Discurso no Senado Federal

DESCONTENTAMENTO COM AS CRITICAS FEITAS PELO PRESIDENTE DA REPUBLICA AO CONGRESSO NACIONAL. CONSIDERAÇÕES SOBRE O PROJETO DE TRANSPOSIÇÃO DAS AGUAS DO RIO SÃO FRANCISCO.

Autor
Maria do Carmo Alves (PFL - Partido da Frente Liberal/SE)
Nome completo: Maria do Carmo do Nascimento Alves
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
PRESIDENTE DA REPUBLICA, ATUAÇÃO. DESENVOLVIMENTO REGIONAL.:
  • DESCONTENTAMENTO COM AS CRITICAS FEITAS PELO PRESIDENTE DA REPUBLICA AO CONGRESSO NACIONAL. CONSIDERAÇÕES SOBRE O PROJETO DE TRANSPOSIÇÃO DAS AGUAS DO RIO SÃO FRANCISCO.
Aparteantes
Agnelo Alves, Osmar Dias.
Publicação
Publicação no DSF de 15/09/1999 - Página 24313
Assunto
Outros > PRESIDENTE DA REPUBLICA, ATUAÇÃO. DESENVOLVIMENTO REGIONAL.
Indexação
  • REPUDIO, DECLARAÇÃO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, IMPUTAÇÃO, CONGRESSO NACIONAL, RESPONSABILIDADE, CRISE, PAIS.
  • CRITICA, OFENSA, CLASSE POLITICA, PEDRO SIMON, SENADOR, PUBLICAÇÃO, PERIODICO, VEJA, ESTADO DE SÃO PAULO (SP).
  • IMPORTANCIA, AVALIAÇÃO, OPÇÃO, PROJETO, TRANSPOSIÇÃO, AGUA, RIO SÃO FRANCISCO, DESENVOLVIMENTO SUSTENTAVEL, REGIÃO SEMI ARIDA, PRESERVAÇÃO, MEIO AMBIENTE, BACIA HIDROGRAFICA.
  • APRESENTAÇÃO, REQUERIMENTO, CRIAÇÃO, COMISSÃO TEMPORARIA, SENADO, MEMBROS, REGIÃO NORDESTE, OBJETIVO, ALTERNATIVA, VIABILIDADE, PROJETO, TRANSPOSIÇÃO, AGUA, RIO SÃO FRANCISCO, ESTUDO, GESTÃO, RECURSOS HIDRICOS, ORIGEM, RECURSOS FINANCEIROS, QUESTIONAMENTO, NECESSIDADE, APROVAÇÃO.

A SRª MARIA DO CARMO ALVES (PFL - SE. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, antes de começar o meu pronunciamento, quero também registrar a minha indignação em relação às referências feitas pelo Senhor Presidente da República sobre o Congresso Nacional. Esta Casa não merece isso. Se alguns Parlamentares merecem essas referências, Sua Excelência devia dirigir-se a eles. Eu estou aqui para fazer política séria e não para entravar projetos que são de interesse do povo.  

E o mais lamentável em relação ao que ouvi ontem, Sr. Presidente, é que quem determina as taxas de juros não é o Congresso, não é o Senado nem os Senadores. Quem estabelece as taxas de juros é o Banco Central. Abro aqui um parênteses para dizer que o Dr. Armínio Fraga teve o mérito de encontrar os juros num patamar de cerca de 40% e eles já estão em 20%, o que, portanto, é um avanço. Entretanto, não é esta Casa que determina os juros, mas o Governo. Se o Poder Executivo não tem a ousadia e a coragem de baixar os juros, isso é um problema seu, não do Senado. Tenho certeza de que os membros desta Casa são contra essa taxa estratosférica que tem inviabilizado as empresas brasileiras. Então, é bom mudar-se o foco da crítica, porque ela não cabe ao Congresso, como não lhe cabe a crítica de demora na votação das reformas, pois estas, ao chegarem a esta Casa, estou certa, serão votadas no tempo correto.  

Portanto, quero-me somar a essa indignação, que acredito ser a de todos os políticos sérios, porque precisamos ser tratados com respeito, da mesma forma que queremos tratar o Presidente da República.  

