Discurso no Senado Federal

ANALISE ECONOMICA RECENTE DO BRASIL E DO DEBATE ENTRE DESENVOLVIMENTISMO E MONETARISMO. CRITICAS A POLITICA DE CONGELAMENTO SALARIAL NO SETOR PUBLICO, PARA CONTER A INFLAÇÃO.

Autor
Lauro Campos (PT - Partido dos Trabalhadores/DF)
Nome completo: Lauro Álvares da Silva Campos
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA. GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO.:
  • ANALISE ECONOMICA RECENTE DO BRASIL E DO DEBATE ENTRE DESENVOLVIMENTISMO E MONETARISMO. CRITICAS A POLITICA DE CONGELAMENTO SALARIAL NO SETOR PUBLICO, PARA CONTER A INFLAÇÃO.
Publicação
Publicação no DSF de 11/09/1999 - Página 24077
Assunto
Outros > POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA. GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO.
Indexação
  • COMENTARIO, POSSIBILIDADE, CANDIDATURA, PEDRO SIMON, SENADOR, PRESIDENCIA DA REPUBLICA.
  • COMENTARIO, POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA, RESPONSABILIDADE, PEDRO MALAN, MINISTRO DE ESTADO, MINISTERIO DA FAZENDA (MF), PRIORIDADE, ESTABILIDADE, ECONOMIA, AUSENCIA, BUSCA, DESENVOLVIMENTO NACIONAL.
  • COMENTARIO, SIMILARIDADE, DEBATE, SOCIALISMO, CAPITALISMO, DISCUSSÃO, ESTABILIDADE, ECONOMIA, CORRELAÇÃO, BUSCA, DESENVOLVIMENTO.
  • COMENTARIO, ACUMULAÇÃO, INFLAÇÃO, POSTERIORIDADE, IMPLANTAÇÃO, PLANO, REAL, CRITICA, AUSENCIA, REAJUSTE, SALARIO, FUNCIONARIO PUBLICO.
  • CRITICA, ATUAÇÃO, FERNANDO HENRIQUE CARDOSO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, ANTONIO CARLOS MAGALHÃES, SENADOR, RESPONSAVEL, EXERCICIO, DITADURA.

O SR. LAURO CAMPOS (Bloco/PT - DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, o que vou dizer é o que gostaria de ter falado em aparte ao Senador Pedro Simon, mas, como o tempo foi muito curto, não houve brecha para que eu pudesse inserir meus modestos comentários.  

Fiquei paralisado numa espécie de temor reverencial, porque, além de todos os títulos, muito merecidos e justos, que o Senador Pedro Simon têm, S. Exª agora é candidato a Presidente da República e, nessa esfera, transito muito pouco. Tenho ainda um certo receio, um temor reverencial pela Presidência, pela Vice-Presidência, por esses altos cargos que sempre foram tão distantes da minha modesta vida.  

O Sr. Pedro Simon (PMDB - RS) - Senador, a minha candidatura é como a de V. Exª quando foi candidato a candidato na convenção do Distrito Federal. Tenho mais ou menos a pretensão de fazer o percentual que V. Exª fez.  

O SR. LAURO CAMPOS (Bloco/PT - DF) - Estou vendo que V. Exª também foi tomado da mesma modéstia que tive naquela ocasião.  

Pretendo, quando minha saúde melhorar um pouco, voltar à tribuna para fazer um daqueles longos, aborrecidos – e tão bem recebidos pela paciência do nobre Senador Pedro Simon – pronunciamentos que costumo fazer. Eu o estou escrevendo desde que saí do hospital, ele já está com 18 páginas, e, obviamente, não vou poder terminá-lo. Mas aquilo que falamos em duas horas também podemos falar em dois minutos.  

Faço apenas um alerta, porque sou o Senador mais idoso do Senado. O Senador Bello Parga é uma semana mais novo do que eu, e o nobre Senador Pedro Simon é um ano e meio mais novo do que eu. Quem realmente é mais idoso do que eu é o Presidente ACM, que é um ano e meio mais velho do que eu.  

