Discurso no Senado Federal

COMENTARIO SOBRE A CONJUNTURA POLITICO-ECONOMICA BRASILEIRA, DESTACANDO ASPECTOS POUCO PROMISSORES DO PLANO PLURIANUAL.

Autor
José Eduardo Dutra (PT - Partido dos Trabalhadores/SE)
Nome completo: José Eduardo de Barros Dutra
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO.:
  • COMENTARIO SOBRE A CONJUNTURA POLITICO-ECONOMICA BRASILEIRA, DESTACANDO ASPECTOS POUCO PROMISSORES DO PLANO PLURIANUAL.
Publicação
Publicação no DSF de 11/09/1999 - Página 24081
Assunto
Outros > GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO.
Indexação
  • COMENTARIO, SITUAÇÃO, ECONOMIA, PAIS, AUMENTO, DIVIDA INTERNA, DESEMPREGO, MISERIA, POBREZA.
  • COMENTARIO, POSSIBILIDADE, INEFICACIA, APLICAÇÃO, PLANO PLURIANUAL (PPA), AUTORIA, FERNANDO HENRIQUE CARDOSO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, IMPOSSIBILIDADE, CONCILIAÇÃO, ESTABILIDADE, ECONOMIA, BUSCA, DESENVOLVIMENTO, SOLUÇÃO, PROBLEMAS BRASILEIROS.
  • CRITICA, INDICAÇÃO, ALCIDES TAPIAS, EMPRESARIO, PARTICIPAÇÃO, ATIVIDADE, BANCOS, EMPRESA.
  • CRITICA, BANCO NACIONAL DO DESENVOLVIMENTO ECONOMICO E SOCIAL (BNDES), INAPLICAÇÃO, RECURSOS FINANCEIROS, FINANCIAMENTO, PEQUENA EMPRESA, MEDIA EMPRESA, APOIO, SOLUÇÃO, DESEMPREGO.

O SR. JOSÉ EDUARDO DUTRA (Bloco/PT - SE. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador) - Sr. Presidente, Srªs Senadoras e Srs. Senadores, eu havia resolvido não fazer pronunciamento no dia de hoje. Entretanto, senti-me entusiasmado porque estou com a sensação de estar numa reunião do PT com a participação especial do nobre Senador Pedro Simon.  

Passo, então, a tecer alguns comentários não apenas sobre a nossa conjuntura político-econômica como também sobre o pronunciamento do nobre Senador Lauro Campos e parte do pronunciamento do nobre Senador Pedro Simon - pelo menos a parte a que tive oportunidade de assistir.  

O Governo, talvez para responder à Marcha dos 100 Mil, resolveu convocar a Marcha dos 500, que acompanhou o lançamento do Plano Plurianual, batizado de "Avança Brasil". Creio que o nome mais adequado seja "Agora Vai", porque essa tem sido a prática desse Governo neste ano. Aliás, o Governo Fernando Henrique Cardoso já bateu alguns recordes, merecendo até sua inscrição no Guinness Book : bateu o recorde da dívida interna. O Brasil, durante 494 anos de existência, acumulou uma dívida interna de US$60 bilhões - esse era o valor da dívida interna em 31 de dezembro de 1994 ou 1º de janeiro de 1995 quando o Senhor Fernando Henrique Cardoso assumiu o Governo. Em 31 de dezembro de 1998, essa dívida saltou para US$400 bilhões. Portanto, um recorde digno de registro.  

Um governo que consegue bater recordes de índice de desemprego; um governo que consegue bater recordes de índices de quebradeira de micros, pequenas e médias empresas, agora resolveu bater o recorde de posses do 2º mandato, em seis meses. No 2º mandato, o Governo já tomou posse três vezes. A primeira foi a posse formal, no dia 1º de janeiro de 1999, em que acabou o discurso do Presidente do Congresso Nacional roubando a cena - disseram que não valeu muito porque não foi uma posse com toda a pompa e circunstância. A segunda posse ocorreu quando houve a mudança no Ministério. Agora dizem que a terceira posse é o lançamento do PPA - a nova estratégia do Governo de que "agora vai".  