Como estou falando sobre a respeitabilidade desta Casa - lamento que o Senador Pedro Simon não esteja no plenário, mas com certeza S. Exª estará em seu gabinete ouvindo o que vou dizer -, digo que não concordo com as críticas e referências, deselegantes para o político que aprendi a admirar, feitas na entrevista que S. Exª concedeu à Veja

Sr. Presidente, nós, empresários, produzimos a riqueza deste País e movimentamos o setor produtivo. Se existem empresários, empreiteiros ou políticos que não são sérios, onde existe alma humana há, também, a possibilidade do certo e do errado, do joio e do trigo. Como hoje é o dia da indignação, também quero dizer que não concordo com as palavras usadas pelo meu nobre colega na entrevista publicada nas páginas amarelas da revista Veja, em que S. Exª nivela por baixo todos os políticos.  

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, precisamos fazer uma avaliação ampla e muito criteriosa da situação do projeto de transposição de águas do Rio São Francisco, a fim de que se encontrem alternativas de concepções baseadas na transposição de vazões entre as bacias hidrográficas.  

Sei que esse tema interessa aos Estados do Nordeste - ao Estado de V. Exª, Sr. Presidente, ao Ceará, à Paraíba e, enfim, a outros Estados. Assim, é importante que se faça uma avaliação extremamente cuidadosa para que, daqui a dez anos, não venhamos a dizer: "Puxa, permitimos que se fizesse a transposição das águas do São Francisco de forma incipiente e tecnicamente incorreta".  

Por isso, Sr. Presidente, dei entrada no Requerimento nº 501, a fim de que se formasse uma comissão senatorial temporária, rapidíssima, para que pudéssemos, com representantes das regiões envolvidas na questão, encontrar alternativas e viabilizar a regularização das águas do leito do rio São Francisco, e, sobretudo, para que pudéssemos entender que, na contabilidade da água, o que se passa em projeto de transposição é que a região do Vale do São Francisco, origem das águas, perde exatamente a quantidade de água que a região do semi-árido nordestino, a importadora, ganha, adicionada às perdas nos projetos.  

A transferência de água entre bacias hidrográficas é considerada, por especialistas no assunto, uma das inúmeras formas de se satisfazer a demanda crescente por água em regiões com escassez desse recurso natural, o que acaba por prejudicar o seu desenvolvimento. Uma transposição interbacias não é, entretanto, um projeto de obra de engenharia; é, sobretudo aquelas transposições de grande porte, como é o caso desta que agora se pretende executar para reforçar o potencial hídrico da porção setentrional do Nordeste, o verdadeiro problema a ser colocado em pauta.  

Outro fator preocupante é a falta de clareza sobre os aspectos de gestão das águas do rio e de um possível projeto de transposição. Quem seriam os gestores deste projeto? Quem arcaria com os altos custos de operação e manutenção da transposição? Parece-me, mais uma vez, uma inversão de prioridades se dar início a obras de transposição no momento em que o Executivo, reconhecendo as deficiências do ainda muito frágil Sistema Nacional de Recursos Hídricos, envia ao Congresso um projeto de lei para a criação da Agência Nacional da Água (ANA) e um projeto de Lei Complementar à Lei nº 9.433/97, que trata da gestão daquele sistema.  

Sucede, ainda mais, quando a transposição envolve mais de uma Unidade Federada, que uma terceira questão de ordem entra no debate. Trata-se de decisão do Poder Central, não apenas envolvendo o Poder Executivo, mas muito provavelmente o Poder Legislativo Federal, pois, na história das transposições de grandes bacias em países com Congresso de duas Câmaras, como os Estados Unidos, grandes projetos de investimentos, por envolverem várias Unidades da Federação, devem ser aprovados pelo Senado. Não seria, pois, o caso deste projeto?  

Nesse sentido, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, justifica-se plenamente a criação de uma comissão, no âmbito do Senado Federal, para examinar também os pontos de sustentação desse projeto, que comporta dois níveis de abordagem: com relação às propostas que contemplem o desenvolvimento sustentável do semi-árido nordestino, sem prejuízo ao da bacia do rio São Francisco, bem como às diretrizes e objetivos governamentais para a Região, registrados no Compromisso pela Vida do São Francisco - documento assinado na Sudene, em 1995, pelo atual Presidente da República e pelos Governadores de doze Estados - e nas recomendações da comunidade internacional, no que tange ao meio ambiente e desenvolvimento, explicitadas na Agenda 21 (Eco 92). O que significa dizer, pois, que tanto o semi-árido como a região do Vale do São Francisco têm uma agenda comum a discutir!  

