Discurso no Senado Federal

ENTUSIASMO COM O TRABALHO DESENVOLVIDO PELA COMISSÃO MISTA DESTINADA A REALIZAR ESTUDOS E PROPOR MEDIDAS PARA A ERRADICAÇÃO DA POBREZA E DA MISERIA. REPUDIO A DECISÃO DO MINISTERIO DA PREVIDENCIA E ASSISTENCIA SOCIAL DE CANCELAR APOSENTADORIAS DE TRABALHOS RURAIS.

Autor
Nabor Júnior (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/AC)
Nome completo: Nabor Teles da Rocha Júnior
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA SOCIAL. PREVIDENCIA SOCIAL.:
  • ENTUSIASMO COM O TRABALHO DESENVOLVIDO PELA COMISSÃO MISTA DESTINADA A REALIZAR ESTUDOS E PROPOR MEDIDAS PARA A ERRADICAÇÃO DA POBREZA E DA MISERIA. REPUDIO A DECISÃO DO MINISTERIO DA PREVIDENCIA E ASSISTENCIA SOCIAL DE CANCELAR APOSENTADORIAS DE TRABALHOS RURAIS.
Aparteantes
Heloísa Helena.
Publicação
Publicação no DSF de 14/09/1999 - Página 24236
Assunto
Outros > POLITICA SOCIAL. PREVIDENCIA SOCIAL.
Indexação
  • COMENTARIO, IMPORTANCIA, CRIAÇÃO, TRABALHO, COMISSÃO ESPECIAL, PRESIDENCIA, MAGUITO VILELA, SENADOR, REALIZAÇÃO, ESTUDO, PROPOSIÇÃO, PROVIDENCIA, ERRADICAÇÃO, POBREZA, MISERIA, FOME, PAIS.
  • REPUDIO, DECISÃO, MINISTERIO DA PREVIDENCIA E ASSISTENCIA SOCIAL (MPAS), CANCELAMENTO, APOSENTADORIA, TRABALHADOR RURAL, EXIGENCIA, APRESENTAÇÃO, DOCUMENTO, COMPROVAÇÃO, TRABALHO, ZONA RURAL.
  • COMENTARIO, AUSENCIA, MANIFESTAÇÃO, ORGÃO TECNICO, MINISTERIO DA PREVIDENCIA E ASSISTENCIA SOCIAL (MPAS), EXAME, PROJETO DE LEI, AUTORIA, ORADOR, PROPOSIÇÃO, ALTERNATIVA, TRABALHADOR RURAL, REGULARIZAÇÃO, SITUAÇÃO, TRABALHO, ZONA RURAL.
  • DEFESA, DIREITOS, TRABALHADOR RURAL, ESPECIFICAÇÃO, TRABALHADOR, BORRACHA, REGIÃO AMAZONICA, RECEBIMENTO, APOSENTADORIA.

O SR. NABOR JÚNIOR (PMDB - AC. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o combate à miséria e à pobreza no Brasil é um dos temas que têm sido objeto nacional, nos últimos tempos, de debates nesta Casa e na imprensa, com repercussões nos trabalhos do Congresso Nacional, onde se abriram espaços para a apresentação de projetos que visam erradicar ou minimizar os efeitos daquelas chagas sociais, cujos reflexos mais graves atingem a população carente do nosso País.  

Com essa finalidade, o próprio Senador Antônio Carlos Magalhães, Presidente do Senado e do Congresso Nacional, apresentou recentemente, logo após o encerramento do recesso de julho, uma proposição bastante discutida - elogiada por uns e contestada por outros.  

Já estão tramitando nas duas Casas do Poder Legislativo diversas outras proposições e, para propiciar maiores celeridade e eficácia na apreciação do assunto, foi instituída uma Comissão Especial para, sob a Presidência do Senador Maguito Vilela, identificá-las e dar-lhes tratamento idêntico. Vê-se, portanto, que essa é uma preocupação dos homens públicos e da sociedade, de um modo geral: adotar medidas efetivas e decisivas, na luta contra a fome e a miséria, cancros sociais que atingem cerca de quarenta milhões de brasileiros.  

É deveras gratificante, a constatação de que o assunto vem sendo tratado com empenho e seriedade, no âmbito congressual e nos mais diversos setores da sociedade brasileira.  