O Sr. Pedro Simon (PMDB - RS) - Perdoe-me V. Exª, mas ele engana. Pensei que S. Exª fosse mais novo.  

O SR. LAURO CAMPOS (Bloco/PT - DF) - Pois é. Quando temos uma vida de maiores frustrações e lutas, de poucas vitórias, como a minha, costumamos envelhecer mais depressa.  

Desde o início da minha tentativa de entender essa confusão que é o mundo moderno, no início dos anos 50, comecei a estudar Economia. Eu já havia feito algumas incursões no curso de Direito, e foi uma frustração não ter podido ser psicanalista, que era aquilo que eu realmente desejava ser, mas eu teria que estudar Medicina para ser psicanalista, pois, no meu tempo, não havia curso de Psicologia. Comecei, então, a estudar, com 15 anos, a psicanálise, conheci bastante da Escola de Viena, mas tive que me encaminhar para outros setores.  

E essas discussões sobre a economia, hoje, em minha opinião, são uma repetição que me exasperam. Há que se ter paciência de Jó e mais alguma coisa para assistir à repetição das mesmas discussões, dos mesmos temas. Naquele tempo, quando o mundo se dividia, se rachava ao meio, com a guerra fria, entre capitalismo e socialismo, no Brasil não se discutia isso. O espaço da discussão foi ocupado pelo FMI, tido como estabilizante e antidesenvolvimentista, tal como o Sr. Malan é hoje, dadas suas relações com o FMI - não é por mera coincidência. S. Exª é considerado, justa ou injustamente, contrário ao desenvolvimento, favorável à estabilização e a um tipo de sociedade que, naquela ocasião, era uma sociedade arcaica, pré-capitalista, que não deveria perder suas qualidades primário-exportadoras, como alguns diziam.  

Por outro lado, o desenvolvimentismo tomou conta do espaço do discurso. O debate travou-se entre desenvolvimentistas cepalinos, Raúl Prebisch, Celso Furtado e outros, e os representantes do FMI; monetaristas e estruturalistas - os monetaristas do FMI e os ditos estruturalistas desenvolvimentistas da Cepal.  

Com isso, o principal ficou de fora, não houve espaço para discutir aquilo que estava dividindo o mundo. A discussão entre socialismo e capitalismo, entre comunismo e capitalismo só foi feita nas universidades. Eu estava na universidade, comecei a ser professor universitário em 1954, e lá não vi nem ouvi nem presenciei essas discussões.  

Assim, conseguiram tapar completamente e ocupar monocordiamente o espaço de discussão, porque escrevi uma tese, em 1958, que defendi em Roma, dizendo que aquilo era a mesma coisa: monetarismo e estruturalismo, desenvolvimentismo cepalino – a Cepal era e é um órgão da ONU também, tal como o FMI, dominado pelos sócios maiores. Era tudo farinha do mesmo saco. O objetivo era evitar a discussão do problema principal daquela ocasião.  

Em 1958, Roberto Campos fez uma palestra, no Chile, em que falou a mesma coisa. Os estruturalistas são os monetaristas no poder, disse com humor e percuciência o Sr. Roberto Campos.  

Depois, tivemos necessidade de encontrar uma dicotomia, de encontrar uma divisão, para evitar a discussão do principal, para ocupar todo o espaço de discussão. Naquela ditadura, a partir de 1964, não havia o que discutir, porque quem está na cadeia não tem, obviamente, espaço para o discurso e para o debate. Eu, na universidade, esperava que, um dia, viessem debater comigo; ao invés disso, mandaram-me ameaça de morte, o que não é debate universitário. De modo que fui compreendendo melhor as coisas.  