O Sr. Osmar Dias (PSDB - PR) - V. Exª me permite um aparte, Senadora?  

A SRª MARIA DO CARMO ALVES (PFL - SE) - Pois não. Concedo o aparte a V. Exª.  

O Sr. Osmar Dias (PSDB - PR) - Senadora Maria do Carmo, pela importância do tema que V. Exª aborda, relembrando aqui que esse tema já foi objeto de discurso da Senadora Heloisa Helena e também do Senador Roberto Freire – que, um dia, me pegou de surpresa dizendo que os Senadores do Sul não estavam preocupados em ouvir o seu pronunciamento, porque o que interessava ao Nordeste talvez não interessasse ao Sul –, e até para mostrar que temos interesse no assunto, gostaria de dizer que todas as vezes que se fala em seca no Nordeste, em transposição das águas do rio São Francisco, faço um paralelo com Israel. Com uma extensão territorial limitada, de 250 por 100 quilômetros de largura, Israel teve a ousadia - como V. Exª disse - de construir um canal subterrâneo, para evitar a evapotranspiração da água, trazendo água do Mar Morto até o outro extremo do país, irrigando todo o seu território. Perguntam as pessoas: como Israel, que tem um clima árido, um deserto, com um solo de baixa fertilidade, consegue suprir suas necessidades alimentares e exportar inclusive para a Europa? Hoje, quando a Holanda, por exemplo, não consegue atender a demanda de flores da Europa, é Israel que atende. Assim acontece também com a produção de frutas em Israel, naquele solo de baixa fertilidade, feita com a ferti-irrigação, ou seja, colocando-se o fertilizante na água de irrigação. E a água, lá, é tratada como o insumo mais valioso. Para conseguir isso, Israel investiu US$6 bilhões, aproveitando-se da indenização da guerra; para cada judeu morto pagava-se US$1 mil; seis milhões de judeus mortos, US$6 bilhões. Israel investiu tudo na produção de alimentos por meio da irrigação. Talvez os técnicos do projeto de transposição das águas do rio São Francisco devessem - essa é uma sugestão que dou, como Senador do Sul, ligado à agricultura - fazer um comparativo. Para fazer a transposição das águas do rio São Francisco, gastaremos tal volume de recursos. Ou seja, os técnicos deveriam dimensionar o volume de recursos. Com a transposição, vamos irrigar uma área de tantos hectares e produzir um volume de alimentos que, exportado ou consumido internamente, vai proporcionar tal soma de divisas. Ao fazer esse comparativo, eliminaremos toda a discussão sobre a necessidade ou não da transposição, que tem, inclusive, dividido Estados do Nordeste. Acredito que o que se deve medir é o resultado econômico e social que a transposição das águas do São Francisco produzirá. O aspecto econômico é importante, mas deve-se avaliar principalmente o número de empregos que a transposição proporcionará, o atendimento a pequenos produtores, que hoje estão inviabilizados naquele região árida do Nordeste e, sobretudo, a produção de culturas que hoje são bastante requeridas no mercado do Primeiro Mundo, por exemplo, na Europa, para quem o Nordeste poderia fornecer esses produtos. Cumprimento V. Exª e somo-me ao esforço que todos fazem para que esse projeto seja levado a sério e tenha uma decisão, que está dependendo, sim, de mais vontade política, mas sobretudo de uma melhor orientação técnica para que todos possamos entender também, de forma mais adequada, o que significará, para a região Nordeste e para o povo nordestino, a transposição das águas do rio São Francisco.  

O Sr. Agnelo Alves (PMDB - RN) - Permite-me V. Exª um aparte, nobre Senadora Maria do Carmo Alves?  

A SRª MARIA DO CARMO ALVES (PFL - SE) - Pois não.  