Mais uma vez, tentam transformar o PPA numa peça de campanha, inclusive mudaram o nome. Segundo o Presidente, PPA parecia nome de remédio; agora chama-se "Avança Brasil"; parece que se esqueceram de combinar com a própria base. A relatoria do PPA, que era a peça de campanha, vira objeto de disputa dentro da base do Governo aqui no Congresso Nacional entre o PMDB e o PFL. Esqueceram-se também de combinar com os próprios membros do Governo, porque, no dia seguinte à terceira posse, que foi o lançamento do PPA, surgiu a briga entre o Ministro do Desenvolvimento, Clóvis Carvalho, e o Ministro Pedro Malan. Por ocasião daquela discussão, lembro-me de que o Senador José Roberto Arruda fez uma comparação futebolística, que acabou se revelando infeliz. S. Exª disse que o Ministro Clóvis Carvalho era o centroavante e o Pedro Malan era o zagueiro, mas que os dois jogavam no mesmo time. Embarcando nessa comparação futebolística, como botafoguense, diria que esse zagueiro e esse centroavante estão parecendo com o Bandoch e Valdir. Só espero que o Brasil não vá para a segunda divisão, como infelizmente parece que irá acontecer com o meu Botafogo.  

Voltemos ao PPA. O engraçado é que o Governo aposta na falta de memória não somente dos políticos, mas também dos analistas. O Governo faz propaganda do PPA e apresenta alguns números. Diz que, pelo PPA, o PIB do Brasil crescerá 4% no ano 2.000, 4,5% no ano 2001, 5% no ano 2.002 e 5% no ano 2.003. Até em relação aos números não foram originais. Se formos comparar com o PPA anterior, teremos uma coincidência absoluta entre as previsões: 4% no primeiro ano, 4,5% no segundo, 5% no terceiro e 5% no quarto. O PPA anterior dizia exatamente a mesma coisa: em 1996 íamos crescer 4%, em 1997 íamos crescer 4,5%, em 1998 íamos 5% e em 1999 íamos crescer 5%. Em 1996 crescemos 2,8%, em 1997 crescemos 3,2%, em 1988, cuja previsão era de 5%, crescemos 0,2%, em 1999, cuja previsão também era de 5%, possivelmente não cresceremos nada. Poderão até dizer que a Oposição está reclamando demais. A previsão para 1997 era de 4,5%, crescemos 3%. O que são dois pontos percentuais no PIB? É exigência demais da Oposição! Se esquecem de dizer que, num País como o Brasil, uma diferença de crescimento do PIB de dois pontos percentuais significa alguns milhões de desempregados, que é o resultado que estamos vivendo agora.  

Mas não somente em relação ao PIB, o PPA passado previa um déficit em transações correntes estável em US$16,7 bilhões para 96, 97, 98 e 99. Os números mostram que saltou de US$23 bilhões para US$29 bilhões em 1997 e chegou em 1998 a US$36 bilhões de déficit em conta corrente. Isso decorrente, principalmente, da teimosia do Governo em, apesar dos alertas que eram feitos por analistas econômicos e políticos, tanto da esquerda quanto da direita, manter aquela taxa de câmbio que existia até antes da eleição, porque essa era a principal causa do déficit em conta corrente do Brasil. Mas o Governo, porque tinha como objetivo principal garantir a reeleição de Fernando Henrique Cardoso e temia que qualquer mudança na taxa de câmbio viesse a ter efeito sobre a inflação, e que portanto esses efeitos viessem a ter efeitos eleitorais, acabou não fazendo a mudança do câmbio no momento em que poderia fazer sem trazer os prejuízos que acabou trazendo para o Brasil. Porque o Governo poderia ter feito a mudança do câmbio em agosto, quando tinha 72 bilhões de reservas, acabou não fazendo e sendo forçado a fazer a mudança pelo mercado, o que provocou para o País uma perda de mais de 30 bilhões em suas reservas, tendo que mudar o câmbio do mesmo jeito, porque o mercado, como nós sabemos, é muito volúvel e muito voraz.  

Agora, por que esses Planos Plurianuais se transformam apenas em peças de ficção? Será exclusivamente pela incapacidade de nossos economistas em prever o futuro? Sabemos muito bem que, geralmente, a capacidade premunitória dos economistas não é lá essas coisas. E aí, quando eu falo economistas, coloco os da Esquerda e da Direita. Geralmente, suas previsões não batem muito.  