Há poucos instantes, V. Exª, Senador Luiz Otávio, estava ocupando a tribuna enquanto eu presidia os trabalhos desta Sessão – e se reportava ao fato de que aqui em Brasília estava surgindo uma nova cidade, com duas mil casas, em apenas quinze dias. Regimentalmente impossibilitado de então aparteá-lo, venho agora esclarecer, para conhecimento de todos, que isso é fruto de uma invasão de famílias pobres, oriundas da zona rural de diversos Estados, que vêm tentar a vida no Distrito Federal.  

Essas pessoas chegam aqui e invadem áreas públicas; em quinze dias, montam os seus barracos, da maneira mais precária possível. Não há como esperar construções regulares e legais, financiadas pela Caixa Econômica Federal, ou por programas voltados ao fornecimento de casa própria às faixas mais pobres da cidadania. Nelas não encontramos instalações sanitárias, porque são apenas pobres e precaríssimos barracos de lona, papelão ou madeirite, como a televisão mostrou na semana passada. É mais um obstáculo para o Governo do Distrito Federal, que, todavia, dificilmente poderá ir além da prestação de assistência social às famílias nele envolvidas, como fez no passado recente, criando diversas cidades satélites para abrigar esses invasores.  

Mais do que um mero problema habitacional, esse quadro denota a explosão dos níveis de desemprego e a conseqüente falta de renda familiar. A miséria e a fome vêm afetar, ainda mais, nosso precário tecido social. Os migrantes que chegam a Brasília saem de lugares próximos ou distantes, quase sempre de zonas rurais dos Estados de Goiás, Mato Grosso, Bahia, Minas Gerais e das regiões Norte e Nordeste. A primeira providência é conseguir espaço onde possa construir um barraco; depois, correr atrás do emprego que ofereça condições de dar sustento à família.  

Na esteira do problema está, como se observa, a miséria existente no interior e nos grotões do Brasil, pela ausência de emprego e renda para sua população. Por isso, causa-me estranheza a atitude tomada pelo Ministério da Previdência e Assistência Social, que vai agravar ainda mais o quadro de miséria naquelas regiões, com o cancelamento de milhares e milhares de aposentadorias concedidas a trabalhadores, que passaram 40 ou 50 anos de suas vidas dedicados a atividades rurais.  

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, sabemos que o antigo Funrural pagava ao trabalhador rural uma aposentadoria correspondente a meio salário mínimo, quando ele completava 60 anos de idade e, no caso das mulheres, 55 anos. Mais tarde, promulgada a Constituição vigente e definida a sua legislação complementar, esse benefício passou a ser de um salário mínimo e ganhou, assim, contornos de mecanismo de distribuição de renda – uma renda que vai além da pessoa do titular, porque significa a sobrevivência de sua família e a única fonte confiável de recursos que circula em milhares de pequenas comunidades no interior do País.  

O Presidente Fernando Henrique Cardoso, na sua recente visita ao Acre, deu força a essa interpretação, quando declarou que o pagamento de aposentadoria aos trabalhadores rurais e aos chamados "Soldados da Borracha" era "uma efetiva forma de distribuição de renda no País".  

"Soldados da Borracha" são antigos trabalhadores, recrutados no Nordeste pelo Governo brasileiro para reativar os seringais da Amazônia, que hoje, envelhecidos e doentes, recebem uma pensão mensal de dois salários mínimos. Essa pensão foi assegurada pela emenda que inseri na Constituição de 1988, em reconhecimento à expressiva contribuição dada ao Brasil por aqueles desbravadores, viabilizando o cumprimento do acordo celebrado com as nações aliadas para produzir borracha nos seringais da Amazônia e, assim, atender às necessidades do esforço de guerra contra o nazi-fascismo.  

No entanto, agora, vem o Ministério da Previdência e Assistência Social determinar às suas superintendências ou representações regionais que cancelem as aposentadorias daqueles trabalhadores que não comprovarem, por intermédio de documentação reconhecida pela burocracia, a sua condição de trabalhador rural ou de ex-soldado da borracha. Ora, até o próprio Presidente da República reconhece que essa aposentadoria é uma maneira de distribuição de renda – indo, assim, ao encontro de iniciativas como a do Senador Eduardo Suplicy, autor de um Projeto de Renda Mínima para as populações carentes.  

Sr. Presidente, não podemos aceitar passivamente a decisão do Ministério da Previdência, de mandar cancelar milhares, talvez milhões de aposentadorias, de trabalhadores rurais que não tiveram condições de apresentar documentos capazes de comprovar o fato de terem trabalhado na zona rural.  

