Discurso no Senado Federal

NECESSIDADE DE O BRASIL APOIAR E EXIGIR DA ONU O ENVIO IMEDIATO DOS 'CAPACETES AZUIS' PARA O TIMOR LESTE.

Autor
Jefferson Peres (PDT - Partido Democrático Trabalhista/AM)
Nome completo: José Jefferson Carpinteiro Peres
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA INTERNACIONAL.:
  • NECESSIDADE DE O BRASIL APOIAR E EXIGIR DA ONU O ENVIO IMEDIATO DOS 'CAPACETES AZUIS' PARA O TIMOR LESTE.
Publicação
Publicação no DSF de 15/09/1999 - Página 24362
Assunto
Outros > POLITICA INTERNACIONAL.
Indexação
  • QUESTIONAMENTO, OMISSÃO, ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS (ONU), INTERVENÇÃO, PAIS ESTRANGEIRO, TIMOR LESTE, IMPEDIMENTO, VIOLENCIA, ATENTADO, INTIMIDAÇÃO, AGRESSÃO, DIREITOS HUMANOS, INVALIDAÇÃO, RESULTADO, PLEBISCITO, APOIO, INDEPENDENCIA.
  • INTERPELAÇÃO, POSIÇÃO, GOVERNO BRASILEIRO, DEFESA, NECESSIDADE, APOIO, PAIS ESTRANGEIRO, TIMOR LESTE, EXIGENCIA, ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS (ONU), URGENCIA, REMESSA, FORÇA ESPECIAL, PAZ.

O SR. JEFFERSON PÉRES (Bloco/PDT-AM) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, neste momento, milhares de homens, mulheres, velhos e crianças do Timor-Leste estão sendo perseguidos, pilhados, expulsos de seus lares, aterrorizados, violentados e assassinados. Seu único "crime": falarem a nossa língua e compartilharem uma herança cultural que, em grande medida, também é nossa.  

Este pequeno grande povo paga com a própria vida a audácia de afirmar sua identidade, democraticamente no plebiscito de 30 de agosto que aprovou, por maioria de 78,5% dos votos, a independência do Timor Leste.  

O genocídio perpetrado por paramilitares indonésios, com o aparente beneplácito dos governantes e generais de Jacarta, cobre de vergonha a consciência democrática e humanitária do Ocidente, forçando-nos, implacavelmente, a enfrentar uma série de dolorosas questões.  

Em primeiro lugar, como explicar a apatia das Nações Unidas, promotora do plebiscito, e que agora parece concentrada apenas em retirar os funcionários da Unamet, missão na capital, Díli? Por que o secretário-geral Kofi Annan e outros dirigentes da ONU --a serem verdadeiras as revelações da Radio Televisão Portuguesa (RTP)-- ignoraram ou desconsideraram relatório encaminhado por membros da Unamet prevendo com todos os pormenores o que tem acontecido nas últimas semanas? O documento divulgado pela RTP relata uma reunião ocorrida em 24 de julho último, entre militares indonésios e líderes da minoria timorense antiindependência, na qual ficou decidida uma escalada de intimidações e atentados para invalidar na prática o previsível resultado das urnas. Com o apoio tático e operacional dos serviços secretos de Jacarta, os milicianos pró-Indonésia desencadeariam o terror em seguida à divulgação dos números do plebiscito. Para tanto, teriam à sua disposição seis mil homens e dois mil fuzis M-16, além da cobertura dos batalhões 744 e 745, baseados em Díli e parcialmente integrados por membros das milícias Aitarak, Makikit, Halilintar e Mahidi.  

Vale salientar, Sr. Presidente, que esses batalhões indonésios estavam estacionados na capital do Timor Leste, com a missão oficial de garantir a segurança do pleito, no marco de compromisso assumido pelo governo de Jacarta perante a ONU em maio deste ano. Agora que esse compromisso foi traído, a lei marcial decretada pela Indonésia serve apenas para secundar o caos e a destruição propagados pelos milicianos. Para fugir desse inferno, pelo menos 60 mil Timorenses já cruzaram a fronteira da zona ocidental da ilha. Para trás, ficaram cerca de 200 cadáveres só na praia de Díli. Informes da Cruz Vermelha divulgam a estimativa de milhares de mortes na capital e no interior. Os incêndios e tiroteios não poupam sequer hospitais, escolas e igrejas.  