O Sr. Agnelo Alves (PMDB - RN) - Gostaria de acrescentar ao debate o seguinte: os três Estados que serão beneficiados com a transposição, a Paraíba, o Ceará e o Rio grande do Norte, já não estão sequer pedindo essas águas para irrigação, tamanhas as dificuldades que são apresentadas quando se fala na transposição das águas do São Francisco. Estão requerendo, pedindo, até pelo amor de Deus, que se faça essa transposição, no mínimo necessária para que o povo tenha água para beber. Só isso. E que essa transposição não seja permanente. Quando os rios e as barragens estiverem cheios, que se interrompa a transposição; se as barragens estiverem secando, liguem-se as válvulas para que a transposição seja feita. O que é estranho nessa matemática – gostaria de acrescentar – é verificarmos para onde vão as águas do São Francisco se não houver transposição. O Senado deseja saber? Essas águas vão para o mar! É exatamente as águas que correm para o mar que queremos para a Paraíba, para o Ceará e para o Rio Grande do Norte. E não queremos que o mar fique prejudicado sem as águas doces do rio São Francisco. Não queremos prejudicar ninguém, sequer o mar. Queremos apenas que, se as barragens estão vazias, se o chão está crestado, se faça a transposição. Hoje, a tecnologia permite que se faça a transposição com um simples acionar de botão, devido à computação. Abrem-se e fecham-se comportas com a maior facilidade. Agora, faz-se um mistério grande, todo um arcabouço - meio ambiente, isso e aquilo outro - e ninguém quis, até hoje, saber o impacto ambiental de uma seca que mata milhares e milhares de criaturas humanas, milhares e milhares de reses, de animais, de aves. Não representa isso nenhum impacto ambiental? Morreu, morreu; acabou-se. No entanto, se ocorrer a transposição, teremos que verificar o impacto ambiental nos peixes que serão pescados; e aí alimenta-se o povo, mas se mata o peixe. Pelo amor de Deus! Sou de uma terra em que, desde criança, ouço falar de falta d’água. Lembro-me muito bem do que o meu pai me dizia, quando pequeno ainda, quando eu tomava um copo d’água e jogava o restante fora: "Não faça isso, porque existem milhares e milhares de pessoas lá fora pedindo uma caneca d’água, pelo amor de Deus." Não vamos adiar a implantação da transposição nem cientificamente nem em matéria de engenharia nem em matéria de agricultura nem em matéria de impacto ambiental. Só falta uma coisa ao Nordeste, força política para impor a esta Nação uma só vontade: a de não padecer de sede. Muito obrigado a V. Exª.

 

O SR. PRESIDENTE (Casildo Maldaner) - A Mesa, regimentalmente, adverte V. Exª para que conclua o seu pronunciamento, apesar da importância do tema.  

A SRª MARIA DO CARMOS ALVES (PFL - SE) - Senador – eu já disse isso aqui em outro pronunciamento –, faltam estudos técnicos para que possamos avaliar os impactos ambientais em todas as áreas. Aliás, foi esse o objeto do meu requerimento: que pudéssemos estudar toda a questão, para que tenhamos um perfil inclusive do potencial das águas que vêm do subsolo e que não são exploradas no Nordeste. No entanto, o que não podemos permitir, Senador, é que isso seja feito ao sabor da vontade de alguém. Isso não podemos permitir!  

Quem conhece, hoje, o rio são Francisco, sabe como ele está. Mas se estudarmos a interligação de bacias, com a utilização de outros rios, como o Tocantins e seus vizinhos, por exemplo, para regularizar o leito do rio São Francisco, e então fizermos a transposição para Estados como o Ceará e o Rio Grande do Norte, para o consumo humano, para usos múltiplos, não haverá problema. Entretanto, como está o rio e com o projeto que conhecemos, não se pode fazer a transposição.  

Era esse o meu registro, Sr. Presidente.  

E agradeço a observação de V. Exª, que entende desse assunto. Creio que o Senador pelo Estado do Rio Grande do Norte há muitos anos ouve falar na transposição. Mas não podemos permitir que esse empreendimento seja realizado da forma que está concebido hoje. Será profundamente prejudicial para a economia do meu Estado, Sergipe, para a economia do Estado da Senadora Heloisa Helena, para a economia dos Estados de Minas Gerais e da Bahia.  

Agradeço ao Senador Osmar Dias por seu aparte, que veio esclarecer que estão faltando estudos técnicos corretos. E peço às Srªs e aos Srs. Senadores que realizemos esse projeto desapaixonadamente, pois estamos aqui em função do Brasil.  

Muito obrigado.  

 

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Este texto não substitui o publicado no DSF de 15/09/1999 - Página 24313