Os tecno-burocratas, cumprindo decisões do Ministério, exigem, por exemplo, que o trabalhador rural apresente uma nota fiscal fornecida por algum comerciante que lhe tenha vendido mantimentos ou utensílios usados no seu trabalho. Ora, sabemos que no interior, principalmente na Amazônia, nenhum vendedor fornece nota fiscal ou recibo de quitação de qualquer pagamento. E fica ainda mais difícil imaginar que isso fosse possível ou rotineiro há 20, 30, 40, 50 anos. Mais ainda, é absurdo exigir que pessoas tão simples, de poucos conhecimentos e nenhuma formação administrativa, guardassem por meio século papéis de valor desconhecido.  

Esses trabalhadores, na maioria das vezes, compravam de atravessadores os bens e as mercadorias que eles não produziam nas suas colônias ou seringais. E o atravessador, a quem na Amazônia chamamos de "marreteiro", não fornece nota fiscal, porque nem comerciante organizado ele é.  

Os soldados da borracha, por exemplo, foram para a Amazônia no início da década de 40, a fim de ocupar os seringais nativos, então praticamente desabitados. Entre eles, os que, porventura, um dia tiveram documentação que comprove esse fato, muito dificilmentemente ainda a terão hoje, cinqüenta anos depois.  

Sr. Presidente, a maioria dos Municípios do Estado do Acre está naquela condição que citei há pouco, dos que têm sua economia baseada na renda de trabalhadores aposentados pelo Funrural e antigos "Soldados da Borracha", além dos funcionários ainda na ativa dos governos federal, estadual e municipais.  

Não se pode admitir que a União, agora, mande cancelar esse direito – mas é o que está ocorrendo, por exemplo, no Município de Cruzeiro do Sul, de onde recebi ontem uma denúncia de que mais de 500 trabalhadores rurais já tiveram suas aposentadorias anuladas pelo Ministério da Previdência e Assistência Social.  

A Srª Heloisa Helena (Bloco/ PT - AL) - V. Exª me concede um aparte?  

O SR. NABOR JÚNIOR (PMDB - AC) - Concedo um aparte à nobre Senadora Heloisa Helena.  

A Srª Heloisa Helena (Bloco/PT - AL) - Senador Nabor Júnior, compartilho com a indignação de V. Exª, neste debate de fundamental importância. No Nordeste, vivenciando essa mesma situação. E o que é mais grave, Senador, é que o próprio Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada - IPEA -, órgão ligado à Secretaria de Avaliação e, por conseguinte, ligado tanto ao Ministério do Orçamento quanto ao da Fazenda, que trabalham todos esses dados, já identificaram que em milhares Municípios — como bem V. Exª disse — a única fonte de dinamização da economia local são as aposentadorias. Isso não somos nós que estamos dizendo. Os dados e as frias estatísticas oficiais demonstram que em milhares de famílias e várias cidades do Brasil, a forma de dinamização da economia local - isso já demostrado, em todos os ciclos, de que quando se paga a aposentadoria como se modifica o comércio e como as pessoas passam a vender. Imaginem o que significa para um trabalhador rural a exigência que ele apresente uma nota fiscal de dois anos atrás pela compra de uma enxada, por exemplo, que ele comprou na feira. O mesmo se aplica para qualquer um de nós, caso precisemos apresentar uma nota fiscal da compra de um livro para os nossos filhos realizada há um ou dois anos! Nobre Senador Nabor Júnior, ao compartilhar - repito - com o pronunciamento de V. Exª, espero realmente que o Governo Federal e a Previdência tenham sensibilidade em relação à essa questão absolutamente inadmissível, ou seja, estaremos praticando um crime, nós e o Governo Federal, praticando essa medida. V. Exª sabe que, cada vez mais, se existem mecanismos de corrupção que foram viabilizados em algumas aposentadorias, que eles sejam combatidos, sejam contidos, que se possam estabelecer mecanismos de avaliação constantes para impedir aposentadorias fraudulentas... com tudo isso concordamos. Agora, o que não pode - é o justo paga pelo pecador -, são milhares de famílias ficarem na rua da amargura em função de uma medida como essa. Muito obrigada..

 

O SR. NABOR JÚNIOR (PMDB - AC) – Quem agradece sou eu, reconhecendo a oportunidade do aparte de V. Exª, porque suas palavras seguem a linha do meu raciocínio, no que diz respeito ao cancelamento dessas aposentadorias.  

