Discurso no Senado Federal

IMPORTANCIA DA REALIZAÇÃO DE DEBATE SOBRE O PROJETO DE TRANSPOSIÇÃO DAS AGUAS DO RIO SÃO FRANCISCO.

Autor
Heloísa Helena (PT - Partido dos Trabalhadores/AL)
Nome completo: Heloísa Helena Lima de Moraes Carvalho
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
DESENVOLVIMENTO REGIONAL.:
  • IMPORTANCIA DA REALIZAÇÃO DE DEBATE SOBRE O PROJETO DE TRANSPOSIÇÃO DAS AGUAS DO RIO SÃO FRANCISCO.
Aparteantes
Agnelo Alves, Carlos Bezerra, Silva Júnior.
Publicação
Publicação no DSF de 15/09/1999 - Página 24316
Assunto
Outros > DESENVOLVIMENTO REGIONAL.
Indexação
  • REGISTRO, REQUERIMENTO, AUTORIA, ORADOR, AUDIENCIA PUBLICA, COMISSÃO DE ASSUNTOS SOCIAIS (CAS), COMISSÃO DE SERVIÇOS DE INFRAESTRUTURA, COMISSÃO DE ASSUNTOS ECONOMICOS, DEBATE, TRANSPOSIÇÃO, AGUA, RIO SÃO FRANCISCO.
  • REGISTRO, AUSENCIA, DISPUTA, ESTADOS, REGIÃO NORDESTE, RECURSOS HIDRICOS, DEFESA, POLITICA, SOLUÇÃO, CALAMIDADE PUBLICA, RESPEITO, POPULAÇÃO, VITIMA, SECA, GARANTIA, PRESERVAÇÃO, MEIO AMBIENTE.
  • REGISTRO, EXISTENCIA, PROBLEMA, MISERIA, REGIÃO, RIO SÃO FRANCISCO, ESTADO DE SERGIPE (SE), ESTADO DE ALAGOAS (AL), FALTA, APROVEITAMENTO, RECURSOS HIDRICOS, REITERAÇÃO, REIVINDICAÇÃO, PREFEITO, REGIÃO NORDESTE.

A SRª HELOISA HELENA (Bloco/PT - AL. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, em primeiro lugar, quero dizer à nobre Senadora Maria do Carmo Alves que não fiz aparte ao seu pronunciamento, que trata de um tema de grande importância, devido à exigüidade do tempo. Ontem tive oportunidade de trazer esse tema ao debate nesta Casa.  

Por conseguinte, tenho absoluta certeza de que podemos oferecer uma alternativa comum ao requerimento de V. Exª e ao que apresentei, para a realização de audiências públicas conjuntas das Comissões de Assuntos Sociais, de Serviços de Infra-Estrutura e de Assuntos Econômicos, para debater esse assunto.  

O Senador Agnelo Alves fez uma explanação extremamente importante sobre a situação da seca, da fome, da miséria, da humilhação e do sofrimento de milhares de pessoas no Nordeste. Portanto, é importante destacar, em primeiro lugar, que a transposição não pode ser visto pela opinião pública nem por nós, personalidades políticas que têm a obrigação de representar o Nordeste, como se fosse uma disputa entre os Estados que têm o rio São Francisco e os Estados que não o têm. Não poderíamos debater esse tema dessa forma, porque seria desrespeitoso. Somos representantes dos nossos Estados, mas temos a obrigação de lutar pelo nosso País e, de uma forma muito especial, pelo Nordeste. Infelizmente, o retrato do fracasso atual do Nordeste mostra uma elite política e econômica nordestina que nunca pensou na grande potencialidade que essa região possui. Não se trata de uma disputa. Não poderíamos fazer isso nem como Senadores nem como cidadãos que têm a obrigação de ser solidários.  

Nobre Senador Agnelo Alves, imagine V. Exª se nós, que representamos Estados que têm o rio São Francisco, poderíamos dizer que não, que não vamos aceitar que 3%, que apenas 3% da vazão da água do rio São Francisco vá matar a fome, a sede, superar a humilhação e o sofrimento de outros irmãos e irmãs do Nordeste. O debate não é esse! A transposição também não pode ser apresentada para a sociedade como se fosse resolver o problema do Nordeste e dos outros Estados, porque hoje o rio São Francisco sequer resolve o problema dos Estados cortados por ele.  