A partir de certo momento, a própria revolução se dividiu em duas alas. Uma ditadura monolítica se racha em duas alas: a linha dura, uma criação da imaginação, e a antilinha dura, os democratas da ditadura, os da "democradura". Então, com essa discussão, "Olha, cuidado! Se vocês não aceitarem isso, isso e isso, a linha dura vem aí e vai fazer pior", com esse arranjo político, com essa divisão inteligente, eles conseguiam muito apoio para as suas medidas duríssimas, ameaçando que poderia vir algo pior de uma tal de linha dura, que nunca se identificou.  

Há uma necessidade de o panorama político - e os jornalistas não percebem isso; nunca vi algum que tivesse percebido isso que estou dizendo aqui e agora - dividir o espaço do discurso e da discussão, a fim de que a realidade, o que há de importante no real, o discurso importante não seja sequer pronunciado. É uma censura muito bem feita.  

Agora, por exemplo, o que vemos? É óbvio que o Senhor Fernando Henrique Cardoso está cansado de saber do que estou falando, pois ele estava na Cepal nos anos 50 e 60. Sua Excelência sabe disso muito bem, porque viu a ditadura criar a tal linha dura e depois nos viu voltar e ficar assim, nesse purgatório do processo de democratização.  

Finalmente, para abreviar este resumo do que eu pretendia dizer, parece-me que resolveram dividir também o Executivo com essa democracia que não respeita a Constituição e os direitos adquiridos. Trata-se de uma ditadura de unhas pintadas, uma ditadura de PhDs. Em nome de quê? Do combate à inflação.  

Eu estava com um livro na mão que se chama The death of inflation – A morte da inflação –, que mostra essa discussão sobre se a inflação é dinamizadora, se provoca o desenvolvimento ou se não provoca, o que é também uma discussão dos anos 50 e que está aí, dividindo ainda brigadas de um mesmo exército.  

E me parece que o que aconteceu foi que a oposição não deve ter espaço dentro desse sistema. É um sistema muito perigoso, de acordo com o que escreveram o Presidente Fernando Henrique Cardoso e Enzo Faletto num livro chamado Dependência e Desenvolvimento. Ali o Presidente disse que o Brasil e alguns países da América Latina estavam se encaminhando para uma situação muito perigosa, porque a população poderia exasperar-se diante daquilo que se exigia dela.  

É tão evidente que o capitalismo dependente, o capitalismo periférico é muito pior que o capitalismo nos sete grandes, que sobre ele Norman Bailey, da direita norte-americana, disse: "A maneira pela qual o FMI está cobrando a dívida externa da América Latina está destruindo a classe média no continente e criando uma situação explosiva, prestes a estourar diante da segurança nacional dos Estados Unidos." Norman Bailey, da direita americana, do Conselho de Segurança do Governo daquele artista que andava a cavalo, Reagan, o cowboy, disse isso. Eles esperavam que explodíssemos numa reação contra o que estão fazendo conosco. Foi isso o que ele disse! Eu acho que diante disso não deveria haver defensores desse estado de coisas.  

Parece-me que, agora, diante do caos, existe uma ditadura bifrontal. Escutei o pronunciamento lúcido do Senador pelo Rio Grande do Sul, Pedro Simon, candidato a Presidente da República, como sempre com muita atenção. S. Exª disse estranhar o fato de o Presidente Antonio Carlos Magalhães ter dado um prazo de noventa dias para que o Governo resolvesse algumas contendas internas e desse resposta ao nosso grande problema, o do combate à pobreza.  

O Presidente Antonio Carlos Magalhães dar prazo ao Executivo? Se examinar esse comportamento, como tenho feito, quietinho, no meu lugar, chego à convicção pronta e acabada, perfeita, de que existe uma ditadura compartilhada neste País: um ditador disfarçado no Executivo e um outro aqui, no Legislativo. O que aconteceu, ultimamente, foi que o Executivo não quis mais saber de compartilhar o poder e de estar sujeito a idas e vindas, semanas de beijinhos, semanas de abraços e semanas de tapas e beijos, sucessivamente, e resolveu trazer para si a briga entre desenvolvimentistas e monetaristas. Parece-me óbvio que o que aconteceu foi isso.  