Minha segunda indagação é: por que a segurança e a vida da população de uma distante ilha asiática não sensibiliza o governo dos Estados Unidos, ao passo que a violência étnica na franja balcânica da Europa desenvolvida mobiliza gigantescos recursos estratégicos e logísticos da superpotência americana? E, aqui, aproveito para fazer meus os questionamentos do escritor português José Saramago, prêmio Nobel de Literatura do ano passado, em recente artigo ao diário espanhol El País. "Quanto pesa", pergunta o autor do Memorial do Convento , "o povo do Timor-Leste na balança política mundial? Qual a cotação de um habitante de Díli na Bolsa de Nova York?"  

Também faz sentido repercutir, nesta linha de indagação, a angustiante e desafiadora pergunta lançada ao mundo por outro Prêmio Nobel, no caso, da Paz de 1996 o líder exilado do movimento da independência do Timor-Leste José Ramos-Horta, que partilhou essa láurea com seu compatriota, o heróico bispo de Díli, dom Carlos Ximenes Belo. Pergunta Ramos-Horta: "O que está a fazer o Ocidente, o mesmo Ocidente que interveio na Bósnia, na Sérvia e bombardeou o país em nome dos direitos humanos, para impedir essa nova limpeza étnica?". É o próprio Ramos-Horta que responde, em uma amarga constatação: "O Ocidente não está sequer a considerar sanções econômicas e financeiras contra a Indonésia". E prossegue: "Acho extraordinário que as autoridades do Banco Mundial consigam dormir à noite sabendo que a instituição continua a desembolsar fundos, centenas de milhões de dólares de dinheiro público para financiar um regime despótico que comete genocídio! Os países que foram à guerra contra a Sérvia por causa de Kosovo são os mesmos que forneceram armas e treinamento militar à Indonésia, possibilitando que esse genocídio ocorra no final do século XX", conclui o intimorato timorense.  

E, para finalizar Sr. Presidente, Sras. e Srs. Senadores, dirijo uma terceira ordem de indagações ao Palácio do Planalto e ao Itamaraty. O que o governo brasileiro, por intermédio do Ministério das Relações Exteriores, tem feito no sentido de prestar uma solidariedade concreta e efetiva ao povo do Timor-Leste? Quais foram as providências práticas tomadas até agora pela diplomacia brasileira no sentido de ajudar a pôr um ponto final na matança, além do envio de uma carta do presidente Fernando Henrique Cardoso ao chefe de Estado indonésio, B.J.Habibie? De que forma nosso país, que ora tem assento no Conselho de Segurança da ONU, pretende sensibilizar aquele alto colegiado em prol da vida, da paz, da dignidade humana e do respeito à vontade democrática do povo do Timor-Leste? Como o Brasil vai fazer valer seu peso específico no seio da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa para deter a matança, conter os sicários pró-Indonésia e cortar o apoio que recebem de Jacarta?  

Por tudo o que a nação brasileira representa como um dos frutos históricos e culturais mais expressivos do "mundo que o português criou", na expressão cara a Gilberto Freyre, glória da sociologia mundial e o mais eminente dos lusotropicologistas, não podemos nos mostrar passivos diante do estupro do Timor-Leste. Tampouco devemos aceitar, como pretexto para essa paralisia, o especiosismo de fórmulas diplomáticas e burocráticas que só servem para sancionar a lei do mais forte.  

O Brasil precisa proclamar, para o seu povo e para os governos do mundo inteiro, que a Indonésia deixou de honrar sua parte no acordo assinado em 5 de maio deste ano, com Portugal e com a ONU convocando o plebiscito, e que, por isso, cessam todas as restrições ao envio de uma força de paz internacional ao Timor-Leste, ainda que sob os mais veementes protestos de Jacarta.  

Em suma, nosso país deve apoiar e exigir, sem rebuços, nem meias palavras, o envio imediato dos "capacetes azuis" da ONU ao Timor Leste, única forma de interromper a aniquilação de um povo cujo único "pecado", repito, é falar a nossa língua portuguesa e ter a coragem de afirmar democraticamente uma identidade cultural cuja herança compartilhamos há cinco séculos.  

Muito obrigado, Sr. Presidente!  

 


Este texto não substitui o publicado no DSF de 15/09/1999 - Página 24362