Mas o problema é que o PPA, exatamente por ter-se transformado numa simples peça de propaganda, está descolado do Orçamento. Não adianta, num plano plurianual, estabelecer previsões que apontam para o desenvolvimento, que apontam para o crescimento, se a política orçamentária aponta na direção contrária. É impossível fazer com que o País venha a crescer, se se mantém, na sua política orçamentária, a previsão de pagar 60 bilhões de juros somente com juros e amortização da dívida. E aí você vai querer, para tapar parte desse buraco, aumentar o Imposto de Renda, aumentar a contribuição previdenciária dos aposentados, estabelecer cortes em gastos sociais, cortar inclusive aquela ajuda miserável das cestas básicas e da frente de trabalho no Nordeste. Enfim, fazer economia de alfinetes cujos efeitos são muito graves sobre uma população que precisa muito desses alfinetes para tentar tapar um rombo que, na verdade, é decorrente dessa política econômica.  

E o Governo, mantendo-se fiel a essa política da propaganda, quer reduzir a discussão do desenvolvimento apenas ao perfil da pessoa que vai ocupar o Ministério do Desenvolvimento. Para começar, o erro já está em insistir na tese de que basta se criar um ministério do desenvolvimento para que o Brasil venha a se desenvolver. Essa, inclusive, foi a bandeira do Governo desde o início do segundo mandato: "Agora haverá desenvolvimento, porque vamos criar o Ministério do Desenvolvimento". Depois, a discussão é em cima do perfil do Ministro do Desenvolvimento. Primeiro era o Mendonça de Barros, que acabou sendo atropelado pelo grampo; depois veio o Celso Lafer; depois o Clóvis Carvalho, que, dentro daquela lógica, como era muito amigo do Presidente, teria condições de se contrapor ao Malan, porque é o Malan que não concorda com a política desenvolvimentista - acabou dando no que deu; e agora inventaram o Tápias. Eu, inclusive, nessa questão, concordo com o Governador do Rio de Janeiro, o Garotinho - não com a opinião dele sobre o Tápias, porque até não o conheço -, mas acho que não cabe à Oposição ficar opinando sobre o melhor ou o pior ministro. Agora, se formos analisar pelo perfil, como o Tápias é banqueiro e empreiteiro - como na História recente do Brasil só quem se desenvolve é banco e empreiteira -, possivelmente, talvez, ele tenha o perfil adequado para ocupar esse ministério.  

O fato é que, independente de quem venha a ocupar esse ministério e independente até da sua existência, o desenvolvimento ou o não-desenvolvimento do Brasil está amarrado umbilicalmente à política econômica do dia-a-dia, que é a política econômica apresentada na proposta de Lei Orçamentária. E aí é que as coisas acabam se contradizendo, porque a Lei Orçamentária não bate com aquilo que é previsto no Plano Plurianual. O Governo alega, muitas vezes, que não existem recursos para investir na economia. É verdade que, pagando US$60 bilhões de juros ao ano, esses recursos realmente são escassos e os economistas do Governo, sempre que a Oposição ou quaisquer outros reclamam dos juros altos, vêm com a cantilena de que os juros são um preço que não pode ser reduzido automaticamente, por decreto. Engraçado é que no Brasil os juros não podem ser reduzidos por decreto, mas aumentados podem, porque foi exatamente isso que fez o Governo na crise de setembro, quando colocou os juros na estratosfera, em mais de 40%, sob a alegação de que teria que fazer aquilo para impedir a fuga de capitais e impedir que as nossas reservas internacionais fossem reduzidas. Resultado: aumentou os juros para 42%, provocou mais desemprego, provocou mais quebradeira e não impediu a saída dos capitais, pois, como já disse, só em setembro do ano passado perdemos US$32 bilhões das nossas reservas, apesar do aumento da taxa de juros para 42%.  

Portanto, essa discussão de que não se pode abaixar juros por decreto, embora seja verdadeira do ponto de vista meramente econômico, tem que ser relativizada, porque se ela vale para aumentar deveria valer também para abaixar. E, no entanto, o Governo normalmente aumenta a taxa de juros por decreto.

 

Mesmo considerando os US$60 bilhões que vamos ter que pagar de juros, existem ainda outras fontes de investimentos que poderiam ser utilizadas se o Governo tivesse realmente interesse em atacar alguns problemas graves da nossa economia, particularmente o desemprego. O BNDES, em 1998, injetou US$17 bilhões na economia, o que não é pouca coisa. Aliás, o BNDES tem mais dinheiro para investir do que o BID. Se esse dinheiro - não era preciso todo o dinheiro, bastavam 30%, 40% - tivesse sido utilizado para financiar micros, pequenas e médias empresas, provavelmente a situação do desemprego no Brasil estaria, se não resolvida, atenuada, considerando-se que cerca de 70% dos nossos empregos são gerados exatamente por esses setores.  