O Sr. Clóvis Carvalho levou isso muito a sério. Ele não percebeu que aquilo não era para valer, era para ocupar o espaço e emudecer a Oposição, de quem eles cobram soluções – mas não nos deixam falar! Assim, essa briguinha interna entre monetaristas e o FMI, diga-se Malan, e desenvolvimentistas, diga-se Mendonça de Barros e Clóvis Carvalho, era para, obviamente, ocupar todo o espaço do discurso, ocupar as manchetes e não deixar ninguém aparecer.  

O nobre Senador Pedro Simon tem um papel importantíssimo e o está exercendo muito bem. S. Exª está introduzindo uma cunha nessa suposta cisão entre monetaristas e estruturalistas desenvolvimentistas. Isso era real e exerceu essa função obscurecedora há cinqüenta anos. Estou cansado disso! Cansei! Deus me livre de uma coisa dessas!

 

De modo que quando eu voltar a abordar este tema, com maiores detalhes e fundamentos para demonstrar que realmente o caminho foi esse, pretendo fazer esse discurso na presença do próprio Presidente do Senado, porque posso estar sendo injusto com o seu comportamento, ou S. Exª também pode estar se comportando de uma maneira, no bom sentido, inconsciente, ou seja, sem ter consciência exata do papel que está representando, o que é muito comum.  

O Sr. Pedro Simon (PMDB - RS) - Talvez, V. Exª também possa fazer esse debate - isso seria interessante - no seminário do PT, quando será feita uma conferência.  

O SR. LAURO CAMPOS (Bloco/PT - DF) - Vou confessar que, tal como V. Exª, sou esquecido pelo PT. Só participei de um debate dos intelectuais do PT. Quando se fala em intelectual, eu me arrepio; sempre me arrepiei. E sou primo do Chico Campos, por exemplo, que foi um brilhante intelectual da Direita brasileira. Meu pai também era professor catedrático, professor de Filosofia. Eu poderia, então, ter muito orgulho em ser considerado um intelectual, mas, pelo contrário, para mim, intelectual... Já escrevi sobre isso.  

O Sr. Pedro Simon (PMDB - RS) - Não me leve a mal. V. Exª me perdoe, mas, querendo ou não, V. Exª é um intelectual! É um intelectual no bom sentido, com boas idéias, com profundo conteúdo. Dessa, V. Exª não se livra! V. Exª é um profundo intelectual!  

O SR. LAURO CAMPOS (Bloco/PT - DF) - Agradeço a V. Exª, mas não tenho tempo aqui de explicar aquilo que considero ser um intelectual: um ser frágil, um ser medroso, que tem medo de perder o emprego.  

O Sr. Pedro Simon (PMDB - RS) - Sob esse ponto de vista, V. Exª não tem nada de intelectual.  

O SR. LAURO CAMPOS (Bloco/PT - DF) - Um trabalhador, um pedreiro, tem medo de perder o emprego? Não tem coisa nenhuma!  

A Srª Heloisa Helena (Bloco/PT - AL) - É por isso, Senador Pedro Simon, que digo que o Senador Lauro Campos é o mais jovem deste plenário.  

O SR. LAURO CAMPOS (Bloco/PT - DF) - Ele não é um intelectual. Ele tem um instrumento de trabalho que lhe dá confiança e fé durante a sua vida. Acabando o serviço de encanamento ali, ele está desempregado, mas sabe que tem uma ferramenta na mão e que um dia retornará ao trabalho para, com o seu suor, ganhar o pão do dia-a-dia.  

Não acredito nos tais dos intelectuais orgânicos do Antonio Gramsci. Não acredito nessas figuras produzidas pelo partido e que estão identificadas realmente com os interesses dos trabalhadores e da população. Não acredito neles!  

Há muitos anos, quando lembraram de mim e me convidaram para participar daquele debate, já cheguei ali como se estivesse em um banquete errado. E lá pedi que, pelo amor de Deus, não me incluíssem nesse rol de intelectuais, porque eu não me sentia bem com esse apodo imerecido e que eu o via nesse sentido crítico.  

