em todos os quadrantes. Não há dúvida de que a mata está sendo agredida e destruída e, o que é mais preocupante, em grande parte à margem da lei e de qualquer plano sério de exploração para o desenvolvimento e a permanência.  

Esse fato se tem agravado recentemente, após a autorização dada pelo Brasil a empresas estrangeiras exploradoras de madeira de lei. Essas empresas, com capacidade financeira, com equipamentos e técnicas de corte bem mais eficientes do que as das tradicionais madeireiras brasileiras, com a mesma ou até maior disposição predatória, como mostra a sua pregressa e tenebrosa ação em outras terras, estão acelerando a devastação ambiental na região. Hoje, perto de 90 % da exportação de madeira da Amazônia é área de domínio de empresas estrangeiras. De acordo com dados constantes em relatório da Greenpeace e noticiados pela imprensa, existem atualmente "17 companhias, parcialmente ou totalmente controladas por estrangeiros, que praticam exploração ilegal de madeira" (Jornal de Brasília, 18 de agosto de 1999).  

É claro que o problema não pode ser atribuído apenas às madeireiras estrangeiras. Os principais incentivadores da devastação da floresta amazônica são brasileiros. De acordo com dados divulgados pela organização inglesa Amigos da Terra, 86 % da madeira extraída dessa região são consumidos pelo mercado interno. Apenas 14 % são exportados.  

Ao se instalarem no Brasil, as madeireiras estrangeiras incorporaram rapidamente os métodos já praticados por aqui para burlar a fiscalização: atuar nas áreas onde o Estado ainda não chegou. O Estado faz-se presente nos pontos de saída da madeira, onde pode atuar de forma minimamente eficiente, uma vez que, antes do embarque, mais eficientemente já atuou a corrupção, intensificada após a chegada dos dólares.  

Outra forma tradicional de burlar a legislação é a contratação de pequenos madeireiros locais - posseiros, índios, garimpeiros, mateiros "laranjas" - que agem na ilegalidade e formam o que é denominado de "exército de cupins da Amazônia", hoje calculado em 300 mil pessoas. São esses "cupins" os que executam o serviço sujo e arriscado de derrubar as árvores em áreas proibidas, produto que, depois, é "esquentado" e passa nos postos de controle como se tivesse sido extraído de regiões liberadas.  

Segundo evidências colhidas por diferentes entidades ambientalistas e informadas à imprensa, aproximadamente 80 % dos pontos de desmatamento são causados por esses "cupins". Cerca de 60 % do que eles extraem são comprados pelas madeireiras estrangeiras. Fazendo referência a relatório da Secretaria de Assuntos Estratégicos, o Estado de São Paulo, no dia 12 de julho do ano em curso, afirma que aproximadamente "... 30 milhões de metros cúbicos de madeira extraída ilegalmente foram enviados ao exterior, desrespeitando os Planos de Manejo Florestal exigidos pelo IBAMA".  

Outro setor que tem suscitado grande preocupação diz respeito à potencialidade da natureza da Amazônia no campo da farmacologia. Não é de agora que ilustres parlamentares desta Casa têm expressado preocupação para com esse assunto. Entre nós, já é do conhecimento geral o problema da "biopirataria".  

O médico holandês Von Martius, no século XIX, ao percorrer as florestas da Amazônia, catalogando plantas e índios, afirmou que "a mata é a farmácia".  

Na verdade, não se faz idéia do quanto já foi pirateado das florestas amazônicas no setor de fitoterapia cujo conhecimento, primitivo e elementar, mas eficiente, era e é de domínio dos índios, dos caboclos, dos ribeirinhos, dos habitantes, enfim, dessa região.  

No século dezessete, os índios brasileiros já conheciam mais de 3 mil plantas com propriedades terapêuticas, enquanto que, nas farmácias da Europa, nesse mesmo tempo, só havia 40 remédios diferentes. É famoso o caso do remédio chamado Triaga brasílica , um preparado de ervas de amplo espectro e "pronto efeito", cujo segredo de preparação, guardado como tesouro pelos missionários Jesuítas, acabou indo para o Velho Continente quando da expulsão dos membros da ordem pelo Marquês de Pombal.  

Infelizmente, esse é um campo ainda desconhecido pelos pesquisadores brasileiros. Até o presente, não obstante a biodiversidade amazônica, apenas cinco plantas foram analisadas para fins terapêuticos, entre elas a quebra-pedra e a espinheira santa. Mesmo assim, nunca foram realizados entre nós os chamados "ensaios clínicos" - testes com seres humanos para confirmar os efeitos esperados. "O Brasil jamais investiu seriamente em testes clínicos dessas plantas, assim como nunca se trabalhou em uma pesquisa associada entre antropologia e farmacologia", afirma Frederico Arruda, biólogo e professor da Universidade do Amazonas e superintendente do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Renováveis - IBAMA - em Anavilhanas, no rio Negro.  