No entanto, o que fez o Governo? Aplicou 20, 30 ou 40% nas microempresas? Não. Os números mostram uma evolução no sentido exatamente contrário: de 1995 a 1998, o percentual aplicado nas grandes empresas do BNDES cresceu, chegando, em 1998, a 92%. Ou seja, 92% dos recursos aplicados em 1998 pelo BNDES foram destinados a grandes empresas, 1,2% para micros e pequenas empresas, e o restante para médias empresas e setores públicos. O que é ainda mais grave é que esses 98% não foram destinados para as grandes empresas montarem, por exemplo, um parque industrial para gerar empregos. Não! Grande parte desses 98% destinados às grandes empresas foram utilizados para financiar a compra das estatais, particularmente do setor elétrico. Além do mais, parte desse dinheiro foi utilizada para financiar também grandes empresas e, segundo eles, "modernizá-las", o que provocou ainda mais desemprego.  

Isso não significa que sejamos contra a mordernização. Somos contra a forma como está sendo feita no Brasil, ou seja, sem estabelecer-se uma garantia até de reciclagem dos seus trabalhadores, para que eles possam adaptar-se à nova realidade da modernização.  

No entanto, a lógica do Governo é esta: aquele que poderia ser um instrumento poderoso de desenvolvimento econômico e social, que é o BNDES - como, aliás, indica o seu nome -, é utilizado principalmente para aumentar a desigualdade, sem contar a questão do investimento nas regiões. Já tive a oportunidade de, mais de uma vez, tanto na Comissão de Assuntos Econômicos como neste Plenário, mostrar os dados relativos a investimentos do BNDES e a sua distribuição pelas regiões do Brasil. De 1995 a 1998, ela decresceu na Região Norte, Senador Luiz Otávio, Presidente da sessão e representante do Estado do Pará, decresceu no Nordeste e no Centro-Oeste, e aumentou no Sudeste.  

Dizendo isso não estamos querendo propor uma guerra de secessão contra o Sudeste ou contra São Paulo, mas o fato é que temos um banco estatal com dinheiro público, que poderia ser utilizado como instrumento para diminuir as desigualdades regionais e, no entanto, continua investindo esses recursos apenas de acordo com as leis de mercado. Poderão dizer que se investiram 40% em São Paulo, mas esse Estado representa 40% da economia; que se investiram 65% no Sudeste, mas ele representa 65% da economia.  

Ora, se é para termos um instrumento público com dinheiro público para fazer os seus investimentos e financiamentos simplesmente obedecendo às leis de mercado, esse instrumento e dinheiro públicos estão sendo usados para aumentar as desigualdades já existentes.  

Entretanto, o Governo, dito socialdemocrata, do Senhor Fernando Henrique Cardoso tem esses números, que são, aliás, incontestáveis, porque fornecidos pelo próprio Governo para responder a requerimentos de informações apresentados por mim e pelo Senador Eduardo Suplicy.  

Então, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, a questão é muito mais grave do que uma mera discussão sobre a existência ou não de ministro do desenvolvimento e sobre o perfil desse ministro - se é empreiteiro, banqueiro, político ou industrial. O problema é que, enquanto continuar a política econômica do Governo nos moldes em que ela está colocada, não vai adiantar ficar fazendo previsões de PPA, de crescimento econômico, de queda de juros, principalmente caso se trate como único instrumento para fazer baixar os juros o aumento do compulsório dos bancos, como se isso por si só fosse resolver a taxa de juros no Brasil.  

Para concluir, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, queria fazer referência ao final do discurso do Senador Pedro Simon, quando S. Exª diz que o Presidente da República é bem intencionado, que para Sua Excelência seria melhor que realmente o Brasil crescesse, que fosse resolvido o problema da reforma agrária e da miséria. Até acredito que, do ponto de vista pessoal, talvez fosse. Nessa questão do Governo, porém, prefiro ficar com o velho ditado popular: "de bem-intencionados o inferno está cheio".  

Muito obrigado.  

 

L


Este texto não substitui o publicado no DSF de 11/09/1999 - Página 24081