Sr. Presidente, para concluir o meu pronunciamento - em breve, estarei ultrapassando o meu tempo -, quero dizer que me parece que, diante desse caos em que nos encontramos, o Governo está totalmente engessado, sem poder escolher coisa alguma, sem poder escolher nem entre monetarismo e estruturalismo. O Governo não pode fazer nada, está paralisado e incorporou alguns ingredientes paralisantes, entre eles o equilíbrio orçamentário. Se se faz o equilíbrio orçamentário - a história econômica do mundo já provou -, desequilibra-se a vida, desempregando trabalhadores. Com o equilíbrio orçamentário, é preciso aumentar as receitas e castigar mais o povo, que, nessa situação, já se encontra, em grande parte, com fome.  

Existe um processo de transferência de uma carga tributária, que atinge uma classe superior, para as que estão debaixo. É por isso que no Brasil as grandes fortunas e os grandes banqueiros não pagam Imposto de Renda, porque eles têm mecanismos para transferir a repercussão dos impostos sobre aqueles que trabalham, sobre os que estão destinados à miserabilidade.  

Por que a inflação acabou? Estava lendo o livro The death of Inflation . Eu escrevi isso. É ruim envelhecer por isso. Há muitas vantagens a velhice, mas essa não. Ter de escutar, escutar novamente, desaprender para ver se aprende de novo! Gosto muito de aprender! Então, naquela ocasião, eu já havia percebido...  

O Sr. Pedro Simon (PMDB - RS) - V. Exª pelo menos tem uma vantagem: não precisa esquecer tudo o que escreveu.  

O SR. LAURO CAMPOS (Bloco/PT - DF) - Realmente. Inclusive, um aluno meu, que veio do Pará para trabalhar comigo, sabe de cor tudo que escrevi na minha vida. Ele fez mestrado e doutorado na Sorbonne e é Professor da Universidade do Pará. Foi meu aluno, e eu o trouxe aqui para ser o apoio da minha memória, para ser o auxiliar dessa minha desmemória, que já começa.  

Naquela ocasião, eu já sabia que a inflação iria se esgotar. Essa morte da inflação, que está nesse livro americano badalado, eu já havia previsto em 1957. A inflação ia se esgotar, ia perder o seu poder de reduzir salários. O que o capitalista quer? Reduzir salários. A inflação, de acordo com Keynes, baixa a taxa de juros. Estamos em uma seca, e, ao enxugarmos, a taxa de juros foi a 45% ao ano. Quando se aumenta a oferta de dinheiro, obviamente se provoca a inflação e a queda da taxa de juros.  

Os gastos do Governo, que passam a ser inflacionários porque são feitos acima das receitas - é uma despesa acima da receita -, começam a reabsorver a mão-de-obra que a máquina e a crise desempregaram. Desse modo, a inflação era a solução.  

Os Estados Unidos decuplicaram suas despesas de guerra na época de Roosevelt, em 1939. Depois, durante a Guerra Fria, US$13 trilhões foram gastos em armamentos. Se não houvesse esse desequilíbrio orçamentário e essas emissões... Keynes, que era um gênio do capitalismo, disse que a inflação é o elixir que dinamiza o sistema, mas também é um remédio vergonhoso. É como se alguém precisasse beber para encontrar um certo equilíbrio. Então, o Governo entra para a liga antialcoólica de dia e provoca a inflação à noite, porque, se não recorrer à inflação, entra em desespero e é posto na camisa-de-força. Seus inner conflicts , seus problemas internos, suas neuroses afloram, e, então, ele tem de beber, mas não pode fazê-lo porque o remédio é vergonhoso.  