E o mais grave, Senadora, é estarmos tratando de pessoas que vinham percebendo os benefícios há 5, 10, até 15 anos! Pessoas legalmente habilitadas perante as agências previdênciárias, que ali apresentaram as provas e os documentos então exigidos. É óbvio que eles não pagavam a contribuição à Previdência Social não por sua culpa, mas devido à inexistência de estruturas adequadas para o seu recolhimento.  

Permitam-me dar ênfase ao terrível drama social que paira sobre pessoas que hoje têm 70, 80 anos de idade, incapazes de reiniciar a vida, de exercer qualquer outra atividade que possa oferecer as condições mínimas para a sua sobrevivência e de sua família; idosos doentes e fisicamente debilitados, que utilizam metade desses recursos na compra de medicamentos. É, portanto, uma grande insensibilidade vir agora o Ministério da Previdência e cancelar essas aposentadorias, alegando apenas "falta de documentação adequada".  

Isso não tem cabimento!  

Objetivando solucionar a questão, procurei o Ministro Waldeck Ornelas, que me sugeriu a apresentação, através de um projeto de lei, de alternativas para que essas pessoas pudessem regularizar suas situações, perante as novas normas. Assim fiz e tive, ainda, a cautela de submeter o texto ao exame dos órgãos técnicos do MPAS – porém, até agora, decorridos vários meses, não houve qualquer manifestação a respeito.  

Afinal de contas, para que serve a Previdência Social? Esse mecanismo - o mais diretamente incumbido da assistência do Estado à velhice, ao inválido, ao trabalhador exaurido em seu potencial – não pode ser um mero extrato contábil, igualando os trabalhadores protegidos pelos grandes sindicatos e os ignorados pioneiros das regiões mais distantes ou mais pobres da Pátria. É também obrigação intrínseca da Previdência oficial resolver questões sociais como o amparo àqueles que trabalharam, silenciosa e diuturnamente, para fazer a grandeza territorial e a prosperidade econômica deste país.  

Entre esses, temos de destacar os trabalhadores rurais, os seringueiros que na Amazônia, durante a Segunda Guerra Mundial, foram decisivos para o cumprimento, pelo Brasil, do acordo celebrado com os Estados Unidos, produzindo borracha em níveis capazes de suprir as necessidades das nações aliadas, duramente atingidas quando os seringais plantados pelos ingleses na Malásia caíram em poder dos países nazi-fascistas, no auge da II Guerra Mundial. E não me canso de expressar a mais profunda revolta, ao ver que, depois de trabalharem durante tanto tempo, esses heróis têm suas minguadas aposentadorias canceladas pelo INSS.  

Ora, Sr. Presidente, somos reconhecidos aos nossos pracinhas, que tão bravamente se destacaram nos campos de batalha da Itália. Agora mesmo estive naquele país, onde as tropas brasileiras combateram e venceram o nazi-fascismo. Seu esforço e seu patriotismo foram reconhecidos pela Constituição de 1946, que lhes assegurou vantagens pecuniárias importantes, mais tarde confirmadas por outra Constituinte, a de 1988. Até mesmo aqueles que, no grande conflito, serviram à Pátria sem deixar seu litoral, viram-se contemplados; os comandantes e os práticos dos navios da nossa marinha mercante também tiveram o reconhecimento da Nação, recebendo expressivas aposentadorias e pensões.  

Por que, então, não dar o mesmo tratamento aos outros soldados, os que lutaram no front interno da Amazônia, nas mais inóspitas condições, para que o Brasil cumprisse o acordo internacional com os Estados Unidos? Por que, depois de tanta luta, tantos sacrifícios, estão tendo suas pequenas aposentadorias canceladas?  

Vou concluir, Sr. Presidente, ressaltando a contradição dessa atitude insensível e discriminatória, justamente numa fase da vida nacional em que todas as suas forças se empenham em erradicar a miséria e a pobreza e também criar um programa de renda mínima para a população carente.  

É preciso que o Ministério da Previdência e Assistência Social resolva de forma definitiva essa questão da aposentadoria dos trabalhadores rurais e dos soldados da borracha. Se isso não acontecer, jogará na rua da amargura milhares de brasileiros, pelo interior afora do nosso País – gente que gastou a última gota de sua vitalidade na luta pela integração, o progresso e a afirmação do Brasil.  

Era o que tinha a dizer, Sr. Presidente.  

Muito obrigado.  

 

ö ®


Este texto não substitui o publicado no DSF de 14/09/1999 - Página 24236