Tivemos oportunidade — a Senadora Maria do Carmo, os Senadores Antonio Carlos Valadares e José Eduardo Dutra, as Bancadas de Alagoas e de Sergipe — de percorrer vários Ministérios procurando fazer uma articulação conjunta em relação ao PPA. Hoje, nos Estados da Bahia, de Sergipe e de Alagoas, que são banhados pelo rio São Francisco, milhares de pessoas olham o rio de longe e dizem: "— Já pensou, Heloisa? Nós olhamos o rio São Francisco, vemos a água e não podemos nos apropriar dessa água para matar a nossa sede e para produzir alimentos." Portanto, o debate não pode ser feito dessa forma. Queremos discutir a transposição do rio São Francisco. Podemos até fazer esse debate.  

Há sete mil anos construíam-se canais nas regiões que são hoje o Iraque e o Egito. No início do século, em 1300, a China construiu um canal de 1800 quilômetros. O Egito deu emprego a 1 milhão e meio de trabalhadores na construção do Canal de Suez. Ninguém está dizendo que esse projeto é absolutamente inválido. Há hoje mais de 100 projetos no mundo tratando do tema. O fato de esse debate chegar à opinião pública foi uma surpresa para nós. Em audiência que as Bancadas dos Estados de Sergipe e de Alagoas realizaram com a presença do Ministro da Integração Nacional, S. Exª disse que tinha conhecimento do fato de que o rio São Francisco está morrendo. Disse também que ele, como engenheiro, e não como dono de empreiteira — inclusive discutimos que muitas empreiteiras estão vorazes por esse projeto, mas o problema não é esse —, e tendo a responsabilidade de zelar pelo seu nome, não poderia jamais empenhar-se no projeto de transposição do rio São Francisco sem, efetivamente, garantir a sua vitalidade.  

Já tivemos oportunidade de discutir nesta Casa que o rio São Francisco está morrendo. A sua salinização é cada vez maior; não há zoneamento ecológico no rio, sendo gravíssima a sua situação. Fazer a transposição de um riacho e manter um riacho efetivamente não resolverá o problema.  

Jamais poderemos ser pretensiosos, egoístas e individualistas a ponto de pensar que o rio São Francisco pertença apenas a três Estados. Mas não podemos aceitar que o debate da transposição seja apresentado à sociedade como a panacéia que resolverá todos os males. Se isso fosse verdade, o Governo Federal já teria tido a obrigação de resolver o problema da fome, da miséria e do desemprego por onde o rio São Francisco passa.  

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, a pauta de reivindicações apresentada pela representação dos prefeitos do Nordeste é algo absolutamente humilhante. Mais uma vez, Senadores Mozarildo Cavalcanti e Jefferson Péres, o que os prefeitos estão reivindicando são migalhas. E são prefeitos dos Estados banhados pelo rio São Francisco. E as migalhas que temos que pedir ao Governo Federal são a cesta básica, o carro-pipa, as frentes de serviço, porque as pessoas precisam sobreviver biologicamente até para lutar pelas obras estruturantes e para garantir a sobrevivência do Nordeste.  

Portanto, é extremamente importante a proposta apresentada pela Senadora Maria do Carmo. Certamente poderemos combiná-la com os requerimentos que apresentei ontem para que, por intermédio das Comissões de Infra-Estrutura, de Assuntos Sociais e de Assuntos Econômicos, possamos iniciar um debate técnico, apropriado, sobre a transposição do rio São Francisco, o aproveitamento do seu gigantesco potencial, que, sem dúvida alguma, é a grande alternativa para garantir o desenvolvimento e a dinamização da economia local, a geração de emprego e de renda, o combate à fome e à miséria do povo nordestino.  

Portanto, Sr. Presidente, são os esclarecimentos que faço...  

O SR. AGNELO ALVES (PMDB - RN) - V. Exª me permite um aparte, Senadora Heloisa Helena?  

A SRª HELOISA HELENA (Bloco/PT - AL) - Pois não, Senador Agnelo Alves, com muito prazer.  

O SR. AGNELO ALVES (PMDB - RN) - Concordo em gênero, número e grau com o que V. Exª está dizendo. Vamos discutir e debater essa questão sem emocionalismo e sem que o Estado tal ou qual requeira a água como sua propriedade. O rio São Francisco precisa ser tratado desde as suas nascentes. No entanto, não vamos nos prevalecer do fato de que três Estados estão querendo encher suas barragens com as águas; devemos nos lembrar de fazer primeiro o que deveria ter sido feito desde o começo. Podemos realizar esse projeto em conjunto, desde que entendamos que esse é um assunto que interessa ao Nordeste e, fundamentalmente, à sede dos norte-rio-grandenses, dos paraibanos e dos cearenses.  

A SRª HELOISA HELENA (Bloco/PT - AL) - Muito obrigada pelo aparte, Senador Agnelo Alves.  