Por fim, Senhor Presidente, Senhoras e Senhores Senadores, a terceira ventania é a que se refere a uma possível ocupação da Amazônia por forças externas, para defender pretensos interesses da humanidade. À primeira vista, soa absurda uma tal eventualidade, mas, historicamente, a ética no relacionamento entre os povos tem sido suplantada por absurdos. Os critérios que justificam a arrogância de alguém assumir o papel de polícia do mundo certamente não primam pelo respeito a tratados e à democracia e ninguém é suficientemente imune a contaminações quando se trata de interesses particulares, de indivíduos, de coletividades ou de países. A narcoguerrilha, o tráfico da droga do Peru, cuja rota atinge o norte do País, a devastação da Amazônia podem justificar à saciedade a perpetuação de mais um absurdo. São prova dessa possibilidade afirmações como a de um general norte-americano, ligado à central de informações das forças armadas desse país, no Instituto de Tecnologia de Massachussetts, segundo o qual, caso o Brasil resolva fazer algum tipo de uso da Amazônia "que ponha em risco o meio ambiente nos EUA, temos que estar prontos para interromper esse processo imediatamente" (Jornal de Brasília, 10 de agosto de 1999).  

Senhor Presidente, Senhoras e Senhores Senadores, as três questões aqui mencionadas fazem parte de uma realidade triste, porque são decorrentes de uma abordagem não condizente com o que a Amazônia é e pode ser para o Brasil e para a humanidade.  

Alegro-me sobremaneira quando leio que o Grupo de Trabalho Amazônico - GTA, constituído de 430 organizações não governamentais voltadas para a discussão dos problemas da região, pretende comemorar os 500 anos do descobrimento, chamando a atenção da sociedade para um "novo olhar" sobre a Amazônia. Um novo olhar visando não apenas a uma pura e simples informação, mas a um conhecimento sólido de sua realidade e necessidades e dos caminhos mais consentâneos e eficientes para a solução dos problemas da natureza e dos 17 milhões de pessoas que lá vivem.  

Tenho certeza de que nenhum programa de desenvolvimento da Amazônia terá êxito sem o envolvimento das comunidades lá existentes. A salvação da Amazônia, entendendo por desenvolvimento respeito às peculiaridades de sua natureza, progresso e bem-estar para o povo, alicerça-se nas forças endógenas. Fora desse horizonte, repetir-se-ão os fatores do Brasil colônia, tempo em que os portugueses vinham a uma terra exótica com o objetivo de enriquecer e voltar para Portugal.  

Ao País cabe ter um projeto para a Amazônia. Um projeto promotor do seu desenvolvimento, envolvendo capacitação dos seus recursos humanos, domínio de informação sobre seus recursos naturais, tanto em termos de riqueza quanto em termos de sua fragilidade e rapidez de esgotamento, instrumentalização para que os nucleamentos naturais progridam com segurança, permanência no tempo, sabedoria na exploração e consciência ecológica.  

Um passo importante é o que vem sendo feito por meio das ações relacionadas à implantação do Sistema de Proteção e Vigilância da Amazônia - SIVAM, um vasto programa de implantação de infra-estrutura de meios técnicos e operacionais destinados a coletar, processar e produzir dados de interesse específico; integrar, gerar, atualizar, avaliar e difundir conhecimentos, processar informações e comunicar. É necessário, no entanto, que tal sistema não seja mais uma ação vinda de fora, executada à margem das forças da região, as verdadeiras forças de sustentação e continuidade no processo de desenvolvimento.  

Outras iniciativas importantes sem dúvida serão implementadas, por exemplo, na área do meio ambiente, cujo Ministério, dirigido pelo eminente Ministro Sarney Filho, homem de visão realista e segura em termos das potencialidades da Amazônia no campo da ecologia. Faço votos e expresso meu apoio para que sua ação à frente do Ministério seja profícua, conforme é seu desejo de bem servir e colaborar na solução dos problemas que dificultam os dias atuais no campo do desenvolvimento adequado da região.

 

Lembro também a atuação da Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia - SUDAM, criada com abrangentes horizontes para o progresso da Amazônia Legal, em cujos limites está compreendida também grande parte do meu Estado do Maranhão. A SUDAM, aos poucos, foi perdendo forças, chegando a uma situação de quase impotência. Acredito, no entanto, que sua dinamização, com base nos conhecimentos adquiridos sobre a área durante anos de atuação e estudos, é de grande importância para o contexto da problemática que está a exigir projetos e ações consentâneos com a especificidade da Amazônia, em benefício do Brasil e do mundo. Seria uma resposta a dar aos reclamos internacionais relativamente ao pouco interesse de que é acusado o País em relação às necessidades dessa região.  

Respeitados esses princípios, certamente, o "novo olhar" sobre a Amazônia terá condições de ser proposta nova e de prosperar, no respeito às especificidades da região.  

Era o que desejava dizer.  

Muito obrigado.  

 


Este texto não substitui o publicado no DSF de 10/09/1999 - Página 24034