Parece-me que agora deverá haver uma inflação de 84%, aquela do último mês do Presidente Sarney, e não mais uma inflação de 4%, 5% ou 6% ao ano como a do tempo do Governo de Getúlio, na década de 40. Por que agora a inflação tem de ser de 84% ao mês? Porque aquelas doses antigas de remédio produziram efeitos colaterais. Aquelas doses pequenas de remédio já não encontram respostas no organismo, não são mais um elixir. Então, é preciso aumentar a dose, e aumentaram até 84% ao mês a taxa de inflação. E a 84% ao mês a inflação atrapalha o cálculo econômico, deixa de ser a solução para ser realmente um problema. E eles precisam acabar com a inflação. Surgem, por conseguinte, os planos monetaristas, os planos do FMI para acabar com a inflação. É preciso acabar com a inflação, porque é um remédio envergonhado, a unidade das soluções. Dessa forma, no lugar da inflação, tem que haver um instrumento de redução do salário. Congelam-se os salários, em nome de uma economia liberal. Que liberalismo é esse? Congelam-se os salários e deixam os preços irem subindo devagarzinho, mas aumenta-se a taxa de juros para se consumir menos. Não se repõem salários; e hoje estou perdendo 69,2% ao mês de meus vencimentos! Tenho saudade da inflação, que era de 84% ao mês, mas, no mês seguinte, davam-me reposição integral dos salários. É muito pior essa inflação que vai roendo aos poucos, em vez daquela outra que mordia de uma vez os nossos salários e vencimentos. Qual é a escolha que temos - triste escolha! - entre a inflação do Presidente Sarney, de 84% ao mês, com reposição no mês seguinte, e essa disfarçada, cínica, que vai corroendo aos poucos os nossos salários e vencimentos? E, para fazer isso, têm que reduzir a demanda, o consumo, desempregar trabalhadores, demitir funcionários e criar uma taxa de câmbio que permita que o Brasil seja invadido por mercadorias cujos preços não podem encontrar uma concorrência, um mercado nacional capaz de concorrer com elas.  

Acabaram com o mercado em nome do mercado. Acabaram com a possibilidade de os brasileiros chegarem com seus produtos aos mercados que foram invadidos por mercadorias estrangeiras. E agora? Agora estão querendo que se resolva, sem espaço, sem assessoria, sem tudo, sem nada; querem que a Oposição dê seus conselhos, que encontre as soluções. Sempre fui contra governo paralelo. Num outro encontro do PT, escrevi mostrando o absurdo do governo paralelo. A função da Oposição é fazer oposição, não é aconselhar o príncipe.  

No século passado, um ancestral meu foi Presidente do Conselho de Ministros, Ministro da Fazenda. Durante toda sua vida ele havia sido Oposição. No entanto, quando assumiu o Ministério, começou a criticar o governo, que era ele mesmo. De modo que me orgulho muito dessa tendência, dessa minha modesta capacidade crítica de encontrar oportunidades, o que essa situação oferece.  

Imaginem se o nobre Senador Pedro Simon estivesse na tribuna e eu o estivesse aparteando por um longo tempo? Eu seria realmente atingido pela sua grande capacidade de defesa do seu espaço, da sua fala. Mas parece que, dessa vez, sem nenhum planejamento ou alguma previsão, a coisa ficou boa. S. Exª teve quase uma hora para falar e eu me dou por satisfeito, embora saiba que esses problemas a que me referi podem apenas ser tangenciados. Mas o principal do meu pronunciamento é afirmar que existe, neste País, uma ditadura bifrontal muito bem articulada, com discrepâncias aparentes. Mas, do meu ponto de vista, é isso que acontece.  

Assim, a Oposição deve se calar, não tem espaço para ela. A briga, o conflito passou para dentro dos Poderes e, agora, para dentro do Executivo. E lá a bomba explodiu no colo - como já aconteceu antes, por exemplo, no Rio Centro -, a bomba explodiu no colo do imperito Clóvis Carvalho.  

E como a Oposição não tem espaço para falar, eu me calo.

 

Muito obrigado.  

 


Este texto não substitui o publicado no DSF de 11/09/1999 - Página 24077