Nós, que somos nordestinos, temos a oportunidade de andar às margens daquele rio - nasci à beira do São Francisco, em Pão-de-Açúcar -, o que é como se sentir abraçado por Deus. Conviver com aquela fome, com aquele sofrimento, à beira do São Francisco é algo extremamente doloroso para a emoção e para a razão de qualquer ser pensante. É muito doloroso ver aquele rio maravilhoso, aquela possibilidade de produção e de desenvolvimento econômico e social, e, ao mesmo tempo, junto com isso, o retrato da irresponsabilidade, do fracasso, da incompetência e da insensibilidade desse debate, dessa condução.  

O Sr. Silva Júnior (PMDB - PB) - Permite-me V. Exª um aparte?  

A SRª HELOISA HELENA (Bloco/PT - AL) - Concedo o aparte a V. Exª, com muito prazer.  

O Sr. Silva Júnior (PMDB - PB) - Gostaria apenas de me solidarizar com V. Exª no que diz respeito à proposta de resolução do problema de águas no Brasil. Já está demasiadamente conhecido que, na virada do século, haverá dois problemas no mundo: um relativo a águas doces; e outro, à energia elétrica. O Brasil é um país que, efetivamente, está às vésperas dessa crise. Penso que não se deve absolutamente - e nisso concordo com V. Exª - discutir isso com emocionalismo, mas devemos nos juntar para tentar resolver esse problema das águas. O problema não é o que está sendo apresentado de forma emocional. Há formas de usar e aproveitar o rio São Francisco, desde que se possa cuidar dele, fazer a transposição de suas águas, para que ele possa prestar melhores serviços ao Nordeste. Sou dos que participam de um movimento no sentido de buscar o aproveitamento das águas do rio São Francisco na minha região. Sou suplente do Senador Ronaldo Cunha Lima e, efetivamente, pretendo apresentar amanhã um projeto visando aproveitar as águas existentes no nosso Estado para resolver um problema grave da minha cidade. Mas temos de resolver um problema brasileiro na área de águas. Devemos resolver o problema dos rios e da transposição das águas. Devemos usar o rio São Francisco, tornando-o um instrumento que possa servir aos Estados por ele percorridos. Que possa ser prestado esse serviço lá! Não penso absolutamente que se deve sangrar o rio, fazendo com que amanhã haja problemas mais graves. Inclusive, penso que, mesmo que não existisse esse problema de transposição de águas para os Estados de Pernambuco, Paraíba e Rio Grande do Norte, o rio já precisaria ser cuidado. Somos contrários à venda da Companhia Hidroelétrica do São Francisco sem um entendimento com os Governadores dos Estados onde aquele rio transita, porque aquele rio é de integração nacional, de grande expressão social para o Nordeste brasileiro. Daí me solidarizo com seu sentimento e também com o da nobre Senadora que falou sobre a possibilidade de o Senado criar uma comissão para analisar o problema das águas e para, de fato, tentar resolvê-lo no Nordeste, usando o rio São Francisco de forma adequada, sem prejuízo das áreas por ele atendidas. Muito obrigado.  

A SRª HELOISA HELENA (Bloco/PT - AL) - Agradeço a V. Exª pelo aparte. É lógico que todos compreendemos o debate acerca da transposição. Sei que outros Estados que supostamente se beneficiariam com a transposição também fazem esse debate há muito tempo. Há mais de 150 anos é travado esse debate sobre o aproveitamento das águas, sobre alguma forma de transposição. Na época do Império, certa vez, o Imperador disse que venderia a última jóia da Coroa para resolver o problema da seca, mas não o resolveu. Cada vez mais, supostas jóias da Coroa estão indo para o Fundo Monetário Internacional, e não resolvemos esse problema.

 

O Sr. Carlos Bezerra (PMDB - MT) - V. Exª me permite um aparte?  

A SRª HELOISA HELENA (Bloco/PT - AL) - Concedo o aparte a V. Exª, com muito prazer.  

O Sr. Carlos Bezerra (PMDB - MT) - Acompanhei o discurso da Senadora Maria do Carmo e estou acompanhando agora o discurso de V. Exª. Penso que V. Exª que tem inteira razão quando defende o rio São Francisco. Mas aqui um assunto pobre de debates é a questão das águas no Brasil. Pouco se fala nisso, pouco se discute essa questão, que é uma das mais graves, porque o Brasil é o campeão mundial do desperdício de água. Anualmente os nossos recursos hídricos diminuem violentamente. E, brevemente, o grande problema da humanidade será a questão da água. Hoje, muitos países do mundo convivem com essa dificuldade. Por exemplo, no sul da Espanha, cidades são abastecidas com água vinda da África por meio de navios. Que dificuldade! E lá o grande debate, em virtude do largo uso da microirrigação, é se a água deve ser usada para a agricultura ou para abastecer as cidades. Esse é o maior debate travado no sul da Espanha. É uma discussão permanente por parte de toda a população. E vejo aqui no Brasil as nossas águas serem desperdiçadas. Não há nenhum trabalho sério, por exemplo, de microbacias para defender os rios. Nossos rios estão morrendo rapidamente, porque não há nenhum trabalho de defesa. Há o desmatamento e uma mecanização agrícola intensa, como ocorre no meu Estado, no Mato Grosso, e em todo o Centro-Oeste. E os rios são assoreados de uma hora para outra, morrem de uma hora para outra. Essa deveria ser uma questão transcendental para o Governo, para o Ministério do Meio Ambiente, mas não se vê nenhum esforço nesse sentido. Quando fui Governador do Estado, fizemos um trabalho de microbacias. Esse foi o primeiro trabalho, mas, a partir daí, não se fez mais nada. Não se fez mais nenhum trabalho de microbacias! O rio Cuiabá é um rio histórico, e, por meio dele, começamos a navegação do Rio da Prata e, depois, do rio Paraguai. O rio Cuiabá está praticamente morto; podemos atravessá-lo a pé durante a seca. Aproveito o ensejo do discurso de V. Exª para chamar a atenção para a questão da defesa do São Francisco - penso que a questão do Nordeste pode ser resolvida seguindo o raciocínio da Senadora Maria do Carmo, que é o mais coerente, o mais racional - e também para a gravidade da situação das águas no Brasil. Parabéns a V. Exª pelo seu pronunciamento!  

A Srª Maria do Carmo Alves (PFL - SE) - Senadora Heloisa Helena, V. Exª me permite um aparte?  

A SRª HELOISA HELENA (Bloco/PT - AL) - Concedo o aparte a V. Exª.  

A Srª Maria do Carmo Alves (PFL - SE) - Senadora Heloisa Helena, o que na verdade queremos é uma ampla discussão sobre a questão das águas. Sabemos que há países que, há anos, estão em conflito em função das águas. Mas o fulcro da questão é a transposição das águas do rio São Francisco, inclusive contemplada com recursos no PPA. O que queremos é o debate, mas com uma fundamentação técnica e não com uma fundamentação política, pois isso não vai resolver o problema. Agora, ficando atestado que é tecnicamente possível esse projeto e que está tecnicamente regularizado o leito do rio São Francisco, poderemos partir para a ação. E sei que é exatamente essa a questão que V. Exª traz para o plenário.  

O Sr. Agnelo Alves (PMDB - RN) - Permite-me V. Exª um aparte?  

A SRª HELOISA HELENA (Bloco/PT - AL) - Concedo o aparte a V. Exª.  

O Sr. Agnelo Alves (PMDB - RN) - Senadora Heloisa Helena, em adendo às palavras da Senadora Maria do Carmo, eu gostaria de propor que formássemos uma comissão especial e convocássemos o Ministro e os técnicos da Integração Nacional para uma exposição sobre o rio São Francisco. A partir daí, estabeleceríamos um debate realmente mais técnico sobre o assunto.  

A SRª HELOISA HELENA (Bloco/PT - AL) - Tanto a preocupação da Senadora Maria do Carmo quanto os requerimentos que apresentei ontem já dão conta da solicitação da presença do Ministro da Integração Nacional, do Secretário de Recursos Hídricos do Ministério do Meio Ambiente, do Presidente da Ceeivasf, do ex-chefe de Direção de Recursos Hídricos da Eletrobrás, para que possamos iniciar esse debate.  

Não tenho dúvidas a esse respeito, e o Senador tem razão quando fala da necessidade de discussão sobre a questão das águas. Os Senadores Jefferson Péres e Bernardo Cabral, em vários momentos, trouxeram esse tema à discussão nesta Casa. Sabemos que o grande debate do próximo século será travado acerca do conhecimento, da tecnologia, dos recursos naturais e, especialmente, da questão da água doce.  

É de fundamental importância a observação que V. Exª faz. Precisamos fazer esse debate em relação ao rio São Francisco o mais rápido possível, quer seja sob a forma de seminário, quer seja sob a forma de uma grande articulação nacional, porque há também a possibilidade de privatização da Chesf e, portanto, de privatização das águas. Se a Agência Nacional de Recursos Hídricos funcionar como as outras agências têm funcionado em relação à privatização, vai ser ainda mais difícil alcançar o desenvolvimento da nossa querida região nordestina.  

Era o que tinha a dizer, Sr. Presidente.  

Muito obrigada.  

 

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Este texto não substitui o publicado no DSF de 15/09/1999 - Página 24316